08 agosto 2024

Sobre a Revolução Francesa

No dia 23 de Dante de 170 (6.8.2024) retornamos das férias e retomamos as prédicas positivas, com a leitura comentada do Catecismo positivista, em sua duodécima conferência, dedicada à exposição da evolução histórica do desenvolvimento humano e das religiões (tratando em particular do fetichismo e do politeísmo).

Na parte do sermão abordamos a Revolução Francesa, especialmente a interpretação sociológica, intelectual e moral desse grande evento.

Antes do sermão indicamos as efemérides ocorridas durante as nossas férias, no mês de Dante.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/pOEvx) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/VmAjo).

As anotações que serviram de base para a exposição oral estão reproduzidas abaixo.

Os horários da prédica são os seguintes:

00 min 00 s - início da prédica

3 min 44 s - exortações iniciais

22 min 18 s - efemérides

32 min 28 s - leitura comentada do Catecismo positivista

57 min 43 s - sermão sobre a Revolução Francesa

2 h 13 min 43 s - término da prédica

*   *   *


Sobre a Revolução Francesa

(23.Dante.170/6.8.2024)

1.       Início

2.       Exortações iniciais:

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade!

2.3.1. Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com

3.       Efemérides:

3.1.    8.Dante (22.7): 201 anos de nascimento de Georges Audiffrent (1823)

3.2.    13.Dante (27.7): 150 anos de nascimento de João David Pernetta (1874)

3.3.    15.Dante (29.7): 800 anos de nascimento de Joinville (1224)

3.4.    16.Dante (30.7): 500 anos de nascimento de Camões (1524)

3.5.    20.Dante (3.8): 34 anos da transformação de David Antônio da Silva Carneiro (1990)

3.6.    26.Dante (9.8): 300 anos de nascimento de Klopstock (1724)

3.7.    27.Dante (10.8): 200 anos da transformação de Byron (1824)

3.8.    27.Dante (10.8): 107 anos da transformação de Miguel Lemos (1917)

3.9.    28.Dante (11.8): 51 anos da transformação de Luís Hildebrando de Horta Barbosa (1973)

3.10.                     12 a 28 de Dante (26.7 a 11.8): Olimpíadas de Paris

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista: duodécima conferência, dedicada à evolução histórica da religião, em particular com o fetichismo e com o politeísmo

5.       Sermão: sobre a Revolução Francesa

5.1.    Esse tema foi sugerido por um novo adepto e também pelas Olimpíadas de 2024, que se realizam atualmente em Paris e que apresentaram, em sua abertura, referências à Revolução

5.1.1. A mascote das Olimpíadas, nesse sentido, é o barrete frígio, chamado no evento de “Frige” (“Phryge”), na versão comum e na versão para-olímpica

5.1.2. O barrete frígio tornou-se o símbolo tanto da Revolução Francesa quanto, por extensão, dos revolucionários, dos jacobinos e dos republicanos

5.1.3. O barrete frígio é um chapéu vermelho com abas na frente das orelhas e uma ponta acima da cabeça; ele é “frígio” porque teve origem na Frígia, que é uma região no centro da Turquia

5.1.3.1.             Desde o início da Revolução ele foi recuperado e adotado pelos sans-culottes, isto é, pelo comum do povo

5.2.    Neste sermão não nos ocuparemos das várias fases da Revolução nem das suas personagens

5.2.1. Isso não se deve a que as fases e as personagens não sejam importantes – bem ao contrário –, mas porque o que nos interessa aqui é o exame sociológico, político, filosófico e moral da Revolução

5.2.2. Vale notar que Augusto Comte e os positivistas sempre deram grande atenção à Revolução, às suas fases e às suas personagens

5.2.2.1.             Augusto Comte dedicava grande atenção em particular à fase da Convenção Nacional (1792-1795) e elogiava muito Danton e seu grupo

5.2.2.2.             Augusto Comte tratou longamente da Revolução:

5.2.2.2.1.                   Nos opúsculos de juventude (por exemplo, na Sumária apreciação do conjunto do passado moderno, de abril de 1820, e no Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade, de abril de 1822-1824)

