Em face do feriado da República (11.Frederico/15.11) e, lamentavelmente, da degradação que a experiência republicana e que o conceito de República experimentam no país, comentamos a afirmação difundida de que a Proclamação da República teria sido apenas uma quartelada.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/osoeEk4GO2g) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/809950731914001/).
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
![]() |
| Fonte: https://brasiliana.museus.gov.br/acervos/benjamin-constant-botelho-de-magalhaes-6/. |
A República foi só um golpe?
(14 de Frederico de 171/18.11.2025)
1. Abertura da prédica
2. Datas e celebrações:
2.1. Dia 11 de Frederico (15.11): Proclamação da República (1889 – 136 anos)
2.2. Dia 15 de Frederico (19.11): Dia da Bandeira (1889 – 136 anos)
3. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
3.1. Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:
3.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela
3.1.2. O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige
3.1.3. Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra
3.2. Outras observações:
3.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
3.2.2. O capítulo em que estamos é a “Segunda Parte”, cujo subtítulo é “Conduta dos conservadores em relação aos retrógrados”
3.3. Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!
4. Exortações
4.1. Sejamos altruístas!
4.2. Façamos orações!
4.3. Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
4.4. Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
5. Celebração da República
5.1. Faremos a leitura do artiguinho “A República foi apenas um golpe de Estado?”
5.1.1. Esse artigo foi publicado no Monitor Mercantil em 17.11.2025 e reproduzido em nosso blogue (aqui)
A República foi mesmo só
um golpe?
Em diversas colunas anteriores escrevemos a respeito do
conceito de república, bem como da importância de recuperarmos a experiência
histórica da república no Brasil. Esses esforços não são exercícios
academicistas nem a satisfação de vaidade pessoal; bem ao contrário, eles
correspondem à necessária e urgente (re)afirmação de conceitos e práticas que
condensam os mais generosos e realistas traços, projetos e aspirações sociais e
políticas das sociedades contemporâneas. No Brasil – mas, bem vistas as coisas,
também no mundo de um modo geral –, a manutenção do mito monarquista, a que se
vincula de maneira íntima a também mistificada proposta do parlamentarismo,
prejudica a noção de república. A tudo isso se soma a desinformação ao mesmo tempo
liberal e marxista, que, com objetivos opostos, coincidem na afirmação
reducionista de que o republicanismo seria apenas formalismo jurídico (e
burguês), sem caráter social, quando não com caráter antissocial.
Como estamos justamente no período da Proclamação da
República no Brasil, todas essas concepções ressurgem de maneira avassaladora.
A grande síntese dessa degradação geral da utopia republicana é a afirmação
atualmente reiterada urbi et orbi de que a Proclamação, no amanhecer de 15 de
novembro de 1889, teria sido meramente um golpe militar. Argumentar os graves
erros dessa afirmação não é algo fácil nem, nos dias atuais, muito agradável;
mas a autonomia intelectual e moral exige, precisamente, dizer com clareza o
que, em determinado momento, não se deseja ouvir, mesmo (ou principalmente)
quando quem não quer ouvir são “intelectuais”, bem-pensantes e/ou
progressistas. Em outras palavras, bem aqueles que deveriam ser os mais
sensíveis e simpáticos ao republicanismo.
O ideal republicano, seja como antimonarquia, seja como
espaço de liberdades cívicas e sociais, já era manifestado no Brasil desde o
século XVIII, a partir dos poderosos exemplos da independência dos Estados
Unidos (1776-1781) e da Revolução Francesa (1789-1799), mas entrando no século
XIX, também com a independência de toda a América Espanhola (1808-1829) e, por
fim, com a brutal Guerra contra o Paraguai (1864-1870). A República no Brasil
foi proposta pelo grande Tiradentes – cuja celebração, aliás, foi feita desde o
início tanto pela independência nacional quanto pela república -; depois pela
gloriosa Confederação do Equador (1817) e pelos amplos experimentos envolvidos
na Revolução Farroupilha (1835-1845), com a República do Piratini e a República
Juliana. Se tudo isso não fosse pouco – e não é, na medida em que envolveu
amplas camadas sociais, das elites aos pobres e aos escravos, de Norte a Sul do
país –, em termos institucionais o Patriarca da Independência, José Bonifácio,
preferia a república à monarquia, mas manteve o regime de castas para manter a
unidade territorial e, de maneira reveladora, porque o país somente se manteria
uno se fosse com base na escravidão – e a escravidão exigia a monarquia. Além
disso, no período regencial (1831-1840) vivemos uma experiência republicana
verdadeira e legítima, ainda que tumultuada.
