Para ver-se como o sistema de avaliação da produção
científica brasileira pode ser profundamente BURRO:
Nos últimos anos eu tive a honra e a felicidade de
redigir dois livros didáticos (para a editora Intersaberes):
- um deles, Introdução à Sociologia Política,
é um volume enorme, com 412 páginas e o mais completo manual de introdução à
Sociologia Política existente em língua portuguesa;
- o outro, Pensamento Social e Político Brasileiro,
é um manual de introdução à teoria política elaborada no Brasil, organizando-a
em três grandes “famílias” intelectuais (de acordo com a relação que os autores
estudados indicam entre o Estado e a sociedade).
Tenho muito orgulho desses livros, não somente
porque são realizações intelectuais importantes por si sós, mas porque são
livros que sistematizam temas e discussões que, no Brasil, costumam ser muito
dispersos. Assim, são convites, portas de entrada e guias para todos os
interessados - e por “todos os interessados” quero dizer exatamente isso:
público em geral, estudantes de graduação, estudantes de especialização,
estudantes de mestrado, estudantes de doutorado, professores, gente de outras
áreas.
Pois bem. A avaliação científica no Brasil ocorre
sob a coordenação da Capes, que é um órgão vinculado ao MEC.
A Capes tem em seu interior inúmeros comitês de área: Medicina tem pelo menos
três comitês (devido à quantidade de especializações), as Engenharias têm
também pelo menos três comitês e assim por diante.
Gozando de uma necessária e correta autonomia
intelectual, cada comitê elabora e aplica os próprios critérios para avaliação
da produção científica. Esses critérios referem-se a classificações gerais
elaboradas pela Capes para avaliar revistas científicas e também livros. No
caso dos livros, a hierarquia vai de L1 (livros ruins) até L4 (livros de
excelência).
Entre os vários comitês, há o de Ciência Política e
Relações Internacionais. Esse comitê decidiu que os livros didáticos de Ciência
Política e Relações Internacionais, bem como os de áreas vinculadas, como
Sociologia Política e Pensamento Político Brasileiro, devem todos eles ter
notas L1 e L2.
O que isso quer dizer? Quer dizer que, para o
comitê da área de Ciência Política e Relações Internacionais que avalia a
produção nacional de Ciência Política e Relações Internacionais (e campos
relacionados), a produção de material didático não é
importante.
Em outras palavras, para o dito comitê, produzir
livros que visem a educar a população brasileira, que visem a sistematizar o
conhecimento da área (extremamente disperso e fragmentado, diga-se de
passagem), que visem a auxiliar o grosso da população a entender um pouco o que
é a política brasileira; enfim, produzir livros que tenham uma certa utilidade social mais
ampla não é importante nem é relevante. Sendo mais direto: para o dito
comitê, produzir livros didáticos é perda de tempo.
Para mim, isso é escandaloso. E, claro, mostra o
quanto a avaliação da produção científica pode ser burra - mesmo a avaliação da
produção científica daqueles que querem palpitar sobre as políticas públicas,
incluindo aí as políticas (alheias) de produção científica.
No exterior (Estados Unidos e Europa), a produção
de livros didáticos é imensa - mesmo que sob a forma de “enciclopédias” e de “manuais”: todas as
principais editoras (comerciais e universitárias) têm suas próprias
enciclopédias e seus manuais das mais diversas áreas do conhecimento.
Um exemplo banal da importância dos livros
didáticos de Ciência Política, para além das salas de aula: a utilidade de
livros didáticos sobre Sociologia Política, História Política, Idéias Políticas
etc. em uma época que se caracteriza pelas fake news está, ou
deveria estar, fora de questão.
Por fim, mas não menos importante, convém notar que, supostamente, ninguém deseja que a Sociologia saia do currículo do Ensino Médio nem, por extensão, dos vestibulares. Mas, ainda assim, a produção dos recursos didáticos adequados a esse ensino e que, de qualquer maneira, sistematize a fragmentação e a dispersão das Ciências Sociais - isso é visto como perda de tempo. Não é necessário ter o título de doutor para perceber que há alguma coisa muito errada aí.
Por fim, mas não menos importante, convém notar que, supostamente, ninguém deseja que a Sociologia saia do currículo do Ensino Médio nem, por extensão, dos vestibulares. Mas, ainda assim, a produção dos recursos didáticos adequados a esse ensino e que, de qualquer maneira, sistematize a fragmentação e a dispersão das Ciências Sociais - isso é visto como perda de tempo. Não é necessário ter o título de doutor para perceber que há alguma coisa muito errada aí.
Outros comitês de área avaliam a produção de materiais didáticos de
outras formas. Felizmente há quem leve a sério a educação, a qualidade dos debates públicos e o futuro do país.
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