No dia 2 de Homero de 170 (30.1.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua nona conferência (dedicada ao regime público).
No sermão abordamos os temas da inter, da multi e da transdisciplinaridade.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/E6kXX) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/2ZifK). O sermão iniciou-se aos 36 min 07 s.
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
* * *
Sobre inter, multi e transdisciplinaridade
- Alguns temas que há várias décadas têm sido enfatizados são o da inter, multi e transdisciplinaridade
o Basicamente esses temas são próprios a ambientes científicos, ou melhor, acadêmicos; nesse sentido, eles apresentam um aspecto cientificista e até academicista, quando se vinculam a questões puramente ou majoritariamente intelectualistas
o Entretanto, esses temas em si são importantes e, quando se desvinculam do aspecto intelectualista, eles passam a evidenciar grandes aplicações
- No ambiente acadêmico, a palavra “positivismo”, por motivos torpes, é sinônima de “unidisciplinaridade estrita”, ou seja, de aversão à inter, à multi e à transdisciplinaridade
o Entretanto, essa concepção é puramente preconceituosa e originada da má-fé de adversários, que buscam um bode expiatório fácil: nesse caso, é a má-fé “habitual”
o Por outro lado, há pensadores e correntes de pensamento que, desejando afirmar a inter, a multi e a transdisciplinaridade, adotam o sofisma do espantalho e usam uma contraposição forçada ao Positivismo apenas com o objetivo de dizerem que eles, os adversários, são os únicos e verdadeiros promotores da visão não unidisciplinar
§ Mas, com freqüência, os dois casos acima (má-fé; transdisciplinares do espantalho) raramente ultrapassam os limites do cientificismo e, ainda mais, do academicismo
o O Positivismo de verdade, isto é, a Religião da Humanidade não somente tem muito a dizer a respeito desses conceitos como, além disso, ela afirma e baseia-se na multi e na transdisciplinaridade!
- Consideremos, então, conceitos básicos de cada uma dessas possibilidades
o Vale notar que não procuraremos ser exaustivos a respeito; o que nos interessa é considerar conceitos úteis para as nossas presentes reflexões
o O conceito fundamental é o da especialização, da “disciplinaridade”
o Em oposição parcial e crescente à disciplinaridade, temos o seguinte:
§ Interdisciplinaridade: é a reunião de duas áreas do conhecimento (por ex., a neuroquímica), para o estudo de questões abstratas ou concretas
§ Multidisciplinaridade: é a reunião de várias áreas do conhecimento para o estudo de alguma situação concreta
§ Transdisciplinaridade: é a aplicação de critérios extracientíficos às concepções científicas – geralmente concepções de cunho social-moral
- Algumas características das categorias acima e que são notáveis, para os nossos propósitos:
o Conceitos cientificistas, ou, de modo geral, academicistas (na medida em que muitas vezes abrangem também ramos das belas-artes);
o Baseiam-se na existência das disciplinas acadêmicas (nas “disciplinaridades);
o Forte presença de um racionalismo que lida relativamente mal com a filosofia e as questões morais e que, em virtude disso, no âmbito da transdisciplinaridade, muitas vezes descamba para o misticismo (e, portanto, até para o irracionalismo);
o Freqüentes confusões entre o que é abstrato e o que é concreto
§ Freqüentes renovações de propostas de “leis concretas”
o De qualquer maneira, da inter para a transdisciplinaridade, há uma progressiva rejeição do materialismo e do reducionismo
o Além disso, quando se pratica a inter, a multi e a transdisciplinaridade, costuma-se haver afirmações de “elaborações superiores”, “sínteses amplas” etc.
