18 novembro 2022

Crítica à República e desistência de uma utopia libertária, inclusiva e progressista

A República foi proclamada em 1899, tendo amplo apoio popular e de intelectuais. Nos anos seguintes à proclamação, muitos desses intelectuais republicanos passaram a desiludir-se com o novo regime político, pois esperavam mudanças sociais, políticas, econômicas imediatas. As mudanças sociais, como sabemos, são lentas por si sós; a implantação da República teve suas próprias dificuldades e, por fim, de fato muitas mudanças necessárias e desejadas acabaram não sendo implantadas.

A partir de então, esses intelectuais desiludidos passaram a criticar os limites, as falhas e as promessas não cumpridas da República.

O problema é que nessas críticas esses intelectuais - antigos entusiastas do republicanismo - passaram a abandonar moral, intelectual e politicamente a República. Ou seja, em vez de persistirem no projeto, em vez de cobrarem a realização das promessas e das necessidades sociais, eles passaram a deixá-lo de lado. Nessa toada associaram-se aos críticos novos intelectuais, que, por sua vez, tinham cada vez menos compromisso com o republicanismo e, em particular, com a defesa das liberdades.

Assim, esse abandono do projeto republicano, da parte dos intelectuais antigos entusiastas da República (e mesmo da parte de alguns novos intelectuais), teve pelo três ou quatro resultados, não necessariamente mutuamente excludentes:

(1) abriram espaço para a irresponsabilidade social, política e econômica das elites brasileiras;

(2) abriram espaço para a posterior rejeição da República, que acabou realizando-se na forma da Revolução de 1930, e, em particular, para os autoritarismos "puros" e/ou os autoritarismos que tendiam para os totalitarismos, próprios ao Brasil entre 1935 e 1945;

(3) permitiram que a memória da monarquia - tão corretamente criticada nas décadas de 1870 e 1880 (escravidão, castas, degradação do trabalho, filhotismo, igreja oficial, centralização autoritária, imperialismo internacional etc.) - fosse reabilitada, como se os inúmeros e profundos defeitos morais, intelectuais, sociais e políticos da monarquia nunca tivessem ocorrido e como se república não tivesse sido de fato um progresso necessário, com ou sem promessas não cumpridas;

(4) a transmutação, explícita ou implícita, de alguns desses intelectuais republicanos em defensores da monarquia;

(5) uma combinação variada desses aspectos todos.

Ora, bem vistas as coisas, a desistência do projeto republicano da parte desses intelectuais foi um enorme erro. Até então e desde o século XVIII, na história do Brasil o republicanismo era um ideal em si mesmo, uma concepção densa a concentrar, estimular e orientar os esforços morais, intelectuais, políticos, sociais - em outras palavras, o republicanismo era própria e verdadeiramente uma utopia.

Desde então, o Brasil ficou órfão dessa utopia. A muito custo, o republicanismo foi substituído pela "democracia"; mas, como se sabe, tal substituição foi demorada; mas, como não se sabe, a democracia é um substituto muito, muito imperfeito e inadequado para o republicanismo, na medida em que ela (a democracia) é o governo do povo, o que pode ser entendido como "massas", quer sejam as massas que nunca erram ("a voz do povo é a voz de deus", como poderia ser subscrito por Rousseau), quer sejam as massas de indivíduos justapostos (como pode ser subscrito pelos liberais). Quando se estuda a "democracia" de um ponto de vista da teoria política, levando em consideração o republicanismo, torna-se bastante evidente que ela, a democracia, só se torna um regime de liberdades com conteúdo social quando na verdade ela é apenas um nome que corporifica de fato e no fundo a República.

Desde os anos 1930, essa desistência do republicanismo da parte dos intelectuais antigos republicanos é estudada na academia como "crítica à república" e/ou como "crítica ao liberalismo", não como desistência do republicanismo. Em outras palavras, o enfoque básico nesses estudos é o da crítica social e, curiosamente, de um forte mas implícito "evolucionismo", em que nada do que veio antes dos "estudiosos contemporâneos" presta (e, em particular, nada do que veio antes da "democracia", presta); com isso, a história política, social e intelectual está sempre, perpetuamente, recomeçando. Aliás, como já indicamos, além desse curioso evolucionismo anti-histórico, tabula rasa, uma outra consequência dessa perspectiva é a revalorização da monarquia - em que se passa água sanitária sobre todos os sérios, inúmeros e profundos problemas da monarquia e em que esta passa a ser vista como um modelo de virtudes intelectuais, morais, sociais, políticas e econômicas.

Um representante perfeito dessa mentalidade tabula rasa é o famoso (mas, como é fácil de perceber, exageradamente celebrado) sociólogo Florestan Fernandes; antes dele, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda fez a mesma coisa (Sérgio Buarque tem o grave defeito adicional de repetir o preconceito anti-ibérico, ou antiportuguês, que considera que só os anglossaxões prestam e que os ibéricos são burros, preguiçosos, autoritários etc.).

Uma outra maneira de entender a perspectiva academicista básica para estudo dos intelectuais antigos republicanos é a seguinte: desiste-se do republicanismo e desiste-se da utopia republicana; mas, mais importante que isso, também se desiste de entender a desilusão dos intelectuais antigos republicanos como uma etapa de aprendizado intelectual, moral e político, em termos coletivos e históricos da realidade brasileira. Ou seja, desiste-se de entender que a desilusão desses intelectuais era correta e compreensível em um certo sentido; mas que eles erraram profundamente em passar da desilusão para a desistência do projeto republicano e, daí, que eles erraram em deixar o Brasil órfão da utopia republicana e de seu denso conteúdo social e libertário. (De passagem: na França e em Portugal não se cometeu esse erro; não por acaso, o republicanismo nesses países tem um conteúdo denso, ou seja, é uma utopia atual, verdadeira, pulsante.)

Em suma: lamentavelmente, apesar de si mesmos, os intelectuais antigos republicanos erraram - e nós insistimos em não aprender com esse erro.

Uma última observação. Muitos intelectuais antigos republicanos desiludiram-se com a república e acabaram desistindo do projeto republicano; essa perspectiva - a desilução-com-desistência - é a perspectiva-padrão das análises academicistas atuais: é o que argumentei até agora. Se a atuação dos intelectuais desiludidos-desistentes oferece a perspectiva atualmente celebrada e vista como correta, o resultado é que aqueles intelectuais que persistiram no republicanismo, que persistiram valorizando a República e sua utopia, passam a ser vistos como intelectuais alienados, tolos, idealistas, desconectados da realidade - ou, ainda pior, como defensores implícitos ou explícitos da exclusão social, do elitismo, das oligarquias etc. Ora, como os positivistas foram alguns, se não verdadeiramente os únicos, intelectuais organizados e públicos a defender a República e o republicanismo, naturalmente recaem sobre eles todos esses adjetivos negativos que acabamos de enumerar. Aí se evidencia um dos motivos do ridículo com que os academicistas gostam de apresentar os positivistas: não tem nada a ver com as propostas e os comportamentos efetivos dos positivistas, mas com preconceito, com recusa de aprender com a história e com a recusa em persistir em projetos sociais, libertários, inclusivos e progressistas.

16 novembro 2022

Augusto Comte: Cartas sobre a doença

No final de 2021 a Revista de Teoria da História, vinculada à Universidade Federal de Goiás, publicou uma tradução de cartas enviadas em 1857 por Augusto Comte a seu discípulo, o médico marselhês Georges Audiffrent. 

O artigo intitula-se "Cartas sobre a doença" (Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 128-142) e pode ser lido aqui.

A tradução das cartas é precedida por uma introdução do tradutor, sr. Tiago Santos Almeida. É uma introdução ruim, em que o tradutor baseia-se em literatura de segunda mão (ou até de terceira mão!) para reiterar alguns dos mais tolos erros factuais e teóricos sobre Augusto Comte e o Positivismo. Na verdade, ao redigir essa "introdução", que deveria ter um caráter explicativo, o tradutor limitou-se a repetir e tornar seus vários preconceitos contra o Positivismo - sendo totalmente incapaz de tratar das várias questões filosóficas, políticas, morais e científicas tratadas nas cartas traduzidas.

