Aforismos sociológicos IX
§ 1º – Sobre tolerância e sociedades
livres na época das “redes sociais”
Um dos aspectos centrais das
sociedades contemporâneas é a noção de “tolerância”, isto é, de respeito mútuo
entre os vários indivíduos e, em particular, entre as várias concepções sobre a
realidade e a sociedade. Relacionam-se, portanto, disposições individuais e
concepções de mundo, em que, por um lado, temos indivíduos que aceitam mais
facilmente outras perspectivas e concepções que propõem maior abertura para
outras concepções; por outro lado, há indivíduos que aceitam com maior
dificuldade ou que não aceitam outras perspectivas, da mesma forma que há
concepções que rejeitam outras concepções. Da mesma forma, há muitos casos
intermediários, em que há a aceitação em determinadas situações e a rejeição em
outras[1].
O que importa notar, de qualquer
maneira, é que as sociedades contemporâneas – ou, sendo mais específico: as
sociedades modernas, influenciadas pela evolução histórica européia, que se
caracterizam pelo pluralismo social, político, filosófico e religioso, pelo
relativismo científico, pela separação entre igrejas e Estado, pelas liberdades
de pensamento, expressão e associação – têm como uma de suas características
fundamentais a tolerância. Esse fato não deixa de corresponder à clássica
situação em que uma necessidade torna-se virtude: considerando o momento
central na história européia das guerras religiosas, a tolerância mútua foi o
mecanismo encontrado para que as guerras civis e internacionais cessassem e os
grupos pudessem conviver com um mínimo de harmonia; desse imperativo político a
tolerância tornou-se uma virtude social[2].
Independentemente de
discordâncias filosófico-religiosas e políticas, vale notar que a mera e
inescapável ocorrência das idiossincrasias pessoais já é um fator que exige a
tolerância; afinal, cada pessoa tem suas particularidades, devidas aos mais
variados fatores: formação genética, ambiente familiar, ambiente escolar,
vicissitudes da vida, redes de relacionamento, religião professada, país e
época em que vive etc. Nessa combinação infindável de fatores, cada um tem seu
temperamento, que, dentro de determinados limites[3],
tem que ser respeitado – isto é, tem que ser tolerado.
Também é importante afirmar que
tolerar não é concordar: tolerar é aceitar o diferente, mesmo – e
principalmente – não gostando dele; em última análise, a tolerância consiste em
resignar-se (contrafeito ou não) com a existência de grupos e idéias diferentes
das próprias. Assim, criticar não é ser intolerante: a crítica integra o quadro
geral de liberdades de pensamento e de expressão; quem é criticado tem o
direito de responder às críticas e pode, igualmente, replicar a quem o criticou
inicialmente. A crítica, se mantida no âmbito das palavras e das idéias, ainda
está no quadro da tolerância; mas pregar a destruição – isto é, o fim por meios
violentos do que é considerado diferente – e, ainda mais, passar à ação
concreta, isso é ser intolerante[4].
O ideal da tolerância é cada vez
mais respeitado – pelo menos no Ocidente – desde as guerras de religião, dos
séculos XVI e XVII; no século XVIII o Iluminismo tornou-o um elemento central
de reflexão e da prática política, o que felizmente continuou no século XIX e
também no começo do século XX. Entretanto, após 1918, as profundas e nefastas
conseqüências da I Guerra Mundial conduziram inúmeros países a deixarem de lado
esse ideal e a erigirem o desprezo sistemático por outras religiões e grupos
sociais (os “judeus”, os “negros”, os “burgueses”, os “capitalistas”, os “comunistas”
etc.) como fundamento de sua afirmação política, com as piores e mais
detestáveis conseqüências sociais e políticas. Ainda assim, com o término da II
Guerra dos 30 Anos, em 1945, a tolerância foi recuperada, sendo um dos
fundamentos por exemplo da Organização das Nações Unidas; o fim da Guerra Fria,
a desintegração do bloco comunista e a vitória das democracias liberais
pareciam sacramentar a tolerância como princípio sociopolítico no final do
século XX.
A década de 2010 introduziu um
novo elemento que mudou completamente a forma como a tolerância vinha sendo
entendida – no caso, a internet e, de
modo mais específico, as chamadas “redes sociais”. Sugerimos as seguintes
características como explicativas do estímulo das redes sociais à intolerância:
1) imediatismo
das reações;
2) isolamento
físico dos indivíduos que “interagem” eletronicamente;
3) ausência
de relações pessoais face-a-face;
4) constituição
de grupos (ou redes) temáticas e por afinidades em bolhas, que excluem
perspectivas diferentes;
5) ausência
de mediação moral, intelectual e política na constituição das redes e das
bolhas.
A maior parte – se não a
totalidade – dessas características não é novidade para quem presta atenção aos
efeitos sociais e políticos das redes sociais. O conjunto acima resulta em um
quadro terrível, em que indivíduos fisicamente isolados interagem apenas
eletronicamente, à distância, com outros indivíduos, com assombroso
imediatismo; as reações são exatamente isso, reações imediatas, não pensadas, não pesadas, não avaliadas. O relacionamento
pessoal de caráter físico perde-se, mas não é somente isso que se vai: a enorme
riqueza que as relações pessoais trazem deixa de existir, como os mecanismos
não escritos de comunicação (gestos, expressões, tons de voz, movimentos
corporais). Ainda há mais que se perde: o relacionamento face-a-face impõe
limitações à expressão de cada um; frente a diferentes indivíduos, cada um
avalia, mesmo que implicitamente, mesmo que inconscientemente, se o que falará
é conveniente, se é respeitador, se será bem entendido etc. Essas avaliações
contextuais correspondem a um aspecto importante do aprendizado moral e social
de todos os indivíduos; quem não sabe lidar com elas é entendido como
problemático, assim como, inversamente, aqueles que instrumentalizam sem
maiores preocupações morais são vistos como doentes. Ora, nas redes sociais a
avaliação contextual da comunicação é jogada fora; em vez de cada indivíduo
deparar-se concretamente com uma outra pessoa que conjuga na sua frente uma
subjetividade que se expressa a cada movimento com uma objetividade física, nas
redes sociais os indivíduos a todo momento relacionam-se apenas com abstrações;
essas abstrações, por sua vez, devido ao imediatismo das reações e ao contínuo
da participação nas redes, acabam tornando-se um espelho do próprio indivíduo
que reage.
O afastamento físico entre as
pessoas não é em si o mais problemático; antes da internet, as pessoas comunicavam-se à distância, por meio de
cartas, de telegramas, de livros: ocorre que esses instrumentos impunham, ou
impõem, uma reflexão prévia para suas respostas. O elemento do imediatismo é
posto de lado.
Os quatro elementos iniciais
indicam que as redes sociais estimulam poderosamente as paixões; nesse sentido,
essas paixões, desenvolvidas sem freios, rejeitam a tolerância. Surge aí o
quinto elemento, a ausência de mediação moral, intelectual e política. Tanto o
isolamento físico quanto o imediatismo das reações levam a que os indivíduos
reajam exprimindo apenas o que está em suas cabeças; como os relacionamentos
pessoais e a reflexão meditada sobre os temas são deixados de lado, os
indivíduos dão livre curso aos seus instintos imediatos; correndo o risco de
ser pleonástico, os indivíduos tornam-se cada vez mais individualizados, as
pessoas tornam-se cada vez mais isoladas. Ora, nesse isolamento, há a perda do
que Augusto Comte chamava de “poder Espiritual”, isto é, daquelas pessoas e
daquelas estruturas sociais responsáveis pela disseminação de valores e idéias,
bem como pelo aconselhamento moral de cada um. Essa perda de importância do
poder Espiritual pode ser demonstrada mesmo pela virulência com que os
indivíduos reagem mesmo contra os “gurus” que costumam incitar as paixões nas
redes sociais: deixados entregues às suas próprias e piores paixões, os indivíduos
não toleram que os seus próprios gurus imponham limites às suas paixões.
Bem vistas as coisas, o que as
redes sociais têm feito é realizar no início do século XXI vários dos maiores
temores que pensadores do século XIX (como Gustavo le Bon) e do século XX (como
José Ortega y Gasset) tinham a respeito da democracia. Tais pensadores não eram
propriamente contra a democracia, isto é, contra as liberdades; mas eles temiam
muito que indivíduos entregues a si mesmos e às suas paixões produziriam os piores
resultados possíveis: espírito de manada, (suposta) auto-suficiência – e, para
o que nos interessa, intolerância.
Ortega y Gasset chamava esse
gênero de ser humano de “homem-massa”, que se sente confortável em sua
ignorância e, assim, não hesita em emitir “opiniões” sobre as questões mais
variadas, em particular aquelas sobre assuntos sobre os quais não conhece. Esse
homem-massa não é necessariamente o popular, o comum do povo, pois os
especialistas também se comportam como massa; aliás, muitas vezes, justamente
porque são especialistas em uma determinada área (particularmente áreas
técnicas), muitos profissionais, e mesmo cientistas, consideram-se capacitados
e autorizados a opinar sobre aquilo que desconhecem. A política, como se refere
a todos os cidadãos, é especialmente atingida pela ação dos homens-massa; da
mesma forma, a cada vez maior politização, ou a radicalização política,
intensifica esses aspectos.
Augusto Comte, por seu turno,
observava que o fundamento filosófico desse comportamento é o dogma da liberdade absoluta de consciência;
mais uma vez, a arrogante e auto-suficiente pretensão de poder opinar sobre
tudo sem a devida preparação (filosófica, teórica e, acima de tudo, moral). Os
integrantes dessas bolhas, como observamos há pouco, adotam um comportamento
ambíguo a respeito dos seus líderes: na medida em que os líderes estimulam os
instintos agressivos e de manada, eles são seguidos; mas caso esses líderes
destoem do comportamento projetado pelos aderentes, a adesão falha ou
simplesmente é suspensa. Nesse sentido, os líderes têm um papel principalmente
negativo, ao estimularem os instintos agressivos e de manada; a efetiva
orientação positiva – que consiste no estímulo à moderação, à reflexão, à ação
prudente, fraterna e esclarecida – é desprezada[5].
O problema aqui não são as
liberdades de expressão e de pensamento; também não é o desejo de manifestar-se
sobre qualquer assunto. O problema central é a arrogância, cada vez mais
generalizada e estimulada pelas redes sociais, de que basta ter a possibilidade
de escrever alguma coisa em redes sociais para que isso seja considerado
“opinião” fundamentada. Aliás, é também a arrogância que justifica e é
justificada pela confusão de que basta todos terem “sentimentos” (desejos,
anseios etc.) para que tais “sentimentos” sejam convertidos imediatamente em
opiniões. Como observamos antes, a política, em particular, padece desse
problema, na medida em que, como vivemos em sociedades republicanas, todos têm
o direito de manifestarem-se sobre os assuntos da polis, mesmo que não entendam
desses problemas. A dificuldade que vivemos, o temor expresso pelo conceito de
“homem-massa”, é quando o direito de manifestar-se sobre os assuntos da polis
converte-se em dever de manifestar-se; é quando a manifestação apesar da
ignorância sobre os assuntos torna-se manifesta-se devido à ignorância sobre os
assuntos. E, claro, a ignorância sobre os assuntos inclui também o
desconhecimento sobre os fundamentos e a dinâmica da própria polis e da
sociedade que abriga essa polis. Para usar uma expressão jocosa, não há como
isso dar certo[6].
A intolerância estimulada pelas “redes
sociais” caracteriza-se por um feroz espírito de grupo, em que internamente o
grupo (mais ou menos restrito e, por paradoxal que seja, mais ou menos ignorante
de seus próprios membros) é solidário a si mesmo, mas agressivo a quem não o
integra. Nesse sentido, trata-se de um forte desvio da fraternidade, a que se
somam a falta de afeto mais amplo e o estímulo (mais uma vez agressivo) a
instintos egoístas e destruidores.
A virulência, o particularismo,
o fechamento em si mesmas das bolhas das “redes sociais” levam naturalmente a
considerar-se se é possível mantermos uma sociedade livre e aberta. As “redes
sociais” estimulam o clima político de “nós contra eles”; nisso se perdem o
respeito mútuo, a tolerância e os debates públicos, transformados em ondas de
xingamentos recíprocos[7]. Esse
clima é explorado e estimulado pelos partidos políticos, pelos próprios
políticos (que, assim, transformam-se em demagogos sistemáticos) e são
repetidos à exaustão pelos “intelectuais orgânicos” à direita e à esquerda
(professores primários, secundários e universitários, jornalistas,
“articulistas”, “gurus”). A proliferação das fake news faz parte integrante desse novo ambiente. As fake news têm como objetivo disseminar a
desinformação, isto é, a disseminação de informações erradas para estimular a
confusão intelectual, moral e política. Por fim, no caso específico das eleições,
elas tendem a perder o caráter de “debates” (característica que, desde sempre e
no final das contas, elas apresentam apenas de maneira superficial e muito
idealizada) para assumirem o aspecto de “democracia de plebiscito”. Em suma: é
de temer-se que as “redes sociais” estejam criando uma combinação de oclocracia,
mantida e estimulada pelos homens-massa, com tirania, mantida pelo líder
preferido desses mesmos homens-massa – tudo isso em meio à desinformação
disseminada pelas fake news e pelo
clima de ódio e intolerância.
Pessoalmente, tenho dúvidas
sobre se a estrutura interna, a lógica das “redes sociais” permite mesmo a
idealizada “qualificação” do debate. O que argumentei acima é que a forma como
as redes sociais reúnem as pessoas resulta, na prática, em repelir o debate e,
nesse sentido, não há o que ser qualificado.
Há grupos sociais e políticos
que afirmam que uma forma de evitar ou de reverter essas tendências negativas
seria “ocupar espaço” nas redes sociais. Entretanto, considerando as
observações acima, é caso de pôr-se em dúvida essa expressão: se os grupos
constituem-se como bolhas, não haveria espaço para ser ocupado, pois não
haveria brechas para que a moderação, a prudência e a tolerância pudessem ser
incluídas e surtir efeito. Dessa forma, “ocupar espaço” consistiria somente em
jogar, de modo cada vez mais intenso, mais propaganda, mais fake news, nas redes sociais – em um
procedimento que, aliás, pode ser (e é) empregado pelos vários grupos uns
contra os outros. Além disso, não é claro se a palavra de ordem de “ocupar
espaços” não contribui para essa mesma dinâmica negativa, na medida em que ela
baseia-se em uma concepção militar, isto é, de combate e destruição dos
inimigos, em vez do convencimento dos adversários (isto é, dos concidadãos).
A apreciação acima é bastante
pessimista, sem dúvida nenhuma; em contraposição – é o princípio da prudência –
convém admitir que o advento do rádio e, depois, da TV suscitaram no século XX também
grande pessimismo. (Aliás, o mesmo pode ser dito do advento dos textos de
massa.) Infelizmente, será necessário passarmos por alguns mares turbulentos
para que as “redes sociais” entrem em uma dinâmica mais positiva, ou menos
negativa.
Novamente: o conjunto destas observações
resulta em uma avaliação negativa. Melhor dizendo, é uma avaliação claramente pessimista. Em face dela, o que se impõe é a necessidade imperiosa de fazer-se alguma coisa a
respeito. Pessoalmente, não tenho conhecimentos de engenharia da computação
para argumentar muito, mas tenho a impressão de que as próprias “redes sociais”
são limitadas nas alterações que podem implementar. Assim, a solução parece-me
que está na sociedade civil: por um lado, na valorização da sociabilidade
direta; por outro lado, a forte (re)valorização da tolerância, do apaziguamento
social geral; com base nisso, a constituição de pressões para “qualificar” os
debates e para rejeitar tanto os intelectuais e gurus que estimulam a
intolerância quanto – ainda mais – a realidade dos homens-massa.
§ 2º – Nota sobre a meritocracia
- Os debates atuais sobre a meritocracia são
enviesados:
o
de um lado, defensores da “justiça social”, a
favor das políticas de “inclusão social” e das “cotas sociais”, ou seja, de
modo geral, defensores das cotas raciais em concursos públicos;
o
de outro lado, críticos das “cotas sociais” e
defensores sem mais da meritocracia
-
Embora seja possível entender a meritocracia
como uma organização social que valoriza o melhoramento e o aperfeiçoamento (a
busca geral pelo mérito, pela excelência, pela boa qualidade), no âmbito dos
atuais debates é necessário entender a meritocracia como um sistema de seleção
de quadros técnicos e dirigentes
-
É claro que há relações variadas entre a
estrutura geral da sociedade e o sistema de seleção de quadros; a meritocracia
como seleção de quadros só faz sentido em uma sociedade que valorize a
qualidade, ou que valorize mais a
qualidade que outras características possíveis para a seleção de quadros
-
A melhor forma de entender a importância da
meritocracia é compará-la com o outro tipo ideal polar de seleção de quadros, o
sistema de castas:
o
A meritocracia seleciona quadros a partir de
qualidades mais ou menos objetivas, medidas de acordo com critérios variados
(geralmente por meio de questões a serem respondidas, mas também por meio de
atividades práticas); a partir do desempenho dos postulantes ao cargo,
elabora-se uma arrolagem em que os que se saem melhor em tais avaliações são
selecionados;
§ Deve-se
notar que os cargos são criados previamente à nomeação dos funcionários; a
concorrência aos cargos e às funções está em princípio aberta a todos os
cidadãos – com restrições vinculadas a requisitos técnicos, como experiência de
vida (resultando em restrições etárias) e/ou conhecimentos específicos
(resultando na exigência de determinados diplomas)
o
Na sociedade de castas, cada profissão está
confinada a um estrato social específico: quem nasce em uma determinada família
terá somente uma profissão (ou ocupação) e cada profissão é exercida apenas por
um conjunto determinado de famílias. É claro que em cada estrato e em cada
profissão há os bons e os ruins, mas isso não impede que haja uma eventual
degradação geral da qualidade das atividades desenvolvidas por um estrato
específico; da mesma forma, não há a possibilidade de trânsito entre estratos,
de modo a permitir que indivíduos capazes de realizar atividades de outros estratos
realizem-nas
§ Uma
variação atenuada da sociedade de castas é a aristocracia do Antigo Regime: o
nome da estrutura indica “governo dos melhores” (áristos + cratia), mas
era na verdade uma casta, um estrato social autodenominado
de “melhor”: da Idade Média para a modernidade, enquanto as sociedades eram
mais agrárias que urbanas; os servos eram muitos e que os citadinos eram poucos
e desorganizados; os assuntos públicos não eram particularmente complicados e
resumiam-se muito na arte da guerra; a nobreza fornecia bons quadros, esse
mecanismo de seleção funcionava a contento; mas a partir do momento em que as
sociedades tornaram-se mais urbanas e as cidades afirmaram-se como locais de
liberdade; que as atividades tornaram-se mais pacíficas e industriais e mais
complicadas; que os citadinos e as comunas emanciparam-se, os negócios públicos
deixaram de poder ser tratados apenas por amadores, passando a exigir-se o
tratamento técnico específico, bem como a ascensão social e política das
camadas que tinham esse conhecimento: a excelência autointitulada passou a
ceder lugar à excelência comprovada (nos termos de Giovanni Sartori: comprovada
em particular pelos outros, não por si próprios); isso é o que fica evidente no
Portugal da Revolução de Avis (1383-1385), que registra uma clara “revolução
burguesa” (como indicado por Alexandre Herculano em O monge de Cister)
-
Dessa forma, a meritocracia é a afirmação da
excelência aberta a toda a sociedade, bem como o instrumento de combate à
aristocracia e à sociedade estamental própria à Idade Média (mas, de modo
geral, a toda sociedade de castas) e, portanto, é o instrumento de ascensão
social por definição, ao mesmo tempo em que é um instrumento de seleção de
quadros que garante a qualidade e/ou que minimiza os prejuízos e os
desperdícios
-
Nas polêmicas atuais – que, de fato, apresentam
bem pouco o aspecto de “debates”, isto é, de troca de idéias, consistindo muito mais em disputas e em trocas de agressões
–, os defensores da “justiça social” combatem a meritocracia, isto é, combatem justamente
o instrumento que garante a abertura dos quadros públicos a indivíduos
provenientes de todos os grupos e classes sociais e que permitiria o avanço
vertical de seus membros; inversamente, os defensores da meritocracia
demonstram-se insensíveis para com as condições concretas em que vive a maior
parte da população brasileira, marcada pela pobreza
o
Os defensores políticos contemporâneos da
meritocracia não propõem nenhuma solução para o sério problema da péssima
qualidade geral da educação e da instrução das classes mais baixas do Brasil,
preferindo aferrar-se à fórmula – correta em si mesma, de qualquer maneira – de
que a meritocracia deve prevalecer
o
Por outro lado, os defensores da “justiça social”,
ao mesmo tempo em que criticam e desvalorizam a meritocracia, com enorme
freqüência defendem atalhos institucionais
– e, ainda pior, atalhos particularistas
para favorecer grupos específicos, ditos “minoritários” (até o momento:
mulheres e “negros”)
§ Dessa
forma, a lógica universalista própria
à meritocracia e constitutiva da idéia moderna de cidadania é solapada
§ Para
piorar, entre os mecanismos já existentes para realização institucional desses
atalhos, há medidas violentamente daninhas – em particular, os tribunais
raciais para aferição da “negritude” de candidatos denominados de “negros” (dos
quais se excluem totalmente os “brancos”)
-
Poder-se-ia, talvez, argumentar que a meritocracia
conforme apresentada aqui é apenas uma idealização, que ela não corresponde à
prática e que, na verdade, há um sem-número de obstáculos à sua realização,
incluindo aí o que se poderia chamar de “perversões do ideal”: perpetuação do
acesso a possibilidades em determinados grupos, fechamento do acesso a outros
grupos etc.
o
Nenhuma dessas objeções parece-me efetiva ou
válida. Um ideal permanece importante na medida em que pode ser aplicado útil e
positivamente na realidade; se há espaços sociais em que a meritocracia
universalista não se verifica, o que se deve fazer é aplicá-la, ou seja,
universalizar os procedimentos, não os restringir. Por outro lado, a
meritocracia já realizou importantes alterações na sociedade, ao permitir a
constituição de ideais universalistas, o acesso de indivíduos de todas as
classes a cargos e postos segundo suas aptidões e não de acordo com seu berço
etc.
-
Há um problema adicional em relação à
meritocracia; na verdade, não se trata de um “problema”, mas das relações que
ela sugere com um traço de nossa sociedade e que, para muitos, torna-a
problemática: são as relações com o ideal de igualdade.
o
A meritocracia promove os “melhores”, a
excelência, o que, por definição, é contra o ideal de igualdade. Sem dúvida que
o ideal de igualdade foi tomado em inúmeros sentidos nos últimos dois ou três
séculos, passando de uma igualdade moral e social para, por exemplo, igualdade
de condições de partida (Rawls). Mas o fato é que a meritocracia e a igualdade
são valores opostos; mesmo a obra de Rawls é um esforço para conjugá-las, um
tanto sem sucesso
o
A “igualdade” é insustentável em si mesma; a
despeito disso, há um aspecto do que seus defensores argumentam que vale a pena
reter e que, aliás, relaciona-se à “justiça social”: trata-se do respeito à
dignidade humana, às garantias mínimas de condições de vida para todos os seres
humanos; essas condições de vida abrangem aspectos materiais, intelectuais,
sociais, políticos e morais
o
Dessa forma, a meritocracia tem que ser
promovida como um ideal social geral e como um procedimento específico para
seleção de quadros; mas ela tem que ser conjugada com os valores da
fraternidade e do amor universal: de outra maneira, ela pode aproximar-se de
uma forma de darwinismo social
o
Os comentários acima evidentemente são uma
resposta às críticas sofridas pelo conceito de meritocracia, a partir dos
defensores da “justiça social”.
o
Entretanto,
uma reflexão sobre os motivos que levam os defensores da “justiça social” a
criticar a meritocracia levaram-me a considerar porque, de fato, ocorrem tais
críticas.
