23 outubro 2024

O Positivismo é eurocêntrico? Parte 2

No dia 16 de Descartes de 170 (22.10.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em particular sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica do Ocidente.

Na parte do sermão apresentamos reflexões adicionais sobre se o Positivismo é ou não "eurocêntrico" (e a resposta é claramente negativa).


Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - início da prédica
01 min 35 s - exortações iniciais
07 min 43 s - efemérides
21 min 41 s - leitura comentada do Catecismo Positivista
59 min 39 s - sermão: "O Positivismo é etnocêntrico?", parte 2
01 h 25  min 35 s - concepções de Comte que nos afastam do "eurocentrismo"
02 h 01 min 49 s - exortações finais
02 h 05 min 19 s - invocação final

As anotações que serviram de basea para a exposição oram encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Prédica positiva

(16.Descartes.170/22.10.2024) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.1. Sejamos altruístas!

2.1.2. Façamos orações!

2.1.3. Façamos o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.     Dia 18 de Descartes (24.10): transformação de Júlio de Castilhos (1903)

3.2.    Dia 21 de Descartes (27.10): segundo turno das eleições municipais

3.2.1. Em face das eleições, é importante lembrar os manifestos A bandeira nacional republicana não é fascista (outubro de 2022) e Programa republicano mínimo (agosto de 2024)

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.    Leitura da décima terceira conferência, dedicada à tríplice transição ocidental e ao duplo movimento moderno

4.2.    Esse capítulo é importante por questões históricas gerais, porque indica como o Positivismo é cada vez mais possível e necessário e porque – considerando o tema do sermão – não faz sentido e não é justo xingar o Positivismo de “eurocêntrico”

5.       Sermão: o Positivismo é eurocêntrico? Parte 2

5.1.    No sermão de três semanas atrás (do dia 23 de Shakespeare de 170 (1.10.2024)) abordamos o eurocentrismo e a crítica de que o Positivismo seria “eurocêntrico”

5.1.1. Como indicamos nessa prédica, simplesmente não faz sentido criticar o Positivismo como sendo eurocêntrico

5.1.2. Como o tema é amplo, importante e como exige diversas reflexões, alguns aspectos que abordamos então ficaram ou um tanto confusos ou incompletos: é para corrigir e complementar a exposição inicial que retomamos agora o tema do eurocentrismo

5.1.2.1.             A presente retomada não será tão demorada quanto a exposição original

5.2.    Em primeiro lugar, devemos perceber que a expressão “eurocentrismo” e as críticas feitas a ele apresentam inúmeros sentidos, nem sempre explícitos

5.2.1. A conjugação implícita de vários sentidos nem sempre é evidente e os elementos que indicaremos nem sempre estão todos eles presentes

5.2.1.1.             Só tivemos clareza desses diversos sentidos após a prédica do dia 23 de Shakespeare, ao refletirmos sobre nossa exposição

5.2.1.2.             É essa pluralidade de sentidos da expressão “eurocêntrico” que justifica os vários comentários – positivos e negativos – que fizemos a seu respeito na prédica anterior

5.2.1.3.             Evidentemente, a polissemia por si só não é problemática; entretanto, a conjugação desses vários sentidos implícitos gera confusões, não necessariamente casuais

5.2.2. As concepções e os juízos são os seguintes:

5.2.2.1.             Crítica ao imperialismo/colonialismo europeu/ocidental

5.2.2.2.             Crítica à saudade colonial européia/ocidental

5.2.2.3.             Exigência de respeito e de dignidade para com outros países, povos e civilizações não ocidentais

5.2.2.4.             Exigência de valorização das histórias e das concepções não européias/ocidentais

5.2.2.5.             Crítica ampliada ao Ocidente a partir da crítica ao eurocentrismo; trata-se de u’a metonímia em que, a partir da crítica da Europa, escorrega-se para a crítica conjunta e, nesse caso, mais central contra o Ocidente e, em particular, contra os Estados Unidos

5.2.2.6.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente particularistas

5.2.2.7.             Afirmação de que as concepções e os valores europeus/ocidentais são sempre e necessariamente opressores, expoliadores, alienadores etc.

5.2.2.8.             Afirmação de que as práticas e as instituições criadas, mantidas e apoiadas pela Europa/Ocidente são sempre e necessariamente opressoras, expoliadoras, alienadoras etc.

5.2.2.9.             Afirmação de que a mera valorização de concepções, práticas e valores não européias/ocidentais bastará para criar uma ordem internacional justa

5.2.2.10.          Afirmação de que uma ordem internacional justa requer necessariamente o combate a concepções, valores e práticas europeus/ocidentais

5.2.2.11.          Afirmação de que valores, práticas e concepções não europeus/ocidentais não são opressivas, expoliadoras, alienadoras, particularistas etc.

