26 novembro 2025

Deyvid Antônio: Súmula das ciências para o Comte maduro

As anotações abaixo foram postadas em 17 de Frederico de 171 (21.11.2025) pelo jovem pensador católico Deyvid Antônio, em sua conta pessoal no Facebook.

Essas anotações apresentam uma notável síntese de alguns dos principais aspectos da filosofia das ciências de Augusto Comte (1798-1857), em sua fase madura, isto é, em sua fase religiosa, posterior a 1846.

Tal síntese é notável devido a dois motivos: 

(1) sua extrema qualidade, que une o conhecimento dos argumentos com o respeito ao pensamento de Augusto Comte.

(2) O fato de que Deyvid Antônio é um publicista católico tradicionalista, segundo a orientação de Olavo de Carvalho. A bem da verdade, quem acompanha as publicações de Deyvid logo percebe a variedade de seus interesses - além do catolicismo e do Positivismo, também bramanismo, budismo, islamismo, filosofia ocidental moderna e contemporânea, bem como inúmeros outros temas, e tudo isso sendo ao mesmo tempo estudante de... Engenharia! Isso tudo evidencia que a adesão de alguém a uma determinada filosofia não implica nem a ignorância de correntes filosóficas e políticas rivais, nem, principalmente, a repetição de erros e preconceitos a seu respeito. Em outras palavras, Deyvid demonstra com grande espontaneidade a mais escrupulosa honestidade intelectual.

Essa honestidade moral e esse cuidado filosófico põem Deyvid muito, muito à frente da imensa maioria da produção acadêmica, bem como da quase totalidade da militância político-intelectual, seja brasileira, seja estrangeira, quer ela trate do Positivismo, quer não.

É em virtude dos motivos acima - que, como se pode perceber com facilidade, são distintos entre si, embora o primeiro dependa do segundo - que decidimos reproduzir aqui esse belo texto.

Por fim, vale notar que essa honestidade intelectual de Deyvid, estimulada por uma simpatia generalizada pelo ser humano, estimula em nós uma simpatia recíproca por ele. Isso demonstra e comprova uma das mais importantes, e mais difíceis, lições de Augusto Comte: a solução dos problemas humanos passa necessariamente pela inteligência (ou seja, pelas idéias, pela filosofia), mas reside antes de tudo na simpatia, ou seja, no amor.

As anotações originais estão disponíveis aquihttps://www.facebook.com/photo?fbid=849088594754198&set=a.124491960547202. 

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Súmula da filosofia das ciências do Augusto Comte maduro

 Deyvid Antônio

É um equívoco profundo – embora persistente – reduzir Auguste Comte à figura de um simples “cientificista”, sobretudo quando esse termo é associado a empirismo ingênuo, intelectualismo absoluto, materialismo reducionista ou defesa de tecnocracias. Alguns chegam até a afirmar que Comte teria fundado uma suposta “religião da ciência”, fazendo do pai do positivismo o símbolo máximo do ideal cientificista. A Filosofia Positiva comtiana é mais ampla, mais complexa e metodologicamente mais sofisticada do que as correntes posteriores do positivismo científico (como o Positivismo Lógico), com as quais frequentemente é confundida. A desmontagem desse mito exige reconstituir o núcleo do pensamento de Comte, que se articula em torno de uma concepção holística de ciência, sociedade e moral.

O primeiro ponto decisivo é a rejeição comtiana tanto do absolutismo quanto do empirismo puro. O espírito positivo, essencialmente relativo, recusa qualquer pretensão de explicar as causas íntimas dos fenômenos ou os fins últimos do universo; orienta-se apenas pelo estabelecimento de leis invariáveis de sucessão e de similitude, convertendo a pergunta “por quê?” na investigação do “como”. Essa postura, porém, está longe de reduzir-se ao mero acúmulo empírico de fatos: Comte denuncia explicitamente o empirismo como uma prática estéril e incoerente, insistindo que toda observação é guiada por teorias prévias e que o conhecimento real consiste sobretudo em construções teóricas, exigindo uma oscilação permanente entre abstração e experiência.

Outro aspecto central do sistema comtiano é seu caráter sintético e , já citado, holístico, que recusa qualquer redução mecanicista. A positividade não se confunde com a ciência empírica isolada: enquanto a ciência é analítica, a positividade é uma síntese da totalidade humana, envolvendo inteligência, sentimentos e prática. Essa síntese é institucionalizada na célebre classificação das ciências, que organiza os saberes segundo uma hierarquia de complexidade crescente – Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia – culminando na Moral como a ciência final. Esta arquitetura hierárquica tem função explícita de combater o materialismo reducionista, pois impede que fenômenos superiores sejam subordinados a fenômenos inferiores, preservando a autonomia relativa das ordens biológica, social e moral.

Contra qualquer interpretação intelectualista ou cientificista, Comte afirma o primado do sentimento sobre a inteligência. No período maduro, influenciado por Clotilde de Vaux, ele sustenta que o impulso decisivo da ação humana emerge sempre do sentimento, enquanto a inteligência funciona apenas como órgão regulador. Essa inflexão culmina na Religião da Humanidade, cujo fim último é o aperfeiçoamento moral por meio do fortalecimento dos instintos altruístas e da contenção dos instintos egoístas, articulando uma ética da unidade afetiva e social que está longe de qualquer reducionismo científico.

Também é equivocada a associação entre Comte e tecnocracia. O positivismo comtiano estabelece, como princípio político fundamental, a separação rigorosa entre o Poder Temporal – responsável pela ação prática e governamental – e o Poder Espiritual – encarregado da teoria, da educação e do conselho. Comte insiste que filósofos, cientistas e artistas devem constituir um sacerdócio positivo desprovido de mando e de riqueza, cuja função é aconselhar, e não governar. Essa separação visa a garantir a liberdade de crítica e evitar qualquer forma de teocracia laica ou “pedantocracia”, sua expressão para o governo dos sábios, considerado por ele um desvio grave da ordem positiva. A ciência, portanto, não deve governar: deve iluminar a ação prática, preservando sua autoridade exclusivamente moral e intelectual.

Por fim, Comte distingue-se do cientificismo ao reconhecer o valor histórico e pedagógico da Teologia e da Metafísica. Longe de descartá-las como saberes destituídos de sentido, ele as compreende como fases necessárias do desenvolvimento do espírito humano, responsáveis por fornecer a estrutura teórica indispensável para organizar os fatos em épocas em que a observação ainda não podia gerar teoria. Muitas obras teológicas e metafísicas, segundo Comte, conservariam seu valor se fossem “traduzidas” ao espírito positivo.

Referências:

Epítome da vida e dos escritos de Augusto Comte – Joseph Lonchampt

Teoria Política Positivista – Gustavo Biscaia de Lacerda

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