14 novembro 2022

Crítica do individualismo aplicado: do "Enfermeiro da Noite" à Operação Lava-Jato

Na Netflix há dois documentários e um filme sobre o assassino “Enfermeiro da Noite”, que matou dezenas, talvez centenas de pessoas em hospitais dos EUA entre as décadas de 1980 e 2000. Eu assisti a um desses documentários; ele tem alguma coisa como 1h 40, mas poderia muito bem ter a metade dessa duração: é arrastado, excessivamente dramático, muito piegas. Esses defeitos são tão evidentes que o tema do documentário fica totalmente eclipsado. Mas, enfim, após uma investigação de alguns meses e muitas denúncias, o assassino foi pego, confessou, foi julgado e condenado.

A ênfase do documentário – cujo nome não lembro, mas isso não faz diferença para o que me interessa – é nas pessoas, ou melhor, nos indivíduos: o assassino, os assassinados, as famílias, os colegas, os investigadores, os administradores dos hospitais. Há apenas indivíduos, mais ou menos culpados, mais ou menos inocentes.

A ênfase nos indivíduos fica bastante evidente quando, no documentário e nas reflexões finais, comenta-se a responsabilidade dos administradores dos hospitais onde o assassino trabalhou; ao que parece, ele foi seguidamente pego em seus crimes, mas os administradores nada fizeram, ou melhor, acobertaram-no. Há, claro, um elemento de responsabilidade individual aí, mas a questão é que o sistema de saúde dos EUA estabelece uma competição entre os hospitais pelas verbas; se um escândalo desses surge, as verbas cessam e os administradores – que são pessoas com muitas responsabilidades – têm que se preocupar com a manutenção dos serviços, os empregos dos empregados etc. Assim, no sistema prevalecente nos EUA, os administradores vêem-se entre duas exigências contraditórias: acobertar os crimes mas manter os empregos, ou denunciar o(s) criminosos e acabar com todos os empregos e serviços. Os administradores escolhem a permanência das instituições.

Insisto: é um sistema que, em nome do individualismo, em vez de eliminar um dilema inaceitável, estimula a irresponsabilidade criminal, ao obrigar os administradores a escolher, sem mais, entre a responsabilidade social e a responsabilidade criminal.

O documentário, sendo estadunidense, ao mesmo tempo que escolhendo a pieguice, ignora ou despreza um sistema que estimula a irresponsabilidade criminal.

Mas, enfim, isso é problema dos EUA, não brasileiro – pelo menos não é nosso até o ponto em que as instituições dos EUA são apresentadas como modelares e copiadas mundo afora. Como demonstra o exemplo escabroso do racismo institucionalizado dos EUA, com suas cotas racistas, mesmo as instituições mais burras e imorais podem ser (e são) exportadas e copiadas por outros países, entre eles o Brasil.

A última reflexão que esse documentário sugere-me é a respeito da Operação Lava-Java. Indiquei acima que os administradores de hospitais, devido à estrutura do sistema de saúde dos EUA (ou melhor, dos valores sociais, das instituições sociopolíticas e das leis que regem os hospitais de lá), vêem-se obrigados a escolher entre dois tipos de responsabilidades que, lá, são mutuamente excludentes – e, por pior que seja, escolhem manter empregos.

Ao longo da década de 2010, a Operação Lava-Jato – com a militância fanática, ultraprincipista e completamente alheia às consequências sociais de suas ações de seus procuradores da República e seu juiz exclusivo – impôs aos investigados o mesmo tipo de escolha entre opções contraditórias e mutuamente excludentes, com os piores resultados possíveis.

Os operadores da Lava-Jato impuseram aos investigados – muitos deles condenados apenas porque eram suspeitos – duas opções: ou não falavam nada e eram condenados por muito, muito, muito tempo, ou colaboravam e suas penas eram reduzidas. A pegadinha nessa oposição é que as colaborações implicavam – no caso das empreiteiras – que as empresas iriam à falência, gerando interrupção de obras, desemprego e ruína pessoal.

Insisto: durante sua atividade, os operadores da Lava-Jato adotaram uma perspectiva que era ao mesmo principista, individualista e unilateral; eles demonstraram um desprezo olímpico, ou melhor, um desprezo bíblico pelas consequências sociais de suas ações, no que se refere à manutenção das empreiteiras, de suas atividades e dos seus empregos. Apenas a caça à corrupção, ou melhor, apenas a caça aos corruptos importava. Os corruptos muitas vezes foram aqueles que a própria Operação Lava-Jato decidiu que eram corruptos, independentemente de provas; além disso, se haveria consequências em termos de desemprego, para a turma da Lava-Jato isso seria desprezível ou um pequeno e aceitável preço a pagar.

A Lava-Jato, portanto, escolheu impor a falência das empreiteiras; ela escolheu ser individualista e principista; ela escolheu gerar desemprego. O “superjuiz” dissera, lá por 2010, que queria que o sistema político brasileiro ruísse, bem como as empresas que o financiavam deveriam ruir. O procurador-pastor chantageou muitas empresas, ganhando milhares de reais em palestras e viagens (para si e para sua família), em troca de sua “boa vontade” nas investigações. Tanto o “superjuiz” quanto o procurador-pastor foram eleitos em 2022: eles terão emprego pelos próximos quatro a oito anos. Para eles, a imposição do desemprego e da falência das empreiteiras foi um pequeno custo para suas eleições, ops, no seu “combate à corrupção”.

