O roteiro abaixo serviu de base para uma celebração ao vivo, transmitida no Facebook, a partir das 19h do dia 19 de janeiro de 2022. Esse vídeo pode ser visto aqui.
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1. A presente celebração é um evento importante por dois motivos: por si mesmo, como comemoração de Augusto Comte, e como retomada da comemoração pública no próprio dia de nascimento do filósofo
2. A data de 19 de janeiro marca o glorioso nascimento de Augusto Comte
a. A importância de Comte vincula-se à fundação do Positivismo, ou melhor, da Religião da Humanidade, em 1854, mas desde 1848 anunciada
3. O nome completo do filósofo era Isidore Auguste François Xavier Comte, filho de Louis Comte e Rosalie Boyer
a. Comte nasceu em Montpellier, no Sul da França, mas viveu toda a sua vida adulta em Paris
b. A grande parte de sua vida foi marcada por dificuldades de toda ordem: problemas financeiros, empregos ruins, dificuldades conjugais; além disso, entre 1826 e 1828 ele atravessou uma longa e dolorosa crise nervosa, marcada mesmo por uma tentativa de suicídio no rio Sena
4. A carreira de Comte costuma ser dividida em duas partes, uma científica e outra religiosa, cada uma delas marcada pela redação de uma obra ou de um conjunto de obras: a fase científica é a do Sistema de filosofia positiva (1830-1842) e a religiosa, do Sistema de política positiva (1851-1854), mas também do Discurso sobre o conjunto do Positivismo (1848), do Catecismo positivista (1853), do Apelo aos conservadores (1855) e da Síntese subjetiva (1856)
a. Na verdade, o próprio Comte afirmava essas duas fases de sua carreira; as divergências ocorrem em função do valor que se dá a cada uma delas e, em particular, à fase religiosa:
i. os adeptos heterodoxos, marcadamente cientificistas, rejeitam a fase religiosa
ii. já os ortodoxos reconhecem a unidade da carreira comtiana e, seguindo a orientação do mestre, entendem que a fase religiosa é a mais importante
b. Embora pareça meramente acadêmica, essa distinção resulta em importantes conseqüências morais, políticas, sociais, intelectuais e até afetivas
5. A presente comemoração é religiosa e, portanto, pressupõe a unidade da carreira comtiana e a afirmação da Religião da Humanidade
a. Vale notar que, nas palavras de nosso mestre, a Religião da Humanidade foi criada tanto por ele quanto por Clotilde de Vaux, a inteligente jovem de vida sofrida por quem ele apaixonou-se e que, apesar dos seus sofrimentos, deu-lhe forças para empreender uma série assombrosa de elaborações intelectuais e afetivas
6. À primeira vista, a idéia da Religião da Humanidade pode parecer estranha para muitos, seja no que se refere à “religião”, seja no que se refere à “Humanidade”
a. Esse estranhamento também ocorre porque nossos hábitos mentais vinculam a “religião” à teologia, assim como a “humanidade” ao secularismo; além disso, o papel desempenhado pela ciência no Positivismo é visto como incompatível com a “religião”, ou então como uma forma de cientificismo, ou então como uma aberração total (considerando a confusão moral generalizada entre os cientistas)
7. Mas não há motivo nenhum para o estranhamento com a Religião da Humanidade; quando entendidas suas concepções, o que se evidencia é a sua razoabilidade e a sua necessidade
8. A “religião” não é igual a “teologia”: é um sistema geral que coordena, isto é, que junta, estrutura, relaciona e regula as várias partes da existência humana: nossos sentimentos, nossas idéias e nossas condutas práticas
a. A religião, para Comte, é a instituição que estabelece a operação mental da “síntese”; além disso, ela tem um evidente componente educativo, pedagógico, no sentido de ensinar e aprimorar continuamente o ser humano
b. Nesse esforço, Comte considera que a natureza humana apresenta três partes principais – os sentimentos, a inteligência e a ação prática. O início e o objetivo de todas as nossas condutas é a satisfação dos sentimentos; a inteligência esclarece e orienta nosso comportamento; as ações práticas são os comportamentos efetivos realizados em tal satisfação.
