A república no Brasil foi fundada pelo professor de Matemática, Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, em 1889. Erudito e preocupado com o país, esse niteroiense buscou, com sua ação, realizar no Brasil um regime político com justificativa humana, baseado nas mais amplas liberdades, para o benefício de toda a população brasileira. Embora os anos seguintes tenham desmentido essas aspirações – e embora a historiografia brasileira faça questão de desqualificar a República Velha –, o fato é que os ideais e o programa de Benjamin Constant permanecem.
O interessante a notar é que ao longo da história não houve apenas um Benjamin Constant, mas dois, de que o segundo foi o nosso, o brasileiro. O primeiro foi um pensador francês do início do século XIX e que, para o que nos interessa, apresentou uma definição de liberdade que se tornou célebre, na conferência 1819 sobre “A liberdade dos antigos comparada com a dos modernos”.
O seu argumento era o seguinte: enquanto os antigos – ou seja, os gregos e os romanos da Antigüidade Clássica – realizavam sua liberdade por meio da participação pessoal e direta nos negócios públicos, os modernos realizam sua liberdade por meio da ausência de restrições do Estado em relação à conduta dos indivíduos. Na Antigüidade os indivíduos dedicavam-se a discutir em praça pública seus assuntos, sendo exatamente essa sua principal e mais nobre atividade – a política –, mas, em compensação, as demais atividades, especialmente aquelas que denominamos de “econômicas”, eram relegadas aos indivíduos de segunda classe: mulheres, escravos, estrangeiros. Os “modernos”, em contraposição, são aqueles das sociedades contemporâneas, industriais e comerciais, cujos indivíduos dedicam-se às atividades econômicas em tempo integral – e também, pudera, são obrigados a isso, pois não têm escravos e dependentes para fazerem esse trabalho em seu lugar, dando-lhe o ócio necessário à prática política.
Além da disponibilidade de tempo e das diferentes estruturas sócio-econômicas, outra diferença entre os modernos e os antigos reside, mais especificamente, nas diferentes concepções de liberdade. Os antigos realizavam-se na participação, ou seja, era uma liberdade no Estado (ou melhor, na polis), enquanto os modernos realizam sua liberdade de maneira mais ou menos oposta, evitando que o Estado apresente escolhos à atividade individual: é uma liberdade do Estado.
Benjamin Constant era um dos chefes do partido liberal na França do início do século XIX, de modo que sua proposta punha o acento e a valorização positiva na liberdade dos modernos, claramente individualista. No século XX, outro autor liberal, agora inglês, renomeou a disjuntiva de modo a evitar a valorização histórica e a enfatizar seus elementos analíticos: de fato, Isaiah Berlin foi o criador da terminologia da “liberdade negativa” e da “liberdade positiva”.
O filósofo italiano Norberto Bobbio, em um interessante opúsculo (Igualdade e liberdade, Ediouro, 1996), indica que essas liberdades consistem, no caso da dos antigos, na autodeterminação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário