29 agosto 2023

Sacramentos positivos

No dia 17 de Gutenberg de 169 (29.8.2023) realizamos nossa prédica positiva, em que demos continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua oitava conferência, dedicada à filosofia das ciências superiores (Sociologia e Moral).

Em seguida, apresentamos algumas considerações sobre os nove sacramentos positivos.

A prédica foi transmitida em nossos canais: Positivismo (aqui: https://ury1.com/G4kjX) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/72rZ5). O sermão sobre os sacramento pode ser visto a partir de 49' 56".


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Sacramentos positivos 

-        Os sacramentos positivos integram o culto privado

o   No Catecismo positivista, os sacramentos são apresentados e comentados na “Quarta conferência”

o   Os sacramentos estabelecem a particularidade do culto privado, distinguindo-o do culto íntimo e do culto público, ao mesmo tempo que estabelece a ligação entre estes dois cultos

o   Assim, os sacramentos são privados em seu objeto e públicos em sua liturgia

o   Por outro lado, eles constituem a sanção pública para as fases das vidas dos indivíduos

§  Assim, os sacramentos positivos são, acima de tudo, ritos de passagem

-        Os ritos de passagem são momentos importantíssimos na vida coletiva e individual de todas as sociedades

o   Eles regulam a vida dos indivíduos, indicando que eles deixam para trás determinadas situações e ingressam em outras

o   Nessa passagem há a substituição de deveres e prerrogativas, bem como a acumulação com outros pré-existentes

o   Então, por um lado, elas correspondem ao reconhecimento público de que os indivíduos avançam em suas vidas e, com isso, cumprem suas responsabilidades e, por outro lado, elas correspondem aos indivíduos reconhecendo essa passagem e efetivamente assumindo suas responsabilidades

o   Assim, convém notar que os sacramentos são importantes não apenas para a sociedade, mas também para os indivíduos, que, com eles, têm consciência e clareza do que se espera deles em cada fase de sua vida e, com isso, têm também o apoio da coletividade para isso

o   Embora evidentemente a idéia de “religião positiva” não se resuma aos sacramentos, fica bastante claro o sentido dessa concepção a partir dos sacramentos: um sistema geral de regulação da vida humana, pública e privada, coletiva e individual, nos três âmbitos da existência humana (afetivo, intelectual e prático)

-        No Ocidente, o duplo movimento moderno, iniciado após a Idade Média, foi extremamente eficiente em destruir essas marcações sociais e etárias do desenvolvimento individual; o Positivismo institui os sacramentos em bases humanas, históricas, morais e racionais

o   Muitas pessoas rejeitam a noção de sacramentos a partir de preconceitos metafísicos anticlericalistas, confundindo os sacramentos positivos (e os sacramentos em geral) com os sacramentos especificamente teológicos (em particular católicos)

o   Outro motivo para a recusa aos sacramentos, vinculado ao anterior (ainda que indiretamente), mas diferente dele, é o mais puro individualismo, a noção de que a vida de cada é problema só de si mesmo e que não compete a mais ninguém tratar dela

§  Daí, aliás, surge a espantosa concepção de liberdade como ausência de laços, de vínculos, ou seja, a liberdade como a mais completa atomização social – o que, além de impraticável e irracional, é profundamente imoral

§  Uma digressão: é exatamente esse raciocínio imoral e irracional que fundamenta a degradante campanha que a classe média brasileira, a partir do exemplo de sua homóloga estadunidense, promove há duas décadas em favor do consumo das chamadas “drogas recreativas”

o   Evidentemente, ao recusarem os sacramentos, tais indivíduos prejudicam-se de várias maneiras: ao pautarem-se por preconceitos metafísicos; ao recusarem a regulação do avanço de suas próprias vidas; ao recusarem o explícito apoio coletivo ao cumprimento de suas responsabilidades

o   Mas, por outro lado, de maneira muito positiva e extremamente empírica, às vezes inspirados por práticas fetichistas, reconhecendo o valor e a importância dos ritos de passagem, muitos grupos humanistas realizam seus próprios sacramentos

