03 julho 2024

Trechos da correspondência Comte-Clotilde

No dia 16 de Carlos Magno de 170 (2.7.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, agora começando a "Conclusão" do livro, dedicada à exposição da evolução histórica das religiões, em particular iniciando a leitura da duodécima conferência, relativa ao fetichismo e ao politeísmo.

Na parte do sermão lemos alguns trechos da belíssima correspondência entre Augusto Comte e Clotilde de Vaux, em particular aqueles que o próprio Comte selecionou para suas orações cotidianas (como se vê nesta postagem: Orações cotidianas de Augusto Comte).

Como o canal Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) foi CENSURADO nesse dia, vimo-nos obrigados a transmitir a prédica apenas pelo canal Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Hdu6L). Ainda assim, carregamos o vídeo no canal Positivismo (aqui: https://l1nq.com/Z1xHG).

A leitura comentada começou aos 37 min; o sermão começou em 1h 04 min.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *



Extrato da correspondência Comte-Clotilde

(Prédica de 16.Carlos Magno.170/2.7.2024) 

1.       Exortações

1.1.    Sejamos altruístas!

1.1.1. “30 atos de bondade” (Sociedade do Bem, Portugal – https://sociedadedobem.org/2016/02/25/30-atos-de-bondade/)

 


1.2.    Façamos orações!

1.3.    Façamos trocas:

1.3.1. Pensamentos, idéias, sentimentos: conversemos!

1.3.2. Façam o Pix da Positividade!

2.       Efemérides

2.1.    Dia 19 de Carlos Magno (5.7): transformação de Richard Congreve (1899)

2.2.    Dia 4 de Carlos Magno (21.6), dia de Santo Henrique: nascimento de Kasparas Leona, filho da nossa amiga, a antropóloga Vaida Norvilaite

3.       Indicação de livro:

3.1.    Gestos de bondade, de Maladee McCarthy

4.       Explicação sobre o sinal positivista

4.1.    Amor (sentimentos): bondade

4.2.    Ordem (inteligência): dedução

4.3.    Progresso (atividade prática): perseverança

5.       Orações transcritas:

5.1.    Publicação no blogue Filosofia Social e Positivismo (https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/)

5.2.    A partir do opúsculo Comte e Clotilde (organizado por Teixeira Mendes, em 1903, originalmente em francês)

5.3.    Orações:

5.3.1. Orações cotidianas de Augusto Comte

5.3.2. Orações para as refeições (Teixeira Mendes)

5.3.3. Hino ao amor (Teixeira Mendes)

6.       Leitura comentada do Catecismo positivista

7.       Extrato da correspondência entre Augusto Comte e Clotilde de Vaux

7.1.    Os trechos reproduzidos abaixo foram extraídos do opúsculo Comte e Clotilde; como comentado acima, esse livrinho foi organizado por Teixeira Mendes em 1903 (originalmente em francês e, em 1936, traduzido para o português)

7.2.    A correspondência completa possui 181 cartas, trocadas entre 30.4.1845 e 18.3.1846 e publicadas no Testamento de Augusto Comte

7.2.1. O testamento de nosso mestre é de 22 de Bichat de 67 (24.12.1855)

7.2.2. Também publicadas no Testamento de nosso mestre estão as suas orações cotidianas (bem como os acréscimos, as peças justificativas, as confissões anuais e a adição secreta)

7.2.3. Também no Testamento lemos como, segundo as próprias palavras de nosso mestre, como é difícil passar da mudança de idéias (do absoluto para o relativo, da criticidade metafísica para as construções positivas) para a mudança de sentimentos (da violência, da beligerância, do egoísmo e do individualismo para a simpatia, para o amor, para a sociabilidade) e daí para a mudança de comportamentos (do reacionarismo e do revolucionarismo para a construtividade)

7.3.    Os trechos abaixo compõem as orações cotidianas de Augusto Comte, ou seja, foram selecionados por nosso mestre para suas efusões matinais

8.       Essa correspondência é belíssima e exemplar

8.1.    Ela evidencia todas as qualidades morais e intelectuais que Augusto Comte atribuía a Clotilde: sensibilidade, refinamento, entendimento do ser humano

8.2.    Ela evidencia a superioridade moral de Clotilde, que aliava a ternura à pureza

8.3.    Ela indica o quanto Clotilde era u’a moça sofrida na vida e oprimida pela família

8.4.    Ela indica o profundo respeito de Augusto Comte para com Clotilde

8.4.1. Aliás, mais do que isso: essa correspondência indica que os sentimentos de amor entre ambos eram verdadeiros, recíprocos e profundos

