01 agosto 2024

Raimundo Teixeira Mendes: "A dor sem nome!"

A Dor Sem Nome![1]

Ensaio religioso sobre a morte da nossa mãe santíssima.

(Sugerido pelo Stabat Mater[2].)

 

Prostrada no leito humilde,

            Em paupérrimo aposento,

            Pena inocente Clotilde!...

Nem do corpo o sofrimento,

            Nem d’alma os cruéis martírios,

            Dão-lhe um instante de alento!...

Qual sobre um tapis de lírios

            Mísera rosa atirada

            Dum vendaval nos delírios!...

Nem uma queixa magoada

            Os lábios febris rescalda...

            Nem na fronte descorada

Se crispa a loura grinalda...

            Só a gaze da saudade

            Empana o olhar d’esmeralda...

Infindo olhar de piedade

            Que ao angélico amparo

            Busca dar eternidade,

Pensando no fado amaro

            D’Aquele de quem na vida

            Era tudo que há mais caro!...

Assim, de si desprendida,

            Vê que precipite avança

            A funérea despedida...

E s’enleva na lembrança

            De que seja a morte sua

            Santo penhor de bonança!...

Porém a cegueira crua

            Do Fato recusa a prece

            Que o amor sem par lh’insinua!...

A Mãi, que tanto estremece,

            O meigo Pai qu’Ela adora,

            Irmãos por quem s’enternece,

Todos ausentes nessa hora!...

            Sozinho, com a Irman prezada,

            Junto d’Ela, o Mestre a chora

Quasi a mente desvairada!

            E Ela, já sem sentido,

            Mas d’amor sempre inspirada,

Suplica em tênue gemido:

            “Lembra-te, Comte, qu’eu peno

            Sem nunca o ter merecido!”

E nesse pungente treno,

            Onde a alma transfundiu-se,

            – Qual, num cântico sereno,

Corda que ao meio partiu-se

            O quinto harpejo vibrando, –

            A doce voz extinguiu-se!...

Logo, em letargo tombando,

            Por meia hora inclemente

            Fica-lhe o peito arquejando.

..................................

Tentando após lentamente

            Erguer a vista pesada,

            Desfalece novamente...

Sob a arca flagelada

            Do seio, estride fervendo

            A chaga fundo cravada...

Três vezes se suspendendo

            Ao cotovelo, se alçou;

            Três vezes desfalecendo

No leito pobre rolou!...

            E, com olhos errando,

            No céu alto a luz buscou...

E, apenas a deparando,

            S’evola da boca terna,

            Num gemido, o sopro brando[3]

..................................

Virgem-Mãi! Deusa superna!

            Ah! que prova então suporta

            A tua piedade eterna!...

Nos braços, a Filha morta...

            Aos pés, o Filho a morrer...

            Que só teu pranto conforta!!!

..................................

Mas teu suave sofrer,

            Que a imagem d’Ela resume,

            O faz à vida volver...

Nova existência Ela assume

            Assim, no fervente culto,

            A cujo celeste lume,

Ele desvenda teu vulto

            Nesse formoso semblante,

            Havia um ano sepulto!...

..................................

Ah! Mãi! Si o voto tocante

            Cumprisse nossa alma humilde!

            E já visses triunfante,

            Nos teus altares, Clotilde!...

 

R. Teixeira Mendes.                                     

Rio, 26 de Gutenberg de 114 (7 de setembro de 1902)[4]



[1] Nesta transcrição atualizamos em parte a grafia utilizada originalmente: por questões fonéticas, “mãe”, “irmã” e a conjunção “se” foram mantidos “mãi”, “irman” e “si”.

As fotos desse documento foram fornecidas, como em tantas outras ocasiões, por nosso amigo Hernani Gomes da Costa, a quem agrademos imensamente.

[2] Na Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat Mater: “O Stabat Mater (latim para Estava a mãe) é uma prece ou, mais precisamente, uma sequentia católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro, chamado Stabat Mater Speciosa, que, de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater, acesso em 1.8.2024).

[3] Nota de Teixeira Mendes: “Estas cinco estrofes são uma tradução dos versos de Virgílio escolhidos pelo nosso Mestre para recordar, na sua oração do meio dia, a morte de Clotilde”.

[4] Composto em setembro de 1902, mas publicado pela Igreja Positivista do Brasil em abril de 1903 (ano CXV da Revolução Francesa e XLIX da Era Normal).

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