Nos EUA, os administradores de hospitais vêem-se obrigados a fazer escolhas em dilemas impostos por aspectos muito fundamentais de suas sociedades; a recusa dos estadunidenses de tratarem seus problemas em termos sociológicos terá sempre resultados trágicos. No Brasil, a Operação Lava-Jato escolheu, conscientemente, impor a abordagem individualista e mandar às favas a manutenção de empregos: entretanto, se eles fizeram essa desastrosa escolha, não há porque os demais brasileiros referendem e repitam essa decisão.

09 novembro 2022

Maxmiliano Pinheiro: Positivismo, trabalho e pacto com os subalternos

No dia 3 de novembro realizou-se mais uma Live AOP, tendo como convidado Maxmiliano M. Pinheiro, que apresentou a conferência intitulada "Positivismo e política trabalhista: o pacto com os subalternos".

Sem concordarmos com tudo o que foi dito, o fato é que se tratou de uma exposição extremamente interessante, que recupera os aspectos largamente positivos da ação dos positivistas no Brasil - aspectos de modo geral negligenciados, quando não negados e/ou deturpados.

A gravação da conferência está disponível aqui (no canal Positivismo, do Youtube). Reproduzimos abaixo as anotações que serviram de base para a exposição de Maxmiliano Pinheiro. 

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Positivismo e política trabalhista: o pacto com os subalternos

 

Maxmiliano Martins Pinheiro

 

1- A questão proletária em Augusto Comte e a missão de Raimundo Teixeira Mendes

- A importância da conciliação de classes em Comte: o pacto com os subalternos.

- O patriciado e o proletariado como classes na sociologia comtiana: a função social conforme o princípio aristotélico.

- A defesa de um projeto trabalhista como prerrogativa para a hierarquia social: teoria positiva do salário e políticas sociais (moradia e instrução pública).

- O positivismo e as correntes revolucionárias do século XIX: méritos e deméritos do comunismo e do socialismo.

- Aspectos da sociologia política de Comte: estática e dinâmica sociais, separação entre poderes temporal e espiritual.

- Raimundo Teixeira Mendes e a causa abolicionista: censuras implacáveis à escravidão no Brasil e elaboração de um plano de regulação do trabalho.

- O projeto trabalhista de Teixeira Mendes em 1889: modo de elaboração, garantias contempladas na lei e propósitos em torno da elevação material e moral do proletariado brasileiro.

- O abandono do projeto trabalhista de Teixeira Mendes: prenúncio de resistência das elites nacionais.

 

2- A influência positivista no trabalhismo após a Primeira República

2.1- Era Vargas (1930-45)

- Fatores históricos: entrada do Brasil no processo de industrialização capitalista nos anos 1930, movimentos sindicais e esforços para a construção do capitalismo social.

- Manifestações positivistas ao longo da Primeira República: contribuição de Júlio de Castilhos para o direito trabalhista (regulamentação do trabalho nos serviços de drenagem das lagoas dos Patos e Mirim), Borges de Medeiros, a greve de 1917 e o decreto n. 2.432 que estabelecia garantias aos funcionários públicos, a apresentação do projeto de legislação trabalhista do deputado João Pernetta em 1919.

- Getúlio Vargas: o trabalhismo como principal herança positivista após a Revolução de 1930

- A atuação de Lindolfo Collor no Ministério do Trabalho (1931-32):

- Defesa das regras do direito privado e do sindicalismo à luz da sociologia comtiana: o primeiro decorre das necessidades do coletivo da sociedade, enquanto o segundo exprime o instrumento de negociação dos direitos entre as classes sociais.

- A noção do sindicalismo de Lindolfo Collor ilustra o “pacto com os subalternos”, visto que concebe o direito sindical como um contrato que se erigiu acima do indivíduo-patrão e do indivíduo-operário, regulando os interesses e obrigações dos patrões e dos trabalhadores.

- Medidas de proteção social defendidas por Lindolfo Collor: prerrogativa do salário-mínimo, previdência social, regulação do trabalho do menor e da mulher, e a controversa Lei da Sindicalização de 1931 – algumas modificações em comparação ao projeto de Teixeira Mendes.

- Razões da renúncia de Lindolfo Collor ao Ministério do Trabalho: falta de apoio de Vargas, instabilidade política assentada na resistência das oligarquias locais e no recrudescimento dos militares através do tenentismo, e oposição do empresariado que não aceitava o sindicato e a intervenção estatal.

2.2- A ressignificação positivista do “pacto com os subalternos” no período de redemocratização do Brasil (1945-64):

- Criação dos partidos getulistas PSD e PTB como instrumentos de conciliações entre as classes dominantes e trabalhadoras; a UDN como oposição dos segmentos descontentes.

- PSD: partido da elite rural e das antigas interventorias regionais que incluíam figuras positivistas como João Neves da Fontoura e Protásio Vargas; UDN: partido heterogêneo que incluía as elites excluídas durante o Estado Novo, empresários, militares e figuras positivistas como Borges de Medeiros e Flores da Cunha (migrando para o PTB no final de sua carreira).