5.2.2.2.2.                   Nos capítulos históricos da Filosofia positiva (lição 55, do v. V, e lições 56 e, principalmente, 57, do v. VI) (1841 e 1842)

5.2.2.2.3.                   No Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo (segunda e terceira partes) (1848, 1851)

5.2.2.2.4.                   No v. III da Política positiva (especialmente o cap. 7) (1853)

5.2.2.3.             Os positivistas, especialmente os franceses, também trataram muito da Revolução:

5.2.2.3.1.                   Pierre Laffitte: A Revolução Francesa

5.2.2.3.2.                   Dr. Robinet: Dicionário da Revolução Francesa, Memória sobre a vida privada de Danton, Condorcet, Movimento religioso durante a Revolução, O processo dos dantonistas etc.

5.2.2.4.             Augusto Comte também incluiu na Biblioteca Positivista a obra História da Revolução Francesa, de François Mignet (1824)

5.3.    No âmbito do Positivismo, a Revolução Francesa é importante (1) como culminação de um amplo processo histórico, (2) como um evento específico e, a partir dessas referências, (3) como início de uma nova era

5.3.1. Além disso, como indicaram alguns sociólogos, a Revolução Francesa é o evento que (4) estimula a fundação da Sociologia e, nesse sentido, a fundação do Positivismo

5.3.2. Vale notar que a interpretação positivista é – como, aliás, de resto, todas as interpretações positivistas – “multidimensional”, abarcando aspectos políticos, sociais, intelectuais e morais

5.3.3. As concepções positivistas sobre a Revolução Francesa – seja pela importância que a Revolução tem para o Positivismo, seja pelos amplos desenvolvimentos teóricos (sociológicos, políticos, morais), seja pelos amplos desenvolvimentos historiográficos – valem por si sós, não devem nada a ninguém e podem e devem ser levadas extremamente a sério

5.3.3.1.             Em contraposição à amplitude moral, intelectual e prática das concepções positivistas sobre a Revolução, ao longo do século XX afirmaram-se e tiveram fama outras perspectivas mais restritas e menos generosas:

5.3.3.1.1.                   O marxismo, com uma interpretação ao mesmo tempo economicista e centrada nas disputas políticas

5.3.3.1.1.1.  Apesar das evidentes e enormes limitações morais e intelectuais próprias ao marxismo, ele tem o mérito de entender a Revolução em um sentido histórico mais amplo, ultrapassando o estrito contextualismo historiográfico liberal

5.3.3.1.1.2.  Muito da interpretação marxista do século XX dedicou-se a entender a Revolução Francesa como um prenúncio – e, daí, como uma justificativa – da Revolução Russa de 1917

5.3.3.1.2.                   O liberalismo, com uma interpretação estritamente política, ou melhor, politicista

5.3.3.1.2.1.  Um dos grandes nomes do revisionismo liberal, de corte politicista, foi François Furet, para quem se deve entender a Revolução estritamente em termos políticos e (ultra)contextualistas, ou seja, desprezando o entendimento sociológico mais amplo

5.3.3.1.2.2.  Embora corretamente criticando a justificativa da Revolução Russa, o fato é que esse revisionismo liberal empobrece e degrada a interpretação histórica, sociológica, intelectual e moral mais ampla da Revolução Francesa – chegando ao ponto de criticar a República e de justificar a monarquia! (Por exemplo, a colega de Furet, a historiadora Mona Ozouf, em Varennes, a morte da realeza (Companhia das Letras, 2009))

5.4.    Como indicamos acima, a Revolução Francesa é a culminação de um amplo processo histórico; esse processo corresponde ao que Augusto Comte chamava de “duplo movimento moderno”, que, por sua vez, é a etapa final da tripla transição ocidental

5.4.1. A tripla transição ocidental é o multimilenar processo de desenvolvimento das características humanas realizado no Ocidente, em que, após o rompimento da ordem estacionária e conservadora das teocracias, o Ocidente desenvolveu sucessivamente os aspectos vinculados à inteligência (na Grécia), à atividade prática (em Roma) e aos sentimentos (na Idade Média)

