Éticas da responsabilidade e da
convicção 2
(21.Shakespeare.171/30.9.2025)
1. Invocação inicial
2. Datas e celebrações:
2.1. Dia 22 de Shakespeare (1.10):
nascimento de José Lonchampt (1825 – 200 anos)
3. Comentário sobre o livro História das sensibilidades
3.1. Organizado por Alain Corbin e
Hervé Mazurel; publicado em 2022 pela Presses Universitaires de France e em
2024 pela editora da Unesp
3.2. São artigos que historiam as
emoções humanas: Roma antiga, Idade Média, Iluminismo, I Guerra Mundial
3.3. De modo geral, o viés é academicista,
em particular nos cansativos elogios autocongratulatórios às mais recentes
modas teórico-metodológicas, mas há observações interessantes e úteis no livro
3.4. Além de descrições e relatos
empíricos, alguns aspectos que valem a pena serem mencionados são as
aproximações com o Positivismo: (1) a afirmação de que as “sensibilidades”
devem ser entendidas a partir dos vínculos entre fatores biológicos,
sociológicos e individuais; (2) o fato de que diferentes épocas e lugares
estimulam diferentes sentimentos e expressões dos sentimentos (embora os
autores recaiam no erro do “construtivismo social”, para o qual as sociedades criam as emoções); (3) a afirmação de
que as ciências superiores são necessárias para completar e corrigir as
ciências inferiores, em particular a biologia (mais uma vez: embora os autores
recaiam no erro do “construtivismo social”, para o qual as sociedades criam as emoções)
3.5. Lamentavelmente, alguns autores,
especialmente os organizadores do volume, preocupados com a autocongratulação
academicista e com o presentismo teórico-metodológico, além do provincianismo
disciplinar, como de hábito, não citam Augusto Comte, apesar da evidente
importância do Positivismo para esse tipo de reflexão
4. Leitura comentada do Apelo aos conservadores
4.1. Antes de mais nada, devemos
recordar algumas considerações sobre o Apelo:
4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas
ou grupos, mas a um grupo específico:
são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que
tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes
políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do
progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que
Augusto Comte apela
4.1.1.1.
O
Apelo, portanto, adota uma linguagem
e um formato adequados ao público a que se dirige
4.1.1.2.
Empregamos
a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser
mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se
refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa,
oposta à guerra
4.2. Outras observações:
4.2.1. Uma versão digitalizada da
tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899,
está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
4.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira
Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
4.3. Passemos, então, à leitura
comentada do Apelo aos conservadores!
5. Exortações
5.1. Sejamos altruístas!
5.2. Façamos orações!
5.3. Como Igreja Positivista Virtual,
ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse
5.4. Para apoiar as atividades dos
nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
6. Sermão: as “éticas da
responsabilidade e da convicção” à luz do Positivismo
6.1. Na prédica do dia 21 de Gutenberg de 171 (2.9.2025), em que abordamos a frase “Fazer o
bem, não importa a quem”, fizemos referência, de passagem, a uma oposição
proposta pela metafísica idealista alemã entre as éticas “da convicção” e “da
responsabilidade”
6.1.1. Como essa oposição é famosa para quem
estuda as ciências sociais, como ela tornou-se famosa em décadas anteriores (durante
os governos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República – 1995-2002)
e como ela tem um interesse por si só, decidimos abordá-la em uma prédica
6.1.2. Por outro lado, como na prédica
da semana passada (14.Shakespeare.171/23.9.2025) o sinal da internet apresentou problemas, fomos
obrigados a interromper o sermão e a antecipar o término da prédica,
transferindo para hoje a retomada e a conclusão do sermão
6.2. Alguns comentários iniciais,
justificativos:
6.2.1. Em nossos sermões, quando
abordamos algum tema, seguindo as melhores inspirações e orientações da
Religião da Humanidade, procuramos ser generosos, ter boa vontade e, mesmo que
façamos acerbas críticas, ainda assim procuramos determinar e/ou evidenciar
eventuais aspectos positivos do tema de que tratamos
6.2.1.1.
