Para essa prédica elaborei um pequeno roteiro, que foi mais ou menos seguido na ocasião - os improvisos e as digressões são parte de qualquer exposição oral. Reunindo as anotações iniciais com algumas das observações feitas de improviso, apresento o resumo abaixo, que é razoavelmente explicativo. É claro que se os leitores tiverem dúvidas ou sugestões, elas serão bem-vindas.
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É um ótimo exemplo de conceito que
reúne considerações sociológicas, históricas, filosóficas e morais – e também
políticas
o Assim, é um exemplo de aplicação prática dos preceitos religiosos da
Religião da Humanidade
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A “sociedade industrial” é o conceito
com que Augusto Comte define a organização social, política e econômica das
sociedades modernas
o Um paralelo com “capitalismo”, de Marx, é útil: ambos os conceitos
referem-se mais ou menos às mesmas coisas e ao mesmo período, igualmente com
juízos de valor subjacentes; mas para Marx o “capitalismo” é um sistema
totalmente impessoal que deve ser destruído por meios revolucionários em prol
do comunismo; já a “sociedade industrial” é uma organização social e política
vigente que deve ser aperfeiçoada, mas que permite o desenvolvimento das forças
humanas
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A melhor forma de expor a idéia da
sociedade é industrial é adotando o procedimento de Comte, ou seja, por meio da
contraposição com as sociedades militares
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Na verdade, isso consiste na conjugação
das leis dinâmicas do entendimento humano, que correspondem às leis VII a IX da
Filosofia Primeira:
2ª
série: leis dinâmicas do entendimento
1ª Cada entendimento oferece a
sucessão dos três estados, fictício, abstrato e positivo, em relação às
nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional à
generalidade dos fenômenos correspondentes (VII)
2ª A atividade é primeiro
conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial (VIII)
3ª A sociabilidade é primeiro
doméstica, em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar a
cada um dos três instintos simpáticos [apego, veneração e bondade] (IX)
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As sociedades militares foram as
características da Antigüidade e da Idade Média, em que as concepções mais
amplas de sociabilidade eram a família e a pátria (Antigüidade) e a pátria e a
igreja (Idade Média)
o Como são concepções parciais, a família e a pátria tendem a gerar
competições entre as várias famílias e as várias pátrias: essas competições
logo se transformaram em guerras
o É necessária uma concepção universal para que se instaure a paz: somente
a Humanidade pode gerar a paz mundial e perpétua
o O Império Romano, embora baseasse-se na idéia de pátria, tinha uma
concepção tendencialmente universalista de ser humano, o que o politeísmo
facilitava, ao permitir com maior ou menor facilidade a incorporação dos vários
grupos sociais; os romanos diziam, acertadamente, que “faziam a guerra para
levar os hábitos da paz”
§ O Império Romano extinguiu até certo ponto as guerras de conquistas,
incessantes na Europa e na Ásia Menor até então e criou uma enorme área de
relativa estabilidade política, jurídica, econômica (e monetária e de pesos e
medidas) na Europa e ao redor do Mar Mediterrâneo; com isso, lançou as bases
necessárias para a civilização católico-feudal e para o desenvolvimento posterior
da sociedade industrial
o Na Idade Média o catolicismo permitiu a conjugação da pluralidade
política (feudal) com a unidade de fé (católica); mas o caráter absoluto do
catolicismo impede a sua plena universalização e, de qualquer maneira, ele
entra em choque com outros sistemas absolutos, em particular o Islã
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A atividade militar, então, foi
inicialmente conquistadora (Antigüidade) e depois defensiva (Idade Média)
o A partir de meados da Idade Média – grosso
modo, no século XI – começa a ocorrer um movimento importante: a emancipação
das comunas, isto é, das cidades, dos burgos (os habitantes dos burgos eram os
burgueses), especialmente pelos reis
o Essa expressão – “emancipação dos burgos” – significa o seguinte: até
então os burgos estavam submetidos à autoridade política e social dos nobres, dos
senhores feudais; com a emancipação, os burgos passaram a submeter-se apenas à
autoridade dos reis e/ou a ter grande autonomia decisória à as repúblicas italianas, do Norte da Europa e outras surgiram dessa
forma
o As comunas obtiveram essa emancipação porque seus habitantes eram ativos
politicamente e pressionavam nesse sentido; da mesma forma, eram artesãos,
comerciantes, banqueiros etc., isto é, eram indivíduos e grupos que trabalhavam
e produziam bens, serviços e riquezas
o A emancipação das comunas indica, portanto, a mudança na organização
social, que passava de militar e rural para industrial e urbana
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A sociedade industrial, portanto, surge
como um desenvolvimento das sociedades militares