8.5.    Ela evidencia o quanto a superioridade moral afirmada e proposta pela Religião da Humanidade não é uma idealização ingênua nem uma pieguice tola

8.6.    Em contraste com o item anterior, ela evidencia o quanto a nossa moralidade contemporânea, em particular a afirmada pelo feminismo, é vulgar, banal e grosseira

8.6.1. Nesse sentido, essa correspondência indica o quanto atualmente se considera que as relações entre os sexos limitam-se ao sexo e, de modo degradantemente pior, à violência entre os sexos

9.       Vejamos, então, os trechos selecionados por nosso mestre para suas efusões.

 

Vim agradecer-vos, Senhor, o vosso encantador mimo. (A sua visita do lunedia[1] 2 de junho de 1845, com a sua mãe e o seu irmão.)

Iniciação fundamental

Junho – Estima. Deixai-me livremente trabalhar no vosso aperfeiçoamento, pois que é a minha principal maneira de ocupar-me com a vossa felicidade, que me será sempre cara, sejam quais forem o grau e a forma pelos quais possa concorrer para ela. (A minha carta de 6 de junho.)

É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem. (A sua Lúcia, publicada a 20 de junho.)

Julho – Confiança. O meu coração vê finalmente em vós, na realidade presente, uma perfeita amiga, e, nos meus sonhos de futuro, uma santa esposa. (A minha carta de 3 de julho.)

Eu vos estendo a mão bem sinceramente, eu vos sou ternamente devotada, e terei sempre prazer em proporcionar-vos, nas nossas relações, toda a felicidade de que posso dispor: vossa de coração. (A sua carta de 4 de julho.)

Agosto – Afeição. O meu surto direto do amor universal se consuma sob a estimulação contínua do nosso puro apego. (A minha carta de 5 de agosto.)

Adeus, caro e digno amigo; vedes que eu vos aprecio e creio em vós: contai com o coração de Clotilde de Vaux. (A sua carta de 11 de agosto.)

A cada suspensão do meu trabalho, a vossa cara imagem volta docemente a apoderar-se de mim: longe de prejudicar depois a minha meditação, ela a sustenta e a anima. (A minha carta de 26 de agosto.)

Crise decisiva

Setembro. Se credes poder aceitar todas as responsabilidades que se prendem à vida de família, dizei-mo, e decidirei da minha sorte... Eu vos confio o meu resto de vida. (A sua carta de 5 de setembro.)

Eis o meu plano de vida: a afeição e o pensamento. (A sua carta de 6 de setembro.)

Sinto-me ainda desgraçadamente impotente para o que ultrapassa os limites da afeição. Ninguém apreciar-vos-á como eu o faço; e o que não me inspirais, nenhum homem mais mo inspira; porém o passado faz-me ainda mal, e foi um erro meu querer arrostá-lo. Sede generoso a todos os respeitos, como o sois a certos. Deixai-me o tempo e o trabalho, expor-nos-íamos agora a cruéis pesares. (A sua carta de 8 de setembro.)

Desde a Santa Clotilde, verdadeiro início das nossas relações seguidas, nenhum pensamento carnal tinha até então, quer na vossa presença, quer mesmo na vossa ausência, jamais perturbado a minha íntima adoração. Retomo pois, sem esforço, os meus caros hábitos de ternura cavalheiresca. (A minha carta de 10 de setembro.)

Sinto quanto vos amo de coração vendo-vos sofrer. (A sua carta de 13 de setembro.)

Compreendi, melhor do que ninguém, a fraqueza da nossa natureza, quando ela não é dirigida para um alvo elevado, que seja inacessível às paixões... Restam-me aos menos fontes de ensinamento para os outros; é ainda um interesse real na minha vida; quero explorá-lo... Contai com tudo que eu tenho de bom e de afetuoso no coração. (A sua carta de 14 de setembro.)

Envio-vos o dom do coração com simples atavios que lhe deu a natureza; o pensamento é o único artista capaz de ornar semelhantes nadas. O meu proveito próprio está em ser-vos agradável, e compenetrar-me da sinceridade do vosso apego, ao qual ligo todo o apreço que merece. (A sua carta de 25 de setembro.)