5.3.    Esses 11 sentidos têm diferentes avaliações pelo Positivismo (pelo menos, da maneira como eu entendo o Positivismo)

5.3.1. Os primeiro quatro sentidos – de n. 5.2.2.1 a 5.2.2.4 – são plenamente assimiláveis pelo Positivismo

5.3.2. O quinto sentido (n. 5.2.2.5) é aceitável, embora essa metonímia misture coisas que de verdade não dá para misturar

5.3.3. Os outros seis sentidos (n. 5.2.2.6 a 5.2.2.11) são no mínimo problemáticos e no máximo errados, injustos, hipócritas e propostos com má-fé

5.3.3.1.             Aquilo que é produzido no Ocidente não é necessariamente ruim e/ou injusto; na verdade, as concepções e as instituições mais universalistas até hoje foram produzidas justamente no Ocidente – o que não significa que o Ocidente não tenha cometido erros

5.3.3.2.             Aquilo que é produzido fora do Ocidente não é necessariamente bom e/ou justo, nem suas concepções e instituições são necessariamente universalistas, pacíficas, tolerantes etc.

5.4.    Além do que observamos na prédica de 23 de Shakespeare (1.10), é necessário afirmarmos ou reafirmarmos o seguinte:

5.4.1. Afirma-se que o Positivismo seria eurocêntrico porque ele reconhece a primazia da Europa/Ocidente no desenvolvimento humano

5.4.2. Todavia, essa primazia não é uma questão de gosto, mas uma questão de fato: foi o Ocidente que se adiantou no desenvolvimento humano, o que cumpre tanto reconhecer e entender quanto tirar daí as conseqüências morais, intelectuais e práticas, especialmente em termos de deveres autoimpostos ao Ocidente (especialmente em termos de respeito para com outras civilizações)

5.4.3. O desenvolvimento humano em que o Ocidente tomou a primazia consiste no desenvolvimento da positividade, ou seja: relativismo, síntese subjetiva, primado do altruísmo, separação entre os dois poderes (temporal e espiritual – grosseiramente, a “laicidade do Estado”), fraternidade universal, pacifismo, estados de dimensões reduzidas, atividade cooperativa e construtiva, primazia da Humanidade sobre as famílias e as pátrias (além das classes e das civilizações)

5.4.3.1.             Trata-se então de difundir os resultados principais do desenvolvimento humano, respeitando e aproveitando as particularidades locais, começando pelo próprio Ocidente

5.4.4. É importante notar que a crítica ao eurocentrismo (e, na verdade, o próprio conceito de “eurocentrismo”) só é possível porque a Europa perdeu a primazia no desenvolvimento humano; como se diz, a Europa “perdeu o bonde da história”

5.4.4.1.             Essa perda da primazia pela Europa ocorreu após a II Guerra dos 30 Anos (1914-1945), em que (1) os Estados Unidos (e, durante várias décadas, também a União Soviética) assumiram essa primazia e (2) as antigas colônias européias desenvolveram (ou melhor, retoma(ra)m) cada vez maior autonomia em seus destinos

5.4.5. Enfim, nesse sentido, critica-se e xinga-se o Positivismo de “eurocêntrico” porque ele desenvolveu-se e criou a noção de Humanidade em um determinado lugar e em um determinado momento da história

5.4.5.1.             Ora, a noção de Humanidade teria que ser elaborada em algum lugar e em algum momento: criticar esse fato é ao mesmo tempo irracional, imoral e profundamente injusto

5.5.    A principal elaboração do Positivismo, que é a de Humanidade, tem características específicas que devem ser levadas em cerrada consideração para entender-se que o Positivismo não é “eurocêntrico”:

5.5.1. Antes de mais nada, é necessário ter claro que, pura e simplesmente, as sociedades humanas são dinâmicas, ou seja, que elas modificam-se ao longo do tempo

5.5.1.1.             De maneira associada à noção de que as sociedades são dinâmicas, é importante ter clareza de que tais mudanças desenvolvem-se conforme as leis dos três estados

5.5.1.2.             São três leis dos três estados: intelectual (teologia-metafísica-positividade, ou absolutismo-relativismo); prática (guerra de conquista-guerra de defesa-pacifismo construtivo); afetiva (âmbito máximo de afetividade limitado à família, depois à pátria, depois à Humanidade)

