06 novembro 2023

Comemorações de 170-236 (2024)

 Centenários

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

1.           

Abraão

1976 ac-1801 ac

4000 anos nasc.

22.Moisés

22.jan.

2.           

Baiardo

1476-1524

500 anos morte

13.Carlos Magno

29.jun.

3.           

Byron

1788-1824

200 anos morte

27.Dante

10.ago.

4.           

Camões

1524-1580

500 anos nasc.

16.Dante

30.jul.

5.           

Eratóstenes

276 ac-174 ac

2300 anos nasc.

18.Arquimedes

11.abr.

6.           

Estrabão

63 ac-24

2000 anos morte

25.Arquimedes

18.abr.

7.           

Joinville

1224-1317

800 anos nasc.

15.Dante

29.jul.

8.           

Jorge Fox

1624-1691

400 anos nasc.

27.São Paulo

15.jun.

9.           

Kant

1724-1804

300 anos nasc.

23.Descartes

29.out.

10.         

Klopstock

1724-1803

300 anos nasc.

26.Dante

9.ago.

11.         

Marco Polo

1254-1324

700 anos morte

1.Gutenberg

12.ago.

12.         

Sto. Henrique

973-1024

1000 anos morte

4.Carlos Magno

20.jun.

13.         

Vasco da Gama

1460-1524

500 anos morte

3.Gutenberg

14.ago.

“Cinqüentenários”

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

14.         

ARIOSTO

1474-1533

550 anos nasc.

7.Dante

21.jul.

15.         

Goldsmith

1730-1774

250 anos morte

6.Dante

20.jul.

16.         

MILTON

1608-1674

350 anos morte

28.Dante

11.ago.

17.         

Nassir-Edin

1201-1274

750 anos morte

20.Arquimedes

13.abr.

18.         

Petrarca

1304-1374

650 anos morte

22.Dante

5.ago.

19.         

S. Boaventura

1221-1274

750 anos morte

3.Descartes

9.out.

20.         

S. TOMÁS DE AQUINO

1225-1274

750 anos morte

7.Descartes

13.out.

Positivistas brasileiros

N.

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

21.          

Carlos Torres Gonçalves

1875-1974

50 anos morte

2.Carlos Magno

19.jun.

22.          

João David Pernetta

1874-1933

150 nasc.

13.Dante

27.jul.

Positivistas não brasileiros

N.

NOME

VIDA

COMEMORAÇÃO

CALENDÁRIO

J.-G.

23.         

Alfred Ribet

1824-1906

200 anos nasc.

26.Shakespeare

4.out.

24.         

Alfred Sabatier

1823-1874

150 anos morte

?

?

25.         

Amable Gaze

1824-1882

200 anos nasc.

13.Frederico

16.nov.

26.         

Auguste Keufer

1851-1924

100 anos morte

6.Arquimedes

30.mar.

27.         

César Lefort

1824-1867

200 anos nasc.

8.Moisés

8.jan

28.         

Charles Ploix

1824-1895

200 anos nasc.

27.Frederico

30.nov.

29.         

George Allman

1824-1904

200 anos nasc.

20.Shakespeare

28.set.

30.         

Georges Maris

1861-1924

100 anos morte

24.Gutenberg

4.set.

31.         

Henry Dix Hutton

1824-1907

200 anos nasc.

25.Shakespeare

3.out.

32.         

Joseph Bernard

1824-1852

200 anos nasc.

18.Descartes

24.out.

33.         

Léopold Granjon

1845-1874

150 anos morte

16.Carlos Magno

2.jul.

34.         

Périclès Grimanelli

1847-1924

100 anos morte

11.Bichat

12.dez.

35.         

Teófilo Braga

1843-1924

100 anos morte.

28.Moisés

28.jan.

FONTES: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos; Comité des travaux historiques et scientifiques (http://cths.fr/).

NOTAS:

1.     As datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia), considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos conservadores.

