06 setembro 2024

Raimundo Teixeira Mendes: "A hora terrível"

Raimundo Teixeira Mendes: A hora terrível (1917?)[1]

 

A HORA TERRÍVEL

 

ENSAIO RELIGIOSO SOBRE A MORTE DO NOSSO SANTÍSSIMO MESTRE

 

(Sugerido pelo Stabat Mater[2])

 

A dor que o Pai martiriza

Prende exausta a humilde Filha

Ao leito onde Ele agoniza...

 

No seu rosto já não brilha

A viva luz da esperança

Do Porvir mostrando a trilha...

 

Vago o olhar saudoso lança

Lampejos nas murchas Flores

De Clotilde augusta herança...

 

E os sumidos estertores

Vão o silêncio quebrando

Daquela tarde de horrores...

 

Té que aos lábios assomando

O sopro final s’exala,

Num terno beijo os cerrando...

 

Enquanto a alma que estala

Da miseranda Sofia

A catástrofe assinala...

 

Finda assim tua agonia

De amor num sublime extremo;

Mas a nossa principia

 

Nesse momento supremo

Em que geme a Humanidade

O seu infortúnio extremo...

 

Sua doce potestade

Em teu gênio condensara

De Clotilde a santidade.

 

E destarte em Ti salvara

Seu Porvir que o cego Fado

Em hora infausta arriscara...

 

Pobre Mãe! acabrunhado

Seu amor treme de ver-te

Precoce à vida arrancado...

 

Para os dias proteger-te

De um Anjo deu-te o desvelo...

Foi discípulos escolher-te...

 

Mão não pode o santo zelo,

Movendo o surdo Destino,

Sequer no curso detê-lo!...

 

No teu serviço divino,

Do terço final em meio,

Pende exame repentino

 

Da Humanidade no seio,

A fronte qu’Ela tornara

O seu sublimado esteio!...

 

Oh! como tem sido amarga

A feitura desse manto

Que contra o mal nos ampara!

 

Que de sangue! que de pranto!

Não tem a Deusa vertido

Nesse labor sacrossanto!

 

Porém o peito transido

De dor jamais tão pungente,

Sofreu qual quando, caído,

 

Nos braços sentiu-se algente,

Resumo do seu Passado,

Do seu Porvir, seu Presente!...

 

Doce Mãe! Nos fosse dado,

Na dor que teu peito estua,

Sentir o nosso abrasado...

 

Fundir nossa alma na sua

Entre seus Anjos queridos...

Estancar a fonte crua

Dos teus acerbos gemidos!...

 

R. Teixeira Mendes                          

 



[1] Transcrevemos a edição de 1936, mantendo a pontuação, mas atualizando a ortografia.

[2] Na Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat Mater: “O Stabat Mater (latim para Estava a mãe) é uma prece ou, mais precisamente, uma sequentia católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro, chamado Stabat Mater Speciosa, que, de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater, acesso em 1.8.2024).

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