c. Nesse conjunto, os sentimentos altruístas – o amor – é que permitem a coordenação de tudo, incluindo a do egoísmo
9. A humanidade, por outro lado, é uma concepção altamente idealizada; sem dúvida que ela refere-se ao conjunto dos seres humanos, mas há vários graus nisso:
a. Antes de mais nada, a Humanidade são os seres humanos que vivem em nossos corações, em nossas memórias e em tudo aquilo de que desfrutamos atualmente; por outro lado, a Humanidade também são os seres humanos futuros, que ainda não nasceram mas que são objeto constante de nossas preocupações: nesses termos, a Humanidade é a subjetividade dada pelo passado e pelo futuro
b. Nós, os seres humanos vivos, somos portanto apenas uma pequena fração da longa cadeia histórica; é claro que sem os seres vivos o passado e o futuro não existem e que somente por meio dos vivos é que os sentimentos, as idéias e as ações próprias à Humanidade podem ter lugar; mas o fato é que somente podemos aspirar à honra futura se formos dignos hoje; em outras palavras, a incorporação subjetiva à Humanidade nunca está garantida enquanto estamos vivos
c. Os animais domésticos também integram a Humanidade, desde os cachorros e os gatos até os bois, os cavalos, os porcos e tantos outros
10. A Religião da Humanidade oferece um quadro geral que nos orienta em nossas vidas, tanto individuais quanto coletivas: ela oferece valores, dizendo o que é certo e o que é errado; ela oferece idéias, explicando o mundo e o ser humano; ela oferece objetivos, ao indicar o que deve ser feito (e porque isso deve ser feito)
a. Em virtude dessas características todas – mas de muitas outras mais, que não é possível indicar nesta breve celebração –, Augusto Comte afirmava que a Humanidade é a verdadeira providência, aquela que provê os recursos para sermos quem somos e fazermos o que fazemos
11. A Humanidade é objeto de celebração e veneração: reconhecendo seus limites, reconhecemos os nossos próprios limites; mas, inversamente, reconhecendo suas possibilidades, reconhecemos as nossas próprias possibilidades
a. O serviço à Humanidade combinado com a incerteza que todos temos a respeito de sermos ou não incorporados subjetivamente a ela após nossa morte oferece ao mesmo tempo a doçura e a alegria próprias à vida e também a necessária humildade que todos temos que ter
b. Com isso, o culto à Humanidade oferece-nos um objetivo na vida, o pertencimento a uma comunidade (que é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva) e a submissão a um ser superior (que pode muito, mas não é onipotente; que sabe muito, mas não é onisciente; que tem uma unidade, mas é composto por inúmeros agentes e membros; que é amoroso, fraterno e pacifista)
12. A esmagadora maioria, quando não a totalidade, das instituições e das sugestões de Augusto Comte no âmbito da Religião da Humanidade têm sido afirmadas ou retomadas, de maneira dispersa e espontânea, nas mais variadas partes do mundo
a. Assim, se invertermos a ordem das idéias e juntarmos essas várias experiências dispersas, dando-lhe uma coerência dada pelo altruísmo, pelo pacifismo e pelo relativismo, teremos um conjunto que só não será “Positivismo” ou “Religião da Humanidade” pelo eventual nome que assumir
13. É em virtude dessas tão belas idéias, que afirmam a fraternidade universal, a atividade convergente e pacífica, o respeito ao meio ambiente, aos povos e grupos fracos, o conhecimento útil da realidade, o respeito à história e a busca do aperfeiçoamento humano (moral, intelectual e físico), que praticamos a Religião da Humanidade e na data de hoje celebramos, emocionados, a vida e a obra de seu cofundador, Augusto Comte
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