§ Entretanto, essas afirmações são meras expressões de desejos e de intenções, sem maiores conseqüências
§ Podemos, e mesmo devemos, suspeitar que a ausência de “maiores conseqüências” deve-se não à impossibilidade ou à dificuldade de realizarem-se tais “maiores conseqüências”, mas, sim, ao secreto desejo de não realizar tais sínteses amplas
§ Em outras palavras, o que se deseja é manter-se no âmbito da especialização e da disciplinaridade, além de não se submter a parâmetros superiores e reguladores (morais e religiosos)
· Daí, aliás, um dos motivos secretos por que o Positivismo é mal visto na academia
- Passemos então a tratar dessas questões à luz do Positivismo; comecemos por aspectos estáticos, de caráter filosófico-científico:
o Antes de mais nada, o Positivismo afirma com todas as letras a importância da visão de conjunto; na verdade, ele constituiu-se desde o início como a afirmação da visão de conjunto sobre a realidade humana, em termos sócio-históricos, filosóficos e morais
o A afirmação da visão de conjunto é o princípio fundamental que permite e justifica a inter, a multi e a transdisciplinaridade
o Na verdade, Augusto Comte sempre disse para quem quisesse ouvir (e ler) que o Positivismo surgiu como uma filosofia derivada da e aplicada às ciências – ou seja, o Positivismo é desde à partida uma transdisciplinaridade
§ Essa transdisciplinaridade caracteriza-se desde o início não apenas porque o Positivismo é uma filosofia, mas também porque ele aplica claramente – e cada vez mais claramente – critérios morais em suas concepções e ações
§ A visão de conjunto filosófica sobre as ciências serviu tanto como uma reflexão geral sobre as ciências quanto como uma base para a criação de uma nova ciência, a Sociologia
· A Sociologia foi criada como ciência autônoma, com a delimitação de seus métodos, seus objetos, suas aplicações, seus limites, suas relações com as demais ciências – tudo isso a partir do exame de conjunto das demais ciências, da realidade humana em termos históricos e da realidade em termos “gerais”
· A criação da Sociologia consistiu também na sistematização da visão de conjunto e da aplicação da perspectiva filosófica, sócio-histórica e moral aplicada ao conjunto das ciências inferiores
· Ao mesmo tempo em que Augusto Comte criou a Sociologia, ele criou a História das Ciências, entendida não como o simples relato das atividades científicas, mas como a compreensão dos fatores que conduzem ao desenvolvimento das ciências
o Em outras palavras, a História das Ciências criada por Augusto Comte é uma “história” porque se trata de uma história sociológica das ciências
o Com o desenvolvimento do Positivismo, isto é, com o seu amadurecimento, a “visão de conjunto” passou também a implicar necessariamente as noções de “subjetividade”
§ O Positivismo aplica pelo menos duas noções de subjetividade, ambas plenas de conseqüências:
· A primeira é a subjetividade social, que afirma as concepções próprias e a realidade específica do ser humano, em contraposição ao mundo externo e, daí, às ciências inferiores
· A segunda é a subjetividade individual
§ As duas subjetividades acima englobam os sentimentos e as idéias
· Há também o âmbito da imaginação, que está no escopo das belas-artes
· Enquanto as subjetividades indicadas acima têm um papel estruturador do ser humano, a imaginação (na medida em que se vincula às artes) assume uma característica mais subordinada
o A subordinação da imaginação deve-se à necessidade mais pronunciada de sua regulação, para que não se desvirtue e não descambe para o irracional, o imoral, o puramente fantástico, o alucinado etc.
o A visão de conjunto amadurecida, ao constituir a Religião da Humanidade, também passou a abarcar mais claramente as noções de “sínteses”
§ As sínteses são concepções gerais que afirmam e estabelecem princípios gerais de entendimento e avaliação da realidade
§ Como sabemos, as sínteses podem ser objetivas ou subjetivas, absolutas ou relativas; na verdade, as sínteses só podem ser subjetivas e relativas, mas podem pretender-se absolutas e objetivas ou subjetivas
- Vale a pena insistirmos em algumas características das disciplinas criadas por Augusto Comte:
o O fundador da Religião da Humanidade criou pelo menos duas, talvez três, disciplinas científicas, todas elas tomando necessariamente como base a visão de conjunto:
§ As disciplinas criadas foram (1) a Sociologia, (2) a Moral e (3) a História das Ciências
§ A criação dessas disciplinas com base na visão de conjunto deu-se contrariamente à tendência da fundação de todas as outras ciências, em particular em termos acadêmicos:
· A tendência academicista consiste na rejeição da visão de conjunto e, inversamente, com enorme freqüência na afirmação do reducionismo (ou materialismo)
