No dia 1º de Moisés de 170 (1.1.2024) celebramos a Festa da Humanidade.
Tal celebração foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/Jxnmz) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/60V4k).
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
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Celebração da Festa da Humanidade – 170 (2024)[1]
- Ela é a mais importante festa do Positivismo, celebrando o verdadeiro ser supremo, a nossa verdadeira providência, o objeto contínuo de nossa devoção, nossos pensamentos e nossas ações
o A celebração da Festa da Humanidade é ao mesmo tempo fácil e difícil
o Há muito a ser falado em homenagem à nossa deusa – e, por isso mesmo, corremos o risco de sermos ingratos ao deixarmos de mencionar algum aspecto mais ou menos central, ou mesmo algum aspecto secundário
o A data específica da Festa da Humanidade – dia 1º de Moisés, primeiro dia do ano – também é plena de referências e possibilidades:
§ Após a celebração da Festa Geral dos Mortos, na véspera, em que celebramos a subjetividade que vem antes de nós, celebramos hoje a grande continuidade humana
§ No calendário positivista concreto, o dia de hoje é consagrado a Prometeu, figura mitológica que, embora mitológica, integrando o panteão grego, aceitou sacrificar-se pelo bem da Humanidade
· Com Prometeu temos o culto fetichista do fogo – culto que é espontaneamente rememorado todos os anos, com os fogos de artifício celebrando a esperança, a renovação e a permanência da vida, a busca de paz e prosperidade[2]
· Além disso, cada vez mais o espetáculo dos fogos de artifício assumem um caráter mais de luzes e menos de barulho, indicando ao mesmo tempo a iluminação e o respeito aos nossos auxiliares animais e aos seres humanos mais frágeis (os autistas)
§ No calendário positivista abstrato, hoje se inicia o mês dedicado precisamente à Humanidade, com o vinculo mais universal possível, o religioso
o Em face das inúmeras possibilidades, temos que nos resignar em falar de algumas coisas e em deixar algumas outras de lado
§ Aquilo que não citamos, não é citado por desleixo, mas por impossibilidade prática
- Comecemos então nossa pequena celebração relembrando as palavras pronunciadas pelo apóstolo positivista inglês Richard Congreve na Igreja Positivista de Londres em todas as suas Festas da Humanidade – palavras repetidas por Miguel Lemos aqui no Brasil e, depois, também por Alfredo de Moraes Filho, de modo que nos orgulhamos de restabelecer e integrar uma tradição cultual que tem mais de 150 anos:
Prece à
Humanidade (Richard Congreve)
Com todos os centros de nossa fé onde quer que existam, com todos os seus discípulos esparsos, com os fiéis de todas as outras religiões ou crenças quaisquer, monoteístas, politeístas ou fetichistas, subordinando todas as distinções secundárias ao laço exclusivo de uma aspiração religiosa comum; com toda a raça humana, isto é, com o homem, onde quer que se ache e qualquer que seja a sua condição, subordinando também todas as distinções secundárias ao laço único de nossa comum Humanidade; com as raças animais que foram, durante a longa e trabalhosa ascensão humana, os nossos companheiros e auxiliares, como ainda o são; — estejamos hoje, nesta festa da Humanidade, unidos por uma consciente simpatia.
E não somente com os nossos contemporâneos que devemos hoje estar em comunhão simpática, mas também e sobretudo com essa parte preponderante de nossa espécie que representa o Passado. Comemoramos com reconhecimento os serviços de todas essas gerações que nos legaram o fruto de seus labores, desejando transmitir esta herança aumentada aos nossos sucessores. Nós aceitamos o jugo dos mortos.
Comemoramos também com gratidão todos os serviços de nossa Mãe comum, a Terra, o planeta que nos serve de morada, e com ela o orbe que forma o Sistema Solar, o nosso Mundo. Não separemos desta última comemoração a do meio em que colocamos esse sistema, o Espaço, que foi sempre tão propício ao homem, e que está destinado, mediante uma sábia aplicação, a prestar-lhe ainda maiores serviços, pois que ele se torna a sede reconhecida da abstração, a sede das leis superiores que coletivamente constituem o Destino do homem, e como tal introduzido em toda a nossa educação intelectual e moral.