2.     Letras maiúsculas em negrito: nomes de meses.

3.     Letras maiúsculas simples: chefes de semanas.

4.     Letras em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.

Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (espanhol, francês, inglês).

29 outubro 2023

Augusto Comte: a arte idealiza (e enaltece) o que a ciência explica

Augusto Comte: trecho de “Aptidão estética do Positivismo”

O trecho abaixo corresponde à tradução, a partir do original em francês, das páginas 279 a 284 da quinta parte do Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, intitulada “Aptidão estética do Positivismo”. Esse trecho está faltando na edição digitalizada e publicada no portal Internet Archive (https://archive.org/details/augusto-comte-aptidao-estetica-do-positivismo) em setembro de 2023. Por sua vez, essa edição é a tradução brasileira do referido capítulo do Discurso, feita em 1949 por F. A. Machado da Silva; as páginas faltantes nessa edição brasileira vão da 9 à 12. Tradução de Gustavo Biscaia de Lacerda.

*          *          *

Tal é a filiação histórica que ao mesmo tempo explica e refuta as utopias anárquicas de nosso século sobre uma espécie de pedantocracia estética. Esses sonhos de um orgulho sem freio não podem tornar-se especiosos senão entre espíritos metafísicos, sempre inclinados à consagração absoluta dos casos excepcionais. Se os filósofos devem ser excluídos do comando, os poetas são-lhe ainda menos próprios. Sua versatilidade mental e moral, que os dispõem a melhor refletir o meio correspondente, interdita-lhes mais toda autoridade diretiva. Apenas uma severa educação sistemática pode conter o suficiente seus vícios naturais, que devem então ser bastante desenvolvidos em um tempo estrangeiro a toda convicção profunda. Membros assessórios do poder intelectual, os poetas não podem seguir sua vocação normal senão ao renunciarem à supremacia temporal ainda mais completamente que os membros principais. Os filósofos não são impróprios senão para a ação, mas as consultas convêm-lhes; ao passo que os poetas não devem, em geral, pretender mais um que a outra. Idealizar e estimular, tal é seu duplo ofício natural, que não se realiza dignamente senão conforme uma concentração exclusiva. Essa função é assaz nobre e assaz estendida para absorver todos os que se encontram verdadeiramente destinados a ela. Da mesma forma, esses desvios de conduta da ambição estética não surgiram plenamente senão depois do advento passageiro de uma situação incompatível com a arte verdadeira, falta de costumes pronunciados e de convicções reais. Todos esses poetas falhos ou equivocados dariam um outro curso à sua vida pública se a verdadeira poesia estivesse já tornada possível, por meio da preponderância de uma doutrina universal e de uma direção social. Até um tal resultado, as naturezas estéticas continuarão a estender-se ou a corromper-se em uma miserável agitação política, mais favorável às mediocridades especiosas que às superioridades reais.

O estado normal da natureza humana subordina tanto a imaginação à razão quanto esta ao sentimento. Toda inversão prolongada dessa ordem fundamental é igualmente funesta para o coração e para o espírito. O pretendido reino da imaginação tornar-se-ia ainda mais corruptor que o da razão, se ele não fosse ainda menos compatível com as condições reais da humanidade. Mas, ainda que quimérica, apenas sua busca pode atrapalhar bastante a existência privada, ao substituir por uma exaltação falsa, e com grande freqüência mentirosa, as emoções espontâneas e profundas. Com mais forte razão, essa viciosa preponderância da imaginação deve alterar a vida pública, quando nenhuma barreira social contém mais as ambições estéticas. A arte tende então a perder sua verdadeira destinação de encantar e melhorar a humanidade. Tornada o objetivo da existência, ela degradar-se-ia logo, ao desmoralizar ao mesmo tempo seus órgãos e seu público. Ela reduzir-se-ia cada vez mais aos seus ornatos sensuais, ou mesmo às dificuldades técnicas, sem nenhuma tendência moral. As inclinações estéticas, que, dignamente subordinadas, tanto aperfeiçoaram os costumes modernos, podem tornar-se profundamente corruptoras por seu ilegítimo ascendente. Sabe-se a que prática atroz a Itália foi conduzida, durante muitos séculos, com o objetivo único de embelezar as vozes masculinas. Assim degenerada, a arte, tão própria a desenvolver os instintos simpáticos, pode diretamente suscitar o mais abjeto egoísmo, provocando uma inteira indiferença social, entre aqueles que assumiram como sua principal felicidade o gostar de sons ou de formas. Tal é o íntimo perigo, ainda mais moral que mental, inerente à preponderância privada, e sobretudo pública, das inclinações estéticas, mesmo quando elas são reais. Mas também é necessário reconhecer que essa violação da ordem fundamental conduz logo ao inevitável triunfo das mediocridades, entre aqueles que um longo exercício desenvolve facilmente a habilidade de execução.

