29 julho 2013

Ativista pela república na Inglaterra

Matéria publicada na Folha de S. Paulo de 28.7.2013 (o original encontra-se disponível aqui.)

É importante notar que a Inglaterra - bem como todas as monarquias - são essencialmente teológicas e, por definição, têm religião oficial de Estado. Em outras palavras, são por definição atrasadas. Como diria Augusto Comte, o seu atraso torna-as ao mesmo tempo retrógradas (ao insistirem em instituições atrasadas) e anárquicas (ao promoverem hábitos sociais e intelectuais contrários ao mesmo tempo à ordem e ao progresso).

Por fim: muito do prestígio das monarquias deve-se a um saudosismo por ordens sociais antigas e por um certo fascínio pela vida dos "ricos e famosos". É mais ou menos uma combinação "socialmente perversa" da mentalidade da "Caverna do Dragão" com a mentalidade da revista Caras

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O plebeu contra o bebê
Ativista que luta pelo fim da monarquia britânica protestou em prol da causa na porta do hospital onde nasceu George
BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRES
Enquanto a maior parte do Reino Unido celebrava a chegada do bebê real, um ativista deu plantão diante do palácio de Buckingham e do hospital onde nasceu o príncipe George para defender o fim da monarquia.
Diretor do grupo Republic, o ativista Graham Smith, 39, passou os últimos dias diante de microfones e câmeras de TV. Ele fez uma cruzada pessoal para que o noticiário incluísse críticas à realeza.
Sem medo de ser do contra, Smith aproveitou o momento de festa dos súditos para empunhar a bandeira republicana. A causa é apoiada por apenas 17% dos britânicos, segundo pesquisa do instituto Ipsos-Mori.
"Nossa luta é pela abolição da monarquia", diz o ativista à Folha. "Acreditamos que toda criança deveria nascer igual. O chefe de Estado tem que ser escolhido pelo voto."
O nascimento do novo herdeiro do trono dominou a mídia do Reino Unido durante toda a semana. O assunto continuou no ar mesmo quando não havia notícia, como chegou a admitir ao vivo um âncora da BBC.
"O interesse na monarquia é muito inflado pela mídia. A TV abandonou qualquer pretensão de fazer jornalismo para simplesmente celebrar a instituição", ataca Smith.
Pelo Twitter, ele incentivou os mais de 10 mil seguidores do Republic a enviarem reclamações contra a overdose de bebê real ao órgão que regula os meios de comunicação.
A BBC respondeu com números. Na segunda-feira, dia em que George nasceu, seu site bateu o recorde histórico de visitas. Foi um fenômeno: 19,4 milhões de acessos únicos em todo o mundo.
"Nossa cobertura do bebê real foi extremamente popular", afirmou a rede, citando entrevistas com o próprio Smith ao sustentar que o "outro lado" também foi ouvido.
"Estamos satisfeitos porque nossa audiência teve a melhor cobertura de um evento histórico importante: o nascimento de um novo herdeiro do trono", prosseguiu a nota da emissora.
O argumento não convenceu o ativista republicano, que acusa a TV pública de ter embarcado no clima de exaltação à realeza.
"A BBC é muito relutante em assumir seus erros. Muita gente ficou irritada e desligou a televisão", afirma.
Não é fácil ser republicano na terra da rainha, uma figura onipresente no país, do hino às notas de libra esterlina. No Parlamento, todos os grandes partidos juram fidelidade ao regime.
"Ninguém levanta a questão por medo de perder votos. Há um acordo entre a elite política e a monarquia", diz o diretor do Republic.
Sem escritório próprio, ele trabalha de casa, numa pequena cidade ao norte de Londres, e usa as redes sociais para fazer propaganda. Anteontem, recebeu a reportagem de meias e sem largar o iPhone usado para trocar mensagens com aliados.
"Eu ficaria muito feliz em participar de um debate ao vivo na TV com o príncipe Charles ou com William", diz.
"Perguntaria por que eles acham que têm o direito de estar lá sem que o povo seja consultado. É uma questão simples, mas eles teriam dificuldade para responder."
No debate com os súditos, o ativista admite que as reações nem sempre são boas. "Tem gente que discute, fica irritada. Mas é a minoria" diz. "Em geral as pessoas se interessam, vêm conversar."
Na contramão da maioria, Smith diz torcer para que o pequeno George nunca se torne rei. Ele diz que a realeza terá problemas na sucessão da rainha Elizabeth 2ª.
"Com Charles como rei, eles vão se tornar um alvo mais fácil", afirma o ativista.
Apesar de as pesquisas indicarem o contrário, ele diz que a série de comemorações dos últimos três anos, em que a realeza festejou casamento, jubileu da rainha e bebê, não foi ruim para sua causa. "Tudo isso serviu para que mais gente nos desse atenção. Então, que venham mais casamentos e mais bebês!"

07 julho 2013

Notícia sobre mesa-redonda sobre laicidade

A mesa-redonda "Laicidade em ação" foi noticiada com foto pela UFPR alguns dias após sua realização. Eis a matéria. (O original encontra-se disponível aqui.)

