16 setembro 2024

Stephen Fry: cerimônias humanistas

No vídeo abaixo a Associação Humanista Britânica apresenta algumas cerimônias humanistas; como a inspiração e a necessidade de tais cerimônias estão conforme o Positivismo, ou melhor, a Religião da Humanidade, divulgamos o vídeo aqui.

Em termos positivos, tais cerimônias são sacramentos; no caso abaixo, apresentam-se os sacramentos da apresentação, do casamento e da transformação.

É importante divulgar tais práticas para realçar que o humanismo não se limita ao ateísmo, isto é, à negação intelectual da teologia e à negação prática dos cultos teológicos: o humanismo tem que celebrar o ser humano, suas vidas e suas relações; assim, os sacramentos são necessários. Infelizmente, a quase totalidade dos humanistas mantém-se presa à confusão teológica entre "religião" e "teologia", o que confunde a todos e impede, da parte desses humanistas, o desenvolvimento e a difusão dos aspectos humanos da religião - o que, em outras palavras, consiste justamente na Religião da Humanidade.

O vídeo abaixo foi narrado pelo ator e comediante britânico Stephen Fry.

O vídeo também pode ser visto em nosso canal Positivismo (aqui: https://encr.pw/h52DD). 

O original encontra-se disponível aqui: https://acesse.dev/WvxLh.



12 setembro 2024

RN24h: "Candidaturas teológicas crescem no país"

No dia 5 de setembro o jornal eletrônico RN24H publicou matéria para a qual fomos entrevistados; a matéria foi intitulada "Candidaturas com viés religioso crescem no Brasil".

O original da máteria pode ser lido aqui.

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Candidaturas com viés religioso crescem no Brasil; entenda motivos

O estudo apontou que o crescimento das candidaturas com viés religioso é 16 vezes superior ao das demais.

Publicado em 5 set 2024, às 23h52.

As candidaturas com viés religioso cresceram 225% em 24 anos no Brasil, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem (IPRI), da FSB Holding.

Candidaturas com viés religioso crescem no Brasil; entenda motivos
Dados do IBGE, divulgados em 2010, apontam que cerca de 22% da população nacional se declara como evangélica. (Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE)

O IPRI realizou o levantamento com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram utilizados filtros para separar esses candidatos e aplicadas palavras-chave como pai, mãe, pastor, pastora, pr., missionário, missionária, bispo, bispa, apóstolo, apóstola, reverendo, irmão, irmã, ir., padre, abençoado, abençoada, babalorixá, ialorixá, ministro, ministra, ogum, exú, iansã, yansã, iemanjá, obaluaê, oxalá, omulu, oxóssi, oxum, oxumaré, xangô

O estudo apontou que o crescimento das candidaturas com viés religioso é 16 vezes superior ao das demais.

Em 2000, as candidaturas com viés religioso representavam 2.215 registros e saltaram para 7.206 em 2024. Já os demais postulantes cresceram 14% no período – de 399.330 para 454.689 pessoas.

“A gente tem mais candidatos que querem se colocar seu nome com esse vínculo. Temos estudos acadêmicos que vão mostrar que a religião evangélica no Brasil cresceu bastante nos últimos 15, 20 anos. E aí temos um contingente maior de eleitorado que vai buscar ter a sua representação política, buscar na democracia o seu representante, aquele que vai defender as suas ideologias”, explica André Jácomo, diretor do IPRI.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2010, apontam que cerca de 22% da população nacional se declara como evangélica. Como comparação, em 1980 esse número era de 6%.

Para Gustavo Biscaia de Lacerda, sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esse crescimento das candidaturas evangélicas estão ligadas a uma sucessão de poder entre as matrizes religiosas do país.

“O Brasil é um país que surgiu a partir da colonização portuguesa, então a maior parte das nossas instituições é herdeira das instituições portuguesas. A Igreja Católica integrava plenamente a estrutura de poder no Brasil. A partir dos anos 1970, os evangélicos começam a se organizar de maneira mais agressiva. É um projeto muito explícito”, avalia o sociólogo.

Biscaia de Lacerda também apontou que foi a partir da década de 2010 que os evangélicos conseguiram ingressar de vez na política nacional.