É assim que gradualmente caímos sob a vergonhosa dominação, não menos funesta à arte que à filosofia e à moral, das influências evidentemente votadas à subordinação social. Uma deplorável aptidão para exprimir o que não se sente nem se crê fornece hoje um ascendente efêmero a talentos tão incapazes de toda criação estética quanto de toda concepção científica. Essa anomalia política, principal característica de nossa situação revolucionária, deve tornar-se moralmente desastrosa quando esses triunfos imerecidos não ecoem mais, seguindo uma rara exceção, nas almas elevadas para conter-lhes com freqüência o vicioso impulso. Conforme sua maior generalidade, que lhes permite uma ambição mais alta, os poetas são mais expostos a esses perigos que os artistas propriamente ditos. Mas a cultura das artes especiais reproduz esse mal sob uma outra forma, ainda mais degradante, pela avidez pecuniária que macula hoje tantos talentos. É sobretudo aí que a ausência de toda regra deixa ingenuamente surgir uma vaidade pueril que doravante aplica o mesmo título habitual aos verdadeiros criadores estéticos e aos simples órgãos das produções alheias.

Tais são os resultados necessários do gradual desvio de conduta das ambições poéticas durante a longa transição moderna. Eu deveria caracterizar aqui sem hesitação as aberrações que impedem hoje toda sã apreciação da natureza e da destinação da arte. Mas esse severo preâmbulo não poderia chocar as almas verdadeiramente estéticas, já pessoalmente dispostas a sentir o quanto o regime atual contraria toda vocação real. Malgrado declamações interessadas, o verdadeiro desenvolvimento da arte exige pelo menos tanto a compressão das mediocridades quanto o encorajamento das superioridades. O verdadeiro gosto não existe nunca sem o desgosto. É exatamente por que a arte deve sobretudo desenvolver em nós o instinto familiar da perfeição, seus sinceros apreciadores ficam vivamente chocados com toda fraca produção. O feliz privilégio das obras-primas de suscitar uma admiração que os séculos não amenizam preserva-nos da pretensa necessidade de entreter o gosto com novidades que se alteram. Se eu ouso invocar aqui minhas próprias impressões, eu posso declarar que, após 13 anos, pela razão tanto quanto por inclinação, eu reduzi minhas leituras habituais aos grandes poetas ocidentais, sem provar a menor curiosidade a respeito dos produtos cotidianos de uma deplorável fecundidade.

Após essa retificação preliminar, é necessário caracterizar diretamente a aptidão estética do Positivismo, indicando inicialmente como ele constrói naturalmente a verdadeira teoria geral da arte, limitada até aqui a felizes vistas parciais. Tal sistematização estética resulta ao mesmo tempo do princípio subjetivo, do dogma objetivo e do fim ativo, atribuídos à nova filosofia nas duas primeiras partes deste discurso.