-        Antes de apresentar os sacramentos positivos, é necessário indicar um aspecto essencial deles: eles são todos voluntários e de caráter moral

o   O aspecto moral e voluntário deles significa duas coisas:

§  Por um lado, eles ocorrem paralelamente às obrigações legais (de caráter obrigatório)

§  Por outro lado, quem solicita os sacramentos positivos fá-lo porque reconhece a validade desses sacramentos e, em particular, assume como seus os valores e as concepções da Religião da Humanidade, ou seja, assume-se como positivista religioso (isto é, ortodoxo)

-        São nove os sacramentos positivos: (1) Apresentação; (2) Iniciação; (3) Admissão; (4) Destinação; (5) Casamento; (6) Madureza; (7) Retiro; (8) Transformação; (9) Incorporação

-        Apresentação (ao nascer)

o   É a consagração religiosa de cada nascimento, ou melhor, do nascimento de cada novo futuro servidor da Humanidade; o pai e a mãe apresentam ao sacerdócio o bebê e comprometem-se a votá-lo e a orientá-lo para o serviço da deusa real

o   Indicação de padrinhos sob aceitação do sacerdócio – basicamente espirituais mas, se for o caso, também temporais

o   Nomeação: dois nomes, um teórico e outro prático, a partir dos servidores da Humanidade

§  Quando da emancipação, o novo servidor escolherá um terceiro nome

-        Iniciação (aos 14 anos)

o   O servidor passa da educação doméstica e espontânea, com a mãe, para a educação pública e sistemática, com o sacerdote

o   Até então, o sacerdócio dirigia seus conselhos aos pais e aos padrinhos; a partir de então, os conselhos são dirigidos diretamente ao servidor, em particular para prevenir o coração contra os vícios morais e intelectuais próprios à cultura teórica

o   Este sacramento pode ser adiado e, em casos excepcionais, recusado

o   A educação prática pode e deve ser concomitante a essa educação teórica

-        Admissão (aos 21 anos)

o   É a emancipação da pessoa, em que ela torna-se um livre servidor da Humanidade, começando então a retribuir tudo o que recebeu até então e o que recebe de qualquer maneira

o   Embora esse sacramento indique a passagem da meninice (ou da infância) para a vida adulta, nem sempre o servidor já terá definido sua profissão, ou sua carreira: “Só ele pode decidir convenientemente sobre este assunto, em virtude de ensaios livremente tentados e suficientemente prolongados” (Catecismo, “Quarta Conferência”, p. 132)

o   No caso das mulheres, os sacramentos da admissão, da destinação e do casamento ocorrem aos 21 anos

-        Destinação (aos 28 anos)

o   Consagração inicial pública e religiosa de todas as ocupações úteis, públicas ou privadas, por menores que sejam

o   “É o único sacramento suscetível de verdadeira renovação, sempre excepcional” (Catecismo, “Quarta Conferência”, p. 133)

-        Casamento (aos 28 anos para os homens, aos 21 anos para as mulheres)

o   É o principal sacramento e completa o conjunto das preparações

o   A função do casamento é o aperfeiçoamento mútuo do casal

o   Só pode ocorrer após o sacramento da destinação, ou seja, após os 28 anos de idade

§  Augusto Comte recomendava fortemente que a idade máxima de casamento para as mulheres fosse 28 anos e para os homens fosse 35 anos

§  Augusto Comte portanto também sugeria que a diferença de idade entre homens e mulheres fosse de sete anos

o   Baseia-se na monogamia e, portanto exige o estabelecimento da viuvez eterna – a única forma de consagrar e desenvolver efetivamente a vida subjetiva

o   Ocorre três meses após o casamento civil

o   Um mês antes do casamento civil, os nubentes juram manter a castidade durante o trimestre que separa a cerimônia civil da religiosa

o   Um ano e meio após o falecimento de um dos cônjuges, o viúvo deve reafirmar sua viuvez eterna

o   Os casamentos mistos são possíveis, desde que cumpridas algumas condições:

§  Deve haver o compromisso formal de que não haverá tentativas de conversão durante o casamento, em particular da parte da mulher sobre o homem

§  O positivista participará passivamente da cerimônia não positivista

§  Inversamente, o não positivista deve aceitar realizar o voto de viuvez eterna no Templo da Humanidade

§  Os ateus militantes e, de qualquer maneira, todos aqueles que rejeitam a regulação da vida humana são proscritos do casamento positivista

o   Cerimônias positivistas de casais que se converteram ao Positivismo depois de casados só podem ocorrer três anos após as cerimônias iniciais

-        Madureza (aos 42 anos para os homens)

o   Corresponde ao início da segunda vida objetiva do servidor, a que realmente importa para a imortalidade subjetiva

o   “Durante os 21 anos que o separam do sétimo [sacramento], o homem desenvolve sua segunda vida objetiva, única decisiva para sua imortalidade subjetiva. Até então, a nossa existência, essencialmente preparatória, naturalmente suscitou desvios, algumas vezes graves, porém sempre reparáveis. Daí por diante, pelo contrário, as nossas novas faltas não comportam quase nunca uma compensação suficiente, seja exterior, [seja] mesmo interior. Importa, pois, impor de um modo solene ao servidor da Humanidade a inflexível responsabilidade que vai começar para ele, tendo especialmente em vista sua função própria, já plenamente apreciável” (Catecismo, “Quarta Conferência”, p. 135-136)

-        Retiro (aos 63 anos para os homens)

o   Ocorre quando o servidor da Humanidade deixa suas atribuições práticas

o   Ao realizar o retiro, o último ato prático do servidor consiste em indicar seu sucessor em sua função

o   Ao retirar-se, o servidor substitui suas atividades práticas pelo aconselhamento, ou seja, passa a colaborar com o poder Espiritual

-        Transformação (ao falecer)

o   É a celebração da vida do morto: “Ele deve substituir a horrível cerimônia em que o catolicismo, entregue sem freio ao seu caráter antissocial, arrancava abertamente o moribundo a todos os afetos humanos, para o transportar isolado ao tribunal celeste. Em nossa transformação, o sacerdócio, juntando os pêsames da sociedade às lágrimas da família, aprecia dignamente o conjunto da existência que termina” (Catecismo, “Quarta Conferência”, p. 137)

o   Pode ocorrer em várias etapas: nos momentos finais da vida do servidor; durante o velório; na celebração fúnebre três semanas após a morte

-        Incorporação (sete anos após a transformação)

o   Consiste na avaliação da vida do servidor, feita pelo sacerdócio; a partir dessa avaliação, ocorre a decisão de se o servidor será ou não incorporado à Humanidade, isto é, se será ou não objeto de culto sistemático

o   Mais que qualquer outro sacramento, este deve ser solicitado com a mais completa liberdade pelo servidor, mesmo durante o sacramento da transformação; além disso, a família deve confirmar o desejo em realizar esse sacramento

o   No quarto ano após a morte, o sacerdócio emitirá um juízo provisório

o   A avaliação sacerdotal deverá considerar não apenas a atividade objetiva e subjetiva do servidor, mas também a contribuição da esposa, da mãe, das irmãs, das filhas e também dos animais que o auxiliaram

§  As mulheres também podem ser avaliadas

o   Caso o servidor seja de fato incorporado à Humanidade, seus restos mortais serão levados para o Bosque Sagrado e homenageados com inscrições, bustos ou estátuas

o   Caso a incorporação seja recusada, o servidor em análise será levado para o (ou permanecerá no) cemitério civil

o   Os supliciados (isto é, os condenados à morte), os suicidas e os duelistas devem ser recusados 

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