No
caso da obra de Max Weber, isso é bem menos possível, na medida em que ela
apresenta uma quantidade enorme de graves erros e defeitos morais, intelectuais
e práticos
6.2.1.2.
Mas,
mais do que isso, é necessário indicarmos que a obra de Weber foi elaborada em grande parte contra o Positivismo – e os seus epígonos sempre fizeram questão de
também apresentar e usar a obra de Weber contra o Positivismo (mesmo que para
isso lancem mão de mistificações, erros, sofismas, mentiras etc.)
6.2.1.3.
Finalmente,
os epígonos de Weber, ao apresentarem sua obra, na maior parte das vezes
omitem, diminuem ou disfarçam os seus graves e profundos erros (e,
inversamente, caricaturam o Positivismo, aumentam os pontos de divergência e
realçam os supostos problemas)
6.2.1.4.
Ao
criticarem o Positivismo, os weberianos – mas não somente eles: como sabemos,
também os marxistas, os pós-modernos, os liberais, as feministas etc. –
desenvolvem longamente seus raciocínios (com freqüência muito além do
necessário), criticam o Positivismo e nunca, jamais, abrem espaço para réplicas
e/ou para qualquer coisa parecida com verdadeiros “debates”: há apenas a
possibilidade de crítica unilateral contra o Positivismo, que é erigido em
inimigo preferencial sem direito a defesa (que dirá ampla defesa) e muito menos ao contraditório
6.2.1.5.
Nesses
termos, esta exposição será, necessariamente, bastante dura e crítica
6.2.1.6.
Mais
do que isso: este sermão consiste em uma resposta positivista às críticas de Weber ao
Positivismo – resposta que nunca foi e nunca é permitida,
aventada nem levada em consideração
6.2.2. Esta prédica concentrar-se-á
principalmente em abordar a metafísica idealista alemã e os traços gerais do
pensamento de Max Weber; a partir disso, em virtude de sua simplicidade, as
éticas da convicção e da responsabilidade serão tratadas de maneira mais breve
6.2.2.1.
Ainda
assim, como veremos, mesmo a simplicidade das éticas da convicção e da
responsabilidade permite evidenciar os graves defeitos e limitações das
concepções filosóficas, sociológicas políticas e morais de Weber – limitações
que nunca se apresentam porque nunca se o deseja
6.3. A oposição complementar entre a
“ética da convicção” e a “ética da responsabilidade” foi proposta pelo
economista alemão Max Weber (1864-1920), em janeiro de 1919
6.3.1. Weber era um dos mais importantes
representantes do idealismo metafísico alemão
6.3.2. A oposição entre as duas éticas
foi exposta em uma conferência realizada por Weber no curso dos debates após a
I Guerra Mundial (1914-1918), intitulada “Política como vocação”
6.3.3. Vale notar que a noção de
oposição complementar, para o Positivismo, não apresenta maiores problemas, na
medida em que muitos conceitos positivistas são, precisamente, oposições
complementares (como no caso do “Ordem e Progresso”)
6.4. Como dissemos, Weber foi um dos
mais importantes e destacados representantes da metafísica idealista alemã, em
particular a neokantiana
6.4.1. Para o que nos interessa, devemos
notar que o idealismo metafísico alemão separa o conhecimento em duas grandes áreas
rigidamente separadas, a das “ciências da natureza” (objetivistas) e a das
“ciências do Espírito” (subjetivistas)
6.4.2. O “Espírito” aí é a alma
teológica, devidamente degradada pela metafísica
6.4.2.1.
Esse
“Espírito”, portanto, não é a inteligência ou o conjunto das atividades
cerebrais (como na expressão “espírito positivo”, empregada por Augusto Comte)
6.4.3. Esses metafísicos afirmam que há
um rompimento abissal entre as duas áreas e que as “ciências da natureza” são
por definição incapazes de “interpretar”, de entender subjetivamente a
realidade; inversamente, para esses metafísicos, não cabem às “ciências do
Espírito” as explicações científicas
6.4.3.1.