5.5.1.3.             As diferentes sociedades têm diferentes ritmos de mudanças; tais diferentes ritmos têm que ser respeitados

5.5.1.3.1.                   De modo geral as sociedades mudam devagar; o Ocidente é um caso específico, em que as mudanças são mais aceleradas e, mais do que isso, desejadas

5.5.1.3.2.                   É porque o Ocidente busca conscientemente as mudanças que ele assumiu a primazia do desenvolvimento humano

5.5.1.3.2.1.  Ao mesmo tempo em que resultou na primazia do desenvolvimento humano, o elevado ritmo de desenvolvimento do Ocidente estimula os rompimentos históricos sistemáticos e o desprezo à continuidade histórica, resultando em anarquia e também em esforços retrógrados – defeitos que são estendidos a outras sociedades

5.5.1.3.2.2.  Em outras palavras, a própria primazia do Ocidente expô-lo a graves e profundos problemas

5.5.1.4.             Os diferentes ritmos de mudança não podem dissimular o fato de que todas as sociedades mudam, ou seja, inversamente, são errados a noção e o projeto de que as sociedades devem ser mantidas intocadas e imutáveis

5.5.1.4.1.                   Vale lembrar que as críticas ao eurocentrismo com freqüência adotam dois pesos e duas medidas:

5.5.1.4.1.1.  Por um lado, consideram que o Ocidente é infinitamente plástico, ou seja, que pode e deve ser modificado sem cessar (e sem respeitar as leis sociológicas e morais)

5.5.1.4.1.2.  Por outro lado, consideram que tudo o que é não ocidental não pode e não deve modificar-se, seja porque são impassíveis de modificações, seja porque são bons, corretos, justos da maneira como existem atualmente

5.5.1.4.2.                   A aplicação de dois pesos e duas medidas é um procedimento incoerente do ponto de vista intelectual e hipócrita do ponto de vista moral

5.5.2. A noção de Humanidade implica também as de fraternidade universal e de unidade humana

5.5.2.1.             Só se pode levar a sério a crítica ao eurocentrismo se levar-se a sério a fraternidade universal e a unidade humana; caso não se respeite de verdade essas concepções, a crítica ao eurocentrismo é apenas a afirmação casuística de outros etnocentrismos

5.5.2.2.             A fraternidade universal fundamenta-se na unidade humana

5.5.2.3.             A noção de unidade humana tem que ser levada realmente a sério; ela implica que existe apenas um ser humano, ou, por outra, existe apenas uma única natureza humana, que, portanto, segue as mesmas leis e, daí, desenvolve-se da mesma forma

5.5.2.3.1.                   Se existe apenas uma única natureza humana, que segue as mesmas leis, o desenvolvimento humano é em termos gerais um único

5.5.2.3.2.                   Esse desenvolvimento único (1) foi evidenciado a partir do desenvolvimento realizado no Ocidente, (2) ao mesmo tempo em que o comportamento de outras sociedades não possa nem deva ser desprezado, desvalorizado, desconsiderado

5.5.2.3.3.                   Esse desenvolvimento humano (que em termos gerais é) único conduz à fraternidade universal, conforme as leis dos três estados e desde que essas leis sejam respeitadas

5.5.2.4.             A única forma de obter-se a fraternidade universal é aplicando de verdade os resultados gerais do desenvolvimento humano, que, por sua vez, foi sintetizado na noção de Humanidade

5.5.2.4.1.                   Mais uma vez: os resultados gerais do desenvolvimento humano são estes: o desenvolvimento da positividade, ou seja: relativismo, síntese subjetiva, primado do altruísmo, separação entre os dois poderes (temporal e espiritual – grosseiramente, a “laicidade do Estado”), fraternidade universal, pacifismo, estados de dimensões reduzidas, atividade cooperativa e construtiva, primazia da Humanidade sobre as famílias e as pátrias (além das classes e das civilizações)

5.5.2.4.2.                   Qualquer outra solução é parcial, provisória e altamente instável, resultando em guerras, conflitos, violência, miséria

5.5.2.5.             Esses resultados têm que ser aplicados para garantir-se de verdade a justiça e a paz internacionais; a disseminação e a aplicação desses resultados baseia-se no fato de que as sociedades são mutáveis

5.5.3. Não é aceitável criticar essas concepções porque elas tiveram que surgir em algum lugar e em algum momento; esse tipo de argumentação é apenas uma forma de evitar as mudanças (tanto fora quanto dentro do Ocidente) e de manter tensões internacionais e etnocentrismos em disputa

5.6.    Sem esgotar o tema, podemos indicar pelo menos as seguintes concepções de Augusto Comte que nos afastam diretamente do “eurocentrismo”:

5.6.1. Como indicamos na prédica do dia 23 de Shakespeare, Augusto Comte comentava, o bom senso indica e as cobranças políticas atuais reforçam: não há porque as demais civilizações reproduzirem a marcha própria ao Ocidente:

5.6.1.1.             Essa reprodução seria mera imitação (servil), desperdiçaria recursos e tempo e produziria imensos sofrimento e conflitos

5.6.1.2.             A expansão do Positivismo deve conjugar os principais resultados do desenvolvimento humano com as particularidades locais

5.6.1.3.             Essa conjugação significa que as outras civilizações devem respeitar suas histórias e empregar seus recursos sociais, morais e intelectuais para aplicarem o Positivismo

5.6.2. Assim, Augusto Comte previa transições escalonadas das outras civilizações rumo à sociocracia

5.6.2.1.             Essas transições foram previstas para serem desenvolvidas em um volume excepcional, a ser escrito em 1862

5.6.2.1.1.                   Essa previsão foi apresentada no cap. 5 do volume IV da Política positiva, de 1854

5.6.2.1.2.                   Mas como Augusto Comte faleceu em 1857, esse volume excepcional não pôde ser escrito

5.6.2.2.             De qualquer maneira, nesse cap. 5 do vol. IV da Política Augusto Comte realiza uma apreciação preliminar, em detalhes, de países e civilizações para indicar quais os aspectos positivos e negativos para essas transições escalonadas

5.6.2.3.             O escalonamento era previsto conforme a proximidade intelectual e social com o Ocidente (Política, cap. V, p. 481-521)

5.6.2.4.             Evidentemente, há vários princípios morais, políticos e filosóficos orientando essas relações:

5.6.2.4.1.                   Como já indicamos várias vezes, as relações ocidentais com outros povos têm que se pautar estritamente pelo pacifismo, pelo respeito à dignidade dos povos e das culturas e pelo aproveitamento das características positivas de cada povo e cultura

5.6.2.4.2.                   Uma conseqüência imediata disso é a rejeição do colonialismo e do imperialismo (ocidentais, em particular), além do desprezo pela escravidão moderna

5.6.2.5.             O escalonamento considerava o desenvolvimento religioso

5.6.2.5.1.                   Países ocidentais (Itália, Espanha, Inglaterra, Alemanha) e respectivas antigas colônias européias nas Américas

5.6.2.5.2.                   Povos monoteístas (Turquia, Rússia, Pérsia)

5.6.2.5.3.                   Povos politeístas (Índia, China, Japão)

5.6.2.5.4.                   Povos fetichistas (África, Américas, Oceania)

5.6.3. Além disso, Augusto Comte afirmava que todos devemos adotar os bons hábitos, usos, costumes e concepções de outras civilizações

5.6.3.1.             Entre os hábitos que devem ser adotados por todas as civilizações (e, claro, em particular pelo Ocidente), ele indicava pelo menos o seguinte:

5.6.3.1.1.                   Incorporação do fetichismo ao Positivismo

5.6.3.1.2.                   Incorporação de hábitos muçulmanos: restrição ao consumo de álcool; esmolas; orientação das igrejas para Paris

5.6.4. A partir da noção de Humanidade e, antes, da de unidade humana, Augusto Comte previa uma verdadeira unificação moral e intelectual da Humanidade, que apresentaria, como sinais e como condições, o seguinte:

5.6.4.1.             Constantinopla como capital da Terra

5.6.4.2.             Superação da oposição/divisão entre Ocidente e Oriente em face da Humanidade

5.6.4.3.             Adoção de uma língua comum a toda a Humanidade (o italiano)

5.7.    Entre muitas e muitas ações dos vários positivistas que afirmam e confirmam que não somos “eurocêntricos”, podemos citar as seguintes:

5.7.1. Apoio aos movimentos de independência nacional, em prol das pequenas nações

5.7.2. Elogios constantes ao fetichismo (e, por extensão, aos povos da África, das Américas e da Oceania), além das teocracias (e, por extensão, da Índia, da China e do Japão)

5.7.3. Exortação de Augusto Comte para saída dos franceses da Argélia

5.7.4. Richard Congreve: manifesto, escrito por orientação de Augusto Comte, contra a política inglesa na África (Gibraltar) e na Índia; organização de um volume sobre a política externa inglesa à luz do Positivismo, com textos de Congreve, Harrison, Beesly, Pember, Bridges e Dix-Hutton, sobre as relações com o Ocidente, a França, o domínio sobre os mares, a Índia, a China, o Japão e os povos não “civilizados”