“Por causa da mobilização da Lava Jato e pela crise de legitimação do Estado, os evangélicos passaram a deixar de querer ser somente sócios para serem os ativistas, os atores principais das coligações de poder. Então é uma lógica querer usar o Estado para impor suas crenças, mesmo em um Estado Laico”, prossegue.

Atualmente a bancada evangélica no Congresso Nacional reúne o maior conjunto de parlamentares na comparação com os demais grupos. Compõem essa frente parlamentar 213 deputados e 26 senadores.

Entre os paranaenses, fazem parte dessa bancada os deputados Diego Garcia (Republicanos), Felipe Francischini (UNIÃO), Filipe Barros (PL), Pedro Lupion (PP), Sargento Fahur (PSD) e Vermelho (PL), além do senador Flávio Arns (PSB).

Eleitores conservadores puxam candidaturas religiosas

Pesquisa desenvolvida pelo Ipec em 2024 apontou que 27% dos entrevistados se consideram conservadores. Por outro lado, 23% se definem como modernos ou progressistas.

Mesmo com empate técnico entre esses dois polos é possível apontar que o voto conservador é uma tendência nas disputas eleitorais. Com isso, os candidatos com viés religioso conseguiram uma base eleitoral para crescer nos últimos anos.

“Então uma vez que o eleitor demanda candidatos com uma ideologia mais conservadora, naturalmente a oferta desses candidatos tende a ser maior, que eles busquem se vincular dentro da forma como eles vão aparecer para esse eleitorado”, analisa Jácomo.

Biscaia de Lacerda observa que essa tendência do eleitorado conservador também encontra brechas para crescer dentro dos governos da esquerda no Brasil.

“Nós temos pobreza generalizada e ao mesmo tempo, uma insegurança social muito grande. E a esquerda lida muito mal com esse tema. A esquerda fica dizendo que o problema da segurança é causado pelas injustiças do capitalismo. Isso é muito bom, muito bonito, mas não resolve o problema”, complementa o sociólogo.

E dentro dessas brechas, Biscaia de Lacerda acredita que a comunicação das igrejas evangélicas é mais assertiva – até mesmo na comparação com a Igreja Católica.

“As igrejas evangélicas têm um apelo muito direto, muito imediato. É uma teologia altamente individualista e do sucesso aqui e agora. A teologia processual não vai combater a criminalidade, mas promete organizar a sociedade evitando ela. Os evangélicos em particular satisfazem, bem ou mal, as necessidades muito claras para a população”, finaliza.

Metodologia da pesquisa citada

A pesquisa Ipec, contratada pela Rede Globo, ouviu 2.512 pessoas entre 9 e 11 de setembro em 158 municípios.

A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%.

10 setembro 2024

Prédica positiva de 2 de Shakespeare de 170 (10.9.2024)

No dia 2 de Shakespeare de 170 (10.9.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista; em particular, concluímos a leitura da duodécima conferência, dedicada à evolução histórica do desenvolvimento humano, ou seja, da religião (especificamente do fetichismo e do politeísmo).

Antes da leitura comentada, apresentamos a sugestão de uma "cinemateca positivista".

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://encr.pw/JqWFK) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/O9KJl).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início
04 min 09 s - exortações iniciais
17 min 13 s - efemérides
20 min 36 s - comentário sobre a palavra "tecnocracia"
27 min 40 s - comentários sobre a cinemateca positivista
1 h 03 min 00 s - leitura comentada do Catecismo positivista
1 h 52 min 56 s - exortações finais
1 h 59 min 44 s - término da prédica

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Prédica positiva

(2.Shakespeare.170/10.9.2024)

 1.       Abertura

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.     22 de Gutenberg (2.9): transformação de Moysés Westphalen (1997)

3.2.    6 de Shakespeare (14.9): nascimento de Sofia Bliaux (1804)

3.3.    7 de Shakespeare (15.9): transformação de Paulo de Tarso Monte Serrat (2014)

4.       Comentário sobre tecnocracia

4.1.    O primeiro uso da palavra tecnocracia foi feito por W. H. Smyth, em 1914, que era seguidor de Thornstein Veblen

5.       Cinemateca positivista

5.1.    Comentários gerais

5.1.1. Assim como Augusto Comte sugeriu a Biblioteca positivista para os proletários do século XIX, podemos sugerir uma cinemateca positivista

