No dia 7 de Frederico de 171 (11.11.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (começando a "Segunda parte" - "Conduta dos positivistas em relação aos retrógrados").
No sermão abordamos as noções de identidade e autenticidade nacional, especialmente a respeito do Brasil.
Também fizemos um apelo para que todos os cidadãos, brasileiros ou não, auxiliem a população do município paranaense de Rio Bonito do Iguaçu, que foi atingido e destruído por um ciclone. Eis as entidades que estão recolhendo contribuições: https://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2025/11/08/saiba-como-ajudar-rio-bonito-do-iguacu-cidade-atingida-por-tornado-no-parana.ghtml.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/QuBBs5KxX2o) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/24567259352951485/).
As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
* * *
Autenticidade nacional brasileira
(7 de
Frederico de 171/11.11.2025)
1.
Abertura da prédica
2.
Datas e celebrações:
2.1.
Dia 1º de Frederico (5.11): início do mês de
Frederico, duodécimo mês, dedicado à política moderna
2.2.
Dia 11 de Frederico (15.11): Proclamação da República
(1889 – 136 anos); celebração de Benjamin Constant
2.3.
De 6 a 17 de Frederico (10 a 21 de novembro)
ocorrerá oficialmente a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas de 2025, chamada popularmente de “COP 30” (aqui e aqui)
3.
Apelo: auxílio às vítimas do tornado no
município de Rio Bonito do Iguaçu
3.1.
Em 3 de Frederico (7.11), um tornado devastou o
pequeno município paranaense de Rio Bonito do Iguaçu
3.2.
Várias instituições municipais, estaduais e
federais estão mobilizando-se para auxiliar a população e o município, mas é
claro que o apoio da população civil é necessário e importante: https://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2025/11/08/saiba-como-ajudar-rio-bonito-do-iguacu-cidade-atingida-por-tornado-no-parana.ghtml
3.3.
Vale lembrar que esse tornado, se fosse
realmente necessário, é mais uma evidência da crise climática e da urgência das
ações públicas e privadas no sentido de reverter essa crise – e, diga-se de
passagem, reforçando a relevância da COP 30
4.
Leitura comentada do Apelo aos conservadores
4.1.
Antes de mais nada, devemos recordar algumas
considerações sobre o Apelo:
4.1.1.
O Apelo
é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um
grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a
defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua
atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo,
reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os
“conservadores” a que Augusto Comte apela
4.1.2.
O Apelo,
portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige
4.1.3.
Empregamos a expressão “líderes industriais” no
lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao
Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à
atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra
4.2.
Outras observações:
4.2.1.
Uma versão digitalizada da tradução brasileira
desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
4.2.2.
O capítulo em que estamos é a “Segunda Parte”,
cujo subtítulo é “Conduta dos conservadores em relação aos retrógrados”
4.3.
Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!
5.
Exortações
5.1.
Sejamos altruístas!
5.2.
Façamos orações!
5.3.
Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os
sacramentos positivos a quem tem interesse
5.4.
Para apoiar as atividades dos nossos canais e da
Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
6.
Sermão: autenticidade nacional brasileira –
algumas considerações
6.1.
Nesta semana queremos fazer algumas
considerações iniciais sobre a autenticidade nacional brasileira
6.1.1.
Já veremos o que queremos dizer com
“autenticidade”; mas, desde já, é importante dizer que este sermão apresentará
apenas considerações iniciais
6.1.2.
É claro que nossos sermões estão sempre sujeitos
a revisão e a complementos; mas, de modo geral, eles apresentam reflexões mais
ou menos maduras ou, pelo menos, reflexões a cujo respeito temos grande
segurança
6.1.2.1.
No presente caso, decidimos fazer o sermão
porque o tema é importante, é algo a cujo respeito os pensadores brasileiros –
e, de modo mais amplo, latino-americanos e mesmo os do “Sul Global” – tratam
com freqüência e que, portanto, é necessário pelo menos começar a tratar (ou
retomar considerações formuladas por outrem, antes de nós)
6.1.2.2.
Aliás, como nosso mestre indicou no Apelo aos conservadores (p. 84-85) e
vimos na semana passada, um problema qualquer só pode ser tratado quando alguma solução é proposta, máxime quando
estamos no âmbito das ciências sagradas; daí apresentarmos algumas
considerações sobre o tema em questão
6.1.3.