Vale
notar que os metafísicos incluem entre as “ciências do Espírito” a
Jurisprudência e a Teologia! Em outras palavras, a noção de “ciências do
Espírito” tem um claro e intenso viés
anticientífico e antipositivo
6.4.3.2.
Devido
ao seu caráter antipositivo e anticientífico, os cultores das “ciências do
Espírito” elaboraram a sua própria definição de “ciência” – que, como vimos, de
“ciência” só tem o nome, com o objetivo de justificar-se, legitimar-se e tentar
aproveitar-se da celebridade da ciência
6.4.4. Para os metafísicos idealistas, a
função das “ciências do Espírito” é apenas fazer infindáveis comparações e
indicar as idéias e os valores do que os seres humanos pensam e sentem, sem
qualquer procedimento científico efetivo e sem qualquer verdadeira utilidade
para esses estudos
6.4.4.1.
O
procedimento adotado pelas “ciências do Espírito” é mostrar, de maneira
dedutiva e indutiva, como idéias e valores vinculam-se uns aos outros; ou seja,
é algo fácil de ser feito em termos
empíricos e intelectuais
6.4.4.2.
Como
os metafísicos idealistas alemães rejeitam as ciências da natureza e baseiam-se
no “Espírito”, eles também rejeitam os fundamentos neurocientíficos da natureza
humana; portanto, suas comparações e suas induções não são verdadeiramente
justificadas, exceto a partir de pretensas similaridades entre os “Espíritos”,
totalmente arbitrárias e impassíveis de comprovação, que resultam em vagas
afirmações da “empatia” e no que Weber chamava de “conexões de sentido”
6.4.4.3.
Dois
traços antipositivos e anticientíficos adicionais, que evidenciam o caráter
metafísico desses idealistas alemães: eles são duplamente individualistas:
6.4.4.3.1.
Por
um lado, sua ênfase é nos indivíduos,
ou seja, nas pessoas individualmente consideradas (às vezes levando em
consideração suas relações mútuas – essa era a ênfase de Weber);
6.4.4.3.2.
Por
outro lado, o que lhes interessa são as particularidades
históricas, ou seja, eles são avessos às generalizações, resultando no que
chamam de “pesquisas idiográficas” (“descritivas do que é específico”); para
eles, as generalizações são erradas e/ou inúteis
6.4.4.4.
Mais
um traço específico das pesquisas de Weber e no qual se torna bastante evidente
sua inferioridade em relação ao Positivismo: sua teoria dos tipos:
6.4.4.4.1.
Por
um lado, Weber seguia a metafísica neokantiana, que separa de maneira dura os
fatos e os valores, ou seja, as idéias e os sentimentos e a moralidade; por
outro lado, Weber propunha que a pesquisa histórica deve ser sempre baseada em
idealizações; essas idealizações não devem seguir parâmetros de verdade ou
falsidade, mas de utilidade; essas idealizações consistem em selecionar traços
da realidade que desejamos enfatizar, a fim de contrastar as diferentes figuras
históricas
6.4.4.4.2.
A
idealização da realidade com fins analíticos é um procedimento essencial; mas:
6.4.4.4.2.1.
Embora
o próprio Weber e seus epígonos dêem grande ênfase na suposta novidade da
elaboração que Weber dá a isso, o fato é que Augusto Comte já tinha tratado
disso no v. II da Filosofia positiva
(1834 – ou seja, 30 anos antes do nascimento
de Weber!), no v. I da Política positiva
(de 1851 – 13 anos antes do nascimento de Weber), no Catecismo Positivista (de 1852 – 12 anos antes do nascimento de
Weber) e na Síntese subjetiva (de
1856 – oito anos antes do nascimento de Weber);
6.4.4.4.2.2.