5.4.2. Após a tríplice transição ocidental, com o desenvolvimento das características da natureza humana, ocorrido sob a teologia, passa a ocorrer a transição do absolutismo para o relativismo, com a decomposição do antigo regime (teológico, militarista) e a constituição da nova sociabilidade (positiva, pacífica)

5.4.2.1.             Assim, embora a explosão revolucionária tenha ocorrido especificamente na França, o amplo movimento social, político, filosófico e moral de que ela foi ao mesmo tempo o clímax e uma etapa é um movimento plenamente ocidental, ou seja, supranacional

5.4.2.2.             Além disso, devido aos seus fundamentos e às suas implicações, não apenas é supranacional e, nesse sentido específico, é civilizacional, como, de maneira mais ampla, é também um acontecimento universal

5.4.2.3.             Da mesma forma, na medida em que o Positivismo é a realização dos mais nobres ideais da Revolução – ideais que não puderam e que não conseguiriam realizar-se durante a Revolução –, o Positivismo assume com clareza uma significação universal, que se realiza clara, explícita e conscientemente nas elaborações de Augusto Comte (daí resultando, aliás, muito do ódio nutrido contra o Positivismo por seus adversários, como os reacionários teológicos, como os reacionários metafísicos (idealistas e liberais), como os revolucionários metafísicos (marxistas, por exemplo) e outros)

5.4.3. Nos termos de Pierre Laffitte (A Revolução Francesa, p. 9), a Revolução Francesa foi uma “crise social”, no sentido de que foi um esforço abortado, pois, do lado negativo, destruiu o Antigo Regime, mas, do lado positivo, apenas se propôs o problema e algumas bases, sem que a questão tenha sido de fato resolvida

5.4.3.1.             O resultado disso foi que a Revolução Francesa, por mais importante e gloriosa que tenha sido, também foi incompleta (Laffitte afirma que seu desenvolvimento foi “vicioso”)

5.4.3.2.             Mas, de qualquer maneira, desde 1789 a crise era tanto inevitável quanto indispensável:

5.4.3.2.1.                   Por um lado, ela evidenciou a caducidade do Antigo Regime, que mantinha instituições desacreditadas e que impedia o desenvolvimento humano

5.4.3.2.2.                   Por outro lado, ela também evidenciou os elementos e as exigências do novo sistema

5.4.3.2.3.                   Além disso, ela também evidenciou que e o quanto os princípios críticos (metafísicos, isto é, voltairianos e rousseaunianos) são incapazes e incompetentes para reorganizar a sociedade

5.4.3.3.             Augusto Comte (Política, I, p. 66 – Discurso preliminar, segunda parte, “Destinação social do Positivismo”) indica que o desenvolvimento efetivo da doutrina construtiva só foi possível a partir do impulso revolucionário (o que, por outro lado, significa que a doutrina construtiva teve que se basear na doutrina negativa)

5.4.4. No trecho abaixo (Política, I, p. 85 – Discurso preliminar, segunda parte, “Destinação social do Positivismo”), Augusto Comte resume o sentido da Revolução e – mais importante – indica que o programa revolucionário mantém-se: “É assim que a extensão total da grande crise põe em plena evidência o verdadeiro caráter geral já assinalado pelo exame direto de sua natureza central. Todas as altas considerações sociais, tanto exteriores quanto interiores, concorrem então para provar que a segunda parte da revolução deve sobretudo consistir em reconstruir, em todo o Ocidente, os princípios e os hábitos, de modo a constituir uma opinião pública cuja irresistível preponderância determina em seguida a formação gradual das instituições políticas convenientes a cada nacionalidade, sob a comum presidência do poder espiritual que terá dignamente elaborado a doutrina fundamenta. O espírito geral dessa doutrina é principalmente histórico, enquanto a parte negativa da revolução deveu fazer prevalecer um espírito anti-histórico. Um ódio cego para com o passado era então indispensável para sair energicamente do antigo regime. Doravante, ao contrário, nossa inteira emancipação exige inicialmente que rendamos a todo o passado uma completa justiça, que se tornará o tributo mais característico do verdadeiro espírito positivo, único suscetível hoje de uma tal aptidão, conforme sua natureza sempre relativa. O melhor sinal da verdadeira superioridade consiste, sem dúvida, para as doutrinas como para as pessoas, em bem apreciar todos os seus adversários”.

5.4.5. A decomposição do antigo regime é espontânea nos séculos XIV e XV (com a emancipação cada vez mais aguda da teologia e o desenvolvimento das atividades pacíficas) e torna-se sistemática nos séculos XVI, XVII e XVIII (com o protestantismo, as guerras de religião, o Iluminismo e a independência das colônias)

5.4.5.1.             Durante a decomposição espontânea, o antigo sistema foi atacado pelas bordas; na decomposição sistemática, ele passou a ser atacado no seu conjunto e cada vez mais no seu âmago

5.4.6. A constituição da nova sociabilidade é concomitante à decomposição do antigo regime, pois os agentes são com freqüência os mesmos nos dois casos: as antigas comunas livres tornam-se centros da atividade industrial (isto é, pacífica), a ciência desenvolve-se cada vez mais, minando as bases filosóficas e morais das antigas crenças, ao mesmo tempo que apóia e estimula as atividades pacíficas

5.4.7. Esses dois processos intensificaram-se cada vez mais; no século XVIII a afirmação e a proposição da nova sociabilidade ocorria com clareza

5.4.8. A França era o centro da Europa ocidental, tanto em termos geográficos quanto, principalmente, morais e filosóficos

5.4.8.1.             A essa centralidade francesa somava-se também o fato de que a monarquia francesa era a mais centralizada e a que mais concentrava as contradições do antigo regime (apoio às forças progressistas, manutenção das forças conservadoras e retrógradas)

5.4.8.2.             As tensões sociais, políticas e filosóficas aumentavam cada vez mais na França, resultantes de processos que vinham dos séculos anteriores e que no século XVIII tornaram-se bastante agudas

5.4.8.3.             Dessa forma, a situação social, política, filosófica, moral e até econômica da França conduzia-a cada vez mais para uma crise, que irrompeu afinal em 1789 (ou melhor, em 1788)

5.4.8.4.             Como indicamos antes, o sentido da Revolução Francesa, portanto, não foi apenas o de uma alteração de regime político; não por acaso, ela terminou o “antigo regime”, ou seja, a ordem própria à Idade Média, à ordem absoluta, teológico-militar (católico-feudal, de modo mais específico), e inaugurou a ordem moderna, relativa, positivo-pacífica

5.4.8.4.1.                   Em outras palavras, a Revolução Francesa tem um significado amplamente histórico e não somente ocidental, mas verdadeiramente universal

5.4.8.4.2.                   Quem reduz a Revolução Francesa apenas aos seus movimentos políticos e sociais, esvaziando seu conteúdo sociológico mais amplo, na verdade tem uma percepção reduzida da história da Humanidade e não entende os amplos processos sociais, políticos e filosóficos envolvidos

5.4.9. Esse é o relato sumário da filosofia da história positivista, ou melhor, da Sociologia Dinâmica; esse relato está exposto e desenvolvido cada vez mais, de maneira clara, ao longo de toda a carreira de nosso mestre

5.4.10.   É a partir dessa interpretação que Augusto Comte observa que a república (e o republicanismo), derivada política e logicamente da Revolução, tem duas partes conexas:

5.4.10.1.          Por um lado, o aspecto negativo, que é o fim da monarquia

5.4.10.2.          Por outro lado, o aspecto positivo, que é a sociedade agindo em benefício do bem comum

5.5.    Os aspectos específicos, conjunturais, da Revolução Francesa são subordinados ao seu desenvolvimento histórico mais amplo (essa é uma outra forma de dizer que o relato historiográfico subordina-se à explicação sociológica)

5.5.1. Embora os acontecimentos contextuais subordinem-se aos constrangimentos sociológicos, eles têm sua “autonomia”, na medida em que os agentes concretos atuam com e pensam com suas próprias cabeças

