MONARQUIA E REPÚBLICA
Condorcet Rezende
Passados 118 anos da Proclamação da República, é natural que muitos já tenham esquecido as razões que levaram ao 15 de novembro de 1889.
Como nosso tempo é limitado, vamos destacar apenas alguns aspectos políticos para que entendamos o porquê da nossa República.
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A Carta de Lei Imperial de 25 de Março de 1824 ( conhecida como a Constituição Monárquica de 1824, outorgada por D.Pedro I) tinha o seguinte “ Introito”:
“Dom Pedro Primeiro, Por Graça de Deos, e Unanime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil....”
Em Nome da Santíssima Trindade:
Decreta:
Título 1º
Art. 1º - O IMPERIO do Brazil é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua Independência.
Art. 2º - O seu território é dividido em Províncias na fórma em que actualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado
Art. 3º O seu Governo é Monarchico, Hereditário, Constitucional, e Representativo.
Art. 4º A Dynastia Imperante é a doSenhor Dom Pedro I, actual Imperador, e Defensor Perpétuo do Brazil.
Art. 5º - A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo.
[...]
Art. 99 - A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.
[...]
Art. 179. V – Ninguém póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Pública.
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Proclamada a República em 15 de novembro de 1889, promulgou-se a primeira constituição republicana em 24 de fevereiro de 1891, com o seguinte intróito:
“ Nós, os Representantes do Povo Brazileiro, reunidos em Congresso Constituinte ,para organizar um regimen livre e democratico, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil
Art. 1º A Nação Brazileira adota como fórma de governo, sob o regime representativo, a Republica Federativa proclamada em 15 de novembro de 1889, e constitui-se,por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil.
[...]
– Da Responsabilidade do Presidente
Art. 53. – O presidente dos Estados Unidos do Brazil será submetido a processo e a julgamento,depois que a Camara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes communs, e, nos de responsabilidade, perante o Senado.
§ único: Decretada a procedência da acusação, ficará o Presidente suspenso de suas funções.
[...]
Declaração de Direitos
Art.72 –
§ 2º A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
§ 3º Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para tal fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 5º os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não offendam a moral pública e as lei.
§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção official, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
§ 12º Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que commeter nos casos e na fórma que a lei determinar. Não é permitido o anonymato
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Destacam-se, assim, algumas diferenças fundamentais entre os dois sistemas: enquanto a Monarquia se funda no “direito divino do rei”, cuja pessoa é “inviolável, sagrada e irresponsável” (“The King can do no wrong”), a República funda-se no poder do povo e o Presidente pode ser processado por crimes comuns e de responsabilidade. Todos nós lembramos do impeachment de Fernando Collor
Na nossa Monarquia, a Religião Católica era a religião oficial, do Estado, não sendo permitida às demais confissões que tivessem templos; seu culto só era possível no recesso do lar. Na nossa República não há religião oficial; todas as confissões têm liberdade de exercer o seu culto em público. Não há subvenção do poder público a qualquer Igreja. O ensino nas escolas públicas é laico, isto é, sem orientação para qualquer crença religiosa. Daí ser absolutamente contra a regra republicana as repartições públicas brasileiras estamparem em suas paredes qualquer tipo de símbolo religioso, prática que se vem difundindo sem que haja uma reação das autoridades competentes.
Aliás, em matéria de violação das práticas republicanas, já temos, desde os idos do Estado Novo, a praxe que então se instalou de colocar a foto do Presidente da República nas repartições públicas. Isso é procedimento típico de Monarquia ou dos regimes totalitários É preciso encetar-se uma campanha contra esses tipo de coisa: nem símbolos religiosos, nem fotos de presidentes. Basta a Bandeira Nacional, acompanhada da do respectivo estado ou município.
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Os movimentos político-sociais não eclodem abruptamente, da noite para o dia. A insatisfação da sociedade com as instituições políticas vai ganhando corpo com o passar do tempo, até chegar ao momento em que se tornam insopitáveis.
Muitos observadores políticos é que não se dão conta de que, muitas vezes, abaixo da superfície aparentemente tranqüila, há grande agitação na sub-superfície.