Não
faz sentido afirmar que os tipos não devem ser elaborados considerando sua
realidade, mas apenas sua utilidade: a utilidade baseia-se e até se avalia pela
sua realidade – que, portanto, é um critério fundamental para a idealização
6.4.4.4.2.3.
A
separação fato-valor, além de ser um grave problema (ou melhor, um grave erro) por si só, é inviável em termos de
idealização: a idealização científica segue basicamente os mesmos procedimentos
da idealização estética e, portanto, ambas inspiram-se nos sentimentos (e nos
valores); além disso, como indicado na lei-mãe da Filosofia Primeira, toda concepção
científica tem sempre margem para diferentes elaborações, o que necessariamente
abre espaço para a subjetividade (a teoria positivista da arte foi exposta por
Augusto Comte na Política positiva e
na Síntese subjetiva; uma exposição
didática excelente é a de Luís Lagarrigue, A poesia positivista, de 1890)
6.4.5. A metafísica idealista alemã
deseja que a rígida, abissal e intransponível separação entre as “ciências da
natureza” e as “ciências do Espírito” corresponde à verdadeira valorização do
ser humano (com as duas implicações de (1) que a ciência é anti-humana e
desumanizante e (2) que só a metafísica seria humanizante)
6.4.5.1.
Essa
postulação adulatória é um dos motivos profundos que justificam o relativo
sucesso acadêmico dessa metafísica
6.4.6. Não é por acaso que esses autores
odeiam o Positivismo: eles são profundamente metafísicos, isso quando não são
assumidamente teológicos
6.4.6.1.
Na
verdade, as “ciências do Espírito” foram elaboradas em parte como reação e como
negação do Positivismo – embora os metafísicos idealistas alemães (como Weber,
Dilthey e outros) não conhecessem de fato o Positivismo e preferissem alimentar
preconceitos a ler Augusto Comte[1]
6.4.6.2.
É
importante notar que aos preconceitos intelectuais e morais os metafísicos
alemães acrescentavam preconceitos
nacionais: ou seja, como o Positivismo era francês, ele deveria ser
desprezado e rejeitado; já as “ciências do Espírito” seriam alemãs e, por isso,
no mais puro espírito chovinista, seriam boas, corretas e verdadeiras[2]
6.4.6.3.
A
respeito desse chovinismo, é notável que ele seja cuidadosamente silenciado,
mas que, em contraposição, o mito de Augusto Comte louco seja uma das
observações mais comuns nas atuais crônicas das ciências sociais[3]
6.4.7. A defesa teológico-metafísica das
supostas “ciências do Espírito”, a conseqüente rejeição do Positivismo e o
chovinismo alemão antifrancês também conduziam Weber a rejeitar a Sociologia,
as generalizações histórico-sociológicas e as concepções sistemáticas da
natureza humana
6.5. Algumas indicações específicas
sobre Weber:
6.5.1. Por formação e atuação
profissional, ele era advogado, historiador e economista; na verdade, durante a
maior parte de sua vida ele rejeitou a Sociologia e o qualificativo de
“sociólogo”
6.5.1.1.
A
rejeição da Sociologia devia-se a vários motivos:
6.5.1.1.1.
A
adesão à metafísica do “Espírito” e a rejeição da positividade
6.5.1.1.2.
O
chovinismo antifrancês
6.5.1.1.3.
O
individualismo e a rejeição de considerações verdadeiramente sociais (para ele,
a sociedade é apenas a soma de indivíduos, não uma realidade sui generis)
6.5.1.2.
Devido
à sua formação e também por pendor pessoal, Weber tinha uma grande erudição
histórica e filosófica (embora fosse apenas
histórica e filosófica)
6.5.1.3.
Ao
ler seus livros e artigos, realmente aprendemos coisas, com os dados e as
comparações apresentados
6.5.1.3.1.