5.7.5. Positivistas franceses: defesa dos povos árabes e/ou muçulmanos (em particular da Turquia)

5.7.5.1.             Observações de Augusto Comte (cap. 5 do vol. IV da Política) no sentido de que a Turquia é plenamente assimilável à sociocracia, em virtude de seu passado romano, das íntimas relações com a Grécia e suas prolongadas relações com o Ocidente desde as Cruzadas

5.7.6. Dr. Robinet: defesa dos africanos, contra o imperialismo alemão de Bismarck

5.7.7. Positivistas brasileiros: defesa dos africanos (participação na campanha abolicionista), defesa dos índios (Rondon, Moisés Westphalen e toda uma ampla gama de positivistas indigenistas); posicionamento da IPB, via Miguel Lemos, contra o projeto de escravização dos chineses no Brasil

6.       Exortações finais

7.       Invocação final

16 outubro 2024

Berenice Mendes: documentário "Memória de David"

Em 1988 a documentarista Berenice Mendes produziu o vídeo Memória de David, em homenagem ao historiador paranaense David Antônio da Silva Carneiro (1904-1990).

A partir de outras reproduções na internet, inserimos esse documentário - em três partes - em nosso canal Positivismo.

As três partes do vídeo estão disponíveis aqui:

 - parte 1: https://youtu.be/C-X9cLyZlCk

- parte 2: https://youtu.be/3oGb7Wl9yZY

- parte 3: https://youtu.be/UfAZCwjSn0w

 

Cassiana Lacerda: resumo biográfico de David Carneiro

A historiadora paranaense Cassiana C. Lacerda postou no Facebook em 17.2.2019 um belo e informativo texto com um resumo biográfico do grande positivista, o historiador, economista, museólogo, empreendedor e professor David Antônio da Silva Carneiro.

Esse texto, na verdade, foi elaborado na inauguração da Escola David Carneiro, inaugurada alguns dias antes, no município da Lapa, a que o prof. David Carneiro estaria cada vez mais ligado ao longo de sua vida.

(Vale notar que,  no Paraná, há escolas públicas intituladas "David Carneiro" pelo menos também em Curitiba, em Araucária e em União da Vitória.)

Devido à quantidade e à qualidade de suas informações, reproduzimos abaixo o texto de Cassiana Lacerda.

A postagem original pode ser lida aqui: https://www.facebook.com/groups/417557358409468/posts/1256356454529550/

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DAVID ANTONIO DA SILVA CARNEIRO

Cassiana Carolo Lacerda

 

DAVID ANTONIO DA SILVA CARNEIRO (Curitiba, 29 de março de 1904 – Curitiba, 3 de agosto de 1990).

Historiador, professor universitário, escritor, ensaísta, pesquisador, museólogo, colecionador, estudioso de heráldica e nobiliarquia, professor universitário, empresário de cinema, empreendedor e mecenas.

Filho do Coronel David Antonio Carneiro e de Alice Monteiro Carneiro, interessa-se por temas históricos desde os tempos de menino, quando começa a colecionar moedas, sob incentivo, respectivamente, de seu pai e de seu avô.

Essas moedas foram a gênese do Museu Coronel David Carneiro, criado por ele em 1928 e, posteriormente, reunido no Museu David Carneiro.

Entre 1918 e 1922 estuda no Colégio Militar de Barbacena e e, a seguir, no Colégio Militar do Rio de Janeiro/RJ. Influenciado por professores como Alfredo Severo e Heitor Cajati, guarda desse período a identificação com a filosofia positivista de Augusto Comte, que passa a seguir e a propagar, tendo construído no prédio do museu uma Capela Positivista.

Avesso à carreira militar, volta a Curitiba, entre 1923 e 1924, onde tem aulas com o pintor Lange de Morretes.

Em 1927, diplomou-se em Engenharia pela UFPr.

Nesse período, seu colega de Colégio Militar, João Gualberto Gomes de Sá Filho, casado com Zoé Lacerda, o levou para a Lapa. A primeira impressão que teve da cidade foi péssima. João Gualberto, para desfazer aquela sensação, oferece-lhe um copo de água do Monge, que segundo os antigos o levaria a casar com uma lapeana. É quando conhece Marília Suplicy de Lacerda e passa a visitar a Lapa semanalmente. Chegava dirigindo seu Porshe e, talvez por emoção, foi responsável pelo primeiro acidente de carro na Lapa (como ocorreu em Curitiba, o acidente foi com uma carroça). Ainda estudante, casa-se, em 1924, com Marília Suplicy de Lacerda, uma belíssima mulher, eterno amor de sua vida e companheira até o fim da vida. Única queixa que dizia ter de Marília era o fato de não ter aderido ao Positivismo. O retrato de Marília por Theodoro de Bona é belíssimo e, hoje, encontra-se no MON (Museu Oscar Niemeyer). Chegou a viver na Lapa, cidade natal de sua esposa, quando começa a colecionar peças históricas do Cerco da Lapa, pois já considera aquela episódio histórico, uma das mais importantes participações militares do Paraná em defesa da República. Gradua-se em Engenharia, pela UFPR, em 1927.