O grande marco do republicanismo brasileiro, todavia, foi
a Guerra contra o Paraguai, que evidenciou o atraso nacional, representado em
particular pela escravidão, pelo imperialismo e, claro, pela própria monarquia.
Após décadas de imperialismo e intervencionismo brasileiro na região do Prata,
a guerra evidenciou o quanto a monarquia desrespeitava as demais nações; além
disso, o sacrifício heróico e voluntário dos soldados paraguaios – que lutavam
por sua própria pátria – chocou cada vez mais os brasileiros, que morriam para
manter uma sociedade escravista, de castas, mantenedora ativa do atraso. Não
foi por acaso que quando a guerra terminou reiniciou-se o republicanismo
brasileiro, com a fundação em 1870 do Partido Republicano, em Itu. (Em 2017, em
homenagem a esse acontecimento, durante alguns dias o município de Itu foi
tornado capital temporária do Brasil, assim como atualmente ocorre com Belém do
Pará.)
Para além das propostas e tentativas republicanas, é
importante pura e simplesmente afirmar o crescente passivo social e político da
monarquia; nesse sentido, não podemos minimizar nem a Guerra contra o Paraguai,
nem a escravidão, nem o atraso geral do país. A guerra foi realmente
traumática, impondo sacrifícios a toda a população; o regime que, a partir do
imperialismo, patrocinou e causou a guerra, merecidamente foi criticado. A
partir do exemplo cidadão dos paraguaios, da pressão internacional e do
desenvolvimento moral e político interno, a escravidão tornou-se cada vez mais
intolerável. Esses fardos sociais e políticos eram mantidos em conjunto e ao
custo de um centralismo político brutal; uma política violentamente excludente
e corrupta; uma economia atrasada. Tudo isso coroado por uma eventual sucessora
do trono que era agressivamente teológica e cujo consorte era um príncipe
estrangeiro. E por um imperador que fingia que nada disso ocorria ou que
apoiava ativamente esses problemas mas que, ao mesmo tempo, passava seu tempo
escrevendo cartas para os sábios europeus e em caríssimas, longas e inúteis
viagens internacionais.
Os dois lados da questão – a centenária campanha
republicana e o pesado e crescente passivo da monarquia – sempre foram negadas
pelos monarquistas brasileiros, sejam os antigos, sejam os recentes; sejam os
explícitos, como Eduardo Prado, Oliveira Vianna ou José Murilo de Carvalho,
sejam os disfarçados, como Lília Schwarcz ou Carlos Fico. Em diferentes graus e
com variadas ênfases, os meios adotados por esses autores são simples e
conhecidos: (1) negação da realidade histórica e/ou das virtudes morais e
políticas da república; (2) mistificação da monarquia por meio da omissão de
todos os problemas indicados acima.
Para que não reste dúvida: desde o século XVIII até a
Proclamação da República (e mesmo além), o republicanismo foi proposto de
maneira sincera e generosa, como a necessária condição para o desenvolvimento
brasileiro, com liberdades civis, políticas e sociais. A campanha republicana,
paralelamente à campanha abolicionista, ganhou as ruas e as massas, sendo
celebrada na cultura popular (modinhas, literatura, músicas, poemas, contos
etc.): em outras palavras, muito longe da mistificação monarquista, o povo não
estava alheio nem assistiu como uma besta à Proclamação.
Opondo-se à opressão e ao autoritarismo monárquico
(colonial ou nacional), o que se desejava com a utopia republicana, era – para
usar termos atuais – ampliar a esfera pública e o espaço da cidadania no país.
Aliás, é importante notar que, como prova tanto da sincera proposta de cidadania
dos republicanos quanto da negação crítica dos (cripto)monarquistas, houve
políticos e intelectuais que propuseram que o próprio imperador acabasse com a
monarquia, proclamasse a república e candidatasse-se a presidente. Essa
proposta era a dos positivistas (Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes à frente),
para que o imperador realizasse ele mesmo a necessária transição do regime;
entretanto, como é ao mesmo tempo conveniente, fácil e hipócrita ridicularizar
a única proposta que conjugaria a mudança de regime com a alteração pacífica de
status quo, a sugestão feita com ampla publicidade e durante anos pelos
positivistas é atualmente ignorada ou desprezada pelos historiadores
(marxistas, liberais e/ou (cripto)monarquistas), que também criticam o suposto caráter
golpista da república. Como se vê, nesse jogo retórico não há qualquer opção em
favor da república e a única opção “boa” seria a permanência da monarquia, com
o autoritarismo centralizador, a política excludente e de castas com religião
oficial de Estado, o atraso social e econômico, o imperialismo externo.