- Ao fundar a Sociologia e, depois, a Moral, Augusto Comte constituiu e concluiu a escala enciclopédica; essa escala afirma a existência de sete ciências abstratas fundamentais, cujos objetos e cujos tipos de abstração são irredutíveis uns aos outros:
o O que a escala enciclopédica faz, portanto, é insistir na existência de fenômenos abstratos irredutíveis uns aos outros
§ Augusto Comte definia uma ciência como um conjunto de investigações abstratas sobre um determinado âmbito da realidade
§ Isso significa que, sob uma denominação científica geral (e no singular) podem agrupar-se inúmeras ciências mais específicas
· Dois exemplos com valores intelectuais heterogêneos: a Matemática engloba três ciências específicas (Aritmética, Geometria e Mecânica); a Sociologia, conforme é ordinariamente praticada nas academias brasileiras, engloba a Sociologia específica, a Antropologia e a Ciência Política
o Ora, a escala enciclopédica, portanto, não nega a possibilidade de intere multidisciplinaridade:
§ A interdisciplinaridade dá-se de maneira evidente nas “franjas” de transição entre as ciências justapostas
§ A multidisciplinaridade, por seu turno, não se dá no âmbito das ciências fundamentais, ou, nos precisos termos da Religião da Humanidade, no âmbito da Filosofia Segunda (as ciências fundamentais)
· A multidisciplinaridade ocorre na Filosofia Terceira, isto é, na aplicação prática das ciências fundamentais, que é o que se chama geralmente de “tecnologia”
o A transdisciplinaridade no âmbito da Religião da Humanidade é afirmada com ainda mais clareza, estabelecida como parâmetro necessário de entendimento da realidade e como princípio epistemológico – e, evidentemente, também como princípio moral
§ Exatamente porque considera a visão de conjunto sobre a realidade humana; exatamente porque se dirige ao conjunto da existência humana é que a versão amadurecida do Positivismo é uma “religião” – necessariamente a Religião da Humanidade
§ No âmbito acadêmico, quem afirma a multi e mesmo a transdisciplinaridade mas rejeita a Religião da Humanidade, fá-lo devido a alguns motivos não muito bons e não necessariamente excludentes entre si:
· Ignorância da obra de Augusto Comte
· Ciúme da obra de Augusto Comte
· Incoerência filosófica e/ou moral – que pode incluir como subtipos:
o Apego à teologia e/ou aos hábitos críticos
o Aceitação da teoria metafísica dos dois domínios (intelectual-científico e “espiritual”-teológico) – que é profundamente irracional e incoerente
- Os comentários feitos até agora foram de caráter estático (científicas, filosóficas e morais); passemos a algumas reflexões dinâmicas (históricas e filosóficas)
o A visão de conjunto de modo geral faz parte das reflexões humanas; na verdade, todos os seres humanos buscam ter uma visão de conjunto sobre o mundo e sobre o ser humano, incluindo os elementos dessa realidade e os princípios que a regem
§ Como sabemos, essas concepções gerais sobre o homem e o mundo constituem as sínteses e as regulações gerais da vida, baseadas nas sínteses, constituem as religiões
- Como a busca de concepções gerais integra a natureza humana, é natural que todas as sociedades desenvolvam suas elaborações, isto é, suas sínteses
o O fetichismo elabora espontaneamente uma síntese, ao atribuir à realidade externa as mesmas características que os seres humanos percebem em si mesmos
o Mas é nas teocracias antigas que se tem uma regulação geral e sintética da existência humana, elaborada e mantida pelo sacerdócio
§ Essa regulação é característica do politeísmo e, em virtude de seu caráter estático, esse politeísmo é conservador
§ Embora seja uma forma errada, pois invertida, de entender a questão, com fins didáticos podemos dizer que a unidade sacerdotal teocrática era inerentemente “transdisciplinar”
§ O politeísmo conservador baseia-se na ascendência (ou dominação) dos sacerdotes sobre os guerreiros; quando os guerreiros afinal obtêm o poder, a unidade mantida pelo sacerdócio afinal se rompe e, a partir daí, surgem efetivamente aquilo que chamamos atualmente de “disciplinas”
o No Ocidente, a seqüência seguida na emancipação do jugo sacerdotal teocrático – ou, de maneira equivalente, a seqüência na fragmentação da unidade teocrática – foi a seguinte: as artes; a filosofia; a ciência
§ A indústria sempre teve uma existência à parte, embora, é claro, dependente tanto da regulação social teocrática quanto dos conhecimentos elaborados, conservados e difundidos pelo sacerdócio
o A seqüência de emancipação arte-filosofia-ciência é ilustrada exemplarmente na evolução grega e indicada no calendário positivisa concreto por Homero, Aristóteles e Arquimedes
o A emancipação de cada uma dessas atividades permitiu, evidentemente, o seu livre desenvolvimento
§ Uma forma alternativa de dizê-lo é o seguinte: o livre desenvolvimento das produções intelectuais humanas exigiu o rompimento dos parâmetros gerais de regulação, tanto os intelectuais quanto os morais
