No dia 14 de Descartes de 171 (21.10.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - Doutrina destinada aos verdadeiros conservadores).
Na parte do sermão comentamos a importância de recuperar-se e revalorizar-se a I República brasileira (1889-1930).
Antes do sermão fizemos comentários sobre o livro de Carlos Fico, A utopia autoritária brasileira.
A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (https://www.youtube.com/live/B3grObe_q8I?si=1J-VGdEK_cyw9NeZ) e Igreja Positivista Virtual (https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/1205902721368304).
As anotações escritas que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.
* * *
Recuperar a I República
(14
de Descartes de 171/21.10.2025)
1.
Abertura da prédica
2.
Datas e celebrações:
2.1.
Dia 17 de Descartes (24.10): transformação de
Júlio de Castilhos (1903 – 122 anos)
3.
Leitura comentada do Apelo aos conservadores
3.1.
Antes de mais nada, devemos recordar algumas
considerações sobre o Apelo:
3.1.1.
O Apelo
é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um
grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a
defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua
atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo,
reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os
“conservadores” a que Augusto Comte apela
3.1.2.
O Apelo,
portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige
3.1.3.
Empregamos a expressão “líderes industriais” no
lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao
Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade
pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra
3.2.
Outras observações:
3.2.1.
Uma versão digitalizada da tradução brasileira
desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores
3.2.2.
O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”,
cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”
3.3.
Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!
4.
Exortações
4.1.
Sejamos altruístas!
4.2.
Façamos orações!
4.3.
Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os
sacramentos positivos a quem tem interesse
4.4.
Para apoiar as atividades dos nossos canais e da
Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)
5.
Comentários
sobre o livro A utopia autoritária
brasileira
5.1.
Esse livro foi publicado em 2025 pela editora Crítica
e é da autoria do historiador carioca Carlos Fico, que é professor da UFRJ
5.1.1.
O livro apresenta a atuação política dos
militares na República brasileira, desde o final do Império até o golpe de 1964
5.1.2.
O autor é especialista na atuação política dos
militares, especialmente a partir dos anos 1930
5.1.3.
É um livro bem escrito e agradável de ser lido;
o autor apresenta em detalhes inúmeras conjunturas, o que é sempre interessante
e instrutivo
5.2.
Apesar dos méritos do livro e do autor, o volume
apresenta vários defeitos, alguns deles bastante evidentes, outros exigindo um
pouco de conhecimento histórico e teórico
5.2.1.
O autor é bastante cuidadoso no relato de
acontecimentos
5.2.2.
Do ponto de vista filosófico e teórico, ele
deixa bastante a desejar
5.2.3.
Em outras palavras, ele narra bem os fatos (ele
conta bem a história), mas é bem mais fraco na organização e na abstração
sociológica do que ele narra
5.3.
Para o que nos interessa e antes de mais nada, o
autor compartilha preconceitos contra o Positivismo com outros autores que não
têm vergonha em repetir tolices e/ou em mentir (como Sérgio Buarque de Holanda
e Celso Castro)
5.3.1.
Como conseqüência de seus preconceitos, ele atribui
ao Positivismo e aos positivistas comportamentos negativos – evidentemente, sem
nenhuma comprovação!
5.4.
Nesse sentido, ele (1) assume que possibilidades
e hipóteses não comprovadas são fatos comprovados e (2) apresenta juízos de
valor agressivos sem comprovação
5.4.1.
No que se refere ao primeiro aspecto, o autor
atribui reiteradamente ao longo de todo o livro a Benjamin Constant e ao
Marechal Deodoro uma orientação golpista dos militares; a comprovação disso, no
que se refere a Benjamin Constant, foi uma carta de Deodoro a Pedro II que “possivelmente [!] foi escrita por
Benjamin” (p. 43)
5.4.1.1.
A atribuição da carta de Deodoro a Benjamin
Constant, com base em um “possivelmente”, é um procedimento escandalosa e
chocantemente arbitrário, enviesado e preconceituoso: (1) atribui sem provas e sem nenhuma possibilidade de comprovação a Benjamin o que o autor
reprova; (2) serve para menosprezar Deodoro; (3) serve para acusar sem provas
Benjamin Constant; (4) atribui a Benjamin Constant algo que poderia ser
imputado a qualquer outra pessoa (incluindo, evidentemente, apenas o próprio
Deodoro)
5.4.1.2.