Entretanto,
é necessário termos clareza: aprendemos em termos de erudição histórica, não em
termos sociológicos: a obra weberiana, apesar do mito difundido, não é
efetivamente sociológica
6.5.2. A obra weberiana limita-se a
comparações sistemáticas; esse comparativismo não é apenas uma decorrência
metodológica da filosofia metafísica que o orienta; esse comparativismo é
também uma exigência pessoal do próprio Weber
6.5.2.1.
A
partir de uma rígida separação entre fato e valor proposta por E. Kant, Weber
considerava que a ciência deve ser neutra em termos de valores e que, portanto,
não se deve tirar conseqüências morais da ciência, nem se deve buscar utilidade
na prática científica a partir da própria ciência
6.5.2.2.
Em
outras palavras, para Weber a ciência deve consistir apenas em apresentar e
concatenar fatos
6.5.2.2.1.
Uma
ciência “sem valores” é impossível, inútil, irracional e imoral
6.5.2.2.2.
A
proposta weberiana de ciência “sem valores” é totalmente adequada à metafísica
(que rejeita a positividade) e também é adequada à teologia (que se vê ameaçada
pela ciência e quer manter o monopólio das considerações morais)
6.5.2.3.
Vale
notar que essa neutralidade da ciência era defendida por Weber contra o Positivismo, embora, devido à ação
subseqüente do Círculo de Viena, ela seja imputada a Augusto Comte!
6.5.3. Além de adepto da metafísico do
“Espírito”, Weber também era pessimista, imperialista, com agressivos
preconceitos nacionais (antifranceses e antipoloneses, em particular) e
considerava que a crise de valores própria à transição do absolutismo ao
relativismo é uma característica humana permanente e insolúvel
6.5.4. Embora reconhecesse que os seres
humanos podem dedicar-se a variadas atividades, para Weber a atividade mais
importante é a política
6.5.4.1.
Weber
reconhecia que a política destina-se a muitos fins; entretanto, em última
análise ela é principalmente e sempre política
de poder, ou seja, dominação e
submissão
6.5.4.2.
Seguindo
seu temperamento pessoal e as múltiplas influências sofridas (niilismo nietzscheano,
pessimismo luterano, darwinismo social, marxismo, amoralismo maquiaveliano, preconceitos
nacionais e de classe), para Weber o objetivo político supremo é a dominação
política, militar, econômica e cultural exercida por um povo sobre os demais – bem
entendido: da dominação alemã sobre os outros países
6.5.5. Sendo maníaco-depressivo, Weber
jamais conseguiu lidar com a oposição entre o pragmatismo autoritário de seu
pai, a admiração pelo pragmatismo agressivamente autoritário e imperialista de
Bismarck e o respeito pela profunda fé teológica de sua mãe, em uma civilização
em que as crenças absolutas e as práticas militaristas são substituídas pelas
crenças relativas e demonstráveis e pela atividade pacífica
6.5.5.1.
O
máximo com que ele conseguiu lidar com tudo isso foi afirmar que o mundo
moderno caracteriza-se por muitas crenças e culturas conflitantes
6.5.5.2.
Como
vimos há pouco, a partir de uma combinação caracteristicamente militarista e
violenta de darwinismo social, marxismo, niilismo nietzschiano, amoralismo
maquiaveliano e chovinismo alemão de classe média, para Weber a mais forte dessas
crenças e culturas vencerá
6.5.6. Em suma, o pensamento weberiano
era pessimista, absolutista e imperialista
6.6. Passando agora para o tema deste
sermão: as duas éticas – da convicção e da responsabilidade – foram
apresentadas por Weber como uma forma de organizar as possíveis posturas pessoais
em face da atividade política
6.6.1. As éticas da convicção e da
responsabilidade foram propostas em uma conferência pronunciada em 1919, no
curso dos debates sobre o fim da I Guerra Mundial (que, cabe notar, foi causada
em última análise pela imaturidade e pela prepotência alemã[4]
e a cujo respeito, não por acaso, Weber insistia em que não se devia insistir na
determinação das culpas e das responsabilidades pelo conflito)
6.6.1.1.
A
conferência intitula-se “Políticacomo vocação”
6.6.1.2.
