No dia 3 de Frederico de 169 (7.11.2023) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência, dedicada ao conjunto do regime.
No sermão abordamos o tema da moral e da moralidade no Positivismo, bem como as críticas de "moralismo" que, por vezes, autores materialistas e imoralistas fazem contra a Religião da Humanidade.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nk.dev/sUpIN) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.dev/qNoT7). O sermão começou aos 47' 18".
As anotações que serviram de base para a exposição oral do sermão encontram-se reproduzidas abaixo.
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Sobre moral e moralismo
- Como sabemos, o tema da moral é um dos mais importantes da Religião da Humanidade
- Falar da “moral” no âmbito do Positivismo é ao mesmo fácil e difícil
o É fácil porque em toda a Religião da Humanidade esse tema aparece
o Mas é difícil porque há vários sentidos que se sobrepõem e é necessário um pouco de jogo de cintura (e conhecimento) para entendê-los, diferenciá-los e saber aplicá-los
- Por outro lado, muitos comentadores do Positivismo e alguns filósofos usam com freqüência a expressão “moralismo” para referirem-se a uma certa ênfase na moralidade
o Assim, é necessário entender o que seria esse “moralismo” e como o Positivismo encara-o
- Podemos determinar dois ou três sentidos gerais para a palavra “moral” na Religião da Humanidade:
1) Sentido 1: parâmetro de avaliação da existência humana, no que se refere ao que é bom, correto e justo, afirmando o caráter coletivo do ser humano
2) Sentido 2: parâmetro que afirma que a política deve, sempre e necessariamente, subordinar-se à moral
3) Sentido 3: ciência e arte do ser humano individual
o Os três sentidos acima mantêm estreitas relações entre si, evidentemente, mas são suficientemente diferentes para que possamos falar deles como distintos entre si
- Os sentidos 1 e 3 são os mais diferentes entre si; já o sentido 2 pode ser entendido como uma aplicação específica do sentido 1
o O sentido 1 estabelece que a moralidade positiva é necessariamente coletiva e não individual
§ O caráter coletivo da moralidade positiva é a maior diferença entre as moralidades teológicas e metafísicas, de caráter absoluto, que se baseiam nos indivíduos
§ Uma outra forma de afirmar o caráter coletivo da moral positiva (relativa) em oposição ao caráter individual da moralidade absoluta é ter em mente que o objetivo da moral positiva é afirmar com clareza o altruísmo – que, por definição, move-se na direção dos outros e partir das relações com os outros –, em vez de centrar-se no egoísmo
§ Além disso, esse sentido também afirma o caráter coletivo (e histórico) da realidade humana e dos conhecimentos humanos, em vez de afirmar o individualismo e o solipsismo
o O sentido 3 centra-se no estudo e no aperfeiçoamento do ser humano individual
§ Após estudar o ser humano como um ser biológico e como um ser social, a Moral concentra-se no ser humano individual
· A Sociologia estuda as idéias e as ações práticas do ser humano; a Moral estuda os sentimentos
§ Sendo a ciência suprema, a Moral concentra em si todos os resultados das ciências anteriores
§ Assim, a Moral é a ciência mais complicada, a que exige maiores induções (ou seja, mais estudos empíricos), é a objetivamente mais específica mas é a subjetivamente mais geral
§ Da mesma forma, ao ser a ciência suprema, a Moral estabelece a transição natural e suave das ciências para as artes práticas
· O domínio específico da arte da Moral é o do aconselhamento, o que, nos termos atuais, inclui por um lado a Pedagogia e, por outro lado, as chamadas psicoterapias
o Assim, o critério de moralidade da Religião da Humanidade é um critério sociológico, isto é, baseado na realidade estudada pela Sociologia; mas a ciência suprema avança um degrau na escala das ciências, rumo à ciência da Moral
§ Se a moralidade positiva baseasse-se na ciência da Moral, o Positivismo manteria sua moralidade baseada no indivíduo: mesmo com a ênfase no altruísmo, centrar-se no indivíduo geraria confusões bastante difíceis de serem contornadas