- PTB: partido que teve maior influência positivista devido à sua afirmação presidencialista e ao fato de configurar uma alternativa dos trabalhadores e dos sindicatos frente ao comunismo. Impactos do positivismo nas lideranças gaúchas ao longo do século XX: o governo tem o dever fundado na natureza da sociedade de promover a justiça social atendendo às justas reivindicações do proletariado. Presença de Alberto Pasqualini: intelectual que aglutinou no PTB o lema positivista da incorporação do proletariado à sociedade moderna, o trabalhismo inglês, a doutrina social católica e a social-democracia.

- Getúlio Vargas e a redemocratização: reverberação positivista do “pacto com os subalternos”, conciliando as aspirações de um partido de centro-esquerda (PTB), com outro nitidamente conservador (PSD), ofuscando a hegemonia de esquerda e possibilitando um sistema eleitoral bem-sucedido que garantiu a sucessiva vitória de três presidentes (Dutra, Vargas, JK).

- Seu último governo é marcado por uma política conciliatória de forças políticas divergentes, confiando ministérios ao PSD (principalmente), UDN e PTB. As grande inovações de Vargas foram o fortalecimento da Petrobrás, o aumento significativo do salário-mínimo, e a escolha de João Goulart como ministro do trabalho, que estabelecia negociações diretas com sindicalistas. Tais deliberações causaram um grande mal-estar entre empresários e militares.

- João Goulart (1961-64): herda um governo conturbado e de forte instabilidade política tanto pela renúncia de Jânio Quadros, como pela implacável resistência entre os diversos setores conservadores da sociedade brasileira (latifundiários, militares, empresários, imprensa, parlamentares) contra ele.

- Assume definitivamente a presidência após a vitória plebiscitária do presidencialismo. Consegue criar o Estatuto do Trabalhador Rural e impulsiona as reformas de base que pleiteavam a reforma agrária, a reforma política com extensão do direito de voto aos analfabetos e praças de pré, reforma universitária, reforma constitucional, e consulta à vontade popular por meio de plebiscitos. Cumpre elucidar que a reforma agrária, a reforma política e a consulta plebiscitária não eram estranhas ao positivismo, observando sua trajetória no Brasil.

- Vários fatores contribuem para o golpe de 1964 que retirou Jango da presidência: forte ingerência estadunidense, reação dos latifundiários contra relação às Ligas camponesas e ao Estatuto do Trabalhador Rural, influência cada vez maior dos militares na política, oposição sistemática e implacável dos empresários e de boa parte do parlamento (UDN e PSD), cerceamento da imprensa contra o governo, entre outros.

- Enfim, o governo Jango configura o fim do elo entre o positivismo dos republicanos e a tendência nacionalista que, sob a égide do getulismo, norteou a política brasileira durante décadas. Trata-se do desfecho do “pacto com os subalternos”, uma política conciliatória entre as elites e trabalhadores, que encontrou sustentabilidade no positivismo comtiano, assim como em outras vertentes políticas. 

Anotações sobre a teoria positiva dos deveres

No dia 4 de Frederico de 168 (8.11.2022), como de hábito, fizemos uma prédica positiva; na parte da leitura comentada do Catecismo positivista, demos continuidade à teoria geral do culto, começando a abordar a oração positiva. Já na parte de sermão, abordamos aspectos da teoria positiva dos deveres.

Essa exposição da teoria dos deveres foi pensada como um complemento, ou melhor, como o antecedente lógico e moral da teoria da felicidade (que, por sua vez, foi exposta na prédica anterior).

Sem pretender esgotar a teoria positiva dos deveres - bem longe disso! - as anotações que serviram de base para a exposição estão disponíveis abaixo. A exposição oral está disponível aqui (no canal Positivismo do Youtube) e aqui (no canal Apostolado Positivista do Facebook), a partir de 48' 30".

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Anotações sobre os deveres

 

-        O ser humano é um ser relacional: as suas relações constituem a sociedade e tornam humano o ser humano

o   Qualquer que seja o objetivo, o ser humano precisa sempre se relacionar para atingir as metas

o   Evidentemente, tanto o egoísmo como, principalmente, o altruísmo exige as relações

§  Como sabemos, por definição o altruísmo baseia-se nas relações humanas

o   Dessa forma, as relações sociais têm que ser afirmadas e estimuladas, quer seja para que o ser humano progrida materialmente, quer seja para que, em particular, progrida moralmente

o   De uma perspectiva moral e política, a afirmação das relações consiste nos deveres, que constituem precisamente as relações mútuas entre grupos e indivíduos

o   Uma outra forma de entender os deveres consiste nas obrigações que os grupos (e os indivíduos) mantêm entre si, no sentido de satisfazerem determinadas necessidades e responsabilidades

-        Como dizia Clotilde de Vaux, “para criar sentimentos são necessários deveres”

o   Isso significa que as obrigações entre grupos (e indivíduos) estimulam e desenvolvem os sentimentos correspondentes

o   De modo mais específico: a felicidade individual é uma conseqüência do comprimento dos deveres (e, de maneira mais precisa, dos deveres altruístas), não o seu pressuposto ou a sua meta