Não encontrei ainda senão em vós a eqüidade unida a amplas exigências do coração... Por que não vos conheci mais cedo? (A sua carta de Garges[2]!)

Amemo-nos profundamente, cada um à sua maneira, e poderemos ainda ser verdadeiramente felizes um pelo outro. (A minha carta de 2 de outubro.)

Transição Final

Outubro – Expansão total. Caminhemos apoiados um ao outro, meu caro filósofo, deixemos que o tempo nos guie e nos forme. (A sua carta de 2 de outubro.)

As vossas cartas causam-me sempre prazer e sempre me fazem bem... Adeus, caro homem, amai-me e ficai certo que vo-lo retribuo bem. (A sua carta de 18 de outubro.)

A nossa espécie, mais do que as outras, precisa de deveres para fazer sentimentos. (A sua carta de 25 de outubro.)

Eis aí o que eu compreendo melhor do XIX século: é a tendência universal dos seres para a razão em toda a sua simplicidade. Vendo as mais modestas inteligências participarem naturalmente e sem esforço de todas as luzes obtidas, sinto cada dia mais que a ciência não carece senão residir no ápice das sociedades para enriquecê-las na sua massa inteira: e, palavra, que me consolo de não ter sido iniciada nas maravilhas do quadrado de hipotenusa. (A sua carta de 30 de outubro.)

Novembro – Abandono sem reserva. Se fosse preciso que não me amásseis senão um quarto de hora por dia para o vosso repouso, eu desejaria, de todo o meu coração, que isso se desse desde amanhã. (A sua carta de 2 de novembro.)

Aqueço-me e visto-me como mulher delicada, graças a vós. (A sua carta de 8 de novembro.)

A vós, em troca, o pensamento tão doce de haverdes reanimado um ente aniquilado, e vertido o bálsamo em um coração ulcerado. (A sua carta de 9 de novembro!)

Oxalá estivesse eu certa de tornar-vos feliz por vínculos mais íntimos! Eu não hesitaria em formá-los. (A sua carta de 18 de novembro.)

Sois o melhor dos homens; tendes sido para mim um amigo incomparável; e sinto-me tão honrada como feliz pelo vosso apego. (A sua carta de 23 de novembro.)

É, pois, unicamente a vós, minha Clotilde, que deverei não mais deixar a vida sem ter dignamente experimentado as melhores emoções da natureza humana. (A minha carta de 24 de novembro.)

Dezembro – Familiaridade contínua. Congracemo-nos habitualmente, minha Lúcia, em torno dessas sublimes concepções, que ligam diretamente a nossa afeição mútua ao conjunto da evolução humana. (A minha carta de 9 de dezembro.)

Contai com o apego mais terno que possa experimentar... Tenho por vós hoje mais do que o coração de uma parenta... É preciso que não esteja em meu poder o tornar-vos feliz para não o fazer... Seja qual for a nossa sorte, espero que só a morte quebrará o laço fundado na minha afeição, a minha estima, e o meu respeito. (A sua carta de 10 de dezembro.)

Esse incomparável ano fez surgir em mim o único amor, a um tempo puro e profundo, que comportava o meu destino. A excelência do ente adorado permite à minha madureza, mais bem tratada do que a minha juventude, de entrever em toda a sua plenitude, a verdadeira felicidade humana. (A minha carta de 26 de dezembro.)

Estado Normal

Janeiro – Intimidade completa. Tendes o coração de um cavalheiro, meu excelente filósofo. (A sua carta de 8 de janeiro.)

Todos nós temos ainda um pé no ar sobre o limiar da verdade... Só posso haurir a minha moral no meu coração, e edificá-la sobre o puro sentimento. É esse, de resto, o quinhão de uma mulher, e basta. Ela ganha em caminhar modestamente atrás do préstito dos renovadores, embora tenha de perder assim um pouco do seu elance... Se eu fosse homem, teríeis em mim um discípulo entusiasta: ofereço-vos, como indenização, uma sincera admiradora. (A sua carta de 15 de janeiro.)

O vosso nobre ascendente ligou profundamente o surto habitual dos meus mais altos pensamentos aos dos meus mais ternos sentimentos. Não fiqueis pois surpresa que eu queira secretamente inaugurar este décimo sexto serviço anual por uma lembrança especial da minha bem-amada. Esta curta efusão deve me preparar melhor para o ministério que vou desempenhar, fazendo espontaneamente prevalecer a disposição d’alma mais favorável ao meu ofício filosófico. (A minha carta de 25 de janeiro.)