No final das contas, embora o tradutor tenha-se empenhado em deixar claro que tem profundo apreço por preconceitos políticos e filosóficos e que considera a repetição de tolices uma prática intelectual aceitável (prática academicista, diga-se de passagem), é perfeitamente possível desconsiderar essa "introdução" e concentrar-nos no que realmente importa e interessa: as cartas que Augusto Comte enviou ao dr. Audiffrent, entre 1854 e 1857.

Luiz Hildebrando de Horta Barbosa: Introdução à filosofia das ciências

A Revista do Serviço Público, publicada desde 1939 pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (o DASP) e atualmente a cargo da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP, subordinada ao Ministério da Economia), trouxe a lume em 1950 um artigo da autoria do positivista ortodoxo brasileiro Luiz Hildebrando de Horta Barbosa. 

Luiz Hildebrando integrava a família Horta Barbosa, que teve inúmeros de seus membros integrantes da Igreja Positivista do Brasil. Engenheiro de formação, serviu na Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi o responsável técnico pela criação da Ilha do Fundão e pela construção dos prédios originais que lá foram instalados. Além disso - muito além disso -, ele desenvolveu uma intensíssima atividade sacerdotal, no sentido positivista da expressão, ministrando dezenas de cursos populares de ciências, de filosofia, de história etc.

Por ocasião de seu falecimento, em 1973, alguns positivistas elaboraram o seu elogio fúnebre, que pode ser lido aqui. É desse elogio fúnebre que tiramos a foto reproduzida abaixo.

Voltando ao artigo publicado na Revista do Serviço Público: ele intitula-se "Introdução à filosofia das ciências" (Revista do Serviço Público, Rio de Janeiro, ano XIII, v. 1, n. 2, p. 13-18). Recuperado esse artigo, digitalizado e posto à disposição ao longo de 2022, o texto pode ser lido aqui.




Importância da visão de conjunto

No dia 11 de Frederico de 168 (15.11.2022) fizemos uma prédica positiva; na parte da leitura comentada do Catecismo positivista, concluímos a teoria geral do culto, tratando da influência intelectual do culto positivo. Já na parte de sermão, tratamos da importância da visão de conjunto para o ser humano, bem como da rejeição contemporânea da visão de conjunto pelo pós-modernismo e pela política identitária.

As anotações que serviram de base para a (longa) exposição sobre a importância da visão de conjunto estão disponíveis abaixo. A exposição oral está disponível aqui (no canal Positivismo do Youtube) e aqui (no canal Apostolado Positivista do Facebook), a partir de 53' 30".

*   *   *

Importância da visão de conjunto

 

-        A visão de conjunto permite que se entenda a realidade

o   A visão de conjunto tem conseqüências morais, intelectuais e sociais:

§  A visão de conjunto oferece sentido ao mundo e à vida

§  É somente por meio da visão de conjunto que se pode explicar a sociedade e os indivíduos, ao inseri-los em “contextos”

·         Ao entendermos a totalidade, sabemos onde fica cada coisa e, portanto, sabemos onde cada um de nós fica, está e como se relaciona com os demais

§  A verdadeira moralidade só é possível com base na visão de conjunto:

·         Somente a partir da visão de conjunto é possível definir o que é bom e o que é ruim, o que é justo e o que é injusto

o   Inversamente, a ausência de visão de conjunto, ou a negação da visão de conjunto, resulta em que a realidade torna-se incoerente e irracional e qualquer discussão sobre o que é certo e o que é justo torna-se impossível (quando não irrelevante)

§  A irracionalidade e a incoerência resultantes da ausência de síntese tem resultados muito claros: a perda do sentido da vida, a confusão mental, a perda de referências morais (em termos individuais e coletivos)

§  As consequências acima resultam, por sua vez, em aumento dos conflitos sociais e da violência social e política, em guerras (internacionais e/ou civis), no fanatismo e na intolerância, no adoecimento mental e físico

§  A rejeição da visão de conjunto, portanto, é ao mesmo tempo imoral, irracional e antissocial (e antipolítica)

