11 junho 2009

Lafaiete Neves e o “Positivismo” autoritário


Causa profunda estranheza a referência do Professor Lafaiete Neves (no artigo A crise da democracia, publicado na Gazeta do Povo de 9.6.2009), que, ao defender “mais democracia” no Brasil, atribui ao Positivismo, ao “Ordem e Progresso” da bandeira nacional, a influência sobre os militares do regime de 1964-1985.

O Profº Lafaiete afirma e sugere que o Positivismo foi uma espécie de justificativa teórica para as violências perpetradas pelos militares. O estranho é que o Prof° Lafaiete, sendo marxista, deveria ser conhecedor da história – mas sua afirmação revela não apenas ignorância teórica (sobre o Positivismo) e histórica (sobre a ação do Positivismo no Brasil) como também má-fé, ao repetir preconceitos largamente difundidos tanto pela esquerda (marxista) como pela direita (católica e liberal).

Em termos teóricos, o Positivismo é radicalmente a favor das liberdades de pensamento, de expressão e de associação; qualquer tentativa de diminuir essas liberdades é uma forma ilegítima de governo. Isso é tão verdadeiro que houve quem dissesse que o Positivismo é “perigoso”, pois “excessivamente libertário”. Nada disso é invenção ou questão de “interpretação”: são comentários literais, legíveis ipsis literis na obra de Augusto Comte (em particular no Sistema de política positiva).

Em termos históricos o Profº Lafaiete não está menos mal-informado. Os positivistas no Brasil sempre foram defensores aguerridos das liberdades, começando pela separação entre Igreja e Estado, passando pela proteção aos índios e pela legislação social (incluindo aí o direito de greve, em uma época em que isso era proibido e “subversivo”) e chegando mesmo a defender a legalização do Partido Comunista na época em que ele estava na ilegalidade (1947 e 1979).

Os militares do regime de 1964 foram criados na reforma curricular militar dos anos 1920. Essa reforma visava à “profissionalização”, em moldes alemães e contra a tradição anterior. Essa tradição anterior era a do positivista Benjamin Constant, que preconizava exércitos para a paz. Pois bem: as gerações militares formadas a partir dos anos 1920 tornaram-se inimigas do Positivismo, aproximaram-se da Igreja Católica, do fascismo, do autoritarismo e, não por acaso, apoiaram os golpes de Estado de 1937 e de 1964: esses foram os perfis de Góes Monteiro e de Olympio Mourão Filho, além de inúmeros outros. Mas talvez o Profº Lafaiete devesse conhecer a história do General Peri Bevilácqua, neto de Benjamin Constant e positivista como o avô, que no Superior Tribunal Militar no final da década de 1960 bateu-se com força contra as arbitrariedades e as violências do regime – e que, por isso, foi reformado.

Nada do que comentei acima é novidade: as fontes de pesquisa são públicas e acessíveis a todos; apesar disso, o Prof° Lafaiete prefere defender “mais democracia” a partir de preconceitos e de desinformação. Isso sim é preocupante.

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