Há notável exemplo histórico desse fato: há 218 anos, o rei Luís XVI de França, anotando seu diário no dia 14 de julho, escrevia “Nada de novo”. E, no entanto, amotinados desde o dia 12 pelas notícias veiculadas por Camille Desmoulins de que a Corte preparara forte reação contra a liberdade, nesse mesmo dia 14, o povo e a guarda francesa, irmanados, tomaram de assalto a velha fortaleza da Bastilha, onde se encarceravam presos de toda espécie. Não admira nesse Rei a miopia política, pois fora ele quem, ao ter ciência dos graves distúrbios da tomada da Bastilha, perguntara ao Duque de Liancourt se aquilo era um motim. Ao que lhe respondeu Liancourt: “Não Sire, é uma revolução”. Essa revolução, tinha-a visto caminhar, um ano antes, aquele formidável e inesquecível Danton, que no dia 10 de agosto tornou-se o coveiro da monarquia milenar, cujo trono fora paulatinamente solapado pelos filósofos da enciclopédia.
Só por má fé ou desconhecimento da história pode-se afirmar que aquele clataclisma que abalou o mundo ocidental e fez com que outras nações tanto do continente europeu, quanto de outros continentes, desejassem seguir caminho idêntico, surgiu inopinadamente, como uma surpresa para o provo francês.
Por vezes, lemos em relação à Proclamação da República Brasileira afirmações semelhantes, como se nosso povo tivesse sido tomado de surpresa na manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando, na realidade, de há muito, vinha a sociedade brasileira, por suas diversas classes, manifestando-se contra o regime monárquico e, com os olhos voltados para a Independência norte- americana e mais especialmente para a Revolução Francesa, buscava nesses dois movimentos inspiração para alterar o regime político que até então predominara no Brasil.
Desde 1870 já havia ocorrido um choque de autoridades eclesiásticas com membros do governo monárquico, que ficou conhecido como a Questão Religiosa; da mesma forma, ocorreu a Questão Militar, quando oficiais do Exército foram presos por haverem manifestado opiniões políticas pela imprensa.
As alegações de que o General Deodoro era até amigo do Imperador – como espécie de prova de que o velho general teria sido tomado de surpresa e quase fora obrigado a por-se à frente das tropas-- são absolutamente irrelevantes, na medida em que não se fez o movimento político-militar contra a pessoa do Imperador, mas contra o regime que ele encarnava. Tanto assim que a transformação política ocorreu sem derramamento de sangue. Nem a Família Imperial, nem a Igreja Católica teve seus bens confiscados, sobretudo pela reação que os constituintes positivistas opuseram a tal absurdo.
Da mesma forma, costuma-se dar ênfase especial à influência que os positivistas teriam tido na ocasião. Sem dúvida, muitas das figuras mais eminentes que participaram dos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 eram positivistas, mas o movimento contava, de há muito tempo, com o apoio do Partido Republicano que não era integrado apenas, nem principalmente, por positivistas. Da mesma forma, as classes econômicas e as forças militares, especialmente o Exército, já vinham de há muito mostrando-se insatisfeitas com os rumos que nossa pátria tomava. Se foi grande a influência de Benjamin Constant naquele episódio, deveu-se sobretudo à sua inegável liderança junto à jovem oficialidade do Exército. Não foi por ser positivista que o “Fundador da República” gozou de tanto prestígio político naquele episódio, mas pelas suas qualidades de caráter e de liderança. Aliás, isso fica demonstrado pela discordância que ocorreu, depois de proclamada a República entre o pensamento de Benjamin Constant e o do Apostolado Positivista do Brasil, ao tempo dirigido por Miguel Lemos e Teixeira Mendes (este o idealizador de nossa bandeira). Enquanto desejava o Apostolado que a República se configurasse, desde logo, nos moldes recomendados por Augusto Comte em meados do século XIX, com um Poder Executivo Forte, a quem caberiam as funções executiva e legislativa, mas com obrigação de submeter seus atos ao crivo da população; em que haveria uma assembléia incumbida de controlar as contas do governante e um Poder Judiciário. Esse regime foi adotado na primeira constituição republicana do Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos, que elaborou para aquele Estado uma constituição modelar, que levou o Estado a um