Do presente e do passado estendamos as nossas simpatias ao porvir, às gerações futuras que com sorte mais feliz nos sucederão sobre a Terra; tenhamo-las sempre presentes ao nosso espírito a fim de completar a concepção da Humanidade, tal como nos foi revelada pelo Fundador de nossa Religião, pela plena aceitação da continuidade que constitui o seu mais nobre característico.
A memória, do maior dos servidores da Humanidade, Augusto Comte, e a dos seus três anjos – Rosália, Clotilde e Sofia – ocorre naturalmente nesta sua máxima festa, consagrada à glorificação de todos os que a têm servido.
Oh! O mais sábio e o mais nobre dos Mestres! Possamos nós, que nos proclamamos teus discípulos, animados pelo teu exemplo, sustentados pela tua doutrina, guiados pelas tuas teorias, vencer todos os obstáculos, que a indiferença ou a hostilidade semeia no nosso caminho; possamos nós no meio desta época revolucionária, sem nos deixar degradar por qualquer esperança de recompensa, nem nos desviar por qualquer insucesso dos nossos esforços, num espírito de submissa veneração, levar por diante a grande empresa a que consagraste a tua vida, a empresa da regeneração humana, por meio e no seio do culto sistemático da Humanidade.
o A teoria dos entes coletivos indica que a Humanidade é um ser composto e que, como tal, ela desenvolveu-se ao longo do tempo
§ Os primeiros embriões da Humanidade aconteceram – como acontecem continuamente, todos os dias – nas famílias, que criaram as condições de existência dos seres humanos, proporcionando o abrigo material, intelectual e, acima de tudo, moral e afetivo
§ Com o aumento do tamanho das famílias e suas contínuas inter-relações, surgiram associações maiores, como as tribos e os clãs, passando afinal para as pátrias
§ As pátrias, por sua vez, têm por base a divisão do trabalho prático
§ À medida que as pátrias cresceram e desenvolveram-se, seus grandes pensadores sempre prenunciaram os vínculos universais, independentemente de tempo e espaço, de nacionalidade e de etnia
§ Depois dos tempos das guerras, em que as famílias e as pátrias bateram-se longamente, o tempo da paz universal, da cooperação e da convergência chegou há cerca de 170 anos, quando se afirmou afinal a plena universalidade humana, necessariamente pacífica
o Por outro lado, embora a Humanidade seja verdadeiramente a única realidade para o ser humano, ela só pode existir e atuar por meio de agentes concretos, os seus servidores
§ Assim, a Humanidade é o conjunto dos seres humanos convergentes passados, futuros e presentes
§ A Humanidade atua e beneficia todos, mas nem todos os seres humanos integram-na efetivamente: aqueles que não são convergentes, aqueles que não cooperam de fato para o benefício coletivo não integram, ou melhor, não podem ter a esperança de um dia merecerem integrar a Humanidade
o Um ser digno de veneração, de conhecimento, de atividade, de gratidão tem que ser, por si só, moralmente superior
§ Para o ser humano, a moralidade é maior e mais elevada nas mulheres, que, a esse respeito (como em muitos outros), são superiores aos homens
§ A definição positiva de moralidade é o desenvolvimento da ternura, isto é, o desenvolvimento do altruísmo, do amor, e a pureza, ou seja, a compressão do egoísmo
§ Assim, a figura da Humanidade é necessariamente de uma mulher, o que equivale a dizer que o Grão Ser positivo é uma deusa
§ A Humanidade é uma mulher na faixa de 30 anos, carregando em seu colo um bebê, ou seja, o futuro
§ Com isso, todos temos uma figura amorosa facilmente reconhecível, capaz de organizar e orientar nossos sentimentos, nossos pensamentos e nossas atividades
- Do que vimos rapidamente, a Humanidade é uma concepção intelectual e moral; ela é nossa verdadeira providência