No ano seguinte, com o falecimento de seu pai, David Carneiro – primogênito da família – assume a empresa familiar, a Ervateira Americana. É nessa época que começa a colecionar, além de objetos históricos, obras de arte, em especial cenas históricas e retratos. Faz amizade com o poeta simbolista Dario Vellozo e freqüenta então, assiduamente, o Templo das Musas, ponto de encontro de artistas e intelectuais em Curitiba.

A convite do General Mário Tourinho, então Interventor no Paraná, torna-se, em 1930, o segundo presidente do recém-fundado Banco do Estado do Paraná (Banestado), cargo em que permanece até 1932. Lança em 1934 seu primeiro livro, “O Cerco da Lapa e seus Herói”, no qual aborda os antecedentes e as conseqüências da Revolução Federalista no Paraná. Nas décadas seguintes, David Carneiro firma-se como uma das maiores personalidades da cultura paranaense, em razão de sua produção intelectual, da colaboração por quase duas décadas em jornais, do apoio oferecido a vários jovens artistas e do acervo histórico pessoalmente reunido ao longo de quase 70 anos.

Em 1940, ano no qual a Ervateira Americana (Rua Comendador Araújo com Brigadeiro Franco) sofreu um incêndio. Mas, nesse mesmo ano,, concebe e financia o Monumento à República, na Praça Tiradentes.

David Carneiro foi um aficionado pelo cinema, tanto que manteve uma sala de projeções na sua Quinta de Val de Lobos (situada na região do Parque São Lourenço), cujo nome evoca Alexandre Herculano, assim como a residência da Rua Brigadeiro Franco foi inspirada no Ramalhete de “Os Maias” de Eça de Queirós.

Manteve também uma sala na Rua Comendador Araújo, na qual projetava produções da Flama Filmes, talvez de sua propriedade.

Em 1941, David Carneiro investiu na construção do prédio de 6 andares, na Avenida, um milhão e duzentos contos de réis, “uma fortuna”, segundo suas palavras. O projeto foi do arquiteto Lucas Meurhofer, que optou pelo estilo art déco. Destinado, inicialmente, a ser apenas residencial, o edifício acabaria tendo seu térreo dividido para a entrada de um grande cinema e também uma luxuosa confeitaria.

O nome do edifício, “Eloísa”, foi uma homenagem que o David Carneiro fez a sua primeira filha, Eloísa Eliodora Alice Carneiro (12/08/1933-18/03/1938), falecida devido a doença crônica. O Edifício Eloísa foi o primeiro edifício de Curitiba a ter um penthouse, que o professor David Carneiro reservou para sua residência.

Ali morou entre 1943/ 1949, quando construiu sua casa na Rua Brigadeiro Franco, que tinha o Museu como anexo, com entrada pela Rua Comendador Araújo.

Durante muitos anos, somente familiares, ou pessoas muito amigas, ocuparam os amplos, luxuosos e confortáveis apartamentos do Edifício Eloisa.

O luxuoso Cine Ópera, que funcionava no térreo, foi inaugurado em julho de 1941, com “All This And Heaven Too” -Tudo Isso e o Céu também - (1940) .

Durante quase 30 anos, seria a sala mais elegante e movimentada da cidade, pois mesmo não tendo sido projetada como cine-teatro, ali também ocorreram concertos, recitais (como o do tenor italiano Beniamino Gigli) e eventos como o I Festival do Cinema de Curitiba, em 1957, quando Ney Braga era prefeito.

Nos anos em que esteve na direção da Empresa Cinematográfica David Carneiro, o historiador acreditou no mercado cinematográfico ao ponto de, em 1955, ter investido na construção de um segundo cinema, no terreno defronte ao Largo Frederico Faria de Oliveira, daquele que será o “Cine Arlequim” Um dos seus filhos, Fernando, recém formado pela Escola Nacional de Arquitetura, do Rio, de volta a Curitiba, fez justamente o seu primeiro grande projeto enfrentado o desafio de criar um cinema mignon num terreno irregular.