Além de atribuir totalmente sem prova e de maneira impassível de provar um
comportamento reprovável a Benjamin Constant, o autor despreza totalmente as inúmeras
manifestações pacifistas e civilistas de Benjamin, escritas em cartas e
manifestadas de maneira efetivamente pública em inúmeras ocasiões – e isso
apesar de incluir nas referências bibliográficas do livro a biografia de Benjamin escrita por Teixeira Mendes
5.4.1.3.
Em outras palavras, o autor força um argumento no sentido que lhe convém e despreza as muitas e
fortes evidências em contrário
5.4.2.
Por outro lado, referindo-se a Teixeira Mendes
sem ter necessidade disso, o autor não deixa de dizer que ele (representando a
Igreja Positivista do Brasil) falava “barbaridades sobre a vacinação” (p. 97)
5.4.2.1.
A observação sobre “barbaridades” é (1) feita de
maneira genérica e sem comprovação nenhuma (ou seja, sem citar nenhuma frase,
parágrafo ou argumento), (2) sem necessidade para o argumento do livro (ou
seja, foi feita apenas para xingar), (3) desprezando a gigantesca produção da
Igreja Positivista sobre os mais variados temas ao longo de toda a I República
e (4), em particular e de maneira vinculada com o tema do livro, desprezando a
sua firme e convicta atuação contra a violência, contra o militarismo e a favor
do civilismo
5.5.
Os defeitos acima são, por si sós, bastante
graves e servem para pôr seriamente em dúvida a honestidade do autor e a correção
do livro; mas podemos notar ainda inúmeros outros defeitos:
5.5.1.
Seguindo um mau hábito do historiador José
Murilo de Carvalho, o autor Carlos Fico gosta de citar anedotas e fofocas como
comprovações de fatos e, em todo caso, para criar impressões, como no caso da
referência a supostas barbaridades dos positivistas
5.5.1.1.
A esse respeito, vale notar que o autor faz
questão de desrespeitar os positivistas, mas nada fala das barbaridades por
exemplo de Luís Carlos Prestes (que mandou executar uma adolescente que era
namorada de um dos membros do comitê central do PCB, apenas porque suspeita –
sem provas – de colaborar com a polícia)
5.5.2.
A exposição do autor cria a forte impressão – na
verdade, isso integra o seu argumento (p. 8) – de que a República foi criada
unicamente por meio de um golpe militar, deixando de lado o fato de que ela foi
precedida por 20 anos de militância republicana, de campanha de legitimação
amplamente aceita e de progressivo e irreversível comprometimento da monarquia
5.5.3.
Apesar de formalmente reconhecer diferentes
conjunturas, a exposição que o autor faz do golpismo militar revela uma
incapacidade de distinguir diferentes movimentos políticos e diferentes
contextos sociais, políticos e filosóficos:
5.5.3.1.
(1) o final do Império e a proclamação da
República (1870-1889) caracterizou-se pelo militarismo monarquista, pelas campanhas
abolicionista e republicana, pelas crises políticas e sociais (Questão
Religiosa, Questão Militar) e pela crise da monarquia;
5.5.3.2.
(2) a I República (1889-1930) caracterizou-se
pela fundação do regime, pelas crises de afirmação e legitimação do regime e
pelo prestígio militar, pelo funcionamento regular do regime, mas sem ativismo golpista dos militares;
5.5.3.3.
(3) o período 1930-1964 caracterizou-se pelo
ativismo militarista com claro viés
golpista, especialmente a partir das influências fascista e comunista
5.5.4.
Da mesma forma, o autor é incapaz de distinguir as
diferentes grandes influências políticas e filosóficas dos vários contextos:
5.5.4.1.
O imperialismo militarista do Império e o
contraditório desprezo pelos militares, representado desde antes da Guerra
contra o Paraguai pela criação da Guarda Nacional
5.5.4.2.