5.5.2. Uma outra forma de entender isso é que os agentes concretos, além de representarem e implementarem (consciente e inconscientemente) escolas filosóficas e programas políticos específicos, também tomam decisões conforme os diversos momentos a partir de seus caracteres – o que pode conduzir as conjunturas para o sucesso, para o fracasso ou para situações intermediárias

5.5.2.1.             Como indicamos antes, Augusto Comte recomendava a História da Revolução Francesa, de François Mignet, para conhecer-se os vários acontecimentos do período (esse livro, que está na Biblioteca Positivista, foi traduzido e publicado por positivistas paulistas em 1898)

5.5.2.2.             Também como indicamos antes, muitos positivistas escreveram muito sobre a Revolução Francesa; por exemplo, Pierre Laffitte e, ainda mais, o dr. Robinet

5.5.2.3.             Por outro lado, também vale notar que a valorização da ação (ou da agência) individual em contextos específicos criados pelos antecedentes sociológicos revela-se nas avaliações feitas por nosso mestre da atuação de Danton, de Hoche e de Napoleão

5.5.3. Augusto Comte, no “Prefácio” ao v. III da Política (p. XL) faz os seguintes comentários: “A história caracterizará sempre a revolução francesa conforme o abalo radical de 1793, sem se deter no vago prólogo de 1789, que aceitou então os diversos contra-revolucionários. Tornada irrevogavelmente retrógrada desde a segunda metade do reinado de Luís XIV [1661-1715], a realeza francesa sucumbiu definitivamente com Luís XVI, após um século de putrefação crescente, que marcou um tal resultado. Jamais ela [a monarquia] foi restabelecida depois, malgrado as diversas ilusões oficiais, em que, tomando as palavras pelas coisas, esqueceu-se de que suas duas características essenciais, a inviolabilidade e a hereditariedade, não pertencem a nenhum de nossos ditadores sucessivos. Mas o empirismo universal não sente suficientemente tal situação necessariamente republicana da França senão depois da reversão da nossa última ficção monárquica [a chamada “Monarquia de Julho”, 1830-1848]”.

5.5.4. Assim, conjunturalmente, a Revolução Francesa eclodiu porque o Estado francês enfrentava grave crise financeira, decorrente entre outros motivos do apoio francês à exitosa guerra de independência dos Estados Unidos

5.5.5. Para fazer frente às necessidades financeiras (e aumentar os impostos), o ministro das finanças Necker foi obrigado em julho de 1788 a convocar os Estados Gerais, um conselho geral da nação francesa; os Estados Gerais não eram convocados desde a época de Richelieu, em 1614 (o que evidencia o despotismo); os Estados Gerais eram organizados em três estados (ou três ordens): o clero; a nobreza; o “terceiro estado” (os plebeus, ou seja, a burguesia e o proletariado urbano e rural), todos presididos pelo rei

5.5.6. Devido à pressão pública e à necessidade de legitimação, os Estados Gerais foram desde o início abertos às demandas populares, o que tornou o evento explosivo; logo que se iniciou a assembléia, as coisas saíram do controle do governo e assumiram uma dinâmica própria

5.5.7. Esquematicamente, as fases da Revolução são as seguintes: Assembléia Nacional Constituinte (1788-1792); Convenção Nacional (1792-1795); Diretório (1795-1798)

5.5.7.1.             Na assembléia nacional o antigo regime foi formalmente extinto e o rei foi submetido a um parlamento; na Convenção Nacional a monarquia foi extinta, a República foi proclamada e os antigos soberanos foram decapitados (por traição); no Diretório o ritmo revolucionário diminuiu, a República manteve-se mas não se conseguiu manter o ímpeto nem ter parâmetros para a reorganização social, resultando no golpe militar de Napoleão, em 1798, com o consulado e, em 1802, com o Império

5.5.7.2.             O essencial da Revolução aconteceu, portanto, um pouco na Assembléia Nacional e, principalmente, na Convenção Nacional

5.5.8. Augusto Comte determinou três grupos na Revolução, dois deles mais metafísicos (destruidores) e um positivo (construtivo, humano e positivo):

5.5.8.1.             Os voltairianos (a Gironda, da baixa burguesia, liderada por Brissot), que destruíam o altar mas mantinham o trono;