A arte consiste sempre em uma representação ideal do que é, destinada a cultivar nosso instinto da perfeição. Seu domínio então é tão estendido quanto o da ciência. Cada uma delas abarca, à sua maneira, o conjunto das realidades, que uma aprecia e a outra embeleza. Suas contemplações respectivas seguem o mesmo curso natural, conforme a minha lei enciclopédica, elevando-se das especulações mais simples e mais exteriores às mais complicadas e mais humanas. Assim, essa escala fundamental do verdadeiro, que nós reconhecemos, na segunda parte, constituir também a do bom, coincide ainda com a do belo, de maneira a estabelecer a mais íntima harmonia entre as três grandes criações da humanidade, a filosofia, a política e a poesia. Com efeito, é o espetáculo inorgânico, sobretudo celeste, que nos manifesta os primeiros caracteres da beleza, da ordem e da grandeza, ali melhor cognoscíveis que em relação aos fenômenos mais complexos e menos regulares. Os graus superiores do belo não poderiam ser verdadeiramente apreciados pelas almas insensíveis a esse grau inicial. Mas, se a filosofia não considera o estudo inorgânico senão como um indispensável preâmbulo para elevar-se à sua destinação humana, a poesia deve ainda mais proceder assim. Sua tendência é mesmo mais pronunciada, a esse respeito, que a da política, que, limitada inicialmente ao aperfeiçoamento material, limita-se por muito tempo ao aperfeiçoamento físico, e em seguida intelectual, antes de subir diretamente ao seu objetivo principal, o aperfeiçoamento moral. A poesia percorre mais rapidamente os três graus preliminares, e eleva-se com menos ainda de esforço à contemplação das belezas morais. Assim, o sentimento constitui naturalmente seu domínio essencial. Ela encontra aí seus meios tanto quanto seu fim. Entre todos os fenômenos humanos, as afeições são as mais modificáveis, e dessa forma os mais idealizáveis, como os mais perfectíveis, em virtude de sua complicação superior, que determina uma imperfeição maior, conforme a lei positivista. Ora, a expressão, mesmo imperfeitíssima, deve reagir bastante sobre as funções que, por sua natureza, tendem a espalhar-se para fora. Se sua eficácia é reconhecida a respeito dos pensamentos, não poderia ela desenvolver mais os sentimentos, mais dispostos à manifestação? Toda cultura estética, mesmo limitada à pura imitação, pode tornar-se então um útil exercício  moral, quando ela estimula dignamente nossas simpatias e nossas antipatias. Mas essa aptidão deve ser bastante mais completa se a representação, em vez de uma estrita fidelidade, encontra-se convenientemente idealizada. [...]

(Augusto Comte, Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, 5ª ed., Paris, L. Mathias, 1929, p. 279-284).

26 outubro 2023

Augusto Comte: sobre o progresso; proletários no poder

Três citações de Augusto Comte que valem a difusão direta e a reflexão: a primeira trata dos tipos de progresso e da subjetividade dessa noção; as outras duas citações tratam das qualidades morais e intelectuais próprias ao proletariado e que justificam que a chefia dos governos esteja em suas mãos. 

(As duas últimas citações foram traduzidas do francês por mim.)

*   *   *

Sobre tipos de progresso e sobre a subjetividade da noção de progresso

“Distinguem-se, assim, duas espécies de progresso, um exterior, outro humano. Embora ambos se refiram finalmente a nós mesmos, só o último diz respeito à nossa própria natureza, e o primeiro limita-se à nossa situação, que ele melhora reagindo sobre todas as existências capazes de afetar a nossa. É por isso que esse progresso exterior é habitualmente qualificado de material, se bem que se estenda à ordem vital propriamente dita [ou seja, aos seres vivos], mas apenas em relação às espécies que nos servem de provisões ou de instrumentos. O ponto de vista do progresso sendo necessariamente mais subjetivo que o da ordem, a uniformidade da linguagem nem sempre corresponde, nele, à identidade de noções” (Augusto Comte, Catecismo positivista, São Paulo, editora Nova Cultural, 1996, p. 252; sem itálico no original).