5.1.2. Os filmes que sugerimos abaixo afirmam o altruísmo, a racionalidade, o humanismo, o drama humano

5.2.    Filmes sugeridos:

5.2.1. O náufrago (EUA, 2000, dirigido por Robert Zemeckis)

5.2.2. O fabuloso destino de Amélie Poulain (França, 2001, dirigido por Jean-Pierre Jeunet)

5.2.3. Tróia (EUA-Inglaterra-Malta, 2004, dirigido por Wolfgang Petersen)

5.2.4. Cruzada (EUA, 2005, dirigido por Ridley Scott)

5.2.5. Chef (EUA, 2014, dirigido por Jon Favreau)

5.2.6. Perdido em Marte (EUA, 2015, dirigido por Ridley Scott)

6.       Leitura comentada do Catecismo positivista

6.1.    Término do duodécimo capítulo, dedicado à evolução histórica da religião (em particular ao fetichismo, à teocracia e ao politeísmo)

7.       Exortações finais

8.       Término

Monitor Mercantil: O que é um voto republicano consciente?

A partir do manifesto "Programa republicano mínimo - orientações para o voto no dia 6 de outubro", redigimos um artigo que foi publicado no jornal carioca Monitor Mercantil do dia 1º de Shakespeare de 170 (9.9.2024), sob o título "O que é um voto republicano consciente?".

Reproduzimos abaixo a versão publicada no jornal. O original pode ser lido aqui: https://monitormercantil.com.br/o-que-e-um-voto-republicano-consciente/.

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O que é um voto republicano consciente?

Alguns parâmetros e algumas orientações para escolher candidatos através do voto consciente. Por Gustavo Biscaia de Lacerda


Como ocorre a cada dois anos no Brasil, neste 2024 teremos eleições; nesta rodada elegeremos prefeitos e vereadores. As campanhas estão a pleno vapor, desde o dia 16 de agosto. Como sempre ocorre, partidos políticos, Justiça Eleitoral, meios de comunicação, vários grupos da sociedade civil e candidatos afirmam que é importante “votar com consciência”, “votar de maneira esclarecida”, “buscar os melhores candidatos”, mas muito raramente, para não dizer nunca, são apresentados com clareza os critérios que definem a “consciência”, o “esclarecimento”, os “melhores”.

No máximo há a afirmação de que os candidatos escolhidos devem “representar” os eleitores, com isso querendo dizer que os eleitores devem buscar candidatos que pensem e ajam de maneira semelhante aos próprios eleitores; mas, dizendo com clareza, esse parâmetro “demográfico” é péssimo, pois simplesmente desconsidera, quando não despreza, os verdadeiros interesses coletivos e públicos.

Assim, correndo um pouco o risco de soar prepotente, propomo-nos aqui a indicar alguns parâmetros gerais e algumas orientações específicas para a escolha de candidatos a prefeito e a vereador nas próximas (e em todas as demais) eleições. O pressuposto fundamental nessas sugestões é que no Brasil vivemos em uma república, e que isso não é somente um regime político, mas um denso e profundo programa político, social e moral. Como se verá, à primeira vista talvez o programa abaixo pareça muito exigente; mas, por um lado, isso não é motivo para desconsiderá-lo; por outro lado, isso indica o quanto estamos distantes do republicanismo no Brasil.

Com antecedentes históricos que recuam pelo menos até Tiradentes, no final do século 18, desde 15 de novembro de 1889 o Brasil é uma república. Embora à primeira vista o conceito de “república” pareça pouco, na verdade ele é de fato um dos mais densos e importantes conceitos. A noção de república é ao mesmo tempo um ideal e uma realidade: surgida do desenvolvimento histórico, ela também deve orientar a nossa atuação no sentido de valores e a práticas considerados bons, corretos e justos. É claro que nem sempre esses ideais se realizam na prática, mas isso não é motivo para desvalorizá-los ou rejeitá-los.

