16 setembro 2019

A sociedade industrial para Augusto Comte - roteiro de uma prédica

No dia 15 de setembro de 2019 fiz uma prédica na Igreja Positivista do Rio Grande do Sul sobre a "sociedade industrial", conceito sociológico elaborado por Augusto Comte em sua Sociologia Dinâmica para entender a realidade contemporânea e orientar a ação prática.

Para essa prédica elaborei um pequeno roteiro, que foi mais ou menos seguido na ocasião - os improvisos e as digressões são parte de qualquer exposição oral. Reunindo as anotações iniciais com algumas das observações feitas de improviso, apresento o resumo abaixo, que é razoavelmente explicativo. É claro que se os leitores tiverem dúvidas ou sugestões, elas serão bem-vindas.


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-        É um ótimo exemplo de conceito que reúne considerações sociológicas, históricas, filosóficas e morais – e também políticas
o   Assim, é um exemplo de aplicação prática dos preceitos religiosos da Religião da Humanidade
-        A “sociedade industrial” é o conceito com que Augusto Comte define a organização social, política e econômica das sociedades modernas
o   Um paralelo com “capitalismo”, de Marx, é útil: ambos os conceitos referem-se mais ou menos às mesmas coisas e ao mesmo período, igualmente com juízos de valor subjacentes; mas para Marx o “capitalismo” é um sistema totalmente impessoal que deve ser destruído por meios revolucionários em prol do comunismo; já a “sociedade industrial” é uma organização social e política vigente que deve ser aperfeiçoada, mas que permite o desenvolvimento das forças humanas
-        A melhor forma de expor a idéia da sociedade é industrial é adotando o procedimento de Comte, ou seja, por meio da contraposição com as sociedades militares
-        Na verdade, isso consiste na conjugação das leis dinâmicas do entendimento humano, que correspondem às leis VII a IX da Filosofia Primeira:

2ª série: leis dinâmicas do entendimento
1ª Cada entendimento oferece a sucessão dos três estados, fictício, abstrato e positivo, em relação às nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes (VII)
2ª A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial (VIII)
3ª A sociabilidade é primeiro doméstica, em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos [apego, veneração e bondade] (IX)