A
política, para Weber, é o âmbito da vida humana em que se disputa o poder, ou seja,
a dominação de uns sobre os outros; em outras palavras, para Weber a política é
política de poder (Machtpolitik)
6.6.1.3.
Esse
conceito de política afasta-se, portanto, da concepção aristotélica de política
(entendida pelo grego como a arte de bem organizar a coletividade)
6.6.2. As concepções básicas de cada uma
dessas éticas são bastantes simples:
6.6.2.1.
A
ética da convicção corresponde às ações realizadas considerando a coerência
filosófica e moral, independentemente das conseqüências práticas das ações
6.6.2.2.
A
ética da responsabilidade corresponde às ações realizadas considerando os
resultados práticos das ações
6.6.3. Para Weber, essas duas éticas são
tipos ideais, no sentido de que não existem dessa forma na realidade: nenhuma
ação é puramente de convicção (sem prestar atenção às conseqüências), nenhuma
ação é puramente da responsabilidade (sem convicções)
6.6.4. Weber dizia que suas categorias
eram “tipos ideais”, ou seja, que não correspondiam à realidade; entretanto, os
traços que apresenta e os exemplos com que ilustrava suas idéias, no caso
dessas duas éticas, têm conseqüências muito claras
6.6.4.1.
Embora
essas duas éticas correspondam a formas diferentes de lidar com as ações
políticas, os parâmetros morais e intelectuais que ele considerava eram da
moralidade absoluta (teológica) para a ética da convicção e um pragmatismo
político para a ética da responsabilidade
6.6.4.2.
Os
exemplos que ele dava da ética da convicção eram o pregador teológico que
despreza o mundo e o sindicalista que rejeita a negociação com os patrões; o
exemplo da ética da responsabilidade era o do político maquiavélico, que
preferia arder no inferno a prejudicar a sua pátria
6.6.5. Para Weber, a proposição das duas
éticas servia como parâmetro para afirmar que a política tem que, ao mesmo
tempo, ser levada a cabo considerando valores fundamentais e preocupada com as
conseqüências práticas; dessa forma, os extremos seriam igualmente daninhos
6.7. À primeira vista, a proposta de
duas éticas faz sentido e é interessante; de fato, não se pode viver em
sociedade desconsiderando-se as conseqüências coletivas das ações nem se pode
agir sem convicções íntimas; nesse sentido, é uma proposição sensata
6.7.1. Toda a moralidade da oposição
proposta por Weber reduz-se a isto: nossas
ações devem ser motivadas pela preocupação com o bem comum e pautadas pelo
relativismo
6.7.2. Como toda a sabedoria da oposição
entre as duas éticas esgota-se na afirmação acima, não se tem nenhuma outra
conseqüência dela e, portanto, sua utilidade efetiva, embora real, no fundo é
restrita
6.7.3. Deixando de lado a sedução
metafísica, a par de sua limitação moral, intelectual e prática, é chocante que
sucessivas gerações de intelectuais considerem essa oposição uma “profunda reflexão”
intelectual e moral
6.7.3.1.
Vale
notar que tal sabedoria é afirmada em contraposição, entre outras coisas, a uma
suposta ingenuidade idealista do Positivismo
6.7.4. Os defeitos da oposição entre as
duas éticas são muitos:
6.7.4.1.
Não
estabelece os limites da atuação de cada uma das duas éticas
6.7.4.2.
Não
estabelece os parâmetros efetivos da ação responsável
6.7.4.3.
Não
estabelece os parâmetros efetivos da ação convicta
6.7.4.4.
Não
estabelece os parâmetros da política adequada à época em que vivemos
6.7.4.5.
Não
oferece parâmetros para o estudo sociológico e comparativo das sociedades
6.7.5. A par de todas essas limitações, vê-se
por exemplo e com facilidade por que é que Fernando Henrique Cardoso, durante
seus mandatos presidenciais (1995-2002), pôde empregar a oposição weberiana
entre as duas éticas: essa oposição não apresenta nenhuma exigência moral
específica, nenhuma exigência institucional específica e permite ainda que se
critique à vontade como irrealista qualquer exigência política e moral mais
rigorosa
6.7.5.1.