-        Afirmar a possibilidade, a necessidade e até mesmo a indispensabilidade da visão de conjunto torna-se ainda mais urgente desde os anos 1960-1970 no Ocidente, com o desenvolvimento do pós-modernismo

o   O pós-modernismo foi elaborado na França mas logo foi importado pelos Estados Unidos; na França ele manteve-se como uma modinha academicista, mas nos EUA ele desenvolveu-se, aprofundou-se e derivou para a prática política, na forma da política identitária

o   O pós-modernismo nega, rejeita, despreza, impede as visões de conjunto, que ele chama de “visões totalizantes” ou de “grandes narrativas”

§  Os historiadores também desenvolveram suas próprias formas de desprezo pelas visões de conjunto

o   De acordo com esses pensadores, não há motivo para elaborar-se visões de conjunto, pois objetivamente elas seriam impossíveis e, além disso, elas seriam desnecessárias

o   Para eles, portanto, o bom é a fragmentação das idéias, a justaposição incoerente e irracional de concepções puramente subjetivas

§  A partir desse ultrassubjetivismo, o pós-modernismo afirma que não existe realidade objetiva, mas apenas “narrativas”

o   Essa é a própria definição e afirmação do que Augusto Comte chamava de “anarquia”, ou seja, a ausência de valores e concepções compartilhados

-        Ao longo de toda a história da Humanidade, o ser humano procurou elaborar visões de conjunto, ou sínteses

o   Essas sínteses foram chamadas inicialmente de “religiões” e, depois, também (ou apenas) de “filosofias”

o   Como se sabe, as metafísicas sempre atuaram como corrosivas das sínteses anteriores, mas, entre cada grande transição, a metafísica do momento já introduzia elementos da nova síntese

§  Com o início da mais recente grande fase de transição (após a Idade Média), a metafísica introduziu a sua corrosão, mas apresentando um caráter ambíguo: por um lado, auxiliando a ciência; por outro lado, desenvolvendo a pura corrosão

§  No século XVIII, algumas filosofias que tinham ainda um pé na metafísica afirmaram o espírito positivo e a visão de conjunto: foram os enciclopedistas, especialmente na França e na Escócia

§  Vale notar que mesmo algumas metafísicas modernas sem muito espírito positivo e/ou com forte espírito corrosivo (“crítico”) estimularam a visão de conjunto: Hegel e até Marx tiveram essa preocupação

o   Entretanto, algumas ciências – não por acaso, as ciências superiores – exigem a visão de conjunto

§  Essa exigência é inaugurada pela Biologia, seja em termos globais, com a Ecologia, seja em termos individuais, com o estudo da inserção dos órgãos no corpo

§  A Sociologia e a Moral também exigem a visão de conjunto

§  Vale lembrar, entretanto, que a ciência é ambígua: se por um lado há ciências que exigem a visão de conjunto, por outro lado a ciência entregue a si mesma tende ao absoluto e, como a ciência é pelo detalhe, por si mesma ela vai contra a visão de conjunto

-        A metafísica que rejeita a visão de conjunto, não por acaso, vincula-se à concepção individualista do ser humano: toda a tradição liberal é individualista e contrária à visão de conjunto

o   Para os liberais (progressistas ou conservadores; ingleses ou alemães ou estadunidenses ou austríacos), a visão de conjunto equivale sempre à opressão da sociedade sobre o indivíduo

§  O máximo de “sociedade” que os liberais concebem é a justaposição de indivíduos e dos seus respectivos egoísmos

o   O individualismo que descamba no liberalismo é o resultado da secularização da teologia: sai a divindade, mantém-se o egoísmo e rejeita-se a perspectiva social

o   O liberalismo é uma degradação do republicanismo, em particular na perda do sentido coletivo da vida humana

o   Mas é importante indicar que o liberalismo, apesar de seus defeitos intelectuais e morais, concebe ainda uma visão de conjunto em termos de leis válidas para todos (os indivíduos) – a isonomia

o   Da mesma forma, ainda que limitado pelo individualismo, o liberalismo reconhece a importância da ciência