5.5.8.2.             Os rousseaunianos (liderados por Robespierre), que destruíam o trono mas mantinham o altar;

5.5.8.3.             Os dantonistas (herdeiros da Enciclopédia, ou seja, de Diderot), que buscavam reorganizar a sociedade em bases positivas, sem deus nem rei

5.5.8.4.             Os construtores foram precedidos por muitos pensadores (Pierre Laffitte, A Revolução Francesa, p. 8):

5.5.8.4.1.                   O grupo cosmológico: Clairaut, D’Alembert, Monge, Lagrange, Laplace, Lavoisier, Guyton de Morveau, Berthollet, Vicq-d’Azir, Buffon, Lamarck etc.

5.5.8.4.2.                   O grupo sociólogo: Montesquieu, Turgot, Condorcet, Quesnay, Gournay, Mirabeau pai etc.

5.5.8.4.3.                   O grupo moral: Diderot, D’Holbach, Georges Leroy, De Brosse etc.

5.5.8.4.4.                   Além de, fora da França, Beccaria, Kant e, acima de todos, David Hume

5.5.8.5.             Enquanto os girondinos foram importantes durante a assembléia nacional, os jacobinos (que combinavam os rousseaunianos e os dantonistas) foram importantes durante a Convenção Nacional

5.5.8.6.             A Convenção Nacional foi a responsável pela República; pelo fim das academias medievais; pela criação da Escola Politécnica; pela defesa nacional e por muitos outros atos importantes

5.6.    As paixões, o ardor político popular, o choque entre grupos sociais, as mudanças sociais, políticas, filosóficas – tudo isso abalou profundamente a Europa e levou as gerações seguintes de pensadores a refletirem sobre a Revolução Francesa

5.6.1. Exemplos banais disso:

5.6.1.1.             A celebrização e a difusão da fórmula “Liberdade, igualdade, fraternidade”

5.6.1.2.             A afirmação da “questão social”

5.6.1.3.             A extinção crescente da sociedade de castas (afirmada e mantida pela monarquia e pela teologia)

5.6.1.4.             A difusão do republicanismo, seja como regime político (formal), seja como princípio moral e político (de fundo)

5.6.1.5.             A criação e a difusão dos conceitos de “direita” e “esquerda” (originários das divisões políticas e geográficas da assembléia nacional)

5.6.1.6.             A constituição do pensamento político conservador (Reflexões sobre a revolução em França, de Edmund Burke) e reacionário (Do papa e Saraus de São Petersburgo, de José de Maistre e Teoria do poder político e religioso, de Luís de Bonald)

5.6.2. Assim, a Revolução Francesa foi o acontecimento geral que exigiu a criação da Sociologia; como argumentou corretamente nesse sentido Raymond Aron (As etapas do pensamento sociológico), a Sociologia e o Positivismo foram a forma encontrada por Augusto Comte para entender e explicar a Revolução Francesa e tirar lições e conseqüências dela

5.6.3. Uma conseqüência muito clara, muito direta e muito frutífera que Augusto Comte tirou da Revolução Francesa é, a partir dela, a dinâmica oscilante e oposta entre os revolucionários e os retrógrados, ou entre a anarquia e a retrogradação, ou entre a ordem e o progresso

6.       Término da prédica

01 agosto 2024

Raimundo Teixeira Mendes: "A dor sem nome!"

A Dor Sem Nome![1]

Ensaio religioso sobre a morte da nossa mãe santíssima.

(Sugerido pelo Stabat Mater[2].)

 

Prostrada no leito humilde,

            Em paupérrimo aposento,

            Pena inocente Clotilde!...

Nem do corpo o sofrimento,

            Nem d’alma os cruéis martírios,

            Dão-lhe um instante de alento!...

Qual sobre um tapis de lírios

            Mísera rosa atirada

            Dum vendaval nos delírios!...

Nem uma queixa magoada

            Os lábios febris rescalda...

            Nem na fronte descorada

Se crispa a loura grinalda...

            Só a gaze da saudade

            Empana o olhar d’esmeralda...