-        As sociedades militares foram as características da Antigüidade e da Idade Média, em que as concepções mais amplas de sociabilidade eram a família e a pátria (Antigüidade) e a pátria e a igreja (Idade Média)
o   Como são concepções parciais, a família e a pátria tendem a gerar competições entre as várias famílias e as várias pátrias: essas competições logo se transformaram em guerras
o   É necessária uma concepção universal para que se instaure a paz: somente a Humanidade pode gerar a paz mundial e perpétua
o   O Império Romano, embora baseasse-se na idéia de pátria, tinha uma concepção tendencialmente universalista de ser humano, o que o politeísmo facilitava, ao permitir com maior ou menor facilidade a incorporação dos vários grupos sociais; os romanos diziam, acertadamente, que “faziam a guerra para levar os hábitos da paz”
§  O Império Romano extinguiu até certo ponto as guerras de conquistas, incessantes na Europa e na Ásia Menor até então e criou uma enorme área de relativa estabilidade política, jurídica, econômica (e monetária e de pesos e medidas) na Europa e ao redor do Mar Mediterrâneo; com isso, lançou as bases necessárias para a civilização católico-feudal e para o desenvolvimento posterior da sociedade industrial
o   Na Idade Média o catolicismo permitiu a conjugação da pluralidade política (feudal) com a unidade de fé (católica); mas o caráter absoluto do catolicismo impede a sua plena universalização e, de qualquer maneira, ele entra em choque com outros sistemas absolutos, em particular o Islã
-        A atividade militar, então, foi inicialmente conquistadora (Antigüidade) e depois defensiva (Idade Média)
o   A partir de meados da Idade Média – grosso modo, no século XI – começa a ocorrer um movimento importante: a emancipação das comunas, isto é, das cidades, dos burgos (os habitantes dos burgos eram os burgueses), especialmente pelos reis
o   Essa expressão – “emancipação dos burgos” – significa o seguinte: até então os burgos estavam submetidos à autoridade política e social dos nobres, dos senhores feudais; com a emancipação, os burgos passaram a submeter-se apenas à autoridade dos reis e/ou a ter grande autonomia decisória à as repúblicas italianas, do Norte da Europa e outras surgiram dessa forma
o   As comunas obtiveram essa emancipação porque seus habitantes eram ativos politicamente e pressionavam nesse sentido; da mesma forma, eram artesãos, comerciantes, banqueiros etc., isto é, eram indivíduos e grupos que trabalhavam e produziam bens, serviços e riquezas
o   A emancipação das comunas indica, portanto, a mudança na organização social, que passava de militar e rural para industrial e urbana
-        A sociedade industrial, portanto, surge como um desenvolvimento das sociedades militares
o   Embora surja do desenvolvimento das sociedades militares, a sociedade industrial não é uma continuação delas: antes de mais nada, a sociedade industrial é pacífica
o   Na sociedade industrial há geração da riqueza e não somente espólio e rapinagem, como na atividade militar
-        A sociedade industrial gera riqueza; mas essa “geração de riqueza” não é só ou principalmente o acúmulo de riquezas: é a produção de bens e serviços com vistas ao bem-estar humano
o   Importa lembrar e afirmar com todas as letras: a ação militar visa à destruição dos bens e à morte dos inimigos; se há a busca de algum bem-estar, é da sociedade que conquista, não a da que é conquistada
o   Assim, enquanto as sociedades militares buscam a glória, as sociedades industriais buscam o bem-estar e o conforto
-        Uma precondição fundamental da sociedade industrial é a valorização do trabalho
o   Nas sociedades militares o trabalho é desvalorizado, sendo reservado aos escravos e/ou aos servos da gleba
o   A valorização do trabalho resulta também na repulsa à escravidão e na valorização dos trabalhadores, cuja dignidade é afirmada
o   Aliás, em contraposição às sociedades militares, a sociedade industrial valoriza a vida humana
-        A sociedade industrial suceder as sociedades militares não é somente uma questão de antecedentes e conseqüentes históricos; é necessário ativamente aperfeiçoar a sociedade industrial
o   Antes de mais nada, é necessário ultrapassar os hábitos militares, a busca da glória, o desejo da dominação, o estímulo ao militarismo
o   A noção militar de pátria tem que ser substituída pela concepção pacífica e altruísta de mátria
o   Os trabalhadores têm que ser valorizados e suas condições de vida têm que ser dignas
o   A burguesia (mesquinha e egoísta) tem que ser substituída pelo patriciado positivo (altruísta, generoso, de vistas e ações largas)
o   Os meios violentos têm que ser substituídos radicalmente pelos meios pacíficos
o   O poder Espiritual tem que ter um ascendente sobre a sociedade, em contraposição à ação violenta do poder Temporal
o   Os positivistas devem deixar de ser militares ou, caso permaneçam sendo militares, que orientem suas ações para fins positivos à apoio decidido ao civilismo dos militares
§  Exemplos máximos no Brasil: Benjamin Constant e Marechal Rondon
§  Ensino civilista de Benjamin Constant no Exército à não é à toa que a ação de Benjamin Constant foi duramente combatida pelos militaristas (Jovens Turcos, revista A Defesa Nacional, Olavo Bilac, Missão Alemã, Missão Francesa) e pelos fascistas (Góes Monteiro)
§  Benjamin Constant e doutrina do “soldado-cidadão”: ênfase no “cidadão” e na “civilização” da caserna, ao contrário do que Olavo Bilac pregava, que era a ênfase no “soldado” e na militarização da sociedade
§  Marechal Rondon: o “Marechal da Paz”; frase característica: “morrer se for preciso, matar nunca”
o   O militarismo antigo e medieval era justificável e aceitável; o militarismo moderno é aberrante e inaceitável
§  O nazismo, o fascismo e até o comunismo são militarismos modernos
§  O nacionalismo do século XX apresenta todos os defeitos ligados ao militarismo: xenofobia, intolerância, violência, busca da glória nacional, conservadorismo; situação exemplar do caso Dreyfus (1895-1905)
·         Caso Dreyfus: Exército francês reacionário, monarquista, belicista, xenófobo e antissemita; a libertação de Dreyfus e a reversão de sua condenação uniu vitoriosamente os republicanos e os progressistas franceses contra os grupos reacionários (monarquistas, Igreja Católica, alto comando do Exército, intelectuais literários)
-        Augusto Comte propôs um conjunto de medidas com vistas à consolidação e ao aperfeiçoamento da sociedade industrial, já com vistas à sociocracia

SUMÁRIO DAS MEDIDAS ESPECÍFICAS À TRANSIÇÃO ORGÂNICA

MEDIDAS
ÂMBITO DAS MEDIDAS
COMENTÁRIOS
Liberdade especulativa com o fim dos orçamentos teóricos
Temporal
Necessárias em todos os lugares
Substituição das Forças Armadas pela polícia
Instituição do triunvirato sistemático
Desenvolvimento do culto histórico
Espiritual
Estabelecimento das escolas positivistas
Ascendente do Positivismo sobre o comunismo
Decomposição dos grandes estados
Resume as duas séries anteriores

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