§ No âmbito da Moral fala-se correntemente em “subjetividade”; mas podemos e devemos entender que a subjetividade é diferente quando se refere aos sentidos 1 e 2 (subjetividade coletiva ou sociológica) e ao sentido 3 (subjetividade individual)
· Assim, por exemplo, quando Augusto Comte fala em “síntese subjetiva”, a subjetividade a que ele refere-se é a subjetividade humana em geral, isto é, coletiva – que, por sua vez, dependendo das necessidades intelectuais, se for o caso, pode desdobrar-se em subjetividade individual
o O sentido 2 pode ser entendido como uma aplicação específica, mas importantíssima, do sentido 1
§ Entretanto, a sua importância prática é tão grande que este sentido deve ser indicado à parte
§ Este sentido, ao afirmar a subordinação da política à moral, move-se claramente contra uma tendência afirmada desde o Renascimento na ciência e na política prática, segundo a qual é correto entender a política de maneira separada da moral
§ A separação renascentista entre moral e política deveu-se à decadência do catolicismo: só isso já deveria bastar para indicar o aspecto transitório dessa separação
§ A expressão “política separada da moral”, no caso, significa “tratar a política como se não existisse a moral”
· Isso sugeriria um entendimento amoral da política, no sentido de que é necessário ter um mínimo de clareza para distinguir-se entre aquilo que é e aquilo que gostaríamos que fosse
· Entretanto, o entendimento amoral da política logo se converte em, e logo se revela, uma desculpa para o entendimento e a prática imoral da política
o O amoralismo que se revela, necessariamente, como imoralismo celebra o egoísmo (não raro individualista, mas também nacionalista) como fim e a política de poder como meio (e/ou também como fim)
- Definidos os sentidos da palavra “moral” na Religião da Humanidade, podemos lembrar quais são os parâmetros da moral no Positivismo:
o Vale notar que os parâmetros que indicaremos abaixo reúnem e consolidam os três sentidos indicados acima
o Além disso, os parâmetros que indicaremos podem ser complementados por outros; assim, o que apresentaremos são sugestões mínimas
o Eis, então, os parâmetros que, pelo menos para o presente momento, podem ser considerados mínimos:
§ Antes de mais nada e acima de tudo, a afirmação do altruísmo e a subordinação do egoísmo a ele
§ A afirmação da vista de conjunto sobre as vistas particulares
§ A afirmação da sociabilidade sobre a personalidade
§ A (re)moralização geral da vida humana, em particular por meio da afirmação e da aplicação do método subjetivo após a conclusão do método objetivo
- Mudando de questão, o que seria o “moralismo”?
o Essa é uma expressão difícil, pois seu sentido é sempre negativo e é um adjetivo “crítico”, usado por alguém contra alguma perspectiva específica
§ Em outras palavras, a expressão “moralismo” não é definida com clareza, mas é sempre empregada contra alguma perspectiva específica
o Os sentidos gerais (ou melhor, geralmente) atribuídos a “moralismo” incluem o seguinte:
§ Hipocrisia e/ou cinismo
· O “moralismo” seria, neste caso, a falsidade no comportamento, em que os valores morais são usados como desculpas para ações opostas ao que se prega
§ Negação da política
· Neste caso, o “moralismo” seria a rejeição da realidade da política, que é substituída por afirmações morais
· A política, nesse caso, significa “disputas de poder”, “disputas de autoridade”
· A substituição da política pela moral, nesse caso, consistiria em substituir o que é pelo que deve ser
§ Rejeição da realidade dos aspectos sociológicos
do ser humano
· O “moralismo”, neste caso, seria uma espécie de idealismo, ou de espiritualismo, em que os fenômenos morais são afirmados desconsiderando-se a sua base social
o Esses três sentidos podem ser associados entre si (o que, de fato, geralmente ocorre), mas são suficientemente distintos para que os indiquemos à parte
- Em diversos momentos já li atribuições ao Positivismo da crítica de “moralista” especialmente no sentido de negação da política, talvez se aproximando do sentido de espiritualismo moral