Infindo olhar de piedade

            Que ao angélico amparo

            Busca dar eternidade,

Pensando no fado amaro

            D’Aquele de quem na vida

            Era tudo que há mais caro!...

Assim, de si desprendida,

            Vê que precipite avança

            A funérea despedida...

E s’enleva na lembrança

            De que seja a morte sua

            Santo penhor de bonança!...

Porém a cegueira crua

            Do Fato recusa a prece

            Que o amor sem par lh’insinua!...

A Mãi, que tanto estremece,

            O meigo Pai qu’Ela adora,

            Irmãos por quem s’enternece,

Todos ausentes nessa hora!...

            Sozinho, com a Irman prezada,

            Junto d’Ela, o Mestre a chora

Quasi a mente desvairada!

            E Ela, já sem sentido,

            Mas d’amor sempre inspirada,

Suplica em tênue gemido:

            “Lembra-te, Comte, qu’eu peno

            Sem nunca o ter merecido!”

E nesse pungente treno,

            Onde a alma transfundiu-se,

            – Qual, num cântico sereno,

Corda que ao meio partiu-se

            O quinto harpejo vibrando, –

            A doce voz extinguiu-se!...

Logo, em letargo tombando,

            Por meia hora inclemente

            Fica-lhe o peito arquejando.

..................................

Tentando após lentamente

            Erguer a vista pesada,

            Desfalece novamente...

Sob a arca flagelada

            Do seio, estride fervendo

            A chaga fundo cravada...

Três vezes se suspendendo

            Ao cotovelo, se alçou;

            Três vezes desfalecendo

No leito pobre rolou!...

            E, com olhos errando,

            No céu alto a luz buscou...

E, apenas a deparando,

            S’evola da boca terna,

            Num gemido, o sopro brando[3]

..................................

Virgem-Mãi! Deusa superna!

            Ah! que prova então suporta

            A tua piedade eterna!...

Nos braços, a Filha morta...

            Aos pés, o Filho a morrer...

            Que só teu pranto conforta!!!

..................................

Mas teu suave sofrer,

            Que a imagem d’Ela resume,

            O faz à vida volver...

Nova existência Ela assume

            Assim, no fervente culto,

            A cujo celeste lume,

Ele desvenda teu vulto

            Nesse formoso semblante,

            Havia um ano sepulto!...

..................................

Ah! Mãi! Si o voto tocante

            Cumprisse nossa alma humilde!

            E já visses triunfante,

            Nos teus altares, Clotilde!...

 

R. Teixeira Mendes.                                     

Rio, 26 de Gutenberg de 114 (7 de setembro de 1902)[4]



[1] Nesta transcrição atualizamos em parte a grafia utilizada originalmente: por questões fonéticas, “mãe”, “irmã” e a conjunção “se” foram mantidos “mãi”, “irman” e “si”.

As fotos desse documento foram fornecidas, como em tantas outras ocasiões, por nosso amigo Hernani Gomes da Costa, a quem agrademos imensamente.

[2] Na Wikipédia há a seguinte explicação sobre o Stabat Mater: “O Stabat Mater (latim para Estava a mãe) é uma prece ou, mais precisamente, uma sequentia católica do século XIII. / Há dois hinos que são geralmente chamados de Stabat Mater: um deles é conhecido como Stabat Mater Dolorosa (Sobre as dores de Maria) e o outro, chamado Stabat Mater Speciosa, que, de maneira alegre, se refere ao nascimento de Jesus. A expressão Stabat Mater, porém, é mais utilizada para o primeiro caso – um hino do século XIII, em honra a Maria e atribuído ao franciscano Jacopone da Todi ou ao papa Inocêncio III” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Stabat_Mater, acesso em 1.8.2024).

[3] Nota de Teixeira Mendes: “Estas cinco estrofes são uma tradução dos versos de Virgílio escolhidos pelo nosso Mestre para recordar, na sua oração do meio dia, a morte de Clotilde”.

[4] Composto em setembro de 1902, mas publicado pela Igreja Positivista do Brasil em abril de 1903 (ano CXV da Revolução Francesa e XLIX da Era Normal).