21 maio 2025

Apresentação pessoal; a fórmula "destinação social"

No dia 28 de César de 171 (20.5.2025) realizamos a nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte, "dedicada à doutrina própria aos verdadeiros conservadores").

Na parte do sermão, abordamos a expressão usada por Augusto Comte, "destinação social".

Antes do sermão, fizemos uma apresentação pessoal de nossas atividades à frente da Igreja Positivista Virtual.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/live/wE5V1Z59bV8?si=Pn5x9RyN69sYKKCx) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Apresentação pessoal; a expressão “destinação social”

(28.César.171/20.5.2025) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

2.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Datas e celebrações:

3.1.    Dia 12 de César (4.5): transformação de Jorge Lagarrigue (1894 – 131 anos); comemoração de J. Lagarrigue, T. Carson, R. Congreve, A. Crompton e outros apóstolos positivistas

3.2.    Dia 13 de César (5.5): nascimento de Cândido Rondon (1865 – 160 anos)

3.3.    Dia 19 de César (11.5): fundação da Igreja Positivista do Brasil (1881 – 144 anos)

3.4.    Dia 21 de César (13.5): União das raças no Brasil (1888 – 137 anos); glorificação de Toussaint Louverture

3.5.    Dia 24 de César (16 de maio): nascimento de Luís Lagarrigue (1864 – 161 anos)

3.6.    No Dia 7 de São Paulo (27 de maio) não haverá prédica, devido ao evento promovido pela Igreja Positivista Virtual, com a colaboração do Templo Positivista de Porto Alegre: às 19h 30, “Contribuições para o desenvolvimento do Brasil”, exposto por Christian V. Kuhn

4.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

4.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

4.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

4.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

4.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

4.2.    Outras observações:

4.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

4.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

4.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

5.       Apresentação pessoal

5.1.    Faço as prédicas pela internet há alguns anos, em diferentes modelos, e tenho tido um crescente reconhecimento de minhas atividades

5.2.    Desde o início eu parti do pressuposto que, mais que por meio de títulos e pompas, a minha atuação deveria e deve legitimar-se ao longo do tempo, pela qualidade dessa atuação, como um verdadeiro e efetivo poder Espiritual: exposição clara, honesta, competente, autônoma, útil, informada, respeitadora e valorizadora do público

5.2.1. Após alguns anos fazendo as prédicas, convém agora eu fazer uma apresentação pessoal: a confiança do público no sacerdócio tem que ser ao mesmo tempo no conjunto do sacerdócio e em cada um dos sacerdotes

5.2.2. Estes comentários assumem, portanto, ao mesmo tempo um aspecto de apresentação pessoal e também de prestação pública de contas

5.2.2.1.             Em termos de prestação de contas, ela é complementar às “circulares anuais” que tenho elaborado, dando continuidade a uma prática iniciada por Augusto Comte e continuada pelos seguintes grandes sacerdotes e apóstolos da Humanidade, embora lamentavelmente interrompida nas últimas décadas

5.2.2.2.             Esta apresentação pessoal consiste, portanto, em mais uma forma de “viver às claras”, que é a condição política do “viver para outrem”

5.2.3. Esta exposição pessoal está planejada para realizar-se em uma prédica regular, bem como em um vídeo curto, isolado

5.2.3.1.             Nas prédicas eu costumo usar, como é natural, a primeira pessoa do plural (o “nós”); mas, como se trata de uma apresentação e de uma justificativa pessoais, nesta exposição eu usarei a primeira pessoa do singular (o “eu”)

5.3.    Eu sou Gustavo Biscaia de Lacerda; sou sacerdote da Religião da Humanidade e Diretor e fundador da Igreja Positivista Virtual

5.3.1. Sou sacerdote da Humanidade porque sou oficiante da Religião da Humanidade; além disso, sou apóstolo da Humanidade, difusor da Religião da Humanidade

5.3.2. Para essas atribuições, procuro seguir as orientações da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, conforme as disposições de 1881 (fundação da IPB) e os Expedientes de 1917/1927 (transformações de Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes), que, por sua vez, basearam-se nas orientações de Augusto Comte; ainda assim, é claro que as disposições que adoto consideram a experiência histórica do Positivismo, ou seja, consideram as inúmeras experiências concretas do Positivismo, bem como a situação moral, social e intelectual que vivemos atualmente

5.3.2.1.             Uma preocupação constante de minha atuação é com a “atualização” do Positivismo: já dedicamos algumas prédicas a esse tema e consideramos que atualizar o Positivismo consiste em adaptá-lo à realidade que vivemos, utilizar os meios adequados à sua difusão, aplicá-lo à realidade concreta vivida pelos seres humanos