o
As
conclusão a que pude chegar são as seguintes: (1) por um lado, os defensores da
“justiça social” são defensores também, em um nível mais profundo, da idéia de “igualdade
social”; (2) por outro lado, os defensores da “justiça social” temem que a
meritocracia instaure uma espécie de “darwinismo social”.
o
Vejamos
cada uma dessas possibilidades.
o
(1)
No que se refere ao uso da “justiça social” como uma forma de promoção da
igualdade, há um problema inicial: o que é “igualdade”? Os defensores dessa
idéia de modo geral são imprecisos e vagos a respeito e, dessa forma, são
profundamente incoerentes. Essa imprecisão pode ser intencional ou não, mas o
fato é que se pode entender a igualdade de diferentes maneiras, com resultados
teóricos e práticos imensamente diversos entre si: pode ser a igualdade perante
a lei (a isonomia), pode ser a presunção de igualdade moral entre os indivíduos,
pode ser a igualdade de status social, pode ser a igualdade de condições
materiais, pode ser a igualdade intelectual, pode ser a igualdade das condições
mínimas de vida etc. etc. Como se vê, não se pode presumir que a “igualdade” é
uma coisa única; mesmo defensores notáveis e realmente respeitáveis da noção de
igualdade, como Norberto Bobbio, são vagos a respeito. De qualquer maneira, o
que a “esquerda” – e Bobbio define a esquerda como o viés político que defende
a igualdade – entende por “igualdade” é u’a mistura (confusa e vaga) das várias
noções acima, em particular em seus aspectos materiais e de status: de maneira
grosseira, é um desejo de que todos tenham as mesmas coisas (o que não é
idêntico a que todos tenham condições mínimas dignas), que todos tenham o mesmo
status e, em conseqüência disso, a igualdade também se transforma em uma
rejeição do “capitalismo” (que também não é conceituado, ou, se é, é
conceituado de maneira pobre).
§ (Pode-se argumentar que a “esquerda”
não define a igualdade dessa forma: mas o problema é que a “esquerda” NÃO
define a igualdade; a observação de que a igualdade é sempre apresentada como
um conceito vago e impreciso não é acidental. A crítica reiterada ao “capitalismo”,
a defesa contumaz dos regimes comunistas – que impunham, pela força, a
igualdade de condições materiais -, a ênfase em grupos sociais de base etc.
reforçam o fato de que a “igualdade” defendida é a material e a de status social.)
§ Ora, deixando de lado possibilidades
menos óbvias (como a isonomia, o respeito à dignidade humana e as condições
mínimas dignas de vida), o fato é que a meritocracia não apenas é contra as
sociedades de castas, como também é contra a igualdade. Nesses termos, muitos
dos defensores da “justiça social” são contra a meritocracia não devido à
defesa da “justiça social” – que, em si mesma, como argumentei antes, é
perfeitamente compatível com a meritocracia -, mas porque no fundo tais
defensores da “justiça social” defendem a igualdade (material e de status) e
não efetivamente a “justiça social”.
o
(2)
Tomado isoladamente, o conceito de meritocracia pode ligar-se a uma forma de
darwinismo social: neste caso, algumas queixas dos defensores da “justiça
social” são absolutamente corretas. Quanto mais alto na estrutura social, maiores
as chances de um indivíduo de ter sucesso em sua vida e, nesse sentido, de
evidenciar excelência ou mérito; inversamente, quanto mais baixo na estrutura
social, maiores as dificuldades. O pobre ou o miserável que não tem o que
comer, não tem como estudar, não tem como condições financeiras de dedicar-se a
lazeres mais custosos – esse indivíduo em princípio não tem como praticar uma
atividade qualquer em que se possa ser chamado de “excelente”. Há exceções a
isso, é claro, e como o exemplo do samba demonstra, mesmo a pobreza não impede
o exercício da criatividade humana. Mas, ainda assim, é necessário deixar de
lado a visão vinculada aos indivíduos e assumir perspectivas mais amplas e mais
estruturais.
§ Aliás, mesmo de uma perspectiva mais
ampla é necessário adotar um viés mais histórico: algumas atividades são mais
valorizadas em algumas épocas, enquanto em outros momentos elas são
desvalorizadas; as possibilidades de desenvolvimento de determinadas aptidões
variam nesse sentido: por exemplo, as inquestionáveis habilidades militares e
políticas de Júlio César seriam inaceitáveis nos dias atuais.
§ Da mesma forma, mas seguindo uma
outra perspectiva, convém notar que nem todos têm interesse em ser excelentes
em algo; muitos gostam de ser apenas bons, ou apenas regulares em suas
atividades, sem serem medíocres.
o
Ora,
u’a meritocracia pura, que valorizasse apenas e tão-somente os “melhores”,
deixaria para trás uma grande massa desvalorizada: isso, sem dúvida, seria “injusto”.
Essa meritocracia “pura” seria uma forma de darwinismo social.
§ Como evitar esse darwinismo social?
