No dia 19 de janeiro comemora-se o aniversário de nascimento
de Augusto Comte (1798-1857), o fundador da Sociologia, da Moral Positiva, da
História das Ciências e, mais importante que isso, da Religião da Humanidade.
Busto de Augusto Comte em frente à Universidade Sorbonne, em Paris. Abaixo do nome está escrito "Merci par tout!" ("Obrigado por tudo!"). |
A Religião da Humanidade, ou simplesmente “Positivismo”, é
uma religião humana e humanista, que busca harmonizar as várias facetas da
natureza humana, entendendo que essa natureza compõe-se de três elementos – os
sentimentos, a inteligência e a ação prática –; esses elementos, por sua vez,
atuam tanto nos indivíduos quanto na vida coletiva. Assim, os seres humanos são
sempre motivados pelos sentimentos, que podem ser altruístas ou egoístas; para
viverem, devem conhecer a realidade que os cerca e, a partir disso, agem nas
sociedades.
Augusto Comte percebeu que a moralidade humana consiste em
agir sempre com vistas ao altruísmo, ou seja, em benefício dos demais, mesmo
quando cada indivíduo e cada sociedade tem que satisfazer as suas próprias
necessidades particulares. Esse princípio fundamental da moralidade é também o
que permite que os seres humanos sejam felizes e, ao mesmo tempo, é o que
permite que as concepções que cada um tem da realidade – a filosofia, a ciência
– sejam organizadas de maneira racional e coerente. Por fim, todos sabemos que
ao longo de nossas vidas enfrentamos inúmeros desafios, que exigem de cada um
respostas intelectuais e práticas; como se diz, viver em sociedade não é fácil:
a moralidade positiva, baseada na realização do altruísmo, permite que essas
dificuldades sejam diminuídas e adequadamente tratadas, minorando os
sofrimentos humanos e permitindo o máximo de justiça.
A Religião da Humanidade é uma “religião”: é um sistema de
coordenação das concepções e dos comportamentos humanos. Ela não é uma teologia,
pois não usa como princípio regulador máximo nenhuma entidade sobrenatural (os
deuses); apesar disso, a Religião da Humanidade tem um símbolo maior, que
representa os grandes valores humanos, resumidos no amor: é a própria
Humanidade, representada por uma moça de cerca de 30 anos tendo em seu colo uma
criança... a Humanidade cuidando e preparando, com amor, as gerações futuras.
Eduardo de Sá - A Humanidade |
Estátua da Humanidade, Igreja Positivista do Brasil. |
A história da humanidade é a grande escola de que dispomos.
Graças ao lento acúmulo de pequenas e grandes modificações ocorridas ao longo
dos anos, dos séculos, dos milênios, o ser humano pode erguer-se das pequenas
famílias que viviam nas cavernas, com medo de tudo, até a grande civilização
mundial que busca, cada vez mais, a paz entre todos os povos, o respeito a
todas as culturas e todos os grupos, o trabalho digno, a justiça social. Também
é graças à historicidade humana que a concepção de uma religião positiva,
humana, foi possível, após o desenvolvimento das religiões fetichistas,
politeístas e monoteístas: assumindo a liderança do ser humano, a Religião da
Humanidade respeita, glorifica e agradece o serviço prestado por essas
religiões anteriores. Por fim, também é graças à historicidade humana que foi possível conhecermos
o mundo que nos cerca e a realidade de que fazemos parte – cósmica, social e
individual. A própria Religião da Humanidade é um fruto da historicidade do ser
humano.
A Religião da Humanidade valoriza profundamente a
subjetividade, isto é, os sentimentos, as crenças íntimas. Mas essa
subjetividade também tem que ser regulada: o mundo existe objetivamente, com as
suas regularidades que não dependem das nossas crenças nem dos nossos
sentimentos. Entender que a mais rica subjetividade não pode negar a
objetividade das leis naturais também é fonte de felicidade.
O reconhecimento de que a realidade tem seus princípios
próprios, que o próprio ser humano tem um funcionamento específico, leva-nos a
mais uma das características da Religião da Humanidade, o seu relativismo. O
relativismo positivo não significa que “qualquer coisa vale”; ele significa que
o ser humano não pode explicar toda a realidade a partir de um único princípio,
de um único conceito, que explicaria tudo de uma única vez e sem fosse
necessário referir-se a mais nada. Assim, no que Comte chamava de "síntese subjetiva", a Religião da Humanidade abandona e
rejeita as concepções absolutas.
A Religião da Humanidade foi criada em 1848 por Augusto
Comte sob a influência de sua esposa subjetiva, a sofrida Clotilde de Vaux (1815-1846).
Após uma vida de dificuldades e sacrifícios, Augusto Comte apaixonou-se pela
jovem Clotilde, cuja vida também se caracterizava por sacrifícios e
dificuldades imensos; o apoio de Clotilde às reflexões de Comte permitiram a
ele que entendesse profundamente o quanto o amor é poderoso... o amor de Comte
por Clotilde permitiu ao filósofo perceber que o verdadeiro fundamento do ser
humano, da moralidade real, é mesmo o amor, que é uma outra forma de denominar
o altruísmo.
Busto de Clotilde, de Décio Villares. |
Retrato de Clotilde, de Etex. |
Todas essas concepções belas e reais foram condensadas na
profissão de fé de um dos mais ilustres positivistas e mais ilustres cidadãos
brasileiros, o Marechal Rondon:
Eu Creio:
Que o homem e o mundo são governados por leis naturais.
Que a Ciência integrou o homem ao Universo, alargando a unidade
constituída pela mulher, criando, assim, modesta e sublime: simpatia para com
todos os seres de quem, como Poverello, se sente irmão.
Que a Ciência, estabelecendo a inateidade do amor, como a do egoísmo,
deu ao homem a posse de si mesmo. E os meios de se transformar e de se
aperfeiçoar.
Que a Ciência, a Arte e a Indústria hão de transformar a Terra em
Paraíso, para todos os homens, sem distinção de raças, crenças,: nações –
banido os espectros da guerra, da miséria, da moléstia.
Que ao lado das forças egoístas – a serem reduzidas a meios de
conservar o indivíduo e a espécie – existem no coração do homem: tesouros de
amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais.
Nas leis da Sociologia, fundada por Augusto Comte, e por que a missão
dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas: desfavorecidas,
para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade.
Que, sendo, incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do
Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor.
Que a ordem material deve ser mantida, sobretudo, por causa das
mulheres, a melhor parte de todas as pátrias e das crianças, as pátrias do
futuro.
Que no estado de ansiedade atual, a solução é deixando o pensamento
livre como a respiração, promover a Liga Religiosa,: convergindo todos para o
Amor, o Bem Comum, postas de lado as divergências que ficarão em cada um como
questões de foro íntimo, sem perturbar a esplêndida unidade – que é a
verdadeira felicidade.
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