-        Enquanto a noção de deveres é a forma positiva de estimular e regular as relações sociais, a noção teológica e, principalmente, metafísica é a noção de “direitos”

o   Os direitos são obrigações unilaterais que um grupo (ou um indivíduo) têm para com outros grupos (ou indivíduos)

o   De maneira mais direta e mais clara, uma outra forma de entender os direitos consiste em que eles são privilégios que determinados grupos (e/ou indivíduos) possuem e que podem exigir, de maneira unilateral, dos demais grupos (e/ou indivíduos)

§  O caráter fundamentalmente antissocial da noção de direitos é bastante claro, portanto

o   A noção de direitos tem um aspecto teológico e também pode ter um aspecto metafísico

§  Essas origens revelam-se na forma dos “direitos divinos” e, depois, nos “direitos naturais”

§  O aspecto teológico da noção de direitos evidencia-se quando a divindade estabelece para alguns grupos (e/ou indivíduos) a possibilidade de exigir unilateralmente dos demais a prestação de bens e/ou serviços

§  Já o aspecto metafísico dos direitos evidencia-se no rompimento dos vínculos mútuos entre grupos (e/ou indivíduos): nesse caso, a metafísica manifesta-se no caráter dissolvente dos direitos e, de maneira mais ampla, no caráter dissolvente dos antigos laços sociais

§  Tendo origem teológica e estendendo-se para a metafísica, os direitos e seu unilateralismo são absolutos e anti-relativos (e, como já vimos, não por acaso são anti-relacionais)

o   A constituição de uma sociedade positiva, humana, fraterna e relativa exige necessariamente, portanto, a substituição dos direitos pelos deveres

-        Reiterando: os deveres são mútuos

o   Os deveres mútuos são obrigações e responsabilidades que um grupo (e/ou um indivíduo) deve para outro(s) grupo(s) e este(s), por sua vez, deve(m) para o primeiro grupo

§  Os deveres mútuos implicam, portanto, responsabilidades de parte a parte, quando não responsabilidades compartilhadas

o   As responsabilidades variam, portanto, de grupo para grupo, da mesma forma que o tamanho dessas responsabilidades

·         Exemplo: o patriciado e o proletariado têm responsabilidades pelo menos em termos de manutenção e geração de riquezas materiais, cada qual em sua posição social

·         Mas as responsabilidades do patriciado são maiores: não apenas em termos de manutenção e aumento das riquezas (que, grosseiramente, podemos considerar apenas como a realização do lucro), mas principalmente em termos de pagamento de salários dignos para os proletários

o   A fórmula que resume as obrigações mútuas é esta: devotamento dos fortes aos fracos e veneração dos fracos pelos fortes

§  Na Antigüidade a veneração dos fracos era enfatizada; na sociocracia, o devotamento dos fortes tem maior importância

-        Os deveres têm um caráter moral e não político

o   Os deveres devem ter um caráter moral e não político devido a pelo menos dois motivos:

§  O caráter político (isto é, obrigatório) dos deveres torná-los-ia opressivos

§  O caráter moral dos deveres evidencia seu caráter facultativo e, portanto, também o valor da adesão a eles

o   Vale notar que o caráter moral e não político dos deveres consiste em uma aplicação adicional do princípio da separação entre os poderes Temporal e Espiritual

-        No que se refere aos “direitos”, ainda é necessário indicar que a palavra “direito”, nas línguas neolatinas, resulta em uma confusão, entre o ordenamento jurídico (Law) e os direitos como antideveres ou como não-deveres (rights); mas há que se distinguir entre uma coisa e outra


02 novembro 2022

Teoria positiva da felicidade

No dia 25 de Descartes de 168 (1º de novembro de 2022) fizemos mais uma prédica positiva. Demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua terceira conferência (teoria geral do culto) e, em seguida, fizemos comentários sobre o que podemos chamar de teoria positiva da felicidade.

Como de hábito, a prédica foi gravada ao vivo; ela está disponível no canal Positivismo (aqui) e no canal Apostolado Positivista (aqui). A partir de 52' 50" a exposição da teoria positiva da felicidade começa.

Para quem tiver interesse, reproduzo abaixo as minhas anotações pessoais que guiaram a exposição oral da teoria da felicidade.

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O que é ser feliz?

 

-        É uma sensação bastante pessoal, difícil de expressar e definir

o   Talvez seja possível definir da seguinte maneira: ser feliz é sentir-se realizado, é sentir-se pleno

§  Por sua vez, sentir-se realizado é sentir que os objetivos que se traça na vida foram, de alguma forma, atingidos

-        A felicidade pode durar mais ou menos e, talvez de maneira surpreendente, ela também pode ser maior ou menor

o   A ausência de felicidade não é a tristeza, nem a dor; é possível estar estável, sem alegria nem tristeza

§  A alegria não é o mesmo que a felicidade; a alegria é mais transitória e localizada; a felicidade é mais profunda e ampla – assim, é possível estar alegre sem estar feliz

o   Por outro lado, é importante notar que, embora ninguém deseje ficar triste, a tristeza faz parte da vida tanto quanto a alegria (ou a felicidade) – seja porque realmente todos temos momentos de tristeza, seja porque em certo sentido a tristeza dá sentido à alegria e à felicidade