o Embora surja do desenvolvimento das sociedades militares, a sociedade
industrial não é uma continuação
delas: antes de mais nada, a sociedade industrial é pacífica
o Na sociedade industrial há geração da riqueza e não somente espólio e
rapinagem, como na atividade militar
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A sociedade industrial gera riqueza;
mas essa “geração de riqueza” não é só ou principalmente o acúmulo de riquezas:
é a produção de bens e serviços com vistas ao bem-estar humano
o Importa lembrar e afirmar com todas as letras: a ação militar visa à
destruição dos bens e à morte dos inimigos; se há a busca de algum bem-estar, é
da sociedade que conquista, não a da que é conquistada
o Assim, enquanto as sociedades militares buscam a glória, as sociedades
industriais buscam o bem-estar e o conforto
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Uma precondição fundamental da
sociedade industrial é a valorização do trabalho
o Nas sociedades militares o trabalho é desvalorizado, sendo reservado aos
escravos e/ou aos servos da gleba
o A valorização do trabalho resulta também na repulsa à escravidão e na
valorização dos trabalhadores, cuja dignidade é afirmada
o Aliás, em contraposição às sociedades militares, a sociedade industrial
valoriza a vida humana
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A sociedade industrial suceder as
sociedades militares não é somente uma questão de antecedentes e conseqüentes
históricos; é necessário ativamente aperfeiçoar a sociedade industrial
o Antes de mais nada, é necessário ultrapassar os hábitos militares, a
busca da glória, o desejo da dominação, o estímulo ao militarismo
o A noção militar de pátria tem
que ser substituída pela concepção pacífica e altruísta de mátria
o Os trabalhadores têm que ser valorizados e suas condições de vida têm
que ser dignas
o A burguesia (mesquinha e egoísta) tem que ser substituída pelo
patriciado positivo (altruísta, generoso, de vistas e ações largas)
o Os meios violentos têm que ser substituídos radicalmente pelos meios
pacíficos
o O poder Espiritual tem que ter um ascendente sobre a sociedade, em
contraposição à ação violenta do poder Temporal
o Os positivistas devem deixar de ser militares ou, caso permaneçam sendo
militares, que orientem suas ações para fins positivos à apoio decidido ao civilismo dos militares
§ Exemplos máximos no Brasil: Benjamin Constant e Marechal Rondon
§ Ensino civilista de Benjamin Constant no Exército à não é à toa que a ação de Benjamin Constant foi duramente combatida
pelos militaristas (Jovens Turcos, revista A
Defesa Nacional, Olavo Bilac, Missão Alemã, Missão Francesa) e pelos
fascistas (Góes Monteiro)
§ Benjamin Constant e doutrina do “soldado-cidadão”: ênfase no “cidadão” e
na “civilização” da caserna, ao contrário do que Olavo Bilac pregava, que era a
ênfase no “soldado” e na militarização da sociedade
§ Marechal Rondon: o “Marechal da Paz”;
frase característica: “morrer se for preciso, matar nunca”
o O militarismo antigo e medieval era justificável e aceitável; o
militarismo moderno é aberrante e inaceitável
§ O nazismo, o fascismo e até o comunismo são militarismos modernos
§ O nacionalismo do século XX apresenta todos os defeitos ligados ao
militarismo: xenofobia, intolerância, violência, busca da glória nacional,
conservadorismo; situação exemplar do caso Dreyfus (1895-1905)
·
Caso Dreyfus: Exército francês reacionário,
monarquista, belicista, xenófobo e antissemita; a libertação de Dreyfus e a reversão
de sua condenação uniu vitoriosamente os republicanos e os progressistas
franceses contra os grupos reacionários (monarquistas, Igreja Católica, alto
comando do Exército, intelectuais literários)
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Augusto Comte propôs um conjunto de
medidas com vistas à consolidação e ao aperfeiçoamento da sociedade industrial,
já com vistas à sociocracia
SUMÁRIO DAS MEDIDAS ESPECÍFICAS À TRANSIÇÃO ORGÂNICA
MEDIDAS
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ÂMBITO DAS MEDIDAS
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COMENTÁRIOS
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Liberdade
especulativa com o fim dos orçamentos teóricos
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Temporal
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Necessárias em todos os lugares
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Substituição das
Forças Armadas pela polícia
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Instituição do
triunvirato sistemático
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Desenvolvimento do
culto histórico
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Espiritual
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Estabelecimento das
escolas positivistas
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Ascendente do
Positivismo sobre o comunismo
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Decomposição dos
grandes estados
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Resume as duas séries anteriores
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