Inversamente,
da mesma forma, vê-se como as duas éticas weberianas são também compatíveis com
qualquer prática política idealista, seja ela defensora das liberdades, seja
ela autoritária
6.8. Ora, todas essas graves
limitações da proposta weberiana – que são limitações morais, intelectuais e
práticas – foram solucionadas muito tempo antes por Augusto Comte, no
Positivismo e na Religião da Humanidade
6.8.1. Só por aí já se vê o quanto
Weber, sua sociologia, sua filosofia e sua moral eram inferiores ao Positivismo
6.8.2. A
oposição entre as éticas da responsabilidade e da convicção corresponde a uma
forma superficial e ultrapolitizante da separação entre o poder temporal e o
poder espiritual
6.8.3. O relacionamento proposto por
Weber entre as duas éticas foi apresentado por Augusto Comte, de maneira muito
superior, pelas fórmulas “agir por
afeição e pensar para agir” e “conhecer
para prever a fim de prover”
6.8.4. Por outro lado, o relacionamento
proposto por Weber é completamente inútil no que se refere aos valores a serem mobilizados, o que já
não acontece com as fórmulas positivistas “viver
para outrem”, “viver às claras”, “ordem e progresso” e “só se destrói o que se substitui” (além
de todas as demais fórmulas positivistas)
6.9. Ao contrário de Weber, Augusto
Comte estabeleceu o seguinte ao afirmar e reafirmar a separação entre os dois
poderes:
6.9.1. Parâmetros
para o estudo histórico-sociológico sistemático das sociedades, ao considerar as relações entre
o sacerdócio, o poder político e as condições sociais, políticas, filosóficas e
morais envolvidas nessas relações;
6.9.2. Condições
sistemáticas para as liberdades políticas e sociais contemporâneas, ao indicar que se deve manter a
mais escrupulosa liberdade espiritual e a ordem social;
6.9.3. Os
fundamentos morais, intelectuais e práticos da vida social e política
contemporânea,
baseados nas liberdades civis e políticas, sem censura e sem anonimato,
considerando a dignidade individual e a incapacidade do Estado para regular
valores e idéias, além da distinção entre o poder que impõe comportamentos e o
poder que aconselha condutas, idéias e valores;
6.9.4. As
exigências próprias à atuação do sacerdócio (isto é, dos “intelectuais”) nas
sociedades contemporâneas,
no sentido da sua dignidade e do seu papel como conselheiro livremente aceito
pela sociedade;
6.9.5. As
atribuições específicas do sacerdócio, incluindo o seu papel de fiscalizador do
poder político nas sociedades contemporâneas;
6.10.
A
reflexão sobre as atribuições, as exigências, a estrutura institucional, a
evolução histórica do sacerdócio e da separação entre os dois poderes – tudo
isso corresponde ao conjunto da “política positiva”, presente no Sistema de política positiva escrito por
Augusto Comte entre 1851 e 1854
6.10.1. Isso é muito mais profundo, mais
exigente e mesmo mais erudito que a oposição simplista e superficial proposta
pela metafísica idealista alemã entre as éticas da convicção e da
responsabilidade
6.11.
Em suma e repetindo o que
afirmamos há pouco:
6.11.1.
A oposição entre as éticas da
convicção e da responsabilidade ilumina efetivamente, mas apenas um pouco, dois
aspectos reais da existência humana e sugere um relacionamento mínimo entre
esses dois aspectos, no sentido de que nossas ações devem ser motivadas pela
preocupação com o bem comum e pautadas pelo relativismo
6.11.1.1. A
separação weberiana entre éticas da convicção e da responsabilidade tem,
portanto, alguma realidade e alguma utilidade
6.11.2.