Com uma belíssima decoração - murais nas paredes da artista carioca Nely Bezerra de Menezes, com a temática Arlequim / Colombina / Pierrô, e uma programação de primeira categoria, o Arlequim foi, na época, um dos bons cinemas de Curitiba. Foi inaugurado com um dos primeiros filmes a abordar a saga dos primeiros pilotos de aviões supersônicos - “Sem Barreira no Céu” (The Sound Barrier), 1952, do inglês David Lean.

Foi quando constituiu a Empresa Cinematográfica David Carneiro e, sendo dinâmico e empreendedor, tomou gosto pela coisa. Introduziu um festival de filmes inéditos, um por dia durante uma semana, que só teriam lançamento depois, abarrotando o cinema em sessões concorridíssimas; lançou as matinadas com sessões aos domingos pela manhã, com desenhos e filmes infantis, que ficaram famosas pelos desenhos do “Tom e Jerry”; também inovou ao contratar mulher para a bilheteria, já que nesta época só homens trabalhavam nos cinemas.

Ainda sob comando do professor David Carneiro, a empresa se voltou à construção de bons cinemas de bairro: o Guarani, no Portão, e o Marajó, no Seminário, foram as primeiras salas confortáveis, amplas, numa época em inexistindo televisão, o cinema era não só a opção de lazer e cultura, mas, sobretudo, um bom negócio.

Na década de 70, oprimido por dívidas e compromissos advindos de um empreendimento empresarial mal sucedido de um dos filhos, David Carneiro venderá o edifício ao comerciante libanês Husseiam Hamdar que o negociaria, de uma forma muito lucrativa, com o grupo Mesbla, para ali ser instalada uma grande loja de departamentos. Atualmente o edifício é sede de um empreendimento ligado à educação.

Em 1944, participa do Congresso Brasileiro de História da Revolução Federalista – Cinquentenário do Cerco da Lapa.

Neste mesmo ano idealiza o Pantheon dos Heróis da Lapa, construído a partir do projeto de Rubens Meister.

Nessa época cria o Museu Histórico da Lapa, que criou na Lapa e que funcionava na Casa de Câmara e Cadeia. posterior mente, por falta de cuidado e roubo de peças, Diante do triste episódio transferirá para Curitiba, unindo seu acervo ao do Museu David Carneiro Senior, por ele criado.

Esse acervo, agora com o nome de Museu David Carneiro recebeu, em 1955, uma sede anexa à casa da Rua Brigadeiro Franco, com entrada própria pela Rua Comendador Araújo.

Foi quando o seu acervo iniciado com moedas, unido ao do antigo Museu Histórico da Lapa (que criou na Lapa e que funcionava na Casa de Câmara e Cadeia, até que David Carneiro constatou o descaso e a falta de segurança do museu, materializado no desaparecimento de peças), o leva à criação do Museu David Carneiro, que chega a reunir cerca de 6 mil peças. A biblioteca particular do historiador, constitui capítulo à parte: trazia, entre seus 20 mil exemplares, raridades como a segunda edição de “Traité Elémentaire de Chimie, présenté dans un ordre nouveau et d’ápres le découvertes moderne”, de Lavoisier, revista pelo próprio cientista em 1793; ou uma edição rara de Don Quixote, de Cervantes, ilustrada pelo pintor Debret. Essa biblioteca foi vendida.

David Carneiro empenhou-se pessoalmente na formação do Museu (o pelourinho de Paranaguá, por exemplo, encontrou jogado num quintal) Entre as peças do acervo – tombado em 8 de fevereiro de 1941 pelo Patrimônio Histórico (Estadual e Nacional) – estão obras de artistas como Van Der Velde, Goya, Iria Correia, Alfredo Andersen, entre outros famosos mestres, além de objetos como armas, espadas, flechas e vestimentas, referentes a vários períodos da história paranaense, brasileira e mundial.

Por meio do museu, David Carneiro incentiva em início de suas carreiras artistas como: Arthur Nísio, Theodoro de Bona e Traple, entre outros, encomendando-lhes obras de caráter histórico.

Na década de 1950, o Museu é transferido da casa para um prédio construído especialmente para abrigá-lo, junto à sua residência, em Curitiba, no mesmo local onde David Carneiro manteve a Capela da Humanidade para o culto positivista.

Professor de Evolução da Conjuntura Econômica na Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da UFPR e Arquitetura Analítica na Embap (Escola de Música e Belas Artes do Paraná).