-        Como em grande medida a felicidade é um sentimento pessoal, à primeira vista isso gera um problema para a harmonia social: afinal, sendo pessoal, não deixa de ser egoísta e a soma dos egoísmos não tem como produzir a felicidade coletiva

o   A solução para esse problema é fazer convergir a felicidade pessoal e o bem-estar coletivo - ou melhor, consiste em transformar o bem-estar coletivo em objetivo da felicidade pessoal

o   Essa é outra forma de apresentar o problema fundamental do ser humano, que consiste em, da melhora maneira possível, conjugar o egoísmo individual com o bem-estar coletivo

o   A solução apresentada acima – transformar o bem-estar coletivo no objetivo da felicidade pessoal – é uma outra forma de apresentar a solução indicada por Augusto Comte, que é subordinar o egoísmo ao altruísmo, dando uma orientação altruísta para o egoísmo

§  A metafísica, a partir de suas origens teológicas, opõe a felicidade individual ao bem-estar coletivo

·         Por um lado, o liberalismo afirma que a felicidade individual é sempre oposta ao bem-estar coletivo; a partir daí, muitas metafísicas políticas atuais (que com freqüência apoiam teologias morais) afirmam que só é possível ser feliz rejeitando a sociedade

·         Por outro lado, o comunismo afirma só o bem-estar coletivo e nega a individualidade (rejeitando, portanto, a noção de felicidade individual)

·         Isso deixa claro que nem o liberalismo nem o comunismo propõe soluções reais e verdadeiras para o problema da felicidade

o   Essa solução é possível porque, embora a sensação da felicidade seja em si mesma uma única, as fontes de sua obtenção variam de acordo com a época, com a sociedade, com a classe social etc., além de com o indivíduo: em outras palavras, os objetos e os objetivos da felicidade não são únicos e não são estáticos

§  Assim, pode-se orientar as concepções de felicidade rumo a projetos exeqüíveis, reais, relativos e simpáticos

o   Na orientação altruística do egoísmo e da felicidade individual, a mesquinhez própria ao egoísmo é depurada e a felicidade pessoal é enobrecida

-        Outros dois elementos integrantes da felicidade, que conduzem a ela, são os sentimentos de pertencimento e de objetivo na vida

o   Quando sentimos que pertencemos a algum grupo e que realizamos atividades que têm sentido, isto é, que resultarão em alguma coisa boa, também ficamos felizes

o   O sentimento de pertencimento e o sentimento de objetivo são diferentes entre si, embora com freqüência estejam profundamente vinculados

o   Assim como a felicidade em si mesma, o pertencimento e o sentido de missão podem ser profundamente egoístas – e aí os surgem os problemas com o bem-estar público

o   A solução para esses eventuais problemas é o mesmo já indicado:

§  Devemos todos sempre pertencer a grupos (famílias, pátrias, Humanidade; classes sociais, clubes, escolas, partidos, associações etc.), mas esse pertencimento deve sempre ser subordinado aos supremos interesses da Humanidade; se não se afirmar essa subordinação à Humanidade (e no sentido da continuidade histórica), os pertencimentos parciais podem sempre correr o risco de degradarem-se em termos egoísticos

·         É igualmente importante lembrar que reconhecer a Humanidade, isto é, reconhecer a realidade e também imagem idealizada da Humanidade consiste, por si só, em assumir um pertencimento

§  No que se refere aos objetivos, o que indicamos antes já basta para entendermos a solução positiva: os objetivos devem ser sempre altruístas e devem sempre se subordinar à noção superior de Humanidade

-        A felicidade é um sentimento mundano, ou imanente; ou seja, em última análise, ela só faz sentido para quem vê nesta vida o objetivo de suas ações

o   Os teológicos, em particular os monoteístas, mantêm uma relação complicada com a felicidade, na medida em que seus objetivos dirigem-se para uma suposta “outra” vida, basicamente negando esta vida; inversamente, os monoteístas que se realizam nesta vida mantêm relações complicadas com a própria fé

-        Os vários aspectos indicados até agora da felicidade positiva deixam claro que ela exige esforços ativos, nunca o quietismo, ou o afastamento ou a rejeição desta vida

o   Embora cada um, pessoalmente, deva procurar evitar a dor e o sofrimento e buscar a felicidade, sabemos que nem sempre isso é possível; a solução para isso não é afastar-se do mundo e adotar uma postura basicamente passiva: a solução é aprender a lidar com a dor e a aproveitar a felicidade

o   O afastamento do mundo e o quietismo são particularmente problemáticos também (1) porque são radicalmente egoístas e negam o caráter coletivo do ser humano, ao afirmar que a vida em sociedade é necessariamente, sempre e apenas fonte de sofrimento, e (2) porque não reconhecem que a vida ativa é a condição da felicidade e da regulação dos sentimentos e das idéias

o   Afirmar a vida ativa não é o mesmo que rejeitar o descanso ou que rejeitar a vida intelectual; também não é afirmar que devemos ficar o tempo todo ativos, mexendo-nos incessantemente: é apenas afirmar que vivemos, que essa vida implica a atividade e que essa atividade é o que permite a regulação humana que conduz à felicidade


26 outubro 2022

Miguel Lemos: celebração do 7 de Setembro

Abaixo apresentamos imagens de um extrato do opúsculo n. 4 da Igreja Positivista do Brasil, com o discurso sociolátrico proferido por Miguel Lemos (fundador e Diretor da Igreja Positivista do Brasil) para celebrar o 7 de Setembro, em 1881.