-        O pós-modernismo (com sua conseqüência prática, a política identitária) é uma filosofia especificamente academicista e consiste no desenvolvimento sem freios da metafísica, isto é, do seu espírito corrosivo

o   O pós-modernismo e a política identitária aprofundam os aspectos críticos, isto é, corrosivos da metafísica (da mesma metafísica que resultou no liberalismo e, paradoxalmente, também no marxismo)

o   O pós-modernismo e a política identitária rejeitam (1) a ciência, (2) a visão de conjunto, (3) os valores compartilhados, (4) o universalismo nas políticas públicas

o   De maneira correlata, o pós-modernismo e a política identitária defendem (1) o particularismo, (2) o irracionalismo anticientífico, (3) o exclusivismo e a exclusão de quem não é do grupo identitário, (4) as “narrativas” identitárias exclusivas e excludentes

§  Ao longo da história já tivemos exemplos concretos de tais “narrativas” identitárias: foram a “ciência proletária” de Stálin e a “ciência ariana” de Hitler; atualmente há as “epistemologias negras”, “epistemologias queer”, “epistemologias feministas” etc. etc. etc. – tudo isso devidamente identitário, antiuniversalista, particularista, sectário

§  Duas aplicações práticas do sectarismo pós-moderno-identitário:

·         A defesa de discriminações “positivas”: “racismo inverso” (dos “negros” contra os “brancos”), “sexismo inverso” (das mulheres contra os homens) etc.

o   Uma consequência institucional das discriminações positivas são as cotas de vagas

·         A afirmação do “lugar de fala”, que consiste na defesa, no âmbito da retórica, de cotas exclusivas para os membros dos grupos identitários, de tal maneira que só podem falar sobre esses grupos os membros do próprio grupo, excluindo da possibilidade de falar desses grupos quem não os integrar

o   Versões mais suaves do “lugar de fala” até admitem que não-membros dos grupos identitários possam falar sobre os grupos identitários – mas sempre de maneira subordinada

-        É fundamental ter-se clareza de que não é necessário ser identitário para combater-se o racismo e promover a integração “racial”; para valorizar as mulheres e combater as discriminações e as violências contra elas; para valorizar os homossexuais e combater as discriminações e as violências contra eles etc.

o   A associação (interessada) entre determinadas pautas sociais e políticas e o identitarismo prejudica as próprias pautas

o   É possível e necessário encampar essas pautas sem recorrer ao identitarismo e aos seus profundos vícios morais, intelectuais e políticos

o   Ao reconhecermos a justiça das pautas defendidas pelo identitarismo mas recusarmos seus defeitos morais, intelectuais e políticos, cada uma das políticas identitárias em particular deve ser entendida como um "grito dos excluídos"

-        Insistimos: em contraposição à rejeição intelectual, moral e política da visão de conjunto realizada pelos pós-modernos, é necessário reafirmar a possibilidade e a necessidade das visões de conjunto, ou melhor, das sínteses

o   A visão de conjunto tem aspectos objetivos e subjetivos:

§  Ela é subjetiva na medida em que é o ser humano (o sujeito) quem elabora e a quem se direciona a síntese

§  Ela é objetiva na medida em que se baseia em elementos objetivos, sejam eles cósmicos, sejam eles humanos (históricos e morais)

§  Deixando de lado o escandaloso (mas “charmoso”!) elogio da irracionalidade feito pelos pós-modernos, é questão de perguntarmos com clareza e de respondermos com ainda maior clareza: qual o problema com que a síntese seja subjetiva? Ora, nenhum!

o   O Positivismo, a Religião da Humanidade afirma a visão de conjunto e a síntese:

§  A moralidade e a racionalidade estabelecidas por meio da subordinação progressiva de indivíduos e grupos a coletividades e perspectivas cada vez maiores: família, mátria, Humanidade atual (objetiva), Humanidade histórica (subjetiva)

o   Apenas por meio da visão de conjunto e da síntese propostas pela Religião da Humanidade é possível realizar com êxito a busca da harmonia individual, do bem-estar coletivo, do sentido da vida, da felicidade


15 novembro 2022

Propostas políticas e sociais do Positivismo em face do trabalhismo

No ano de 2022, em duas ocasiões (4 de abril e 10 de novembro) tive a honra de ser convidado por militantes do Partido Democrático Trabalhista (PDT) para apresentar alguns dos princípios e das propostas sociopolíticas do Positivismo, tendo especialmente em vista a influência que eles exerceram sobre o trabalhismo no Brasil. Na primeira oportunidade fui convidado pelo gaúcho Luciano B. Zini; na segunda ocasião, pelo cearense Samuelson Xavier: a ambos, o meu agradecimento!