Proletários como chefes políticos superiores devido às suas qualidades morais e intelectuais

“Rejeitando todo prestígio pedantocrático ou aristocrático, um exame racional mostra facilmente [...] que, entre o povo, a generalidade dos pensamentos e a generosidade dos sentimentos são mais fáceis e mais diretos que em qualquer outra parte. Uma falta ordinária de noções e de hábitos administrativos tornaria nossos proletários pouco próprios aos diversos ofícios especiais do governo prático. Mas disso não resulta nenhuma exclusão quanto à autoridade suprema, nem a respeito de todas as altas funções temporais que exigem uma verdadeira generalidade sem supor nenhuma especialidade” (Augusto Comte, Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, 5ª ed., Paris, L. Mathias, 1929, p. 200; sem itálico no original).

 “A razão pública repudiará doravante, como sendo ao mesmo tempo perturbador e atrasado, todo doutor que pretenda comandar e todo governante que deseje ensinar” (Augusto Comte, Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo, 5ª ed., Paris, L. Mathias, 1929, p. 202).

24 outubro 2023

Sobre o militarismo

No dia 17 de Descartes de 169 (24.10.2023) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo Positivista. Nesse sentido, iniciamos a nona conferência, dedicada ao conjunto do regime positivo.

No sermão abordamos o tema do militarismo, examinado à luz da Religião da Humanidade.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/8GzSn) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/tD6iK). O sermão começou em 43' 45".

*   *   *


Sobre o militarismo 

-        Um dos temas a respeito dos quais há enorme confusão é o militarismo

o   Essa confusão é resultado tanto de boa fé quanto de má-fé – o que, lamentavelmente, inclui mesmo pessoas que se dizem próximas ao Positivismo

o   Na verdade, bem vistas as coisas, exatamente devido às confusões que envolvem o Positivismo e os militares, o tema do militarismo é um ótimo parâmetro para avaliação do conhecimento, do entendimento e da adesão que se tem do Positivismo, da mesma forma que do viés dos comentários (boa ou má fé)

o   A confusão consiste em atribuir ao Positivismo a alcunha de militaristas e de militarismo – isso quando o Positivismo é radicalmente pacifista!

§  As pessoas de boa fé partem dos preconceitos correntes para atribuir ao Positivismo tal associação

§  As de má-fé repetem esse preconceito para degradar o Positivismo

§  Por fim, há indivíduos que, rondando o Positivismo, mesmo a despeito de terem noções da doutrina positivista, rejeitam o pacifismo e buscam justificar o militarismo por meio dos mais variados expedientes retóricos e sofísticos

-        Quais são as concepções de Augusto Comte a respeito do militarismo? A resposta a essa questão passa pelo que nosso mestre dizia a respeito da guerra e, de modo mais amplo, da violência

-        Consideremos, antes de mais nada, que há três leis dos três estados; a mais famosa é a lei intelectual, mas o que nos importa aqui é a lei prática

o   Essa lei estabelece que a atividade é primeiro militar conquistadora, depois militar defensiva e enfim pacífico-industrial

o   Evidentemente, ela estabelece um papel positivo para a guerra – mas não para qualquer guerra nem em qualquer momento

o   As guerras fetíchicas, dos povos nômades ou seminômades, em que a destruição dos inimigos é prática habitual, estão excluídas dessa regra

§  Elas têm uma “função social”, mas, como destroem os inimigos, Augusto Comte considera que elas não têm um papel construtivo

o   Em termos de grupos sociais, é importante notar que as teocracias iniciais eram mantidas estáveis pela preponderância dos sacerdotes sobre os guerreiros

§  Daí o recurso a guerras distantes, em que os sacerdotes afastavam os guerreiros

§  As teocracias iniciais, devido à estabilidade assim obtida, eram politeísmos conservadores

§  Quando os sacerdotes perdem afinal a preponderância sobre os guerreiros, as antigas teocracias tornam-se sociedades militaristas, na forma de politeísmos progressivos

o   As guerras incessantes entre grupos, incapazes de conduzir a coletividades maiores e estáveis, não são valorizadas por Augusto Comte