§ Os parâmetros intelectuais incluíam a visão de conjunto; os parâmetros morais incluíam as preocupações sociais
o O rompimento dos padrões teocráticos deu livre curso aos ramos intelectuais, conduzindo então, progressivamente, à especialização dos conhecimentos – o que, no jargão atual, consiste na “disciplinarização” dos conhecimentos
o A dominação romana, ao estabelecer o desenvolvimento prático, subordinou as elaborações gregas às necessidades morais e práticas, ou seja, restabeleceu um pouco os parâmetros morais e sociais
§ Em outras palavras, a dominação romana impôs uma visão de conjunto às elaborações gregas
o A partir da sociabilidade romana, por fim a Idade Média desenvolveu a moralidade, cultivando diretamente os sentimentos (ainda que a partir de uma síntese fictícia, absoluta e egoísta; que se concentrasse na pureza e não no altruísmo; que tivesse que ser auxiliada pelo elemento cavalheiresco da feudalidade)
§ Da mesma forma, a partir de uma síntese fictícia, absoluta e egoísta, a Idade Média também impôs uma visão de conjunto à existência humana
o O desenvolvimento básico da inteligência (Grécia), da atividade prática (Roma) e dos sentimentos (Idade Média) realizou-se sob o patrocínio da teologia, nas formas do politeísmo progressista e do monoteísmo católico; a partir de então a teologia encontrou-se esgotada, sendo necessário o desenvolvimento direto do dogma positivo com o objetivo de elaborar-se uma síntese relativa e subjetiva
§ A elaboração do dogma positivo baseou-se em um novo rompimento dos parâmetros sintéticos, agora do monoteísmo
§ Enquanto auxiliou o desenvolvimento humano, ou seja, enquanto a síntese monoteica não se deparou com concepções francamente contrárias a si, ela teve um caráter progressista; entretanto, à medida que o dogma positivo ampliou-se e avançou, ficou cada vez mais claro que a síntese monoteísta é incompatível com a realidade, o relativismo e o subjetivismo dos conhecimentos – daí que a teologia tornou-se cada vez mais e progressivamente retrógrada e reacionária
o O dogma positivo constituiu-se na forma do desenvolvimento de novas áreas das ciências preexistentes e na criação de novas ciências
§ Como Augusto Comte notava, um dos mais importantes traços desse movimento foi a introdução de perspectivas dinâmicas às investigações reais, em contraposição ao caráter estático das pesquisas antigas
§ Além disso, cada vez mais o relativismo das investigações evidenciou-se, abandonando-se a metafísica do “por quê?” em favor da positividade do “como?”
o O desenvolvimento do dogma positivo foi, em si mesmo, algo necessário e bom, mas teve algumas características inescapáveis que, a longo prazo, tornaram-se negativas:
§ A progressiva especialização, no sentido de progressiva rejeição da visão de conjunto, entendida como algo inerentemente bom
§ A concepção de que a visão de conjunto – àquela altura entendida como sinônimo de aplicação da síntese monoteísta – seria algo necessariamente negativo (repressivo e/ou místico), portanto a ser evitado e/ou combatido
§ O necessário reducionismo (ou materialismo) de cada ciência que progressivamente se afirmava, em relação às concepções superiores a si
· O academicismo aprofunda os vícios indicados acima
§ É a partir de e contra a “disciplinarização”, a especialização e o reducionismo próprios ao desenvolvimento do dogma científico que se pode falar, então, em “inter”, “multi” e “transdisciplinaridade”
· É por isso que temos insistido em que a inter, a multi e a transdisciplinaridade são propostas carregadas de cientificismo e, ainda mais, freqüentes vezes, de academicismo
o Essa marcha, como se sabe, abrangeu a Matemática, a Astronomia, a Física, a Química e a Biologia
§ A Biologia é a última das ciências inferiores, ou a primeira das ciências superiores: em todo caso, ela estabelece a transição entre o mundo externo (o mundo) e o mundo interno (o ser humano)
§ Enquanto as ciências inferiores, da Matemática à Química, adotam perspectivas de detalhe, a Biologia inverte a perspectiva, exigindo visões de conjunto: em outras palavras, ela é a primeira ciência que exige a retomada da visão de conjunto
· Isso, todavia, não evita necessariamente os vícios próprios à ciência, como a “disciplinaridade” e, ainda mais, o reducionismo em relação à Sociologia e à Moral
o A Sociologia aprofunda a exigência da visão de conjunto; na verdade, ela exige a visão de conjunto estática (na solidariedade) e, ainda mais, a dinâmica (na continuidade)
§ Como vimos, a Sociologia constituiu-se – mas que esteja bem claro: apenas e exclusivamente com Augusto Comte, não com outros autores! – como sendo ao mesmo tempo “transdisciplinar” e respeitando a dignidade das ciências inferiores!