Em ambas as ocasiões as conversas subsequentes duraram várias horas, abordando os mais variados temas, inclusive aspectos da história política e social brasileira, como a influência do Positivismo no Rio Grande do Sul e também sobre os militares. Assim, foram ocasiões excelentes para o esclarecimento e a correção de mitos há muito difundidos. Da mesma forma, essas conversas sugeriram-me novos temas para reflexão e pesquisa.

Reproduzo abaixo o roteiro das minhas exposições.

*   *   * 

Roteiro:

o   Apresentação pessoal

o   Definição apofática

o   “Ordem e Progresso”

o   Primado da sociedade, ação individual

o   Propostas políticas

o   Propostas sócio-econômicas

 

-        Apresentação pessoal

o   Sociólogo da UFPR

o   Doutor em Sociologia Política (UFSC)

o   Positivista ortodoxo

o   Dono dos canais Positivismo, Apostolado Positivista e Filosofia Social e Positivismo

-        Definições apofáticas

o   Que é o Positivismo?

§  O Positivismo é:

1)      “Positivismo” significa, para mim, a obra de Augusto Comte

2)      Uma religião secular, uma filosofia histórica, relativista e objetiva-subjetiva, uma prática humanista, pacifista, tolerante, universalista e includente

a.       É um sistema de educação universal

3)      “Real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico, simpático”

4)      Uma religião que afirma, regula e estimula o altruísmo inato (que, por sua vez, orienta e limita o egoísmo também inato)

5)      Uma política humanista, altruísta, racional, histórica, sensível à opinião pública e baseada em evidências e nas liberdades

6)      Uma afirmação da realidade humana e dos valores humanos

7)      Uma afirmação da historicidade humana e, portanto, do relativismo

§  O Positivismo não é:

1)      Não é ateísmo

2)      Não é uma “teologia científica” (Religião da Humanidade)

3)      Não é um cientificismo nem um academicismo

a.       Não é reducionista (ele afirma a dignidade de cada ciência e, em particular, do ser humano e das Ciências Humanas)

4)      Não é um “naturalismo” (não reduz as Ciências Humanas às Ciências Naturais)

a.       Não é a favor da oposição “explicação” versus “compreensão”

5)      Não é um “empiricismo”

6)      Não é ideológico

a.       Não é uma ideologia burguesa

7)      Não é militarista

8)      Não é uma afirmação do Estado totalitário nem da sociedade sufocante anti-indivíduo

9)      Não é otimismo ingênuo (“pensamento positivo”)

10)  Não é nem idealista nem materialista

11)  Não é fatalista nem nega a liberdade humana

-        “Ordem e Progresso”

o   França posterior à Revolução Francesa

§  Busca de uma nova organização social e de novos princípios legitimadores, adequados a uma sociedade industrial e com a ciência

§  Oscilação entre a “ordem” (retrógrados, teológicos, absolutistas) e o “progresso” (revolucionários, metafísicos, absolutistas)

§  Necessidade de conciliação e superação entre a ordem e o progresso:

·         Sociologia da ordem: fundada por José de Maistre

·         Sociologia do progresso: fundada por Condorcet

·         Contribuição de Augusto Comte: conjugação entre a ordem e o progresso (além do desenvolvimento da reflexão sobre as ciências, sobre o que é a cientificidade, sobre os métodos e o objeto da Sociologia, sobre a aplicabilidade da Sociologia etc.)