O pacifismo civilista positivista (o que, como
vimos, o autor despreza e ridiculariza)
5.5.4.3.
O golpismo antissistêmico comunista
5.5.4.4.
O golpismo antissistêmico integralista e
fascista
5.5.4.5.
A influência tensionadora da Guerra Fria
5.5.4.6.
A virada política representada pela Revolução
Cubana e seus efeitos radicalizadores na política externa dos Estados Unidos a
propósito da América Latina
5.5.4.7.
A única exceção às influências políticas e
filosóficas que o autor reconhece é ao oportunismo de Rui Barbosa, que o autor
expõe em detalhes
5.6.
Há dois anos abordamos o tema do militarismo no
âmbito do Positivismo; muitos dos erros teóricos e históricos comentados aqui
foram então abordados naquela ocasião (prédica “Sobre o militarismo”, 17 de Descartes de 169/24.10.2023)
6.
Sermão: recuperar a I República
6.1.
O tema de hoje curiosamente tem muito a ver com
os comentários que acabamos de fazer sobre o livro de Carlos Fico; na verdade,
bem vistas as coisas, os graves defeitos que acabamos de indicar sobre esse
livro ilustram e comprovam o que argumentaremos agora: é urgente recuperarmos e
valorizarmos a I República
6.1.1.
É importante notarmos que já abordamos esse tema
em duas ocasiões anteriores, em situações diferentes: (1) na palestra “Crítica à República e desistência de uma utopia”, apresentada no II Ciclo de Palestras do
Centro Positivista do Lavradio (Rio de Janeiro, 18.11.2023), e (2) no artigo
publicado no Monitor Mercantil (Rio
de Janeiro, 13.10.2025), intitulado “Recuperar e revalorizar a I República”
6.1.2. Da
mesma forma, também bem vistas as coisas, tanto o sermão de hoje quanto os
comentários sobre o livro de Carlos Fico têm muito a ver com as reflexões
anteriores expostas no Apelo aos
conservadores, em particular no sentido da íntima vinculação entre a ordem
e o progresso
6.2. Pode
parecer estranho, à primeira vista, defender atualmente a I República no Brasil
6.2.1. Mas,
estranhamento por estranhamento, lamentavelmente na última década as mais
estranhas propostas políticas foram defendidas:
6.2.1.1.
Desde golpes fascistas até o parlamentarismo,
passando pelo retorno da monarquia e pelo sorteio como critério de escolha de
titulares de cargos públicos
6.2.2. Essas
propostas devem ser entendidas como aberrantes e, se não vivêssemos uma época
de profundas crises morais e políticas, essas propostas já deveriam ter sido
descartadas sumariamente, entendidas como as tolices aberrantes que de fato são
6.2.3. Adiantando
o argumento, a recuperação da I República é necessária no sentido de recuperar-se uma utopia política – que,
vistas as coisas com clareza, simplicidade e honestidade, é a mesma utopia atual
6.3. É
claro que, por outro lado, a recuperação que propomos da I República não é aberrante
e a estranheza não se justifica, ou não deveria justificar-se
6.3.1. O
eventual estranhamento que suscita hoje a proposta de “recuperação da I
República” deve-se ao sucesso obtido
pelas críticas feitas contra a República, desde c. 1915 – na verdade, considerando
a atuação dos monarquistas, desde antes – e em particular a partir de 1930
6.3.2. A
respeito da I República temos então que considerar pelo menos (1) a motivação
das críticas dirigidas contra ela e (2) o alto custo político, moral e social
dessas críticas
6.4. No
que se refere a nós, positivistas, a revalorização da I República justifica-se
por diversos motivos:
6.4.1. Evidentemente,
o primeiro aspecto deve-se ao fato de que nós fomos alguns dos mais ativos
promotores da República
6.4.2. Da
mesma forma, é necessário lembrar que contribuímos de maneira decisiva para
várias instituições republicanas, algumas das quais precisam com urgência serem
retomadas, como a separação entre os dois poderes
6.4.3. Deixando
de lado esse corporativismo, a recuperação da I República liga-se ao conteúdo
do projeto social, político e moral do republicanismo: organização social
pacífica, fraterna, cooperativa, produtiva
6.4.3.1.