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3 de julho de 2013

Estado laico não é Estado ateu, ressalta cientista político

Por Celsina Favorito
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Mesa redonda sobre estado laico, no Anfiteatro 100, no complexo da Reitoria - Foto: Rodrigo Juste Duarte
Todos os cidadãos ficam, ou devem ficar, pelo menos 5 horas diárias durante 200 dias por ano durante 13 anos na escola. Em função desta permanência constante e longa dos alunos no ambiente educacional , como fica a questão da laicidade? ( Estado não impor aos cidadãos crenças, doutrinas, nem pressionar a sociedade).
Segundo a professora de políticas públicas, Maria Tarcisa Silva Bega, que participou da mesa redonda: “Laicidade em ação: princípios e políticas públicas” realizada na UFPR no último dia 27, a Lei de Diretrizes e Base (LDB) determina, através de legislação específica, que cabe ao Estado oferecer o ensino religioso.
O cientista político Gustavo Biscaia, no entanto, ressalta que os princípios gerais das políticas públicas são democráticos, republicanos, laicos etc., mas sua aplicação, na ponta do serviço e na prática, é problemática. No caso de desejar-se o ensino religioso, ele deve ser obrigatório ou facultativo? Se for obrigatório, deve ser proselitista ou histórico?, questiona o cientista.
Saúde X Crença
Além do aspecto educacional, também foi abordado no debate questões relacionadas às políticas de saúde, em que muitas vezes as crenças religiosas impedem que os agentes de saúde vejam os pacientes como pacientes, como pessoas que necessitam de serviços específicos. Elas são vistas, explica Gustavo, “pelos agentes como pessoas que aderem a determinadas crenças ou que são “do demônio”, como são exemplos gays, lésbicas, ateus e agnósticos”.
Mesa redonda sobre estado laico, no Anfiteatro 100, no complexo da Reitoria - Foto: Rodrigo Juste Duarte
Uma questão interessante, destaca Gustavo, apresentada pelos participantes do debate foi: se o Estado é laico, pode um estabelecimento comercial privado ser proibido de adotar símbolos religiosos e a ser laico? Para o cientista político da UFPR, a resposta é não, não pode ser proibido. A explicação para a não adoção de símbolos na decoração do estabelecimento é, segundo Gustavo, devido ao fato da sociedade ser secularizada e plural, e a presença dos símbolos afastarem os clientes.
Relações Problemáticas
Segundo Gustavo, atualmente pós-doutorando em Teoria Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, “no Brasil, desde sempre, as relações entre Igreja e Estado são problemáticas, seja porque a Igreja impunha-se com o poder do Estado, seja porque o Estado costuma intrometer-se nos assuntos das religiões e/ou beneficiar-se das religiões”.
Nos últimos anos, explica o cientista, essa relação tornou-se mais problemática devido a, pelo menos, três grandes acontecimentos notáveis: (1) a Concordata, isto é, o acordo diplomático entre o Brasil e a Igreja Católica, ambiguamente com o Vaticano; (2) a afirmação de perspectivas e temas religiosos na campanha presidencial de 2010 (perspectivas e temas que se têm repetido desde então); (3) a eleição do pastor-deputado Marcos Feliciano para Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
O evento foi promovido pelo Setor de Ciências Humanas e Aliança Estudantil Secularista da UFPR.
Celsina Favorito

Princípios da laicidade - roteiro da apresentação

Na noite do dia 27 de junho de 2013, quinta-feira, teve lugar uma mesa-redonda no anfiteatro 100 da Reitoria da UFPR sobre a laicidade do Estado. O evento, intitulado "Laicidade em ação: princípios e políticas públicas", ocorreu graças à Aliança Estudantil Secular de Curitiba e ao Setor de Ciências Humanas; teve como palestrantes Gustavo Biscaia de Lacerda e Maria Tarcisa Silva Bega.

Minha exposição seguiu o roteiro abaixo: 

1. Observações preliminares: exposição de conceitos teóricos de origem histórica
1.1. Conceitos gerais: por falta de tempo, não é possível abordar em profundidade a história da laicidade no Brasil

2. Definição básica: separação entre Igreja(s) e Estado, em que o Estado não se intromete na organização interna das igrejas e as igrejas não se valem do Estado para imporem suas doutrinas
2.1. Idéia do "muro de separação", de Thomas Jefferson
2.2. Ausência do crime de heresia
2.3. Estado laico não é Estado ateu

3. Processos sociais subjacentes:
3.1. Secularização: grosso modo, perda de validade social dos valores e das referências religiosas (ou teológicas); ação cada vez mais humana
3.2. Em parte como conseqüência da secularização, em parte devido a uma dinâmica própria: pluralização das crenças

4. Esboço da laicidade na Idade Média
4.1. Separação entre os dois poderes (temporal e espiritual), via choques entre Papado e Império no século XIII
4.2. Deve-se notar que não era uma sociedade secularizada

5. Categorias teórico-históricas de Catherine Kintzler:
5.1. Tolerância restrita: John Locke: deve-se tolerar todas as religiões, menos os ateus, vistos como incapazes de respeitarem pactos
5.2. Tolerância ampliada: Pierre Bayle: deve-se tolerar todas as religiões, incluindo os ateus, vistos como especialmente capazes de respeitarem pactos
5.3. Laicidade propriamente dita: Condorcet: o Estado abstém-se de professar doutrinas e as igrejas não podem usar o Estado; cria-se um espaço de liberdade (liberdades de pensamento, de expressão, de associação)

6. Modelos "nacionais" de laicidade
6.1. Modelo estadunidense: "pela via negativa": o Estado é laico porque não há uma seita predominante sobre as demais
6.2. Modelo francês (de Condorcet): "pela via positiva": o Estado é laico para garantir as liberdades de pensamento, de expressão etc.
6.2.1. Ambigüidade atual da expressão "laicidade francesa": intromissão do Estado na esfera individual (proibição do uso dos véus islâmicos em espaços públicos) -> negação da laicidade
6.3. Modelo brasileiro: realização da proposta de Condorcet, entre 1890 e 1930

É desnecessário dizer que, em linhas gerais, minha exposição, defendendo a laicidade, segue as idéias de Augusto Comte a respeito.