§  O maior exemplo disso são as lutas intestinas gregas (como a Guerra do Peloponeso)

§  Esparta poderia ter desempenhado o papel de núcleo de uma sociedade ampla; mas suas elites eram muito mesquinhas e voltadas para seus próprios problemas

o   As guerras de conquista que importam são aquelas que constituem coletividades amplas e duráveis

§  Internamente, constituem-se grandes áreas pacíficas, em que a indústria pode prosperar

§  O maior exemplo disso foi o império romano

·         Roma, além de ter tido a glória de ser o grande exemplo de sociedade militar conquistadora, apresentou inúmeras outras qualidades:

o   A subordinação da inteligência à atividade prática

o   A valorização das virtudes públicas e, a partir disso, regulação da vida privada

o   A grande emancipação mental das suas elites

o   O entendimento de que a guerra deve visar à paz

o   O desenvolvimento da indústria

§  Além do desenvolvimento da atividade pacífica, a grande comunidade criada por Roma permitiu que a cultura grega fosse disseminada e criou as condições para a renovação moral própria a São Paulo e ao catolicismo

·         Nesse sentido, a seqüência definida por Augusto Comte entre Grécia, Roma e Idade Média é uma seqüência necessária, no sentido de que somente ela poderia ter os frutos que apresentou

-        As guerras de conquista, ao criarem amplas comunidades estáveis e perduráveis, cedem lugar às guerras de defesa, em que o que importa não é a expansão territorial, mas a defesa e a preservação dos limites obtidos

o   No Ocidente, essa fase correspondeu caracteristicamente à Idade Média

o   As guerras de defesa são ilustradas pelas Cruzadas

o   A ação do sacerdócio e do papado como intermediários entre os governos temporais ilustra a passagem paulatina dos hábitos guerreiros para os hábitos pacíficos

o   Nessa fase ocorre a emancipação (também paulatina) dos antigos escravos para a condição de trabalhadores livres

-        A partir disso, paulatinamente as preocupações guerreiras são substituídas pelas preocupações industriais

o   Afirma-se cada vez mais o valor e a importância da vida humana

§  Matar e/ou morrer torna-se cada vez mais um ato ignóbil

o   A busca militarista da honra e da glória são substituídas pelas preocupações civis com o conforto e o bem-estar

o   Os meios violentos de solução de conflitos são paulatinamente substituídos pelos meios pacíficos de solução de conflitos

§  Mais do que isso: cada vez mais, os meios violentos são vistos como errados e aberrantes (chegando ao ponto de serem vistos como “foras da lei”)

·         Em outras palavras, há a mudança de perspectiva, em que a guerra deixa de ser algo triste mas habitual para tornar-se algo terrível, degradante e anormal

§  O repúdio à violência implica, necessariamente e de maneira correlata, a importância crescente do poder Espiritual em relação ao poder Temporal

o   O trabalho passa a ser valorizado e, daí, também os trabalhadores

§  Entretanto, apesar de os benefícios trazidos pela sociedade industrial serem muito maiores e mais permanentes que os das sociedades guerreiras, o fato é que a regularização da sociedade pacífica é mais complicada que as das sociedades militares

·         Literalmente ela é mais complicada e indireta

·         Além disso, as qualidades industriais não são tão evidentes quanto as qualidades militares

·         Adicionalmente, há o sério problema de que (pelo menos inicialmente) a sociedade industrial estimula o egoísmo e as vistas particulares

-        A lei prática dos três estados tem que ser complementada pelas outras duas leis:

o   A lei intelectual dos três estados indica a substituição progressiva das concepções absolutas e indiscutíveis pelas concepções relativas e discutíveis

o   A lei afetiva dos três estados indica que as sociabilidades mais restritas, baseadas nas famílias e nas pátrias, são substituídas por uma sociabilidade mais ampla, que considera de fato a Humanidade