o É, ou deveria ser, evidente que essa acusação é despropositada, para não dizer ridícula
o Por um lado, a afirmação de que a Religião da Humanidade seria moralista porque desconsideraria a realidade da política baseia-se nas assunções de que (1) é possível, é correto e é necessário separar a política da moral e (2) a política consiste essencialmente em disputas de poder
§ Como vimos, separar a política da moral conduz muito rapidamente ao, quando não disfarça, o imoralismo dos raciocínios e das atividades
§ Considerar que a política é essencialmente disputa de poder é ter uma concepção medíocre e mesquinha do ser humano, ao eternizar a atual situação anárquica do Ocidente (em que não há um padrão comum a todas as sociedades e a todos os indivíduos), ao reduzir a realidade compartilhada pelos seres humanos a disputas incessantes (em vez de reconhecer e valorizar o ideal da harmonia humana) e, portanto, ao considerar que o objetivo da política é apenas a opressão de uma parte da sociedade por outra parte (em vez do efetivo compartilhamento de valores, perspectivas e projetos)
§ Além disso, é importante lembrar: considerar que a política é essencialmente disputa de poder é o mesmo que assumir que o ser humano é apenas egoísta e que toda disputa só se resolve por meio da opressão
o Por outro lado, o Positivismo pura e simplesmente não “nega a realidade da política”
§ Bastaria a consideração do calendário positivista concreto para perceber esse fato, com a dedicação de três dos 13 meses à “política”: César (a civilização militar, ou seja, a política antiga), Carlos Magno (a civilização feudal, ou seja, a política medieval) e Frederico II (a política moderna)
§ Mas, além disso, a instituição da separação entre os poderes Temporal e Espiritual estabelece, com todas as letras, que o mando político deve ser separado do – e regulado pelo – aconselhamento espiritual e moral
· O tempo todo Augusto Comte delimita a atividade política prática, indicando suas particularidades, especialmente em contraposição ao poder Espiritual: dura, âmbito do egoísmo, âmbito das visões particulares
· Mas Augusto Comte não tem uma concepção mesquinha nem medíocre da política: ela não se limita às disputas; ela não é geral, necessária ou essencialmente disputa de poder, mas compartilhamento e composição
· A exigência de submeter a política à moral é uma regra política e moral necessária para controlar, moderar e orientar a dureza das disputas políticas
o Ao mesmo tempo em que a política deve ser moderada pela moral, o poder Espiritual submete-se ao poder Temporal: em outras palavras, assim como os políticos devem respeitar os parâmetros morais, as igrejas devem respeitar os ordenamentos jurídicos nacionais e, de qualquer maneira, todos os crentes têm suas responsabilidades cívicas de maneira mais ou menos independente das responsabilidades religiosas
§ Por fim, é importante lembrar que a concepção egoística e violenta da política despreza totalmente a noção sociológica fundamental de que o ser humano evolui ao longo do tempo
· De maneira específica, despreza-se a segunda e a terceira lei dos três estados, que estabelecem (a) que a atividade pacífico-industrial sucede e surge a partir das sociedades militares, bem como (b) que a sociabilidade que considera toda a Humanidade sucede as sociabilidades mais restritas, vinculadas às famílias e às pátrias
- Para concluir:
o A Religião da Humanidade baseia sua moralidade no altruísmo, a partir de uma concepção sociológica do ser humano
o A ciência da Moral é a ciência suprema, que estuda o ser humano individualmente e que estabelece uma transição natural das ciências para as artes práticas
o A afirmação da moralidade implica necessariamente a subordinação da política à moral; mas isso não significa que a política seja negada: significa que – na hipótese alucinada e indefensável de que a política é apenas disputa de poder – as disputas políticas devem ser moderadas, aconselhadas e orientadas pela moral
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