A proposta weberiana é limitada,
superficial e insuficiente; o dualismo proposto por ele é apresentado de
maneira muito superior pelas fórmulas “agir por afeição e pensar para agir” e
“conhecer para prever a fim de prover”
6.11.2.1. Por
outro lado, o relacionamento proposto por Weber é completamente inútil no que
se refere aos valores a serem mobilizados, o que já não acontece com as
fórmulas positivistas “viver para outrem”, “viver às claras”, “ordem e
progresso” e “só se destrói o que se substitui”
6.11.3.
Em termos analíticos (histórico-sociológicos)
e sintéticos (morais e políticos), as reflexões de Augusto Comte sobre a separação
e o relacionamento entre os dois poderes são muito superiores e muito mais
amplas que a oposição entre as éticas da convicção e da responsabilidade
6.11.3.1. Aliás,
de resto, o Positivismo é muito superior, mais amplo e mais profundo que as
concepções de Weber – o que, entretanto, exige que se abandonem os preconceitos
anticientíficos e antipositivistas e que se leia (e com honestidade) as obras
de Augusto Comte
6.11.3.2. Ao
afirmar e reafirmar a separação entre os dois poderes, Augusto Comte
estabeleceu (1) parâmetros para o estudo histórico-sociológico sistemático das
sociedades; (2) condições sistemáticas para as liberdades políticas e sociais
contemporâneas; (3) os fundamentos morais, intelectuais e práticos da vida
social e política contemporânea; (4) as exigências próprias à atuação do
sacerdócio (isto é, dos “intelectuais”) nas sociedades contemporâneas; (5) as
atribuições específicas do sacerdócio e seu papel de fiscalizador do poder
político nas sociedades contemporâneas
7. Invocação final
Referências
- Alain Corbin e Hervé Mazurel
(port.), História das sensibilidades
(São Paulo, Unesp, 2024).
- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva (Paris,
Société Positiviste, 5e ed., 1893)
- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, L.
Mathias, 1851-1854)
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- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro,
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21.Gutenberg.171/2.9.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/09/a-frase-fazer-o-bem-nao-importa-quem.html.
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- Raimundo Teixeira Mendes
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- Raymond Aron (port.), “Max
Weber e a política de poder”, in: As etapas do pensamento sociológico
(Lisboa, Dom Quixote, 1990).
- Raymond Aron (port.), “Max
Weber”, in: As etapas do pensamento sociológico (Lisboa, Dom Quixote, 1990): https://archive.org/details/aron-raymond.-as-etapas-do-pensamento-sociologico.
- Wolf Feuerhahn, “La sociologie avec ou sansguillemets – L’ombre portée de Comte sur les sciences sociales germanophones (1875-1908)” (Les Cahiers
philosophiques de Strasbourg, n. 35, p. 157-196, 2014): https://journals.openedition.org/cps/1217.
[1] Cf. Juliette
Grange, “Expliquer et comprendre de Comte à Dilthey” (in: Nathalie Zaccaï-Reyners (ed.), Explication-compréhension. Regards sur les sources et l’actualité
d’une controverse épistémologique. Bruxelles, Université de Bruxelles, 2003).
[2] Cf. Wolf Feuerhahn, “La sociologie avec ou
sans guillemets – L’ombre portée de Comte sur les sciences sociales
germanophones (1875-1908)” (Les Cahiers
philosophiques de Strasbourg, n. 35, p. 157-196, 2014). Um dos poucos textos em que
há alguma referência ao agressivo chovinismo é o capítulo “Max Weber e a
política de poder”, que Aron incluiu nas Etapas
do pensamento sociológico.
[3] Cf. Gustavo
Biscaia de Lacerda, “Augusto Comte e o ‘Positivismo’ redescobertos”, Revista de Sociologia e Política,
Curitiba, v. 17, n. 34, 2009.
[4] Cf. o v. 1 da imponente obra de David Stevenson, 1914-1918: a história da Primeira Guerra Mundial (São Paulo, Novo Século, 2018).