15 junho 2009

A concordata, ou piorando o péssimo

Reproduzo abaixo texto retirado do portal Atea (disponível aqui), a respeito da concordata.

A leitura do voto do relator Bonifácio Andrada, além de esclarecedor, é aterrorizante, pois ele afirma com clareza que o Estado deve manter uma relação próxima com as igrejas - em particular, é claro, a católica. Essa relação próxima constitui, sem dúvida, o fim da laicidade do Estado, ou seja, o fim da liberdade de pensamento e de expressão.

Mais do que nunca, é necessário defendermos a laicidade e combatermos a concordata!

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A concordata, ou piorando o péssimo

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Os nobres religiosos do país conseguiram piorar significativamente o que era péssimo. Como a aprovação da concordata enfrentava resistência, especialmente da bancada evangélica, formou-se um "acordão" para aprovar o acordo em troca da extensão dos mesmos privilégios para todas as religiões. Em outras palavras, o que eles estão fazendo é um grande trem da alegria das religiões, que se tornará realidade através da regulamentação dos artigos 5o e 210 da Constituição Federal. Este último regulamenta o ensino religioso -- que agora será aberttamente e legalmente confessional. a respeito leia-se, por exempo, o artigo do professor Luiz Cunha.
A pressão da igreja católica conseguiu suprimir a necessidade de parecer de diversas outras comissões, incluindo a Comissão de Constituição e Justiça, que teria o dever de apontar a inconstitucionalidade do projeto. Assim, a proposta seguirá diretamente para votação, e corre ainda o risco de ser aprovada não no plenário, mas por acordo de lideranças. O parecer do relator, dep. Bonifácio Andrada, é um primor de apologia ao jugo da religião sobre o Estado. É claro que esse foi o motivo pelo qual ele foi escolhido para o posto. Só leia se você tiver estômago bem forte.
O único grupo que não será contemplado com essa festival de privilégios é o de indivíduos sem religião, que compõe cerca de 15 milhões de brasileiros. Enquanto isso, a mídia se recusa terminantemente a pautar o assunto. Não por acaso, essa notícia não apareceu em nenhum jornal, em nenhum blog. Os leitores desta coluna recebem a notícia em primeira mão, e podem se preparar para um retrocesso ao século dezenove em termos de laicidade. A Atea se prova mais necessária do que nunca, e irá precisar muito do seu apoio.

11 junho 2009

Lafaiete Neves e o “Positivismo” autoritário


Causa profunda estranheza a referência do Professor Lafaiete Neves (no artigo A crise da democracia, publicado na Gazeta do Povo de 9.6.2009), que, ao defender “mais democracia” no Brasil, atribui ao Positivismo, ao “Ordem e Progresso” da bandeira nacional, a influência sobre os militares do regime de 1964-1985.

O Profº Lafaiete afirma e sugere que o Positivismo foi uma espécie de justificativa teórica para as violências perpetradas pelos militares. O estranho é que o Prof° Lafaiete, sendo marxista, deveria ser conhecedor da história – mas sua afirmação revela não apenas ignorância teórica (sobre o Positivismo) e histórica (sobre a ação do Positivismo no Brasil) como também má-fé, ao repetir preconceitos largamente difundidos tanto pela esquerda (marxista) como pela direita (católica e liberal).

Em termos teóricos, o Positivismo é radicalmente a favor das liberdades de pensamento, de expressão e de associação; qualquer tentativa de diminuir essas liberdades é uma forma ilegítima de governo. Isso é tão verdadeiro que houve quem dissesse que o Positivismo é “perigoso”, pois “excessivamente libertário”. Nada disso é invenção ou questão de “interpretação”: são comentários literais, legíveis ipsis literis na obra de Augusto Comte (em particular no Sistema de política positiva).

Em termos históricos o Profº Lafaiete não está menos mal-informado. Os positivistas no Brasil sempre foram defensores aguerridos das liberdades, começando pela separação entre Igreja e Estado, passando pela proteção aos índios e pela legislação social (incluindo aí o direito de greve, em uma época em que isso era proibido e “subversivo”) e chegando mesmo a defender a legalização do Partido Comunista na época em que ele estava na ilegalidade (1947 e 1979).

Os militares do regime de 1964 foram criados na reforma curricular militar dos anos 1920. Essa reforma visava à “profissionalização”, em moldes alemães e contra a tradição anterior. Essa tradição anterior era a do positivista Benjamin Constant, que preconizava exércitos para a paz. Pois bem: as gerações militares formadas a partir dos anos 1920 tornaram-se inimigas do Positivismo, aproximaram-se da Igreja Católica, do fascismo, do autoritarismo e, não por acaso, apoiaram os golpes de Estado de 1937 e de 1964: esses foram os perfis de Góes Monteiro e de Olympio Mourão Filho, além de inúmeros outros. Mas talvez o Profº Lafaiete devesse conhecer a história do General Peri Bevilácqua, neto de Benjamin Constant e positivista como o avô, que no Superior Tribunal Militar no final da década de 1960 bateu-se com força contra as arbitrariedades e as violências do regime – e que, por isso, foi reformado.

Nada do que comentei acima é novidade: as fontes de pesquisa são públicas e acessíveis a todos; apesar disso, o Prof° Lafaiete prefere defender “mais democracia” a partir de preconceitos e de desinformação. Isso sim é preocupante.

02 junho 2009

Manifesto pela laicidade

O texto abaixo foi escrito a pedido do meu amigo Tiago Losso, para ser incluído em seu blogue (Barômetro Político); por esse motivo, ele pode ser considerado um co-autor.

Além disso, esse manifesto é tão mais importante quanto lemos em jornais de grande circulação que o Brasil possui uma "família real" e "príncipes" (ver a notícia aqui), mesmo após mais de 110 anos da gloriosa ação de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, proclamando a República na manhã de 15 de novembro de 1889.


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O Estado brasileiro é laico: não possui religião. Assim como não pode defender nenhuma crença, religião ou fé específica, também não pode perseguir nenhuma, ou seja, não é um “Estado ateu”. De acordo com esse princípio, ninguém é obrigado a acreditar em nada, assim como não é perseguido por não acreditar no que quer que seja.

A laicidade, ou separação entre Igreja e Estado, é a condição fundamental para todas as liberdades públicas (políticas, civis, sociais). Cada cidadão é percebido como participante de uma comunidade política e não de comunidades religiosas; é por isso que são cidadãos e não crentes. Cada cidadão pode crer no que quiser e pode manifestar sua opinião; pode associar-se para expor suas opiniões e para dizer o que considera o que é bom, verdadeiro e belo. A liberdade de pensamento e de expressão estende-se às ações do próprio Estado: podemos e devemos fiscalizar o Estado por meio das nossas idéias e das nossas opiniões.

Desde 1890 o Estado brasileiro não possui oficialmente uma religião, o que foi incorporado na Constituição de 1988, em seu artigo 19, inciso I. Entretanto, todos os dias vemos nos órgãos públicos, nos documentos oficiais, nas leis e nos meios de comunicação governantes e funcionários públicos defenderem suas religiões. Essas práticas, além de anticonstitucionais, são opressivas, pois equivalem a impor aos cidadãos e aos usuários dos serviços públicos as crenças de outras pessoas, via Estado.