Como professor visitante lecionou em universidades norte-americanas, como Nebraska, em 1961; Ucla (Califórnia), em 1966; Harvard University, entre outras. O conjunto de sua obra é reconhecido internacionalmente, sendo seus livros referência obrigatória em citações bibliográficas de obras de brasilianistas.

Membro da Academia Brasileira de História (cadeira n. 54) e da Academia de Ciências e Letras de Lyon .

Passa a escrever na coluna Veterana Verba, no jornal Gazeta do Povo, durante 16 anos.

Nesta época, resolve construir uma casa na Lapa, cidade onde morou quando recém casado, reunindo dois prazeres: o de visitar a cidade natal de Marília L Carneiro e o de degustar jabuticabas. Isso porque, a casa foi construída em torno de uma jabuticabeira, prevendo colher as frutas do terraço que contornava a árvore.

Em 1969, ano no qual a Lapa comemorou 200 anos de fundação (elevada que foi como Freguesia em 13 de junho de 1769) o Prefeito da Lapa, Sérgio Leone, convida David Carneiro, como notório estudioso de Heráldica (sua biblioteca possuía vasta bibliografia sobre o tema) a conceber o brasão da Lapa.

Na década de 1970, resolve construir uma casa na Lapa, cidade onde morou quando recém casado, reunindo dois prazeres: o de visitar a cidade natal de Marília L Carneiro e o de degustar jabuticabas. Isso porque, a casa foi construída em torno de uma jabuticabeira, prevendo colher as frutas do terraço que contornava a árvore

Mas, infelizmente, não chegou a usar a casa, pois questões econômicas o impediram e o historiador é obrigado a vender sua coleção de moedas antigas – a mesma que dera início a todo o acervo – para tentar saldar uma dívida contraída por um familiar junto ao Banco do Brasil, da qual fora avalista. Em 1989, no entanto, a dívida da família Carneiro – em função da alta de juros – ultrapassa um milhão de dólares e o Banco do Brasil ameaça executá-la.

Depois de sua morte, a residência e terrenos e imóveis nas ruas Comendador Araújo, Brigadeiro Franco foram vendidos pelo Banco do Brasil por RS$ 3,78 milhões de reais a um grupo composto por cinco empresas.

Por meio de acordo com a PMC a fim de construir prédios elevados, os proprietários dos terrenos e casas na Rua Brigadeiro Franco e Comendador Araújo foram obrigados a deixar uma parte daquela que foi a residência do historiador (pouco mais do que a fachada) para um espaço cultural, o Memorial David Carneiro.

Conforme previsão do Diretor do Patrimônio da FCC, dentro de meses será aberta com uma mostra permanente sobre David Carneiro e o espaço ganhará função.

Quanto às peças do museu, foram adquiridas pelo Governo do Estado do Paraná, num gesto único de investimento em cultura de mais de 1 milhão de reais (louve-se o então governador, Roberto Requião que viabilizo a aquisição) as peças do Museu David Carneiro foram incorporadas ao Museu Paranaense, MON, Casa Lacerda e Museu Histórico da Lapa.

Espírito elevado, embora já próximo do fim da vida, ainda lúcido e bem-humorado, em nenhum instante David Carneiro se permite lamentar o destino do Museu, ameaçado pela execução de dívidas.

É essa imagem é a que vemos no documentário realizado por Berenice Mendes, através da Secretaria de Estado da Cultura, um belo registro sobre a importância de David Carneiro como historiador e figura humana.

David Carneiro teve três filhos David (já falecido), Fernando (já falecido) e Marília Beatriz.

David Carneiro publicou, entre outras obras, Pedro II na Província do Paraná; O Paraná na Guerra do Paraguai; Os Fuzilamentos de 1894 no Paraná; O Paraná na História Militar do Brasil; O Paraná e a Revolução Federalista; A História da História do Paraná; História Psicológica do Paraná; História do Período Provincial do Paraná; A Vida Gloriosa de José Bonifácio e sua atuação na Independência do Brasil Tiradentes; Educação, Universidade e História da Primeira Universidade do Brasil – UFPR; História Geral da Humanidade (em sete volumes). A historiadora Cecília Westphallen cita, ainda, Galeria de Ontem e de Hoje (1963) e Afonso de São Payo e Souza (1986) e destaca o significado pioneiro de sua “História da História do Paraná”.

 

Pesquisa realizada para discurso proferido na inauguração da Escola David Carneiro, na Lapa.

Imagens: David e Marília Carneiro, por Theodoro de Bonna (Museu Paranaense), “Illustração Brasileira” visita ao Museu David Carneiro 1944. Fotos de David Carneiro “O Estado do Paraná” 1975. Ex Libris de David Carneiro. Cine Ópera.