Sem dúvida alguma, não é combatendo a idéia do mérito, não é combatendo a
concepção de que se deve valorizar os melhores e, inversamente, que se deve
incentivar a melhoria (individual e coletiva). Se não é aceitável ser-se contra
a meritocracia e se a meritocracia “pura” pode ser daninha, a solução é
complementar a meritocracia com algum(ns) outro(s) princípio(s) – por exemplo,
o respeito à dignidade humana, a fraternidade, a tolerância. Nos termos de
Augusto Comte, esse “complemento” seria um princípio – no duplo sentido de ser
um valor norteador e de estar no começo: seria, precisamente, o “Amor” que está
no “princípio”.
o
Ora,
bem vistas as coisas, é aceitável entender a fraternidade, a dignidade, a
tolerância como valores que fundamentam parte da noção (vaga) de “igualdade” da
“esquerda”. Comte e Isaiah Berlin consideravam que essa fraternidade da
igualdade era uma concepção deturpada da fraternidade, ao conduzir a um
diagnóstico e a um programa errados. Mas, ainda assim, é aceitável considerar
que a fraternidade, a dignidade, a tolerância integram parte do programa dos
defensores da “justiça social”. Nesses termos, é fácil perceber o quanto são
compatíveis – e, mais do que isso, são complementares – a meritocracia e a “justiça
social”.
§ 3º – “Estudos críticos” como
metafísica profundamente daninha e essencialmente negativa (i. e.,
destruidora)
-
A palavra “crítica”, como se sabe, tem pelo
menos dois sentidos: por um lado, ela indica um período de transição e/ou de
enfraquecimento generalizado dos valores de uma determinada ordem social (“crise”);
por outro lado, ela também indica uma avaliação percuciente e profunda, supostamente
não ingênua mas sempre “radical”
o
O segundo sentido tem sido largamente utilizado,
embora de maneira “não crítica”, pois que ingenuamente ignora que a
radicalidade de seu sentido associa-se à virulência das suas considerações. Dito
de outra forma, as “análises críticas” não somente “profundas” e “verdadeiras”,
mas são, antes de mais nada, destruidoras
o
O caráter destruidor das “críticas” baseia-se no
sentido dado pela palavra originária, que é “crise”, ou seja, desestabilização
profunda de uma ordem qualquer
o
Nesses termos, propor uma análise “crítica” de
algo não é propor um estudo aprofundado e “realista” sobre esse algo; estudos
aprofundados e realistas podem ser propostos usando-se palavras como “estudos
aprofundados e realistas”; quando se propõe fazer-se uma análise crítica, o que
se propõe de fato é fazer-se uma análise destruidora, virulenta
-
Assim, é necessário sistematicamente se
substituir a palavra “crítica” como sinônimo de “avaliação” pela palavra... “avaliação”
o
Os pós-modernismos, os pós-estruturalismos, os “estudos
pós-coloniais”, os “estudos culturais” e os estudos identitários integram de
pleno direito os “estudos críticos” e seus profundos defeitos intelectuais e
morais
§ 4º – Algumas anotações sobre o
republicanismo
-
De modo geral, o republicanismo é uma teoria política, não sócio-política: com isso quero indicar que ele propõe um
determinado status geral para todos
os cidadãos, em caráter universal, independentemente das classes sociais.
Evidentemente, é uma teoria que se põe contra, de facto e/ou de jure,
diferenças formais de status, como as
vigentes nas sociedades de estados e, a
fortiori, nas sociedades de castas
-
É necessário reconhecer-se que, além da
positivista, há pelo menos mais uma teoria republicana que mais ou menos leva
em consideração as classes sociais, ou melhor, que as considera como atores
ativos: é a de Maquiavel, com o choque entre as classes e, em particular, a
ação dos “pequenos” contra os “grandes” como motor e garantia das liberdades
o
No caso de Maquiavel, falar-se em “classes” não
deixa de ser uma grande imprecisão e, até certo ponto, mesmo um erro, na medida
em que toma as categorias políticas
adotadas pelo florentino (“grandes” e “pequenos”) como sinônimo de categorias
sócio-econômicas; todavia, de maneira aproximativa
esse procedimento de tomar as categorias como sinônimas não é totalmente
errado, pois na Florença renascentista as condições políticas e
sócio-econômicas eram largamente coincidentes. Ainda assim, é importante notar
que é apenas um uso aproximado e que as “classes”, aí, não têm o mesmo peso que
o adotado por Marx; além disso, enquanto Maquiavel admitia a manutenção da pólis, mesmo que com suas divisões, para
Marx a luta de classes é guerra civil
a partir das clivagens sócio-econômicas
o
Augusto Comte também defendia a ação dos
proletários para cobrar dos patrícios as suas responsabilidades; dessa forma,
ele falava claramente em caráter instrumental da “luta de classes” (mas, bem
entendido, no sentido de “luta de classes” que empregamos a respeito de
Maquiavel, acima, e não no de Marx)
-
A idéia da cidadania, como um esquema teórico político, é em tudo semelhante ao
republicanismo e, inversamente, bem vistas as coisas, o republicanismo é uma
teoria da cidadania. Isso se evidencia na obra de T. H. Marshall, em que a
isonomia – mas não a igualdade rousseauniana – é um traço da cidadania,
repelindo, dessa forma, as distinções jurídicas de status, compensatórias ou não
-
A teoria sócio-política de Augusto Comte também
define um protagonismo para as classes sociais; tomando como base a isonomia, o proletariado tem a função de
fiscalizar e cobrar a correção das atitudes do patriciado. Nesse sentido, a luta
de classes não é valorizada por seu suposto caráter revolucionário, mas ela
pode ter um caráter instrumental para a manutenção da moralidade pública, em um
sentido social e republicano
[1]
Michael Watzer (Da tolerância, São
Paulo, M. Fontes, 1999) propõe a existência de cinco “regimes” de tolerância:
império multinacional, sociedade internacional, consociação, Estado-nação e
sociedade imigrante. O quadro que consideramos é o mais habitual nas reflexões
sobre a tolerância e enquadra-se no regime do Estado-nação, na terminologia de
Walzer.