Trata-se, portanto, da utopia republicana proposta, entre vários outros grupos, pelos
positivistas desde 1881 e levada a cabo até 1930
6.4.3.2.
Essa utopia foi negada por Oliveira Vianna e,
depois, também por
Getúlio Vargas, em seus vários esforços para legitimar seus golpes
6.4.4. Um
outro motivo para que nós, positivistas, queiramos recuperar a I República é
que a história da República está ligada ao Positivismo, no sentido de que se a
I República é considerada “velha” ou “ruim” ou “desprezível”, assume-se no
senso comum – mesmo que inconscientemente – que o Positivismo também seria
“velho”, “ruim”, “desprezível”
6.4.5. Outro
motivo é tanto sociológico quanto histórico e moral e refere-se diretamente às
concepções fundamentais do Positivismo: o desprezo pela I República impõe uma ruptura brutal na historicidade brasileira,
ou seja, impõe à nossa história, consciente e propositalmente, mais uma ruptura
– quando o exercício que se deve praticar é o oposto, ou seja, a reconstituição
dos vínculos históricos
6.4.5.1.
As rupturas não são somente cisões no
entendimento do tempo, mas, pior, são desprezos atuais pelo que veio antes
6.4.5.2.
Assim, a ruptura imposta à I República na verdade
é apenas uma de inúmeras outras sucessivamente impostas ao conjunto da história
do Brasil; dessa forma, não há continuidade entre a colônia e o Império, entre
o Império e a I República, entre a I República e a Era Vargas, entre a Era
Vargas e a III República, entre a III República e o regime militar, entre o
regime militar e a Nova República
6.4.6. Um
último motivo que podemos indicar e que resume todos os anteriores é que se não há continuidade, não há acumulação
histórica, não há identidade nacional, não há aprendizado coletivo, não há
ordem social e nunca é possível qualquer tipo de progresso social, político e
moral
6.5. Tratando
da I República e das críticas que ela sofreu:
6.5.1. Antes
de mais nada, devemos notar que, bem ou mal, sempre houve e há críticas aos
regimes políticos
6.5.1.1.
Considerando críticas agressivas a regimes
políticos, podemos pensar com facilidade na extremamente agressiva campanha
levada a cabo em 1954 (suicídio de Vargas) por Carlos Lacerda e seus acólitos;
ou, então, na campanha de terra arrasada realizada pela coalizão golpista de
procuradores da República, juízes federais, militares e teológicos entre 2014 e
2022
6.5.2. No
que se refere à I República, tão logo ela foi proclamada em 1889 surgiram
críticas, especialmente a dos monarquistas, alguns declarados (o português
Eduardo Prado) e outros vergonhosamente disfarçados, como a que algumas décadas
depois foi feita por Oliveira Vianna; a Igreja Católica, da mesma forma, ao
perder seus vastos privilégios, fez coro aos reacionários
6.6. A
I República durou 40 anos (1889-1930); apesar do que escandalosamente
aprendemos nos livros escolares (incluídos aí os livros de professores
universitários), de que ela foi alvo de muitas críticas, o fato mais importante
é que, se ela foi criticada, ela também foi, muito mais e muito antes, apoiada
6.6.1. Na
verdade, não faz o menor sentido repetir as críticas habituais, de que ela
teria sido um longo período oligárquico com forte viés antissocial, antipopular
e antiliberdades
6.6.2. Como
comentamos há pouco, esse tipo de crítica também foi feito ao regime de 1946 a
1964, assim como começou a ser esgrimido novamente logo após 1988 e com
renovada intensidade após 2013, à direita e à esquerda
6.6.3. Dessa
forma, precisamos de criticidade sobre essa criticidade
6.7. Assumir
que a I República foi um bloco homogêneo em um país oligárquico com uma
população imbecilizada significa na verdade degradar
a vida nacional, que é entendida como eternamente realizada por idiotas
incapazes de pensar e atuar com autonomia
6.7.1. Aliás,
é assumir que justamente na I República a população brasileira tornou-se
imbecil e deixou de atuar com autonomia e coragem, ao contrário do que teria
feito (e fazia) antes (na colônia e no Império) e depois (após a Revolução de