§  Busca de um novo poder espiritual: necessidade e oportunidade de fundação de uma ciência relativa à sociedade:

·         necessidade de entender o que ocorria na Europa após a Revolução Francesa e de solucionar os problemas sociais e políticos

·         disponibilidade de meios intelectuais para isso (o desenvolvimento do método científico e a conseqüente maturidade intelectual para a criação da Sociologia)

-        Primado da sociedade, ação individual:

o   A fundação da Sociologia evidencia que o ser humano é antes e acima de tudo um ser social e histórico

o   Como a Sociologia parte do conjunto para as partes, não existem “indivíduos”, apenas seres humanos em sociedades

§  Antepor a análise dos indivíduos à das sociedades resulta em considerar os seres humanos como animais, não como seres humanos

§  As “células sociais”, isto é, as menores unidades de análise sociológica são as famílias

o   Apesar disso, a sociedade possui agentes: são os indivíduos

§  Os “indivíduos” criticados por A. Comte são as elaborações próprias ao individualismo (que rejeita a sociedade e a vida coletiva, em uma busca da satisfação estritamente pessoal), que surgiram na Idade Média teológica e reafirmaram-se na Idade Moderna com a metafísica

o   “Consagrar para regular”: indivíduo buscando a satisfação pelo altruísmo

§  A consagração dos indivíduos é necessária não somente porque são eles que concretamente agem como também porque é necessário afirmar a responsabilização social das condutas e das decisões individuais

-        Propostas políticas:

o   Governo

§  Conjugação dos princípios de Aristóteles e de Hobbes:

·         Aristóteles: “a sociedade consiste na divisão do trabalho e na convergência dos esforços”

·         Hobbes: todo governo baseia-se na força

§  “Não existe sociedade sem governo”

·         Afirmação das vistas de conjunto da sociedade

·         Preocupação em como se maneja o poder, não com quem o ocupa

·         Dois pólos sociopolíticos: Estado e sociedade civil

§  Poderes:

·         Temporal: manutenção da ordem civil (âmbito de aplicação das ciências inferiores)

·         Espiritual: opiniões e crenças (âmbito de atuação das ciências superiores)

o   Em termos gerais:

§  pacifismo, antimilitarismo, rejeição normal da violência

§  política humanista, altruísta, racional, histórica, sensível à opinião pública e baseada em evidências e nas liberdades

§  afirmação de deveres de todos para com todos

§  meritocracia com justiça social

§  afirmação da sociedade civil

o   Governo:

§  republicanismo

§  separação dos dois poderes (“laicidade do Estado”)

§  desenvolvimento econômico e social

-        Propostas sócio-econômicas:

o   A teologia e a metafísica são incapazes de abarcar a realidade material da sociedade; portanto, são incapazes de solucionar seus problemas

o   A propriedade enquanto tal sempre existe (privada ou coletiva)

o   Manutenção e aumento dos tipos de capital

§  material, intelectual e moral

§  responsabilidade pessoal pela gestão dos recursos

§  “O capital é social em sua origem e deve sê-lo em sua destinação”

o   Formas de transmissão do capital: guerra: conquista; paz: dádiva, troca, herança

o   Emancipação paulatina dos trabalhadores (e das mulheres): escravos na Antigüidade, servos na Idade Média, trabalhadores livres na modernidade

o   Necessidade de concurso entre o patriciado e o proletariado

§  Riqueza: força concentrada; trabalho: força dispersa

§  Caráter instrumental da luta de classes

o   Justiça social:

§  incorporação social do proletariado

§  “funcionalismo público”

§  conjugação entre liberdades políticas e econômicas e atuação do governo (crítica ao liberalismo econômico)

§  caráter social da riqueza

§  responsabilidades individuais e coletivas

·         noção de deveres: relações mútuas devidas entre indivíduos e grupos entre si


Comemorações de 169-235 (2023)

Centenários

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

1.           

Adam Smith

1723-1790

300 anos nasc.

23.Descartes

30.out

2.           

Campomanes

1723-1802

300 anos nasc.

20.Frederico

24.nov

3.           

Carnot

1753-1823

200 anos morte

27.Gutenberg

8.set

4.           

Cláudio Fleury

1640-1723

300 anos morte

26.São Paulo

15.jun

5.           

Fergusson

1723-1816

300 anos nasc.

25.Descartes

1.nov

6.           

Jorge Leroy

1723-1789

300 anos nasc.

13.Descartes

20.out

7.           