O sentido fundamental da república é a realização do bem comum, superando o individualismo, o egoísmo, os particularismos. Além disso, a república opõe-se à monarquia, embora isso nem sempre seja tão evidente, daí a república opõe-se à sociedade de castas; isso quer dizer que na república o valor de uma pessoa é dado pelo mérito individual, em vez de ser pelas condições em que nasceu, ou seja, pelo “berço”.

Se a república é a dedicação ao bem comum, é claro que o conjunto da sociedade deve sempre ser levado em consideração, e todos devem orientar suas condutas para a melhoria da vida de todos. Daí se segue que a fraternidade universal é um valor básico e, portanto, o respeito mútuo e a afirmação da dignidade fundamental de todos são pilares da vida coletiva.

Além disso, as relações sociais têm que ser pacíficas: qualquer forma de violência degrada as relações humanas e o ambiente social. O pacifismo e a fraternidade universal impõem, por seu turno, o repúdio ao racismo e às discriminações de “gênero”; da mesma forma, eles exigem o respeito ao meio ambiente e, claro, aos animais. De maneira mais ampla, como a maior parte da sociedade é composta pelo proletariado (ou seja, pelos trabalhadores), os esforços sociais têm que se orientar para a melhoria das suas condições de vida: é esse o objetivo que se deve orientar a ação dos “capitalistas” e da classe média.

Acima de tudo, a dedicação ao bem comum significa a subordinação da política à moral; isso não é um “moralismo” sistemático, mas implica subordinar a política aos princípios e valores maiores da Humanidade, com a família subordinando-se à pátria, e a pátria subordinando-se à Humanidade. Somente assim a política pode ser a dedicação ao bem comum – e, a partir disso, ser fiscalizável e responsabilizável.

O resultado disso é a regra do “viver às claras”: cada um deve adotar valores em sua vida que sejam publicamente defensáveis (e viver conforme esses valores). No caso dos governantes e das figuras públicas, o viver às claras também significa que todos os seus atos são responsabilizáveis, passíveis de acompanhamento, avaliação e cobrança públicas. Como consequência do viver às claras, todos devem sempre falar a verdade e cumprir o prometido – ou, em outras palavras, não se deve mentir nem se deve trair.

Por fim, a instituição republicana básica é a separação entre igreja e Estado: quem aconselha não pode usar a violência do Estado para fazer-se valer; inversamente, o Estado não pode condicionar os seus serviços à aceitação de crenças oficiais. Dessa forma, os sacerdotes devem manter-se afastados do Estado a fim de garantirem sua dignidade, assim como o Estado deve recusar sacerdotes para não ser usado como instrumento de opressão.

Esse afastamento dos sacerdotes em relação à política não quer dizer alienação nem indiferença, mas que, como sacerdotes, não podem trabalhar para o Estado. Daí se seguem as liberdades fundamentais: as liberdades de crença, de manifestação e de associação, além do direito de ir e vir, o habeas corpus e o devido processo legal.

Tudo isso converge para as seguintes orientações específicas

Em primeiro lugar, deve-se votar em quem apresentar estes comportamentos: quem respeitar a laicidade do Estado; a dignidade humana e a fraternidade universal; a dignidade do espaço público e das instituições republicanas; a dignidade e as condições de vida da população brasileira, em particular dos trabalhadores, dos mais pobres e dos povos indígenas; a dignidade da família, independentemente da orientação sexual de cada família; a dignidade das mulheres; quem combater o racismo e outras discriminações; quem defender o meio ambiente e as condições de vida dos animais.

Em segundo lugar, não se deve votar em quem apresentar estes comportamentos: quem for sacerdote (padre, pastor etc.); quem usar o Estado para promover cultos; desvalorizar os problemas sociais e/ou criminalizar a pobreza; promover a cultura da violência e estimular o uso de armas de fogo pela população civil; promover valores e práticas exclusivistas e excludentes, incluindo aí as chamadas pautas identitárias; negar os problemas ambientais (os “negacionistas climáticos”); promover a “cultura do cancelamento” e a “cultura da baixaria”; tiver histórico de ligação com o crime; promover o racismo, a misoginia e preconceitos diversos.

Parece muito? Talvez. Mas, bem vistas as coisas, isso é o mínimo de uma sociedade decente, saudável, digna de ser vivida em conjunto. Menos do que isso é o triste espetáculo que vivemos.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política.