Na
verdade, o que faremos aqui será retomarmos, a partir de uma perspectiva mais
ampla – ou seja, mais religiosa –
algumas considerações que fizemos muitos anos atrás, sob o título de “teoria do Brasil” dos positivistas, por sua vez com base em reflexões de Miguel
Lemos e Teixeira Mendes
6.2.
A questão principal que desejamos considerar
aqui é o que muitos chamam de “identidade nacional brasileira”, ou seja, o que
particulariza o Brasil em relação ao resto do mundo
6.2.1.
Esse é um tema central na reflexão social e
política brasileira desde que nos tornamos independentes em 1822, ou seja, há
mais de 200 anos
6.2.2.
Além disso, como comentamos há pouco, considerando
as particularidades locais, essa é uma questão central também para os demais
países latino-americanos, devido aos mesmos motivos que ela é importante para o
Brasil, e, em face do processo de descolonização da Ásia e da África entre as
décadas de 1940 a 1970, também para as novas nações desses continentes, ou
seja, para o chamado “Sul Global”
6.3.
Como já indicamos várias vezes e como Augusto
Comte afirmava (por exemplo, no Apelo),
o Positivismo é uma religião cívica
6.3.1.
A idéia de “religião cívica” é bem diferente da de “religião civil”
6.3.1.1.
A idéia de religião civil consiste em propostas
de religião oficial e obrigatória, imposta pelos teológicos ou pelos
metafísicos (como Calvino e Rousseau, ambos para Genebra, na Suíça, mas também
o marxismo, nos países comunistas)
6.3.1.2.
Já a religião cívica é a proposta do
Positivismo, ou melhor, da Religião da Humanidade, que, mantendo a separação entre os dois poderes, estimula, orienta e
regula a atuação cívica dos seres humanos
6.3.1.3.
A idéia de religião implica a totalidade da vida
humana, coletiva e individual, por um lado, afetiva, intelectual e prática, por
outro lado; assim, a vida ativa, a participação cívica integra necessariamente
o âmbito de atuação religioso
6.3.1.4.
O eventual estranhamento em que a religião tenha
alguma verdadeira relação com a vida cívica deve-se a problemas e defeitos
próprios à teologia e à metafísica: enquanto com freqüência a teologia faz
questão de rejeitar e afastar-se da realidade humana, a metafísica com
freqüência faz questão de cindir a existência humana e, arbitrariamente, também
separar a vida ativa da vida contemplativa
6.3.2.
Ora, é porque se trata de uma religião cívica
que o Positivismo necessariamente apresenta uma reflexão e uma proposta sobre
as várias pátrias e nossa atividade prática
6.3.3.
Mas, além disso, enquanto a noção de “identidade
nacional” tem um aspecto estático – e, bem vistas as coisas, tem um aspecto
metafísico, ao pressupor uma essência própria a cada país –, a reflexão
religiosa exige também um exame dinâmico, ou seja, histórico-sociológico, para
sabermos de onde viemos e para onde podemos ir
6.4.
Passando ao tema desta semana: como comentamos,
o problema da autenticidade é algo recorrente na reflexão social e política do
Brasil, da América Latina e também dos países da Ásia e da África que se
tornaram independentes entre os anos 1940 a 1970 (o “Sul Global”)
6.4.1.
O que torna importante a identidade e a
autenticidade é o que torna específico
cada um dos países em relação aos demais (a identidade) e a manifestação externa e concreta dessa
identidade (a autenticidade)
6.4.2.
Mas, de maneira central, o que se tem reforçado
nas últimas décadas (e, no caso do Brasil, no último século) é o que distingue
e separa as antigas colônias das antigas metrópoles – dessa forma, os temas da
identidade/autenticidade assume um aspecto anticolonial e, mais do que isso, antiocidental
6.5.
As noções de autenticidade e de identidade são
muito próximas entre si e, por isso, compartilham muitas características
6.5.1.
Podemos definir cada um desses conceitos da
seguinte forma:
6.5.1.1.
A identidade tem um aspecto estático e pressupõe
que cada grupo e cada cultura tem uma “essência” profunda e imutável que o
particulariza, distingue e separa de todos os demais
6.5.1.2.
A autenticidade corresponde à manifestação
externa da essência interna; mas ela apresenta um problema adicional, na medida
em que exige que essa manifestação seja “verdadeira”
6.5.1.2.1.