1930)
6.7.2. Deveria
ser claro que isso não faz o menor sentido – entretanto, a começar pela quase
totalidade dos historiadores e cientistas sociais brasileiros contemporâneos, essa
falta de sentido é estranha e molengamente ignorada
6.8. A
I República foi proclamada contra e em substituição à monarquia, à escravidão,
ao misticismo clericalista, à religião oficial de Estado, ao militarismo
imperialista, ao subdesenvolvimento, ao centralismo autoritário, à política
ultraoligárquica
6.8.1. Embora
estranhamente não se fale nada disso hoje em dia, o passivo social e político
do Império era gigantesco e, portanto, a mudança de regime era urgente
6.8.2. Assim,
ao contrário do que se omite dizer hoje em dia, a República foi um importante avanço
social, político e moral
6.9. Temos
que distinguir as críticas que propunham a destruição
do regime e as que cobravam melhorias
e o cumprimento das promessas republicanas
6.9.1. A
República teve dificuldades, problemas e limitações? Claro que sim. Mudanças
sociais são lentas e exigem que a sociedade persista. Basta considerarmos que o
novo regime teria que ser conduzido por muitos grupos e políticos vinculados à
antiga ordem (como, aliás, ocorreu após 1988 e, agora, mais uma vez depois de
2022), incluindo os adesistas de última hora, ansiosos por manter o poder, como
o mistificado Rui Barbosa
6.9.2. Proclamada
para realizar o progresso social, a República foi criticada por vários grupos
que desejavam que esse progresso ocorresse e que, portanto, faziam críticas
construtivas
6.9.2.1.
Para comprovar-se essa preocupação basta ler-se
(com honestidade) as publicações dos positivistas (Miguel Lemos e Raimundo Teixeira
Mendes à frente) ou as reflexões de Alberto Torres
6.9.2.1.1.
Os positivistas publicaram desde 1881 até 1927 e
mesmo depois; Torres publicou na década de 1910
6.9.3. Todavia,
na década de 1910 começou a publicar também um outro autor, Oliveira Vianna
6.9.3.1.
Não sendo da geração que fizera a República, com
uma admiração mística e mistificadora pela monarquia, Oliveira Vianna
desprezava a República, suas instituições e suas ações; ele admirava o
parlamentarismo liberal inglês praticado durante o Império, com seus elementos
oligárquicos, antipopulares e autoritários
6.9.3.2.
As críticas que Oliveira Vianna fazia à
República (como se lê em O idealismo da
constituição) eram destrutivas e extremamente ácidas; para ele, enquanto os
políticos do Império eram o suprassumo da sabedoria política, os políticos da
República eram idiotas iludidos, deslumbrados e irrealistas
6.9.3.3.
Não por acaso, criticando as liberdades
consagradas na Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891, com todas as
letras e de maneira inequívoca Oliveira Vianna defendia – mais uma vez: contra
a República – o autoritarismo
6.10.
A partir da década de 1920 as crises sociais e
políticas aumentaram. As críticas meramente negativas (contra o regime)
ganharam cada vez mais espaço, ao passo que as críticas construtivas
escassearam
6.10.1. As críticas
negativas foram levadas a cabo por Oliveira Vianna à frente, mas também por Monteiro
Lobato, pelos anarquistas, pelos comunistas e outros, além dos artistas e “intelectuais”
anárquicos da “Semana de Arte Moderna” (entre os quais se inclui Sérgio Buarque
de Holanda)
6.10.2. Quando, em
outubro de 1930, Getúlio Vargas deu o seu primeiro golpe de Estado, os
argumentos utilizados a posteriori
para justificar suas ações foram de caráter destruidor: apesar de ter iniciado
sua carreira como um importante político da República, sua lealdade com o
regime era mínima, para não dizer nula
6.10.3. Depois de
novembro de 1937, após o segundo golpe de Estado de Vargas, a justificativa a posteriori para o golpe e para o
regime agressivamente autoritário repetia, ipsis
literis, os insidiosos argumentos de Oliveira Vianna
6.10.3.1. A
justificativa a posteriori do golpe de
1937 foi escrita pelo Ministro da Educação, Gustavo Capanema
6.11.