06 setembro 2024

Miguel Lemos: “Comemoração anual da morte de Augusto Comte”

COMEMORAÇÃO ANUAL

 

DA MORTE DE

 

AUGUSTO COMTE

 

24 DE GUTENBERG DE 69

(5 DE SETEMBRO DE 1857)[1]

 

Tu duca, tu signore, e tu maestro[2].    

(Dante, Inferno, Canto II.)               

  

A Igreja Positivista celebra hoje a entrada do seu glorioso Fundador na imortalidade subjetiva.

Aos 24 de Gutenberg de 69 Augusto Comte era surpreendido pela morte em meio de sua tarefa ingente. Morria na pobreza, quase na obscuridade, rodeado apenas por um pequeno número de discípulos fiéis e só conhecido, fora deste grêmio, por aqueles que ele opulentara com as migalhas de seu gênio, e que ocultavam cuidadosamente a origem de tão súbita riqueza. Muitos deles pagaram-lhe as lições com o insulto, com a calúnia e com a traição...

Essa vida que terminava inopinadamente aos 59 anos fora toda consagrada com uma competência excepcional de coração, de inteligência e de caráter à solução do problema religioso.

Dar à sociedade futura uma religião científica, sem mistérios, sem absurdos, baseada na totalidade dos conhecimentos positivos e tendo por alvo supremo o maior aperfeiçoamento do homem, tal foi o fim que se propôs o grande Pensador.

O problema impunha-se com o peso de todo o passado. Resolvê-lo era reatar de novo o fio das idades e congraçar outra vez o homem com o homem. E por este modo a religião depois de ter sido espontânea no período fetichista, inspirada na fase politeica, revelada durante a concentração monoteísta, tornava-se, enfim, demonstrada. Diis extinctis, Deoque, successit Humanitas[3].

A profecia de José de Maistre estava realizada. Aparecera o homem prodigioso que devia terminar a obra demolidora do século XVIII, reunindo em si as afinidades da ciência e da religião.

Este empreendimento Augusto Comte o levou a cabo com um saber e uma grandeza moral inexcedíveis.

Foi um sábio e um santo.

A sua instrução aristotélica abraçava todas as ciências existentes no seu tempo, desde a Matemática até a Biologia. Criou mais uma, a Sociologia e lançou os fundamentos da Moral.

A sua abnegação não teve superior. Perseguido pelos corifeus da ciência oficial, viu-se despojado com a máxima iniqüidade das modestas ocupações que exercia, e aceitou a miséria com a serenidade do justo.

O pão chegou a faltar-lhe. Um dia a sua criada, testemunha comovida de tão dolorosa situação, lançou-se-lhe aos pés e rogou-lhe com lágrimas que aceitasse o pequeno auxílio de suas economias para não ver o seu amo morrer à fome!

O coração da humilde proletária compreendera o heroísmo desse homem, tão firme com os poderosos e tão bom para com os fracos e os pequenos.

Finalmente, um amor puro e imenso, assombro e escândalo da grosseria contemporânea, o elevou, sob o santo impulso de Clotilde de Vaux, às alturas ideais do mais sublime entusiasmo.

Aristóteles pela inteligência, São Paulo pelo coração, Júnio Bruto pelo caráter, tal foi o fundador da Religião da Humanidade.

Os Pósteros saberão comemorar melhor do que nós essa incomparável existência, para cuja apoteose concorreram todos os esplendores da arte regenerada por um novo culto e alimentada por uma comunhão espiritual até hoje desconhecida.

Do seio da paz universal irromperão os hinos sagrados em louvor do Divino Mestre. Todas as raças, todas as pátrias, todas as famílias, congraçadas por uma crença comum, instruídas do Passado, seguras do Porvir, recordarão unânimes os grandes serviços do egrégio Fundador.

Por enquanto cumpre ainda vencer. Os frêmitos da luta perturbam a expansão religiosa do dia de hoje. Um dia de festa é para nós um dia de trégua apenas. Amanhã será necessário continuar o apostolado, convencer, persuadir, repelir a calúnia e sofrer a injúria.

Não importa. As profecias científicas não mentem e os sinais certos da vitória já estão por toda parte.