A autenticidade, portanto, baseia-se na identidade
6.5.1.2.2.
A verdade (metafísica ou não) implícita na
autenticidade desdobra-se em problemas relativos à liberdade e à sinceridade
das manifestações – que, inversamente, podem ser entendidas como problemas de
censura e hipocrisia
6.5.2.
Ambos esses conceitos são metafísicos, o que
fica evidente devido a vários motivos:
6.5.2.1.
Pressupõem uma “essência” a ser alcançada e
revelada
6.5.2.1.1.
A base dessa essência com grande facilidade
revela-se racista
6.5.2.2.
Pressupõem que essa essência não se modifica nem
pode modificar-se com o passar do tempo
6.5.2.3.
Consideram que o destino de cada povo e cultura
consiste em isolar-se dos demais e
manter-se com suas características apesar, ou mesmo contra, os demais povos e culturas
6.5.3.
A identidade e a autenticidade têm
características gerais metafísicas, o que por si só é um defeito; entretanto,
dependendo da sua aplicação moral, filosófica e prática, elas podem descambar
ou não para conseqüências racistas e discriminatórias
6.5.3.1.
Os grupos que manifestam suas essências têm a
exclusividade nessa manifestação, o que se revela nos conceitos atuais de
“lugar de fala” (que é uma forma contemporânea de censura) e de “apropriação
cultural” (que implica o exclusivismo, o particularismo e a exclusão das
práticas culturais essenciais)
6.6.
Passando para a identidade nacional brasileira:
as reflexões que tratam dela historicamente afirmam a tripla origem nacional: portuguesa,
indígena e africana
6.6.1.
A tríplice composição nacional é afirmada desde
o século XIX, mas a partir de meados do século XX, com os marxistas e, depois,
com os identitários, ela passou a ser criticada e desprezada
6.6.2.
A tríplice composição nacional é a concepção
positivista, conforme exposta e desenvolvida por Miguel Lemos e Teixeira Mendes
desde a fundação da Igreja Positivista do Brasil
6.6.2.1.
Essa concepção está exposta, entre muitos outros
textos, na publicação n. 1 da Igreja (celebração de Camões feita por Teixeira
Mendes, em 1881) e na belíssima biografia de Benjamin Constant (escrita por Teixeira Mendes, em 1891)
6.6.2.2.
Nos livros acima, para os apóstolos da
Humanidade, as grandes questões nacionais consistiam em (1) manter a
integridade nacional e (2) desenvolver o país, em particular no sentido de (2.1)
homogeneizar a população, (2.2) por meio da mestiçagem cultural e social,
considerando os aspectos positivos de cada um dos três grandes elementos
formadores – e, claro, (2.3) combatendo a escravidão e a exclusão social e,
portanto, (2.4) de maneira fraterna
6.6.2.2.1.
Em outras palavras, para os apóstolos da
Humanidade, a identidade nacional brasileira consistia precisamente na fusão
inovadora dos três grupos étnico-sociais, sob a presidência do elemento
português
6.6.3.
Entretanto, em face do modelo antropológico da
tríplice origem, a partir de 1922, com a chamada Semana de Arte Moderna, de
maneira paradoxal, irracional e/ou hipócrita, os laços que nos ligam ao
Ocidente passaram a ser cada vez mais criticados; passou-se a conceber-se o
Brasil de maneira isolada no tempo e no espaço
6.6.3.1.
O paradoxo, ou a hipocrisia, da Semana de Arte
Moderna consiste em que eles negavam (rejeitavam, desprezavam) os elementos que
nos ligam ao resto do mundo e que, de qualquer maneira, permitem-nos que
sejamos quem somos
6.6.3.2.
Ao mesmo tempo em afirmava de maneira caótica e
agressiva um nativismo quase xenofóbico, a Semana de Arte Moderna também fazia
questão de afirmar-se ligada às “vanguardas”... européias
6.6.4.
A concepção isolacionista, de ruptura, teve
longa tradição e foi reafirmada em 1995 por Darcy Ribeiro, em seu O povo brasileiro, bem como em vários de
seus livros anteriores
6.6.4.1.