É notável indicar também que nesse opúsculo justifica-se a data de 7 de Setembro para representar a Independência do Brasil e, ao mesmo tempo, celebrar a figura de José Bonifácio por esse importante acontecimento. Tal celebração, além disso, ocorreu já no ano da fundação da Igreja Positivista do Brasil e, embora a independência do Brasil tenha-se constituído por meio da monarquia (de uma monarquia bastarda nas Américas, diga-se de passagem), nem por isso os positivistas foram mesquinhos em negar a José Bonifácio a importância de sua ação.

Agradeço a colaboração do amigo e correligionário Luiz Gustavo Mota pelo envio das fotos abaixo.








A bandeira nacional republicana não é fascista

Em face da presente situação social e política por que atravessa o Brasil - e, na verdade, bem vistas as coisas, o Ocidente de modo geral -, consideramos que não podemos omitir-nos; assim, elaboramos uma declaração, convertida em abaixo-assinado.

O abaixo-assinado está disponível aqui: https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR127657.

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A bandeira nacional republicana não é fascista

Os abaixo-assinados – quer sejam positivistas, quer não sejam positivistas; reconhecendo e respeitando os valores e princípios subjacentes aos símbolos nacionais brasileiros, em particular a bandeira nacional republicana; reconhecendo a dramática situação política, social, intelectual e econômica vivida pelo Brasil no ano de 2022; considerando a apropriação cada vez mais reiterada dos símbolos nacionais por grupos sociais e políticos particularistas, violentos e intolerantes – têm a dizer o seguinte.

1. Os valores da bandeira nacional

A bandeira republicana brasileira foi instituída como símbolo nacional em 19 de novembro de 1889, quatro dias após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Ela foi elaborada por Raimundo Teixeira Mendes a partir das indicações precisas do fundador da Sociologia, do Positivismo e da Religião da Humanidade, Augusto Comte.

Símbolo nacional maior por excelência, ela une de maneira simples, elegante e harmônica o desenvolvimento histórico e a continuidade social, ao manter o fundo verde e amarelo da bandeira monárquica e ao inserir a esfera estrelada azul e a divisa política “Ordem e Progresso”, próprias à evolução republicana do país. Assim, essa bandeira segue a inspiração de “preservar melhorando”, de acordo com as leis da sociologia dinâmica descobertas por Augusto Comte.

A frase “Ordem e Progresso” representa o ideal de unir indissoluvelmente duas perspectivas políticas até então opostas, o respeito à ordem e a necessidade de progresso. Separadas, cada uma dessas perspectivas torna-se antagônica em relação à outra, de tal maneira que a ordem transforma-se em ordem retrógrada e opressiva e o progresso torna-se caótico e também opressivo. Apenas a união das duas perspectivas, em que ambas sejam simultaneamente respeitadas e valorizadas, torna possível que cada uma delas seja cumprida. A ordem consiste na consolidação do progresso, ao passo que o progresso é o desenvolvimento da ordem; o vínculo entre ambos é o amor, que, em termos políticos, deve ser entendido em termos de fraternidade, respeito mútuo e tolerância.

Em particular, o respeito à ordem não equivale à submissão cega ou servil ao poder político; da mesma forma, a verdadeira relação entre o poder e os cidadãos não é a de um soldado que se submete ao seu comandante. Nada disso é liberdade ou cidadania, mas autoritarismo, militarismo e submissão abjeta.

2. A política positiva

A bandeira nacional republicana, bem como a divisa “Ordem e Progresso”, inspiram-se e representam os conceitos da política positiva; estes, por sua vez, podem ser sumariados como seguem:

-        subordinação da política à moral: subordinação da política aos princípios e valores maiores da Humanidade, em que a família subordina-se à pátria e a pátria subordina-se à Humanidade; subordinação das perspectivas específicas e particulares às concepções gerais e mais amplas; primado da publicidade e da racionalidade na vida coletiva, em particular nas ações com resultados públicos; afirmação dos deveres sociais, em particular responsabilizando claramente os fortes, os poderosos e os ricos por suas ações e omissões;

-        separação entre os poderes Temporal e Espiritual: rejeição de todo e qualquer clericalismo (teológico, metafísico e científico); rejeição do uso do Estado para promoção ou repressão de crenças, exceto no caso em que elas estimulem e/ou provoquem a violência; rejeição da eleição ou da indicação de sacerdotes para cargos públicos; defesa das liberdades de pensamento, de expressão e de associação;

-        pacifismo: rejeição de toda e qualquer violência na política (seja do Estado contra os cidadãos, seja dos cidadãos entre si), em particular na forma das agressões de policiais contra cidadãos; rejeição da atuação de militares e policiais na política; possibilidade de manifestar livremente as idéias e as concepções pessoais sem correr nenhum risco (físico e/ou profissional) por isso;

-        relativismo: prática da tolerância para com as diferentes crenças e religiões; respeito e proteção às comunidades indígenas; condenação de toda prática violenta na vida social.