-        Assim, no fundo a lei prática dos três estados estabelece o seguinte:

o   A guerra faz parte da história humana

o   Inversamente, no grande desenvolvimento da Humanidade, é necessário passar pela guerra para chegar-se à concepção da paz

§  Isso significa que a guerra fez sentido e foi justificável no passado, mas não o é mais no presente

o   A transformação da atividade de guerras para a paz ocorre ao longo do tempo, com a acumulação de reflexões, de práticas, de mudanças sociais correlatas

o   A afirmação da sociedade pacífica exige, necessariamente, o repúdio crescente da guerra e dos meios violentos de solução de conflitos

o   Deveria ser evidente, mas para muitas pessoas não é: esse processo é ao mesmo tempo objetivo e subjetivo

§  Isso quer dizer que se trata tanto de condições sociais quanto de condições intelectuais/morais

o   Como a guerra tornou-se cada vez mais imoral, o recurso a elas torna-se cada vez mais inaceitável

§  Conseqüentemente, os militares tornam-se cada vez mais inúteis e onerosos

·         Os países com grandes gastos militares e grandes exércitos não por acaso são vistos como agressores em potencial

·         Nos países distantes dos grandes cenários de conflitos, os exércitos com freqüência são focos de desestabilização política, como na América Latina, na África e na Ásia

§  É importante ter muita clareza: a função de qualquer exército e de qualquer militar é matar e destruir

·         Assim, eventuais utilidades secundárias dos militares (disciplina, senso de dever, honra) são justificativas banais que fazem questão de enganar, romantizar e distrair do que realmente importa

·         Para tentarem justificar os seus gastos e, assim, legitimarem-se, os militares cada vez mais assumem funções pacíficas, que fogem de suas missões precípuas: desenvolvimento econômico, técnico e científico; missões de paz; auxílio humanitário; trabalhos civis; logísticas diversas (eleições, correios etc.)

-        Vale a pena considerarmos as teorias habituais sobre a guerra: elas atribuem os conflitos armados à natureza humana, e/ou à ausência de poder superior e/ou à vontade humana de realizar conflitos

o   No caso de considerar-se a natureza humana como a fonte dos conflitos, essa natureza humana apresenta as seguintes características

§  É totalmente estática (ou seja, ela não se aperfeiçoa ao longo do tempo)

§  É apenas egoística

§  É agressiva

o   No caso da ausência de poder superior, a concepção é que não há uma instância capaz de regular as relações entre as unidades políticas e, caso necessário, impor a ordem

o   No que se refere à vontade de realizar conflitos, a concepção subjacente é que os atores relevantes consideram que as guerras são formas aceitáveis de relacionamento e de solução das diferenças entre os países

o   O Positivismo concorda com elementos de cada uma dessas concepções, embora discorde de alguns de seus aspectos:

§  A natureza humana não é só egoística nem agressiva, nem se mantém estática ao longo do tempo; ela é altruísta e passível de paz, mas isso exige um longo desenvolvimento prévio

§  A ausência de um poder superior a todas as nações não resolveria o problema, na medida em que, considerando a extensão territorial dessa unidade política e as gigantescas variações morais, intelectuais e práticas entre os países, a única forma de manter alguma paz seria por meio da tirania global

·         Órgãos de coordenação entre os países são importantes – daí o papel da diplomacia

·         Mas o que importa mesmo é a coordenação moral e intelectual entre os países, em particular no sentido do pacifismo e da rejeição do militarismo/belicismo

·         Pátrias pequenas facilitam a paz; inversamente, pátrias grandes estimulam (ou facilitam) a guerra

§  Considerando que a paz exige um longo período para seu desenvolvimento histórico, pelo menos desde o século XIX ela é um objetivo a ser perseguido e obtido com seriedade, em particular após 1945

-        A partir dos elementos acima, a rejeição geral da violência nas relações sociais é afirmada no Positivismo

o   Isso tem dois aspectos, um interno e outro externo

§  Internamente aos países, as relações sociais têm que ser estruturadas pelo convencimento mútuo e pela fraternidade universal