É espantoso e escandaloso que se repita até hoje
a mentalidade celebrada pelos autoritários Oliveira Vianna, Francisco Campos e
seus acólitos
6.11.1. Mesmo intelectuais
supostamente e autointitulados “progressistas”, como Lília Schwarcz, repetem esses
argumentos (ainda que se valendo de comentários à esquerda, como os feitos por Lima
Barreto)
6.11.2. Não por
acaso, a noção de “República” é desprezada e fala-se em “República Velha” para referir-se à I República
6.12.
Para concluir: o desprezo nutrido desde 1930
pela I República tem graves conseqüências políticas, sociais e morais:
6.12.1. Em primeiro
lugar, trata-se de uma lamentável vitória de longo prazo da mistificação monarquista e autoritária de
Oliveira Vianna – na verdade, dupla
mistificação, a favor da monarquia (que
teria sido uma época idílica) e contra a I República (que teria sido um bloco inteiriço
oligárquico, antipopular e imbecilizante)
6.12.2. A segunda conseqüência
é a ignorância do conceito de República, da sua utopia e das suas condições
institucionais, sociais e morais, em prol de confusões sobre a “democracia” (entre
as quais se incluem a democracia autoritária de Oliveira Vianna, retomada nos últimos
anos pelos neofascistas!)
6.12.3. A terceira
conseqüência é o entendimento de que a
população brasileira teria sido imbecilizada justamente (e apenas) na I
República, cessando seu intenso ativismo vigente desde a fase colonial mas magicamente
retomada após 1930
6.12.4. A quarta
conseqüência resume as anteriores: não se entende a vida política brasileira
com um desenvolvimento ao longo do tempo (com clivagens eventuais), mas como
contínuos e renovados erros – a serem expurgados a cada 20 ou 30 anos. O
resultado disso é trágico: falta de
memória histórica, de aprendizado coletivo, de ordem política, de progresso
social
7.
Término da prédica
Referências
- Augusto
Comte (franc.), Sistema de filosofia
positiva (Paris, Société Positiviste, 5e ed., 1893).
- Augusto
Comte (port.), Apelo aos conservadores
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.
- Augusto
Comte (port.), Catecismo positivista
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).
- Carlos Fico
(port.), A utopia autoritária brasileira
(São Paulo, Crítica, 2025): https://www.amazon.com.br/Utopia-autorit%C3%A1ria-brasileira-democracia-nascimento/dp/8542233816/.
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.) Prédica
positiva “Sobre o militarismo” (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 17.Descartes.169/24.10.2023):
https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/10/sobre-o-militarismo.html.
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.): “Recuperar e
revalorizar a I República” (Monitor
Mercantil, Rio de Janeiro, 13.10.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/10/recuperar-e-revalorizar-1-republica.html.
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.): “Sobre o
livro A utopia autoritária brasileira, de Carlos Fico” (Curitiba, Igreja
Positivista Virtual, 21.10.2025): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2025/10/sobre-o-livro-utopia-autoritaria.html.
- Gustavo
Biscaia de Lacerda (port.): Palestra
“Crítica à República e desistência de uma utopia” (Rio de Janeiro, Centro
Positivista do Lavradio, 18.11.2023): https://www.youtube.com/watch?v=c36-5jSBnCo&t=2s.
- Luís
Lagarrigue (esp.), A poesia positivista
(Santiago do Chile, 1890): https://archive.org/details/luis-lagarrigue-a-poesia-positivista-1890_202509.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), As últimas
concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil,
1898): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i
e https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), Benjamin
Constant – esboço de uma biografia sintética da vida e da obra do Fundador da
República Brasileira (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1913,
2ª ed.): https://archive.org/details/n.120biografiadebenjaminconstantv.1.
- Raimundo
Teixeira Mendes (port.), O ano sem par
(Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.