3. Os fascistas contra o Positivismo

Desde pelo menos 2019, grupos fascistas e de extrema-direita têm manifestado a pretensão de tomar exclusivamente para si, de maneira sectária, a bandeira nacional republicana, incluindo aí o “Ordem e Progresso”. Diversas manifestações desses mesmos grupos evidenciam, entretanto, não somente que eles afastam-se dos ideais expressos na bandeira nacional republicana e no “Ordem e Progresso” como, ainda mais, são opostos e desprezam esses valores.

Assim, por exemplo, o mote do atual governo federal, que resume o programa fascista, é “Brasil acima de tudo e deus acima de todos”. Essa única frase rejeita ao mesmo tempo os princípios (1) da subordinação de todas as pátrias aos supremos interesses da Humanidade e (2) da separação dos poderes Temporal e Espiritual; inversamente, ela (1) estabelece como parâmetro de conduta o nacionalismo mais estreito e (2) estabelece a imposição oficial de doutrina teológica. Se isso não bastasse, o verso “Brasil acima de tudo” não por acaso retoma a frase empregada pelo regime nazista, “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles).

Da mesma forma, não podemos esquecer as reiteradas manifestações de profundo ódio e preconceito político desses grupos contra o Positivismo, com o que mais uma vez evidenciam que desprezam os valores da bandeira nacional e o “Ordem e Progresso”:

-        “Os positivistas são lixo que necessitam ser expurgados” (Carlos Bolsonaro, 8/3/2020)

-        “Os positivistas são o pior câncer do Brasil” (Carla Zambelli, 5/7/2020)

-        “Enquanto a gente não resolver o positivismo, a gente não consegue desmontar o comunismo, socialismo, a esquerda no Brasil” (Abraham Weintraub, 27/6/2022).

4. Declaração final

Os valores, os ideais, as concepções subjacentes à totalidade da bandeira nacional republicana, incluindo aí a divisa “Ordem e Progresso”, condensam os melhores e mais altos princípios da política moderna. Todos esses princípios são profundamente estranhos à filosofia e à prática do fascismo. Mais do que isso: como se sabe, o fascismo baseia-se no estímulo sistemático e no uso político da violência; na militarização e na “policialização” da sociedade; na imposição de crenças pelo Estado e na busca de supressão das crenças não oficiais; no nacionalismo extremado, na xenofobia, na intolerância.

É em virtude de todos esses motivos que afirmamos sem medo de errar:

A BANDEIRA NACIONAL REPUBLICANA NÃO É FASCISTA!

Teoria positiva da esperança

Na noite de 18 de Descartes de 168 (25 de outubro de 2022) fizemos nossa prédica positiva; como de hábito, após a leitura comentada do Catecismo Positivista (dando continuidade à terceira conferência, sobre a teoria geral do culto positivo), apresentamos reflexões gerais sobre um tema "livre"; o tema escolhido foi a esperança.

Para nossas reflexões sobre a teoria positiva da esperança, elaboramos algumas anotações, que reproduzimos abaixo.

Para quem quiser assistir e ouvir a nossa exposição (bem como a prédica), ela está disponível no canal The Positivism (https://www.youtube.com/watch?v=GRC37sXFaK4&t=1s) e no canal Apostolado Positivista (https://www.facebook.com/ApostoladoPositivista/videos/1180062485914834), a partir dos 56 minutos do vídeo.

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-        De um modo simples e geral, a esperança é o desejo de que algo bom aconteça (bem entendido: no futuro)

o   Assim, a esperança é uma combinação de sentimentos e intenção prática

o   A base positiva da esperança, evidentemente, é o dogma positivo e, mais especificamente, a ciência, isto é, o conhecimento das leis naturais:

§  É a máxima “saber para prever a fim de prover”, especialmente nas partes conexas de “prever” e “prover”

-        Na teologia, a esperança baseia-se na crença de que a divindade agirá de determinada maneira:

o   Como não se conhece efetivamente a divindade e apenas se atribui a ela o que se deseja dela, essa esperança não tem uma base racional

o   Deixando de lado os meros desejos, na medida em que essa esperança tem de fato alguma realidade, ela tem um fundamento puramente empírico

o   É um desejo-crença que se manifesta por meio de pedidos; esses pedidos consistem no essencial das orações teológicas

o   É uma crença “justificada” em última análise no raciocínio – completamente arbitrário – de que a divindade “age certo por linhas tortas”

o   Em última análise, a esperança teológica é o fundamento da crença – completamente irracional e arbitrária – de que o “reino dos céus” ocorrerá

-        Conforme a natureza real e relativa do dogma positivo, a esperança positiva tem outros fundamentos:

o   O conhecimento das leis naturais

o   A natureza altruísta do ser humano

o   Os dois aspectos acima, em que o segundo integra e altera o primeiro, podem e devem ser combinados, no que se refere à esperança, no princípio fundamental do dogma positivo: “os fenômenos mais nobres modificam os mais grosseiros subordinando-se a eles”