Fevereiro – Perfeita identidade. O vosso coração é o santuário onde deposito tudo o que constitui a minha vida: os pequenos como os grandes acontecimentos, tudo dela vos é conhecido; e sabeis que ainda não fiz mal senão a mim. (A sua carta de 12 de fevereiro.)

Nas minhas horas de sofrimento, a vossa imagem paira sempre diante de mim. (A sua carta de 23 de fevereiro.)

As almas ardentes e escrupulosas encontram muitos Gólgotas neste mundo; mas, pelo menos, elas escapam amiúde aos pesares como aos remorsos. (A sua carta de 24 de fevereiro.)

Março – União definitiva. Os maus precisam muitas vezes mais de piedade do que os bons. (A sua carta de 2 de março.)

Tenho muitas coisas amigáveis a dizer-vos. É força cessar por hoje. Recebei a eterna segurança da minha ternura. (Fim da sua 86ª e última carta, de 8 de março de 1846.)

Para tornar-me um perfeito filósofo, faltava-me sobretudo uma paixão, ao mesmo tempo profunda e pura, que me fizesse assaz apreciar a parte afetiva da natureza humana. (A minha carta de 11 de março.)

No meio dos mais graves tormentos que possam jamais resultar da afeição, não cessei de sentir que o essencial para a felicidade é sempre ter o coração dignamente cheio. (A minha 95ª e última carta, de 18 e 20 de março de 1846.)

Vós me haveis de dar um cacho dos vossos cabelos. (A sua efusão verbal de 20 de março.)

Hoje me fizestes profundamente sentir o valor da vossa nobre pureza, que nos permitiu, perante a vossa mãe, conservar ternamente a vossa mão nas minhas, enquanto em contemplava a angélica fisionomia cuja suave beleza torna-se mais tocante pela sua alteração passageira. (Fim da minha última carta.)

Não tenho beleza alguma, tenho apenas um pouco de expressão. (A sua efusão verbal de 22 de março.)

Abril! – Eu quisera bem ir dormir em vossa casa. (O seu voto de 1º de abril diante de sua mãe.)

Fostes desconhecida, mas eu vos farei apreciar... Não, jamais nenhuma outra... (A minha efusão verbal de 2 de abril, perante a sua família, depois da sua extrema unção.)

Não terei tido uma companheira por muito tempo! (Durante a nossa única noite, de 2 para 3 de abril de 1846!)

Senhora, vós amais a vossa filha como um objeto de dominação, e não como um objeto de afeição. (A minha exprobração à sua mãe, perante ela, a 4 de abril.)

Comte, lembra-te que eu sofro, sem o haver merecido!... (As suas últimas palavras distintas, nitidamente repetidas cinco vezes seguidas, no domingo à tarde 5 de abril de 1846, por volta das 3 horas da tarde, uma meia hora antes de expirar!!!)

Lembrança preciosa da minha mocidade, companheiro e guia das horas santas que soaram para mim, evoca sempre ao meu coração as cerimônias grandes e suaves da capela do convento!... (A sua inscrição de 1837 na Journée du chrétien que ela me deu, no domingo 29 de março de 1846, como o seu livro usual no convento da Legião de Honra, rua Barbette.)[3]



[1] A fim de estabelecer um paralelismo mais marcado do português com as demais línguas neolatinas no que se refere aos nomes dos dias da semana, Miguel Lemos propôs a substituição do “segunda-feira”, “terça-feira” etc. por versões aportuguesadas de lundi, mardi etc. (do francês), de lunes, martes etc. (do espanhol) etc., da seguinte maneira:

Segunda-feira: lunedia (dia da Lua)

Terça-feira: martedia (dia de Marte)

Quarta-feira: mercuridia (dia de Mercúrio)

Quinta-feira: venerdia (dia de Vênus)

Sexta-feira:: jovedia (dia de Júpiter).

[2] No final de setembro de 1845 Clotilde fez uma pequena viagem à vila de Garges-lès-Gonesse (antes de 1941, chamada de Garges-en-France), que fica nos arredores de Paris (uns 35 km ao norte da capital).

[3] Nota de Raimundo Teixeira Mendes: “O nosso Mestre lia algumas páginas desse livrinho todos os domingos à tarde, desde a morte de Clotilde. (Vide Volume Sagrado, Testamento, p. 18.)”


Nenhum comentário:

Postar um comentário