No dia 24 de César de 169 (16.5.2023) realizamos nossa prédica positiva. Após darmos continuidade à leitura comentada da sexta conferência do Catecismo positivista (dedicada ao conjunto do dogma positivo), proferimos um sermão sobre a teoria positiva da confiança. As anotações que serviram de base para essa exposição, acrescidas de comentários sugeridos pelo público, estão reproduzidas abaixo.
A prédica pode ser vista nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/gl2k6) e Apostolado Positivista do Brasil (aqui: https://l1nk.dev/vPER3). O sermão pode ser visto a partir de 41' 45".
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Sobre a confiança
o Assim, a confiança é um dos conceitos sociais, políticos e morais mais importantes de qualquer sociedade e de qualquer pessoa
o A confiança seria importante para o Positivismo de qualquer maneira; mas, além disso, o Positivismo fundamenta de diferentes maneiras e tira inúmeras conseqüências da confiança
- A confiança em si mesma tem aspectos subjetivos e outros objetivos
- À primeira vista, a confiança seria apenas subjetiva e individual
o Podemos defini-la basicamente como a crença de que alguém e/ou alguma instituição merece respeito e apoio
§ Em certo sentido, a confiança aproxima-se da esperança: mas, enquanto a esperança tem um aspecto mais abstrato e de longo prazo, a confiança é mais concreta e de curto prazo
o Mais do que apoio e respeito: trata-se da crença de que, em um determinado âmbito da vida, podemos confiar no julgamento e nas ações tomadas por outras pessoas e/ou instituições
§ Assim, esse aspecto puramente subjetivo assume um âmbito coletivo e tem conseqüências diretas também coletivas
o Um outro aspecto importante, também subjetivo e objetivo, individual e coletivo: a confiança exige sempre a liberdade e, portanto, a autonomia dos indivíduos
§ Inversamente, isso equivale a dizer que em face do medo, da coerção, da ameaça de violência, não é possível a confiança
[Comentários de Hernani Gomes da Costa, feitos em 14.5.2023.]
Boa tarde, Gustavo! Tudo bem? Acabei de ler a sinopse de seu próximo
sermão. Pareceu-me capaz de fornecer as bases necessárias para uma apresentação
completa do assunto em seu próprio âmbito.
Assim, tenho pois a acrescentar aqui apenas uma sugestão, que embora me
pareça acessória (e dispensável, portanto, à compreensão do assunto) proveria o
sermão de uma base mais geral e sistemática.
Ela consiste em ligar o tema específico da confiança fazendo-o derivar
do conjunto inteiro do dogma, isto é, vinculando-o à concepção fundamental
deste.
Se a base da nossa confiança reside na fé demonstrável segundo a qual a
Humanidade habita um mundo onde os fenômenos quaisquer seguem leis apreciáveis,
é esta precisamente a confiança que nos haverá de conferir toda a segurança
emocional necessária à nossa harmonia mental nas relações humanas. O “mundo
assombrado pelos demônios”, de que fala Carl Sagan, é o mundo onde se imagina
que “tudo pode acontecer”, e que longe de nos favorecer a confiança seja lá no
que for, apenas pode nos fazer mergulhar a mente nas mais delirantes e
antipáticas possibilidades todas elas tornadas igualmente plausíveis.
Einstein em contrapartida (que costumava “jogar pra a platéia” servindo-se
de metáforas teológicas para exprimir seu pensamento, de maneira atraente)
certa vez afirmou que “o Senhor é sutil mas não malicioso”, querendo, no fundo,
dizer com isso que a Natureza não se furta nunca a dar-se a conhecer à
Humanidade, podendo cada um de nós, confiar nela tal como confiaria em alguém
radicalmente honesto. Essa fé na regularidade dos fenômenos quaisquer
corresponde à mais longínqua referência a que podemos levar o conceito de
confiança.
Aquele mesmo pensamento que Einstein exprimiu em termos teológicos,
Carl Rogers o expressou vantajosamente em termos fetíchicos, quando afirmou que
“os fatos são amigos”. Ora se um amigo é fundamentalmente digno de confiança,
nada nos impede de dizer, inversamente, que o que é digno de confiança é amigo.
Assim, a transparência que fundamenta as relações fraternas entre os
homens não é um sentimento que precise ser procurado e desenvolvido apenas no
interior da ordem moral. Ao contrário ele nos é desde sempre e o tempo todo
exemplificado e robustecido por uma concepção diretamente sugerida já pela
própria ordem física e mesmo pela ordem lógica. Com efeito, o mundo
espontaneamente se oferece à Humanidade tal como sistematicamente as pessoas se
propõem a fazê-lo guiadas pelo altruísmo. Ao apenas ser tal como é, e portanto
ao tão só manifestar-se a nós apenas (e totalmente) pelo que é, o mundo vem
assim a nos prover do mais recuado exemplo físico e lógico de tudo aquilo que
nós devemos ser e desenvolver moralmente.
Um outro ponto que talvez merecesse comentar é o contraste radical
entre os conceitos teológico e positivo de confiança: o mesmo teologismo que
nos convida (ou antes nos intima) a confiar cegamente num ser que - a menos de
ser concebido a priori como bom - não poderia deixar de ser tomado como o responsável
direto por todas as nossas misérias (sempre então imaginadas como devendo
obedecer a algum propósito maior que nos escapa) esse mesmo teologismo, dizia,
é também aquele que não hesita em pôr sob suspeita e em difamar a Humanidade
inteira, declarando maldito o homem que confia no próprio homem; e isso,
note-se, não importando quais possam ter sido as maiores e as mais numerosas
provas reconhecíveis e decisivas de sua sempre e inconfundível benevolência
progressiva para com seus filhos.
