A Dor Sem Nome![1]
Ensaio religioso sobre a morte da nossa mãe
santíssima.
(Sugerido pelo Stabat Mater[2].)
Prostrada no leito humilde,
Em paupérrimo
aposento,
Pena inocente
Clotilde!...
Nem do corpo o sofrimento,
Nem d’alma os cruéis
martírios,
Dão-lhe um instante de
alento!...
Qual sobre um tapis de lírios
Mísera rosa atirada
Dum vendaval nos
delírios!...
Nem uma queixa magoada
Os lábios febris
rescalda...
Nem na fronte
descorada
Se crispa a loura grinalda...
Só a gaze da saudade
Empana o olhar
d’esmeralda...
Infindo olhar de piedade
Que ao angélico amparo
Busca dar eternidade,
Pensando no fado amaro
D’Aquele de quem na
vida
Era tudo que há mais
caro!...
Assim, de si desprendida,
Vê que precipite
avança
A funérea despedida...
E s’enleva na lembrança
De que seja a morte
sua
Santo penhor de
bonança!...
Porém a cegueira crua
Do Fato recusa a prece
Que o amor sem par
lh’insinua!...
A Mãi, que tanto estremece,
O meigo Pai qu’Ela
adora,
Irmãos por quem s’enternece,
Todos ausentes nessa hora!...
Sozinho, com a Irman
prezada,
Junto d’Ela, o Mestre
a chora
Quasi a mente desvairada!
E Ela, já sem sentido,
Mas d’amor sempre
inspirada,
Suplica em tênue gemido:
“Lembra-te, Comte,
qu’eu peno
Sem nunca o ter
merecido!”
E nesse pungente treno,
Onde a alma
transfundiu-se,
– Qual, num cântico
sereno,
Corda que ao meio partiu-se
O quinto harpejo
vibrando, –
A doce voz
extinguiu-se!...
Logo, em letargo tombando,
Por meia hora
inclemente
Fica-lhe o peito arquejando.
..................................
Tentando após lentamente
Erguer a vista pesada,
Desfalece novamente...
Sob a arca flagelada
Do seio, estride
fervendo
A chaga fundo
cravada...
Três vezes se suspendendo
Ao cotovelo, se alçou;
Três vezes desfalecendo
No leito pobre rolou!...
E, com olhos errando,
No céu alto a luz
buscou...
E, apenas a deparando,
S’evola da boca terna,
Num gemido, o sopro
brando[3]
..................................
Virgem-Mãi! Deusa superna!
Ah! que prova então
suporta
A tua piedade
eterna!...
Nos braços, a Filha morta...
Aos pés, o Filho a
morrer...
Que só teu pranto
conforta!!!
..................................
Mas teu suave sofrer,
Que a imagem d’Ela
resume,
O faz à vida volver...
Nova existência Ela assume
Assim, no fervente
culto,
A cujo celeste lume,
Ele desvenda teu vulto
Nesse formoso
semblante,
Havia um ano
sepulto!...
..................................
Ah! Mãi! Si o voto tocante
Cumprisse nossa alma
humilde!
E já visses triunfante,
Nos teus altares, Clotilde!...
R. Teixeira Mendes.
Rio, 26 de Gutenberg de 114 (7 de setembro de 1902)[4]
[1]
Nesta transcrição atualizamos em parte a grafia utilizada originalmente: por
questões fonéticas, “mãe”, “irmã” e a conjunção “se” foram mantidos “mãi”,
“irman” e “si”.
As fotos
desse documento foram fornecidas, como em tantas outras ocasiões, por nosso
amigo Hernani Gomes da Costa, a quem agrademos imensamente.
[2] Na
Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat
Mater: “O Stabat Mater (latim
para Estava a mãe) é uma prece ou,
mais precisamente, uma sequentia
católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro,
chamado Stabat Mater Speciosa, que,
de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada
para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao
franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater,
acesso em 1.8.2024).
[3]
Nota de Teixeira Mendes: “Estas cinco estrofes são uma tradução dos versos de
Virgílio escolhidos pelo nosso Mestre para recordar, na sua oração do meio dia,
a morte de Clotilde”.
[4] Composto em setembro de 1902, mas publicado pela Igreja Positivista do Brasil em abril de 1903 (ano CXV da Revolução Francesa e XLIX da Era Normal).
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