Todas as afirmações acima se baseiam em ampla literatura
histórica, sociológica, artística etc. e deixam claro que, pura e simplesmente,
é falsa a afirmação corrente de que a Proclamação da República teria sido
meramente uma quartelada realizada por oficiais autoritários e sedentos do
poder civil, contra uma população alienada. A Proclamação da República, em 15
de novembro de 1889, teve amplo apoio social (civil e militar, das elites às
massas, do Norte ao Sul do país), correspondendo tanto a necessidades coletivas
urgentes como a anseios profundos: foi um movimento legítimo e em favor das
mais generosas, livres e fraternas utopias políticas.
Em face do desprezo que intelectuais, meios de comunicação
e políticos votam hoje à república, não é de estranhar a crise política e
social que vivemos e que opõe a ordem ao progresso. Já argumentamos várias
vezes: recuperar esses ideais republicanos é uma necessidade atual
urgente.
5.1.2. Além dos comentários acima, algumas reflexões adicionais podem ser feitas, mas que não couberam no texto do jornal e/ou de que não nos lembramos quando escrevemos o artigo acima:
5.1.2.1. A respeito da ampla e popular propaganda republicana anterior ao 15 de Novembro, fomos lembrados no Instagram da atividade dos clubes republicanos e de muitos propagandistas civis, como Silva Jardim, além do Catecismo republicano, de Alberto Sales
5.1.2.2. Benjamin Constant, o grande articulador da República, não queria dar um golpe, da mesma forma que os demais membros do grupo
5.1.2.3. Benjamin Constant, embora fosse militar e professor na Escola Militar, dava uma orientação resolutamente civilista para o seu ensino – o que, diga-se de passagem, foi duramente combatido nas décadas seguintes pelos mesmos militares que apoiaram ou deram orientações fascistas à atuação dos militares
5.1.2.4. A referência a Lília Schwarcz não pode ser minimizada: além de autora de inúmeros livros que degradam a República em nome de uma criticidade suspeita e/ou superficial, ela é esposa do dono do grupo editorial Companhia das Letras – e essa empresa, explorando interesses comerciais, tem uma larga produção contrária à República
5.1.2.5. A preocupação com a legitimidade da República é tão grande e tão séria que esse regime foi submetido a um plebiscito, ou seja, a uma consulta popular
5.1.2.5.1. Esse plebiscito, ocorrido em 1993, acabou de uma vez por todas as pretensões de retorno à monarquia, embora – com a reveladora exceção de nós, positivistas – não tenha sido aproveitado para uma reflexão sobre o que significa a República
5.1.2.5.2. Por outro lado, a monarquia jamais se submeteu nem poderia submeter-se, por si só, a uma avaliação popular (na forma de um plebiscito ou não)
5.1.2.6. Por fim, de qualquer maneira, não podemos esquecer que a degradação do conceito de República anda a par das críticas viperinas contra a I República e que, portanto, é necessário também rejeitar essas críticas contra o regime iniciado em 15 de novembro de 1889, como argumentamos em artigo e em prédica
6. Término da prédica
Referências
- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893).
- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).
- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), “A República foi mesmo só mais um golpe?” (Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 17.11.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/11/monitor-mercantil-republica-foi-so-um.html.
- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), “Recuperar e revalorizar a 1ª República” (Monitor Mercantil, Rio de Janeiro, 13.10.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/10/recuperar-e-revalorizar-1-republica.html.
- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), Prédica positiva “Recuperar e revalorizar a 1ª República” (Igreja Positivista Virtual, Curitiba, 14.Descartes.171/21.10.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/10/recuperar-e-revalorizar-i-republica.html.
- Luís Lagarrigue (esp.), A poesia positivista (Santiago do Chile, 1890): https://archive.org/details/luis-lagarrigue-a-poesia-positivista-1890_202509.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.), As últimas concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.), Benjamin Constant. Esboço de uma apreciação sintética da vida e da obra do fundador da República Brasileira (Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1936, 3ª ed.): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/18902d7e-c4aa-4199-aa85-d81e3a4d82f6.
- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.


Nenhum comentário:
Postar um comentário