§  Externamente, as relações entre os países têm que se pautar pela paz e pela negociação (incluindo a arbitragem)

o   Em virtude disso, Augusto Comte afirmava a necessidade imperiosa de dissolução de todos os exércitos, com sua substituição por forças policiais

§  Convém lembrarmos que as polícias têm como função básica a manutenção da ordem, não a destruição e a morte

§  Além disso, Augusto Comte recomendava aos positivistas militares que mudassem de profissão ou que buscassem orientar suas atividades na caserna para objetivos construtivos

-        Sobre o militarismo e o Positivismo no Brasil:

o   A República foi proclamada em 1889 tendo à frente o positivista Tenente-Coronel Benjamin Constant

§  O fato de ter sido militar facilitou sua atuação em 15 de novembro, mas foi o seu positivismo que permitiu que Benjamin Constant imprimisse uma orientação civilista à sua prática docente e ao governo provisório

o   A orientação civilista e pacifista dos positivistas foi seguida com seriedade; o maior e melhor exemplo disso é o de Rondon, que tinha por mote “morrer se for preciso, matar nunca” e que, por suas atividades sertanistas e indigenistas, foi denominado “o Marechal da Paz” (e indicado ao Prêmio Nobel da Paz)

o   A orientação civilista e pacifista dos positivistas tornou-os alvos básicos e preferenciais dos militares militaristas, muitos dos quais depois aderiram ao fascismo e de que o grande representante foi o General Góes Monteiro

§  Assim, a associação usualmente feita entre Positivismo e militarismo é apenas uma coincidência histórica – e, mais do que isso, uma coincidência profundamente enganadora

o   Afastando-se do tema estrito das relações entre militares e Positivismo, vale lembrar que a República – não por acaso sob influência do Positivismo –, ao ser proclamada, adotou uma orientação pacifista, civilista e diplomática em suas relações internacionais, afastando-se radicalmente da orientação violenta, agressiva, imperialista e militarista do Império

§  A concepção de que o Império – tanto sob dom Pedro I quanto, em particular, dom Pedro II – foi uma época de bonança pacífica é uma completa e total mistificação, realizada pelos saudosos da monarquia, da escravidão e da sociedade de castas

§  Afastando-se do imperialismo imperial no Prata, a República adotou sistematicamente a prática da mediação e da arbitragem para solucionar seus problemas de fronteiras

·         Assim é que o Barão do Rio Branco deixou seus hábitos boêmios mantidos durante o Império e tornou-se, sob a República (e devido à República) um servidor público exemplar

-        Para concluir: o Positivismo é, sim, pacifista

o   Evidentemente, a nossa orientação geral é pacifista, mas, infelizmente, alguns conflitos acabam sendo necessários

o   Mas, de qualquer maneira, o que se evidencia – mais uma vez: o que se evidencia cada vez mais, desde pelo menos o século XIX e com força crescente após 1945 e após 1991 – é que as guerras atuais são iniciadas pela vontade de alguns líderes e/ou de algumas elites em fazer as guerras, devido à burrice e/ou à adesão a hábitos mentais violentos (falta de fraternidade universal, valores absolutos, paranóia etc.)


19 outubro 2023

Construtora Biapó: restauro da Igreja Positivista do Brasil

Em 17 de janeiro de 2020 a Construtora Biapó lançou um vídeo de divulgação do restauro da Igreja Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro, especialmente de seu teto.

O vídeo é curto (pouco mais de quatro minutos) e apresenta diversos pequenos erros históricos e teóricos; apesar disso, ele constitui-se em um importante registro do restauro do teto da Igreja Positivista, feito pela empresa responsável pela obra.

Assim, como um reconhecimento por esse serviço, tanto indicamos aqui a publicação do vídeo quanto indicamos sua republicação no canal Positivismo (aqui: https://encr.pw/kaHeJ).