Darcy Ribeiro, embora fosse uma pessoa profundamente
generosa em termos afetivos e profunda em termos intelectuais, no que se refere
à identidade nacional assumia um aspecto irracional e incoerente, ao propor (1)
a ruptura do Brasil com o resto do mundo (em particular com o Ocidente) e (2) o
reinício da civilização no Brasil
6.6.4.2.
Essas concepções irracionais e isolacionistas de
Darcy Ribeiro foram sintetizadas em sua incoerente proposta de “Brasil como
nova Roma”
6.6.4.3.
É importante indicar que, apesar de sua crítica
à formação nacional brasileira, Darcy Ribeiro não caiu no grave equívoco de
negar e desprezar a tríplice formação antropológica do Brasil
6.6.5.
Nas
últimas décadas, com o chamado identitarismo, a ruptura histórica e sociológica
aumentou dramaticamente
6.6.5.1.
O aspecto antiocidental
manifesta-se de maneira intensa no identitarismo
6.6.5.2.
Frontalmente contrários à tríplice constituição
antropológica do Brasil, os particularismos identitários exigem ser entendidos de
maneira isolada e contra os demais
6.6.5.2.1.
Assim, a identidade nacional brasileira é negada em favor de identidades “negras” e “originárias”
6.6.5.3.
Dessa forma, esses
identitarismos avançam do antiocidentalismo para um aspecto antibrasileiro,
na medida em que mesmo a identidade nacional brasileira é vista atualmente como
negativa, opressiva, discriminatória e mesmo genocida (!)
6.6.5.4.
Além dos particularismos isolacionistas nesses
identitarismos, permanece a noção de
essências permanentes e imutáveis que não podem misturar-se às outras essências
(em particular a essência dos “brancos”)
6.6.6.
As propostas do “Sul Global” compartilham concepções
e preconceitos com o identitarismo
6.6.6.1.
O conceito de “Sul Global” é uma versão
atualizada do antigo “Terceiro Mundo”, que, por sua vez, foi uma alteração do
“Bloco dos Países Não-Alinhados”
6.6.6.2.
Dessa forma, o “Sul Global” apresenta um intenso
aspecto de colcha de retalhos, na medida em que conjuga (1) países mais ou
menos recém-independentes (como Angola e Moçambique), (2) países que buscaram a
independência contra outros países recém-independentes (como Timor Leste,
contra o agressivo imperialismo da Indonésia) e (3) países com um longo
histórico nacional (como a América Latina)
6.6.7.
As essências das identidades e das autenticidades
– com seus aspectos antiocidentais, antibrasileiros, isolacionistas e
particularistas – também se refletem no contraditório (ou hipócrita) emprego de
recursos políticos e filosóficos ocidentais para afirmarem suas identidades,
por um lado, e na afirmação de concepções opostas aos hábitos ocidentais (e
agora brasileiros), por outro lado
6.6.7.1.
A contradição política, filosófica e moral – de
usar um recurso característico do Ocidente e ao mesmo tempo ser contra as
concepções e instituições ocidentais – não é um aspecto menor nem secundário;
na verdade, ele é da maior importância
6.6.7.2.
Além disso, as várias concepções identitárias específicas
são, em si mesmas, concepções (1) estáticas, (2) absolutas (teológicas e/ou
metafísicas), (3) com freqüência arcaicas ou ultrapassadas e, em conseqüência,
também (4) com freqüência são contrárias aos hábitos mentais e sociais do
Ocidente
6.6.8.
A referência que fazemos ao Ocidente não é para
afirmar uma “essência maior” a que contraporíamos “essências menores”; trata-se de inserirmos o Brasil em um
movimento histórico maior, de que somos partícipes, herdeiros e beneficiários
6.6.8.1.
Trata-se, portanto, de manter, do ponto de vista
moral e intelectual, os vínculos históricos e sociológicos do Brasil
6.6.8.2.
Da mesma forma, trata-se de manter para o Brasil
os melhores resultados da evolução histórica humana
6.6.8.3.
Trata-se, portanto, de tornar intelectualmente
compreensível e moralmente aceitável a história e a “identidade nacional”
brasileira
6.6.9.
Em termos históricos, o problema da identidade
nacional brasileira apresenta-se da seguinte maneira, então:
6.6.9.1.
Tínhamos no século XIX e no começo do século XX
uma concepção composta pela reunião dos (descendentes de) portugueses, dos
índios e dos (descendentes dos) africanos; essa concepção era fraterna e
generosa e vinculava o Brasil ao processo histórico humano (sob a liderança
ocidental)
6.6.9.2.