LUÍS XI

1423-1483

600 anos nasc.

7.Frederico

11.nov

8.           

Pascal

1623-1662

400 anos nasc.

9.Descartes

16.out

9.           

PLÍNIO, O VELHO

23-79

2000 anos nasc.

28.Arquimedes

22.abr

10.         

Sidney

1623-1683

400 anos nasc.

22.Frederico

26.nov

11.         

Sta. Genoveva de Paris

423-512

1600 anos nasc.

12.São Paulo

1.jun

“Cinqüentenários”

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

12.         

Copérnico

1473-1543

550 anos nasc.

1.Bichat

3.dez

13.         

Manzoni

1785-1873

150 anos morte

20.Dante

4.ago

14.         

MOLIÈRE

1622-1673

450 anos morte

21.Shakespeare

30.set

15.         

Óton, o Grande

912-973

1050 anos morte

3.Carlos Magno

20.jun

16.         

Sto. Atanásio

296-373

1650 anos morte

3.São Paulo

23.maio

17.         

Sto. Henrique

973-1024

1050 anos nasc.

4.Carlos Magno

21.jun

18.         

Varrão

116 ac-27 ac

2050 anos morte

22.Arquimedes

16.abr

19.         

Ximenes

1437-1573

450 anos morte

15.Frederico

19.nov

Positivistas brasileiros

N.

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

20.          

Luís Hildebrando Horta Barbosa

1900-1973

50 anos morte

27.Dante

11.ago.1973

21.          

Luís Pereira Barreto

1840-1923

100 anos morte

11.Moisés

11.jan.1923

22.          

Manuel Rabelo

1873-1945

150 anos nasc.

11.Moisés

11.jan.1873

23.          

Paulo de Tarso Monte Serrat

1923-2014

100 anos nasc.

10.Homero

7.fev.1923

Positivistas não brasileiros

N.

NOME

VIDA

COMEMORAÇÃO

CALENDÁRIO

J.-G.

24.         

AUDIFFRENT Georges

1823-1909

200 anos nasc.

7.Dante

22.jul.1823

25.         

BOELL Camille

1862-1923

100 anos morte

?

?

26.         

COUR Pierre Armand

1870-1923

100 anos morte

?

?

27.         

DESCOURS Paul

1856-1923

100 anos morte

19.Arquimedes

13.abr.1923

28.         

FOUCART Jean-Baptiste

1823-1898

200 anos nasc.

1.Moisés

1.jan.1823

29.         

GODON Charles

1854-1923

100 anos morte

28.César

20.maio.1923

30.         

HAARBLEICHER André

1873-1944

150 anos nasc.

18.Arquimedes

12.abr.1873

31.         

HARRISON Frederic

1831-1923

100 anos morte

14.Moisés

14.jan.1923

32.         

HENRY, P.-H

1823-?

200 anos nasc.

1.Moisés

1.jan.1823

33.         

INGRAM John Kells

1823-1907

200 anos nasc.

20.Carlos Magno

7.jul.1823

34.         

LAFFITTE Pierre

1823-1903

200 anos nasc.

24.Homero

21.fev.1823

35.         

LAUNAY Louis

1823-?

200 anos nasc.

6.Arquimedes

31.mar.1823

36.         

LAURENT

1823-1857

200 anos nasc.

2.Gutenberg

14.ago.1823

37.         

MIGNIEN Louis

1823-1871

200 anos nasc.

9.Frederico

13.nov.1823

38.         

PERSIGOUT Gabriel

1873-1950

150 anos nasc.

12.Dante

27.jul.1873

39.         

TINAYRE Julien

1859-1923

100 anos morte

15.Carlos Magno

2.jul.1923

40.         

TRARIEUX L.

1873-?

150 anos nasc.

8.Descartes

15.out.1873

FONTES: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos; Comité des travaux historiques et scientifiques (http://cths.fr/)

NOTAS:

1.     As datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia), considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos conservadores.

2.     Letras maiúsculas em negrito: nomes de meses.

3.     Letras maiúsculas simples: chefes de semanas.

4.     Letras em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.

5.     Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (espanhol, francês, inglês).