[2]
Bem vistas as coisas, ainda no âmbito da história das religiões, a tolerância é
uma virtude que acabou impondo-se devido ao específico absolutismo próprio aos
monoteísmos; os politeísmos apresentam maior plasticidade teórica, sendo
capazes de incorporar diferentes credos, seja pela simples expansão do panteão,
seja pela assunção de que vários deuses teriam apenas diferentes nomes. É claro
que os politeísmos progressistas, próprios às sociedades guerreiras, apresentam
essa maior plasticidade; os politeísmos conservadores, de sociedades dominadas
pelos sacerdócios, são um pouco mais refratárias.
Outra observação do âmbito
da história das religiões: muitos apóstolos afirmaram a importância da
tolerância e do respeito mútuo, especialmente no sentido de que as conversões
não poderiam nunca ser feitas por meio da violência. São Paulo é um exemplo
disso; Maomé, por outro lado, foi bastante ambíguo a respeito, havendo uma fase
tolerante e outra fase impositiva no Corão.
[3] Os
limites são o maior ou menor egoísmo, a maior ou menor competência técnica, a
maior ou menor sagacidade etc.
[4]
Nas disputas atuais, que se têm caracterizado pela forte e agressiva
politização, pela intensa polarização, muitos grupos afirmam que a mera crítica
é sinal de intolerância: ora, se criticar algo ou alguém é ser intolerante,
isso se converte em intolerância à manifestação das idéias. Dessa forma, é
importante insistir: a simples crítica (por mais dura que possa ser tal
crítica) não é, em si mesma, intolerância. A pregação e a realização da
destruição do que é criticado, isso, sim, é intolerante. Em outras palavras, a
intolerância vincula-se de verdade ao estímulo e ao emprego à violência.
[5]
Historicamente, tais líderes agressivos existiram em todas as sociedades e em
todas as épocas; freqüentemente foram chamados de populistas, demagogos,
fanáticos: deveria ser bastante claro, mas a dificuldade em tais denominações é
que, se os intolerantes podem, de fato, ser chamados de populistas, demagogos e
fanáticos, a recíproca não é necessariamente verdadeira.
Modernamente, os líderes
fascistas e totalitários – de direita ou de esquerda – correspondem a eles. No
Brasil recente podemos identificá-los em partidos da extrema esquerda, embora
também em partidos da esquerda moderada – Lula e seu entorno podem ser
incluídos nessa categoria. Entretanto, é no lado da direita, de uma nova
direita, que se pode identificar com clareza meridiana esse perfil: Olavo de
Carvalho é o grande campeão desse gênero humano que desponta atualmente no
país. Não deixa de ser surpreendente – e, talvez, também revelador – o fato de
que esse astrólogo mudou-se há muitos anos para os Estados Unidos, de onde pode
xingar impunemente políticos, pesquisadores e grupos sociais no Brasil.
[6]
Deveria ser apenas uma ironia, mas é um sinal poderoso da degradação de certos
círculos sociais, morais e intelectuais o fato de que é justamente na
“direita”, que costumava citar Ortega y Gasset para criticar os homens-massa,
que se verifica o maior estímulo à (e a maior exploração política da) ação dos
homens-massa. Afinal de contas, não é possível qualificar de outra maneira os
agressivos (contra os outros) e dóceis (em relação ao seu guru) seguidores de
Olavo de Carvalho.
[7] Com
o aprofundamento do uso das “redes sociais”, esse clima também deve
aprofundar-se. Nesse quadro, os famosos algoritmos das redes sociais, isto é,
os mecanismos eletrônicos responsáveis pela atribuição de possíveis interesses
a cada um dos usuários, também assumem grande importância. Não por acaso, as
empresas que controlam as redes sociais têm sido intensamente cobradas, com
razão, pelo aperfeiçoamento desses mecanismos, chegando mesmo a interferir em
casos evidentes de incitação à violência, à intolerância e à discriminação.