grande desenvolvimento econômico e social. Num parênteses, é interessante notar que a atual Governadora do Rio Grande do Sul, Yedda Cruzios, declarou que pretende submeter seus projetos à apreciação pública antes de mandá-los ao Legislativo, o que não deixa de ser uma aproximação do procedimento que Julio de Castilhos adotou durante o tempo em que exerceu a Presidência (então assim chamada) daquele Estado. Benjamin Constant entendia que era necessário, primeiramente, implantar-se a República, para, depois, pensar-se na adoção dos preceitos aconselhados pelo genial filósofo francês, para os países que integravam o que ele chamava a República Ocidental (que muito se assemelham aos que vieram a integrar a União Européia). De fato, do ponto de vista político, houve tentativas de reversão do processo, sobretudo por parte da Marinha de Guerra, surgindo então a figura exponencial de Floriano Peixoto, denominado o “Consolidador da República”. Três figuras, portanto, se destacaram no episódio: O Marechal Deodoro da Fonseca, que, por seu prestigio junto às forças militares, foi convidado a participar como o “ Proclamador da República”; Benjamin Constant, que pelos anos de catequese dos alunos da Escola Militar e pelo seu prestígio junto à oficialidade dele fizeram o Fundador da República, e Floriano Peixoto que, pela sua bravura e decisão, abortou ou derrotou movimentos que pretendiam desestabilizar o novo regime, recebendo então título de “Consolidador da Republica”.
Se a influência positivista se fez notar nos primórdios da República, foi, principalmente, na época da elaboração de nossa primeira constituição republicana, em que tomaram parte grandes figuras políticas adeptas do Positivismo, tais como: Júlio de Castilhos, Demétrio Ribeiro, Silva Jardim, Quintino Bocayuva e outros, que propugnaram porque se incluíssem no texto constitucional, sobretudo, as regras relativas à mais ampla liberdade espiritual (liberdade de culto, liberdade de imprensa, liberdade de crítica, liberdade de ensino, liberdade profissinal), absoluta separação entre as igrejas e o Estado, ensino laico nas escolas públicas, cemitérios administrados pela autoridade municipal e abertos a todas as confissões religiosas.
A idealização do pavilhão nacional por Teixeira Mendes foi fundamental, para que ostentássemos uma bandeira que tem por fundamento uma representação de nossa história: o passado (representado pelas cores verde e amarela, da Casa de Orléans e Bragança), o presente (pela representação simbólica do céu da noite de 15 de novembro de 1889) e o futuro (com o lema positivista para o progresso político: Ordem e Progresso). Outros modelos foram apresentados, quase todos imitando bandeiras de outros países, sobretudo a bandeira norte-americana, em que as faixas vermelhas e brancas seriam substituídas por faixas verdes e amarelas.
De há muito sentimos que nossa coletividade vem perdendo o senso do autêntico e saudável civismo. Já quase não se comemoram datas importantes de nossa história, tais como o 22 de abril (descoberta do Brasil), 21 de abril (sacrifício de Tiradentes, o Patrono da Nação Brasileira), o 13 de maio (abolição da escravatura), o 7 de setembro (Independência do Brasil), o 15 de novembro ( Proclamação da República) e o 19 de novembro (Dia da Bandeira). É auspicioso que o Rotary Club continue a prestigiar essas datas, sob pena de um dia ficarmos totalmente sem a “ memória nacional”.
Da mesma forma que o Brasil se libertou do jugo Português, tornando-se nação independente a partir de 7 de setembro de 1822, avançamos também em 15 de novembro de 1889, proclamando a República, que punha o poder nas mãos de nosso povo e não na pessoa de um indivíduo sobre o qual não poderíamos exercer qualquer controle: nem quanto às suas qualidades pessoais, nem quanto a seus atos.
Para que continuemos na senda do progresso é preciso voltar à pureza do texto de 1891 no que diz respeito às concepções fundamentais relativas à liberdade ( em sua mais ampla extensão), à absoluta separação do Estado e das igrejas, ao ensino gratuito e laico nas escolas públicas, à retirada de signos religiosos ou fotos que agridem os princípios republicanos de respeito para com todas as crenças e de não incensar lideranças carismáticas.
Muito obrigado.
Breves palavras alusivas ao 15 de novembro, proferidas no Rotary Club do Rio de Janeiro em 14 de novembro de 2007.