o A Humanidade é nossa verdadeira providência porque é ela que fornece tudo ao ser humano em todos os momentos de suas vidas: sentimentos, idéias, colaboração no tempo, colaboração no espaço, recursos variados
§ Os seres humanos individuais restituem à Humanidade muito pouco do que recebem ao longo de suas vidas – e só se pode falar de verdade em restituições se elas forem úteis
§ A Humanidade, então, é a verdadeira “filha de seu filho”: cada um de nós só existe devido a ela, mas, inversamente, ela precisa dos esforços (altruístas) de cada um de nós para existir, manter-se e desenvolver-se
o A providência humana atua sempre cada vez mais ao longo do tempo, na continuidade, que meramente na colaboração simultânea da solidariedade
o A providência humana é múltipla:
§ Acima de tudo, ela é moral, ao dar-nos valores, ao indicar-nos o que é bom e correto
§ Ela é afetiva, ao dar-nos os sentimentos que constituem o fundo de nossas existências e que tornam nossas vidas dignas de serem vividas
§ Ela é intelectual, ao fornecer-nos idéias e conceitos, conhecimentos e habilidades, a começar pelas línguas com que nos comunicamos e todas as concepções que permitem que entendamos o mundo e atuemos nele
§ Ela é artística, ao oferecer-nos as imagens e as idealizações que sugerem e indicam como e quanto o ser humano e o mundo podem e devem ser melhores
§ Ela é prática, ao oferecer-nos a infraestrutura de que desfrutamos, as técnicas que empregamos para melhorar o mundo
o Assim, é à Humanidade que devemos todos nós ser gratos
§ Quem agradece às divindades temporárias exercita a gratidão, o que é um exercício moral importante em si mesmo
§ Mas quem atualmente agradece às divindades temporárias na prática comete o erro moral e intelectual da ingratidão, ao desconsiderar (ou desprezar) a verdadeira providência e valorizar seres fictícios, para quem, aliás, o ser humano de nada vale
- Para concluir esta celebração da Festa da Humanidade, as invocações lidas na Igreja Positivista do Brasil são mais uma vez tão belas quanto oportunas:
Em nome da Humanidade:
O amor por princípio, e a ordem por base; o progresso por fim.
Tens, Senhora, tão grande potestade,
Que quem a graça quer e a Ti não corre
Sem asas voar lhe quer a vontade.
A tua benignidade não socorre
A quem T’implora só; com caridade
Freqüentemente à súplica precorre.
Em Ti misericórdia;
Em Ti piedade;
Em Ti magnificência;
Em Ti concorre
Tudo quanto no mundo
Há de bondade.
Ó Virgem-mãe, filha do teu filho!
A Ti, mais do que a nós mesmos,
Amemos sem cessar;
E a nós somente
O puro amor de Ti
Nos faça amar.
Ergamos os nossos corações à Humanidade e lhe testemunhemos o reconhecimento de que nos sentimos repletos pelos ensinamentos que acabamos de receber. Que estes frutifiquem em nossas almas e que, ao deixarmos esta prédica, levemos a resolução feita de dedicar todos os nossos esforços a auxiliar em nós e nos outros a vitória final do altruísmo sobre o egoísmo.
Rendamos graças especiais ao nosso Mestre, Augusto Comte, e à sua imaculada inspiradora, Clotilde de Vaux, aos quais devemos a sistematização da Humanidade e de sua sublime doutrina.
Que a tua palavra de vida, ó santa Humanidade, seja não somente bem aceita e compreendida, mas antes de tudo aplicada com zelo a todos os atos de nossa vida privada e pública.
Assim seja.
[1] Algumas fontes consultadas para auxiliar na elaboração desta celebração:
- Richard Congreve: “Prece à Humanidade” (Rio, 1936).
- Augusto Comte: “A Humanidade – extratos do Catecismo positivista” (Rio, 1936).
- Alfredo de Moraes Filho: “Humanidade– a deusa do futuro” (Rio, 1982). A sugestão desse discurso foi feita por meu amigo Hernani Gomes da Costa.
[2] A lembrança dos fogos de artifício como um culto espontâneo do fogo também foi feita por meu amigo Hernani.