Com os olhos fitos nessa unidade religiosa do futuro, Jerusalém espiritual e cidade celeste, sonhadas pelas grandes almas de Israel e do Catolicismo, satisfação real as aspirações prematuras dos generosos utopistas, termo da miséria e da guerra, advento da fraternidade universal, recordemos hoje os exemplos legados pelo indefeso Lidador e façamos votos de imitar a sua constância inabalável e a sua sublime dedicação pelos destinos da Humanidade.

 

Miguel Lemos,                     

Diretor da Igreja Positivista do Brasil.         



[1] Transcrevemos a edição de 1936, mantendo a pontuação, mas atualizando a ortografia. A publicação original é de 96 (1884) e constitui o n. 21 do catálogo da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil. Uma versão em francês foi incluída em uma publicação de 5 de setembro de 1951, em homenagem aos 2.000 anos da cidade de Paris; essa publicação foi reeditada em 1957, por ocasião do centenário da morte de Augusto Comte; correspondendo ao n. 548 do catálogo da Igreja Positivista, teve por título “Paris – publication commémorative de son bimillénaire – deuxième édition au centenaire de la mort d’Auguste Comte”.

[2] Em italiano no original: “Você é duque, você é senhor e você é mestre”.

[3] Em latim no original: “Mortos os deuses, e deus, sucedeu-lhes a Humanidade”.

Raimundo Teixeira Mendes: "A hora terrível"

Raimundo Teixeira Mendes: A hora terrível (1917?)[1]

 

A HORA TERRÍVEL

 

ENSAIO RELIGIOSO SOBRE A MORTE DO NOSSO SANTÍSSIMO MESTRE

 

(Sugerido pelo Stabat Mater[2])

 

A dor que o Pai martiriza

Prende exausta a humilde Filha

Ao leito onde Ele agoniza...

 

No seu rosto já não brilha

A viva luz da esperança

Do Porvir mostrando a trilha...

 

Vago o olhar saudoso lança

Lampejos nas murchas Flores

De Clotilde augusta herança...

 

E os sumidos estertores

Vão o silêncio quebrando

Daquela tarde de horrores...

 

Té que aos lábios assomando

O sopro final s’exala,

Num terno beijo os cerrando...

 

Enquanto a alma que estala

Da miseranda Sofia

A catástrofe assinala...

 

Finda assim tua agonia

De amor num sublime extremo;

Mas a nossa principia

 

Nesse momento supremo

Em que geme a Humanidade

O seu infortúnio extremo...

 

Sua doce potestade

Em teu gênio condensara

De Clotilde a santidade.

 

E destarte em Ti salvara

Seu Porvir que o cego Fado

Em hora infausta arriscara...

 

Pobre Mãe! acabrunhado

Seu amor treme de ver-te

Precoce à vida arrancado...

 

Para os dias proteger-te

De um Anjo deu-te o desvelo...

Foi discípulos escolher-te...

 

Mão não pode o santo zelo,

Movendo o surdo Destino,

Sequer no curso detê-lo!...

 

No teu serviço divino,

Do terço final em meio,

Pende exame repentino

 

Da Humanidade no seio,

A fronte qu’Ela tornara

O seu sublimado esteio!...

 

Oh! como tem sido amarga

A feitura desse manto

Que contra o mal nos ampara!

 

Que de sangue! que de pranto!

Não tem a Deusa vertido

Nesse labor sacrossanto!

 

Porém o peito transido

De dor jamais tão pungente,

Sofreu qual quando, caído,

 

Nos braços sentiu-se algente,

Resumo do seu Passado,

Do seu Porvir, seu Presente!...

 

Doce Mãe! Nos fosse dado,

Na dor que teu peito estua,

Sentir o nosso abrasado...

 

Fundir nossa alma na sua

Entre seus Anjos queridos...

Estancar a fonte crua

Dos teus acerbos gemidos!...

 

R. Teixeira Mendes                          

 



[1] Transcrevemos a edição de 1936, mantendo a pontuação, mas atualizando a ortografia.

[2] Na Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat Mater: “O Stabat Mater (latim para Estava a mãe) é uma prece ou, mais precisamente, uma sequentia católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro, chamado Stabat Mater Speciosa, que, de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater, acesso em 1.8.2024).