-        Quando a esperança positiva frustra-se:

o   A frustração não é entendida arbitrariamente como a divindade sendo surda a nós, como a divindade punindo-nos (pelo que quer que seja) e/ou como a divindade “agindo certo por linhas tortas”

o   A frustração é entendida como uma oportunidade de aprendizado e de correção do enunciado das leis naturais (e, portanto, do que e como esperar desse conhecimento) e também da nossa maturidade moral (em termos individuais e coletivos)

-        Dessa forma, o conceito positivo de esperança permite dignificar tanto a própria esperança (que se torna real, racional e relativa) quanto a oração (que deixa de ser um pedido e/ou uma humilhação e torna-se um esforço de autoaperfeiçoamento altruísta)


06 outubro 2022

Sobre a confiança

Na noite de 25 de Shakespeare de 168 (4 de outubro de 2022) apresentamos a nossa prédica positiva. Como de hábito, após a leitura comentada de um trecho do Catecismo Positivista (que, na ocasião, deu continuidade à terceira conferência, sobre a teoria geral do culto), fizemos comentários sobre um tema livre - e escolhemos a confiança.

Assim, reproduzimos abaixo as anotações que serviram de guia para a exposição oral do que poderia ser um esforço de elaboração de uma teoria positiva da confiança. Como sempre, comentários e observações são bem-vindos!

A prédica está disponível no canal Positivismo do Youtube; nossa proposta de teoria positiva da confiança aparece a partir dos 49 minutos: https://www.youtube.com/watch?v=FhtaKpLuOmE.

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-        A confiança integra a primeira lei da filosofia primeira (que é a lei fundamental): trata-se da hipótese mais simples, mais simpática e mais estética

-        Que é a confiança?

o   Em primeiro lugar, é o sentimento e a crença (subjetivos) de uma pessoa e/ou um grupo de que outra pessoa e/ou outro grupo fala a verdade, que suas ações correspondem (e corresponderão) ao que fala à é a sinceridade

o   Em segundo lugar, de modo central, a confiança é o sentimento subjetivo de que é possível deixar parte do próprio bem-estar sob a responsabilidade de outra pessoa e/ou outro grupo, pois essa outra pessoa e/ou grupo não nos causarão mal

§  Esse segundo aspecto, que se baseia no primeiro, é a confiança propriamente dita

§  O caráter vinculatório da confiança indica que ela é, acima de tudo, social

o   É importante lembrar que a confiança baseia-se não apenas na sinceridade, mas também no seu caráter habitual (ou na sua consistência): quanto mais tempo e em mais ocasiões a confiança provar-se correta, maior será a confiança mútua

-        Como uma extensão e uma aplicação sociopolítica da lei-mãe da filosofia primeira, podemos dizer que uma república saudável – ou melhor, uma sociocracia – baseia-se na “confiança generalizada”:

o   A confiança generalizada é a crença socialmente compartilhada de que as pessoas agem de boa-fé e que, portanto, em suas interações mútuas cotidianas não procurarão causar malefícios

§  É importante lembrar que Augusto Comte afirmava, por um lado, que a confiança exige sempre a dignidade e o respeito e, por outro lado, que os deveres sociais exigem a confiança

o   A “simpatia” da lei-mãe da filosofia primeira tem aqui vários sentidos: é o altruísmo, é a generosidade, é o respeito mútuo

-        Esses diversos aspectos da confiança conduzem o seu caráter social a integrar (e até constituir) primeiramente a família, depois as mátrias e por fim a Humanidade

o   Vale notar que o caráter social da confiança exige comportamentos concretos, seja por meio de palavras, seja por meio de atos: a mera crença subjetiva, o mero sentimento subjetivo são insuficientes, como subjetivos, para estabelecer a confiança: ela é um sentimento e uma crença subjetivos, mas baseia-se em comportamentos objetivos

§  Cada um (pessoa e/ou grupo) deve inspirar confiança, em vez de só afirmar (o merecimento d)a confiança à “Não basta a mulher de César ser virtuosa; ela tem que parecer virtuosa”

o   Quanto maior a sociedade, mais difícil é desenvolver-se a confiança, seja porque, de qualquer maneira, ela tem um aspecto de relações pessoais, diretas, seja porque ela exige uma relativa harmonia entre pessoas e/grupos: a dificuldade, então, está na consistência da sinceridade e da ausência de malefícios

o   O compartilhamento de crenças específicas e o compartilhamento de experiências de vida ajudam a estabelecer a confiança; inversamente, diferentes crenças e diferentes experiências de vida dificultam a confiança

o   Apesar disso, diferentes crenças e/ou experiências não impedem, por si sós, a confiança: é possível, e geralmente é necessário, desenvolver a confiança para além da diversidade de crenças e de experiências à mas são necessários cada vez mais esforços conscientes nesse sentido

o   Se forem estimulados os aspectos particularistas, as experiências e as crenças exclusivas etc., a confiança diminuirá e, portanto, os conflitos aumentarão

§  Os conflitos retroalimentam a desconfiança