o A criação da ciência da Moral completa a escala enciclopédica e, assim, conclui e aperfeiçoa a síntese positiva, relativa e subjetiva
§ Ao mesmo tempo, a Moral consolida e amplia os parâmetros intelectuais, sociais e morais instituídos pela Sociologia
o Os vícios intelectuais, morais e institucionais próprios às ciências conduziram Augusto Comte a perceber que seria necessário afirmar com clareza ainda maior a visão de conjunto, ou melhor, a unidade do ser humano
§ A afirmação da unidade do ser humano, todavia, não poderia dar-se com a negação da dignidade de cada uma das ciências fundamentais
§ Ao afirmar e aprofundar o espírito positivo, isto é, as suas características de relativismo e de subjetivismo, então, Augusto Comte reconheceu que é necessário distinguir duas formas, ou melhor, duas etapas sucessivas do espírito positivo: uma etapa analítica, disciplinarizada, e outra sintética, filosófica
· Enquanto a primeira etapa permite a disciplinaridade, a interdisciplinaridade e, até certo ponto, a multidisciplinaridade, a segunda etapa é a única que pode ser chamada de transdisciplinar
§ Entretanto, é importante notar que a síntese positiva é superior à chamada transdisciplinaridade
· O verdadeiro espírito positivo só se dá com a sua forma filosófica, pois é esta que estabelece, ou restabelece, a síntese positiva e, daí, a unidade humana
§ Uma forma ao mesmo tempo simples e bela de estabelecer a síntese positiva e a unidade humana é por meio da afirmação de que, na verdade, só existe uma ciência, a ciência do ser humano – ou melhor, só existe a ciência da Humanidade
- Esta exposição está bastante longa, mas não é exaustiva; desde já posso indicar que deixei de lado, mas que não poderei desenvolver agora, pelo menos alguns temas que foram citados:
o A falsa esperança das chamadas “ciências concretas”, que, no fundo, é o que fundamenta muitas das propostas de multidisciplinaridade
o A relação entre a síntese subjetiva e as ciências abstratas, ou, dito de outra forma, a relação entre as perspectivas analíticas abstratas e a síntese concreta
o Além disso, embora eu não tenha citado ao longo desta exposição, vale notar que a Trindade Positiva integra os elementos próprios à síntese positiva e que, nesse sentido (bem pobre, aliás), ela integraria uma transdisciplinaridade positivista
o Da mesma forma, a Religião da Humanidade pode e deve ser entendida como um conjunto de indicações, sugestões, orientações e prescrições visando a regular e a lidar com os problemas afetivos, intelectuais e práticos da inter, da multi e, principalmente, da transdisciplinaridade
- Em suma:
o As propostas de inter, multi e transdisciplinaridade surgem a partir das especializações científicas e, ainda mais, das especializações acadêmicas
§ Essas propostas muitas vezes são generosas e corretas, ainda que apresentem limitações e sejam também muitas vezes eivadas de incoerências
§ Em última análise, o que fundamenta as propostas de inter, multi e transdisciplinaridade é a afirmação cada vez mais ampla da visão de conjunto e a busca de uma síntese humana – que, todavia, na prática são negadas pelos próprios cultores da inter, da multi e da transdisciplinaridade
o O Positivismo é uma filosofia que claramente, desde o início, com todas as letras constituiu-se a partir da visão de conjunto; a partir disso ele elaborou uma filosofia histórica das ciências e, ao mesmo tempo, criou a Sociologia
§ A compreensão de que as ciências abstratas fundamentais devem ter suas dignidades respeitadas mas que, ao mesmo tempo, elas são insuficientes para a síntese e a unidade humanas levou Augusto Comte a dividir a etapa intelectual do espírito positivo em duas novas fases sucessivas: uma analítica, mais cientificista, e outra sintética, de caráter necessariamente filosófico
§ É claro que a etapa sintético-filosófica é superior à etapa analítico-cientificista
o O aprofundamento progressivo da visão de conjunto e o evidenciamento dos seus aspectos morais conduziram Augusto Comte a criar a ciência da Moral e, entendendo a importância e a necessidade da síntese positiva e da unidade humana, a criar a Religião da Humanidade, epítome de todas essas exigências