A partir da Semana de Arte Moderna, em 1922,
mantendo-se a concepção tríplice (portugueses, indígenas, africanos), a
história brasileira foi rompida dos vínculos com o Ocidente e passou-se a
sonhar-se um desenvolvimento completamente à parte (ou quase isso)
6.6.9.3.
A partir dos anos 1990, a identidade nacional de
origem tríplice foi rejeitada, bem como os vínculos ocidentais; em seu lugar
são afirmados os traços essenciais do “Sul Global”, mesmo que sejam arcaicos e
absolutos e mesmo que essa afirmação baseie-se em hábitos e instituições
ocidentais
6.6.9.3.1.
De modo mais específico, a rejeição dos laços
ocidentais e da concepção tríplice ocorre devido à afirmação dos
particularismos exclusivistas e excludentes próprios ao identitarismo; assim,
não se tem mais algo chamado Brasil vinculado ao Ocidente, mas apenas a
sobreposição de grupos que se reconhecem apenas a si próprios como agentes, em
detrimento dos demais
6.7.
Considerando todos os elementos apresentados até
aqui, surge necessariamente a questão: a partir do Positivismo, como lidar com
isso? Ou, em outros termos: há, ou haveria, aspectos positivos nessas reflexões
sobre identidades e autenticidades?
6.7.1.
A resposta para essas questões tem que ser dada
em partes
6.7.2.
Em primeiro lugar, no que se refere à identidade
nacional brasileira, temos que reafirmar a concepção da tríplice composição
nacional, ou seja, do Brasil como formado pela união de portugueses, índios e
africanos
6.7.2.1.
A concepção da tríplice origem do Brasil
pressupõe, necessariamente, uma perspectiva fraterna e generosa – aliás, como a
fraternidade, para ser efetiva, tem que ser universal, a generosidade dessa
perspectiva refere-se não apenas à própria população brasileira, mas também ao
resto do mundo
6.7.3.
Um outro aspecto que devemos considerar é o
tamanho do Brasil: é um país exageradamente grande, em que a “identidade nacional” torna-se necessariamente problemática devido ao
tamanho do país, ou seja, devido à diversidade de hábitos e costumes
6.7.3.1.
Dessa forma, se há uma dificuldade para a
“identidade nacional”, ao contrário do que afirmam os identitarismos, ela não
está na opressão “branca” contra os “negros” ou contra os índios, mas, sim, na
necessária diversidade regional
6.7.3.2.
Como conseqüência do item anterior, deixando de
lado os atentados particularistas e isolacionistas cometidos pelo
identitarismo, o fato é que apenas pátrias pequenas desenvolvem de fato a fraternidade,
a confiança e a responsabilidade
6.7.3.3.
Devemos lembrar também que, em conjunto e
agravando os inevitáveis problemas de identidade, a extensão do Brasil exacerba
os problemas regionais de desenvolvimento econômico e social
6.7.3.4.
É então necessário estimular um novo, ou um
renovado, federalismo no Brasil, de modo a conjugar as particularidades
regionais com os esforços nacionais de desenvolvimento
6.7.4.
Passemos às noções de identidade e autenticidade:
6.7.4.1.
Deixando de lado as tolices metafísicas
implicadas nessas noções, é possível concebê-las de maneira positiva, como
sendo (1) os traços sociais e culturais
mais ou menos estáveis e compartilhados por um povo, em um determinado
território e em um determinado período (a “identidade”) e (2) suas manifestações externas e livres (a
“autenticidade”)
6.7.4.2.
Em virtude do efetivo passado opressivo por que
passaram os povos indígenas e os descendentes de africanos no Brasil (assim
como em outros lugares), a manifestação de suas culturas específicas e a
valorização de seus antepassados é realmente algo legítimo e necessário
6.7.4.2.1.
Entretanto, a
afirmação de culturas específicas e de seus antepassados é algo muito diferente da valorização
contemporânea da noção metafísica de identidade e os aspectos arcaicos e
absolutos das culturas específicas: assim, por exemplo, é inaceitável
celebrar-se a noção de que a monarquia absoluta e as guerras tribais são parte
essencial e permanente da cultura “negra” e que, como tais, devem ser
valorizadas hoje
6.7.4.3.