- A confiança exige comportamentos práticos reiterados:
o É uma questão (1) de honestidade; (2) de coerência dos comportamentos entre si ao longo do tempo; (3) de coerência das idéias e dos valores entre si ao longo do tempo; (4) de coerência entre idéias/valores e atos ao longo do tempo
o Daí, portanto, o “viver às claras”: sem a publicidade dos atos, é impossível averiguar a coerência e a constância dos comportamentos
- A Religião da Humanidade estabelece que o dever de simpatia implica uma postura geral de boa vontade de todos para com todos: essa boa vontade implica, por sua vez, uma boa-fé generalizada, o que equivale a uma confiança generalizada
o Essa é uma das conseqüências da lei-mãe da Filosofia Primeira, “formular a hipótese mais simples, mais estética e mais simpática que comporte os dados disponíveis”
o Entretanto, como indicamos antes, a confiança tem que ser comprovada e merecida na prática
§ Os atributos que nos permitem desenvolver a confiança são pelo menos estes: liberdade (e/ou autonomia), honestidade, coerência, constância (ou consistência), publicidade
o Aquele que deixa de merecer a confiança de outrem tem que tratar de reconstituí-la, agindo de maneira adequada
§ Nesse caso, evidentemente, o esforço de recuperar a confiança é daquele que a perdeu, não daquele(s) que foi(ram) frustrado(s)
- Dois aspectos do “viver às claras”, ambos evidentemente relacionados entre si: um mais moral, outro mais político
o O sentido moral é o sentido básico e corresponde à moralidade dos atos quaisquer, em que se deve sempre poder justificar publicamente nossas condutas e nossas decisões
o O sentido político é o da publicidade dos atos quaisquer, sejam públicos, sejam privados
- A confiança abrange também aspectos sociais e mais objetivos:
o Há a confiança diretamente nas instituições
§ Exemplos: na ciência; no Estado; nas igrejas; nas escolas
o Diferentes sociedades, filosofias e modos de entender a realidade estimulam mais ou menos a confiança nas pessoas e/ou nas instituições
§ Exemplo positivo, que comprova diretamente a importância e a validade da confiança: na China pré-comunista, havia uma confiança generalizada e espontânea no governo
§ Exemplos negativos, que comprovam indiretamente a importância da confiança: (1) a teoria política ocidental, herdando a concepção monoteísta e teológica de que qualquer crítica ao governo é uma sublevação (quase) herética, tende a consagrar a revolta sistemática como sinal de afirmação da liberdade; (2) da mesma forma, herdando no fundo uma concepção absolutisto-monoteísta, a teoria política ocidental tende a considerar que a liberdade é ausência de qualquer parâmetro, ou seja, que a liberdade é anárquica e/ou caprichosa; (3) a metafísica consagra a concepção de que todos os poderes e, no fundo, todas as instituições são imerecedoras de confiança
§ Devemos insistir, a partir das considerações acima, em que a metafísica, com seu caráter corrosivo, é completamente contrária à confiança
§ Como, no Ocidente, vivemos em uma época metafísica, a valorização efetiva da confiança torna-se uma tarefa complicada, difícil e até heróica
- O Positivismo distingue vários tipos de relações sociais; daí, podemos determinar várias “direções” da confiança:
o Sentidos vertical e horizontal da confiança:
§ Sentido horizontal: entre “iguais” (amigos, correligionários, namorados, cônjuges etc.)
§ Sentido vertical de baixo para cima: dos seguidores para os líderes
§ Sentido vertical de cima para baixo: dos líderes para os seguidores
o Sentidos restrito e ampliado da confiança:
§ Assim como todo ser humano é um servidor da Humanidade (nesse sentido amplo e um tanto figurado, um “servidor público”) e tem uma atuação restrita (sua profissão, seu ofício) e outra ampliada (a preocupação com as atividades coletivas e a respectiva fiscalização), podemos dizer que a confiança também tem um âmbito restrito e outro ampliado
§ Sentido restrito: confiança nas atividades específicas e limitadas de cada qual (exemplos: nos médicos que nos atendem, nos professores que nos ensinam)
§ Sentido ampliado: confiança que depositamos em alguém e/ou alguma instituição de caráter geral (exemplo: no sacerdócio positivo)
· É importante lembrar que somos todos servidores da Humanidade, quer trabalhemos no setor “privado”, quer trabalhemos no setor “público”
- Há um aspecto diretamente político da confiança (“político” no sentido de “pólis”, isto é, de vida coletiva):
o Toda função social sempre se baseia na
confiança
§ Isso quer dizer que não é possível a ninguém desempenhar suas funções (sejam elas estritamente privadas, sejam elas públicas) sem que o conjunto da sociedade e os demais concidadãos confiem uns nos outros
§ Sem essa confiança, o exercício das funções e a eficácia social das atividades fica seriamente prejudicada
o A plena responsabilidade dos atos e do
cumprimento das funções sociais baseia-se sempre na plena confiança
§ Ao dever geral de confiança (ou seja, de confiarmos uns nos outros) corresponde, em contrapartida, o dever específico de que os servidores da Humanidade sejam sempre responsáveis perante o conjunto da sociedade e os demais concidadãos
· Convém lembrar que a “responsabilidade” significa aqui tanto a efetiva capacidade de ação quanto a responsabilização dos servidores da Humanidade
· Também importa lembrar que, quanto maiores as responsabilidades, maiores os poderes necessários