Se o passado e a cultura devem ser valorizados, sua aplicação contemporânea exige necessariamente sua filtragem positiva – a exemplo do
neofetichismo, que é muito diferente do fetichismo original puro e simples
6.7.4.3.1.
Além disso, as concepções tradicionais (que são
tornadas estáticas, absolutas e antissociais pela “identidade” e pela
“autenticidade”) devem ser entendidas necessariamente como integrantes do grande processo histórico humano; em contraposição, a
afirmação de suas particularidades resulta apenas em irracionalidade filosófica
e em isolacionismo político – que, sem a noção (moderna e positiva!) de
fraternidade, com facilidade podem degradar-se em conflitos
6.7.4.4.
É importante afirmarmos com toda a clareza
possível: essas concepções ancestrais devem poder manifestar-se com a mais
ampla liberdade: a isso corresponde a noção positiva de “autenticidade”
6.7.4.4.1.
Podemos arrolar vários exemplos históricos
recentes de afirmação e de possibilidade de afirmação da “autenticidade”:
6.7.4.4.1.1.
A separação entre os dois poderes no Brasil, com
a República, em 1890
6.7.4.4.1.2.
As liberdades de expressão, também no Brasil,
após 1946 e após 1979
6.7.4.4.1.3.
A glasnost,
implantada na União Soviética a partir de 1985 por Mikhail Gorbatchov
6.7.4.4.2.
Ao mesmo tempo, contra as pretensões absolutas e
estáticas da “autenticidade” identitária, devemos igualmente ter claro que a livre manifestação de uma concepção não equivale à ausência de choque entre
diferentes concepções: não existe direito à proteção de concepções
nem crime de crítica
6.7.4.4.2.1.
Ou melhor, como exigem faz tempo a esquerda republicana na França e Wilson Gomes no Brasil, não existe e não pode existir a figura dos crimes
de blasfêmia e de heresia
6.7.4.4.2.2.
Pode parecer tolo, mas é necessário reafirmar a
rejeição dos crimes de blasfêmia e heresia, pois tanto a direita quanto a
esquerda têm feito esforços intensos para restabelecer essas figuras jurídicas
6.7.4.4.3.
A ausência de proteção contra críticas é a
conseqüência natural e necessária da ausência de essências imutáveis, por um
lado, e é a condição necessária para que as concepções podem ser positivadas,
por outro lado
6.7.4.4.4.
Da mesma forma, a livre manifestação das
opiniões deve ser entendida no quadro histórico e institucional da
reorganização social com a separação entre os dois poderes, em que o Estado
limita-se a manter a ordem civil e a sociedade mantém-se ativa com o máximo de
liberdade espiritual
7.
Término da prédica
Referências
- Augusto
Comte (franc.), Sistema de filosofia
positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893).
- Augusto
Comte (port.), Apelo aos conservadores
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto
Comte (port.), Catecismo positivista
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.), “A “teoria do Brasil” dos positivistas ortodoxos
brasileiros: composição étnica e independência nacional” (Revista Política & Sociedade, Florianópolis, v. 16, n. 35,
2017): https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2017v16n35p271.
- Jeanne
Favret-Saada (franc.), “Os hábitos novos do delito de blasfêmia” (Mezetulle, 14.6.2016): https://www.mezetulle.fr/habits-neufs-delit-de-blaspheme/.
- Luís
Lagarrigue (esp.), A poesia positivista
(Santiago do Chile, 1890): https://archive.org/details/luis-lagarrigue-a-poesia-positivista-1890_202509.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), As últimas
concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil,
1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i
e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), Benjamin
Constant. Esboço de uma apreciação sintética da vida e da obra do fundador da
República Brasileira (Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1936,
3ª ed.): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/18902d7e-c4aa-4199-aa85-d81e3a4d82f6.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), Discurso
comemorativo do tricentenário de morte de Luís de Camões (Rio de Janeiro:
Igreja Positivista do Brasil, 1881, 2ª ed.).
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), O ano sem par
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.
- Wilson
Gomes (port.), “Da proteção das minorias à censura legal: o caminho da
intolerância” (Folha de S. Paulo,
4.11.2025): https://www1.folha.uol.com.br/colunas/wilson-gomes/2025/11/da-protecao-das-minorias-a-censura-legal-o-caminho-da-intolerancia.shtml.