5.3.2.2.             Há aspectos específicos da doutrina positivista que podem, e até devem, ser revistos, em face de desenvolvimentos posteriores às elaborações de Augusto Comte; entretanto, por um lado são aspectos muito pontuais e, por outro lado e mais importante, o conjunto da obra de nosso mestre e a quase totalidade de suas concepções mantêm-se relativisticamente inalteradas

5.3.2.3.             Rejeitamos em particular a tendência, muito própria aos hábitos mentais contemporâneos, profundamente marcados pela metafísica e sua criticidade destruidora, segundo os quais a “atualização” do Positivismo consistiria na prática em “rever”, negar, desprezar a obra de Augusto Comte, sem nenhuma preocupação com relativismo, simpatia, organicidade e veneração; tais hábitos mentais são particularmente ativos no jornalismo diário e nas academias, ambientes nos quais o novidadismo destruidor, antiorgânico e antissimpático apresenta-se como virtuoso e progressista, sendo com freqüência esgrimido por pessoas que se aproximam do Positivismo, mas desconhecem a doutrina e, em particular, não entendem seus sentimentos, suas idéias e suas preocupações práticas

5.3.3. Em particular, devo notar que o seguimento das diretrizes da IPB significa o respeito geral a essas diretrizes e o respeito à autoridade moral, espiritual, subjetiva de Miguel Lemos e Teixeira Mendes; por outro lado, como órgão empírico da Religião da Humanidade, mantenho autonomia objetiva em minhas atividades e decisões: em última análise, a responsabilidade por minhas ações é minha, sendo pessoal e intransferível

5.3.3.1.             A responsabilidade pessoal e intransferível pelas opiniões e ações do poder Espiritual é uma característica inerente a todos os servidores da Humanidade, quer sejam espirituais, quer sejam temporais; em qualquer caso, essa responsabilidade é condição e garantia da confiança depositada pelo público no servidor da Humanidade

5.3.3.2.             A responsabilidade pessoal e intransferível também se verifica na medida em que, conversando com outros positivistas, pedindo esclarecimentos e sugestões – em particular de nosso amigo de longa data, Hernani Gomes da Costa –, as opiniões expostas e as ações tomadas são sempre decididas e assumidas em última análise por mim (mais uma vez: isso não se trata de personalismo, que seria incompatível com o altruísmo positivista, mas trata-se de responsabilização do servidor da Humanidade)

5.4.    Atualmente tenho 48 anos e sou positivista desde os 16 anos de idade; nasci e vivo em Curitiba, capital do Paraná; minha profissão é de sociólogo, que exerço na Universidade Federal do Paraná

5.4.1. Olhando para trás, posso dizer que, desde que conheci o Positivismo e mesmo antes, sempre me orientei para o sacerdócio da Humanidade, valorizando o conhecimento do ser humano, valorizando a moral e a moralidade, assim como valorizando o conhecimento positivo de modo geral

5.4.2. Em termos de carreira acadêmica e profissional, fiz graduação em Ciências Sociais (na UFPR), mestrado em Sociologia (na UFPR) e doutorado em Sociologia Política (na UFSC); também fiz um pós-doutorado em Teoria Política (na UFSC) e um em Filosofia das Ciências (na UERJ); desde 2004 sou sociólogo profissional na UFPR

5.5.    Como positivista, entendo que a obra de Augusto Comte é uma única, embora evidentemente ela tenha passado por diferentes fases, que correspondem a um longo, importante e necessário processo de amadurecimento moral e intelectual, que culminou na criação da Religião da Humanidade, que, por seu turno, teve precisa e necessariamente como primeiro sacerdote (mas não único) Augusto Comte; nesse sentido, procuro ser um positivista completo, também chamado de “ortodoxo” ou, mais corretamente, de “religioso”, ao mesmo tempo em que me distancio dos positivistas incompletos, ou heterodoxos, que são meramente cientificistas, com freqüência anticlericais e/ou ateus

5.6.    Como positivista completo, ou ortodoxo, e ainda mais como sacerdote e apóstolo, procuro conhecer a obra de Augusto Comte diretamente na fonte, além de conhecer a obra de outros positivistas; é claro que “conhecer a obra” inclui não somente conhecer os livros canônicos (a Política positiva, o Catecismo positivista, a Síntese subjetiva etc.), mas também suas cartas e suas ações concretas (conforme expostas em relatos de discípulos, parentes e amigos); além de conhecer, é claro que também me esforço para aplicar essas concepções

5.6.1. Como comentei há pouco, procuro filiar-me à tradição moral e prática estabelecida pela Igreja Positivista do Brasil; nesse sentido, a tradição oral das práticas efetivas da IPB é importante, mas em última análise a mera repetição oral de tradições é insuficiente e tem que ser lastreada em documentos públicos, que assumem o aspecto de documentos escritos e publicados

5.7.    Sendo um positivista religioso e tendo a pretensão de ser um sacerdote e um apóstolo da Humanidade, não apenas correspondo à exigência intelectual fundamental – conhecer a obra de Augusto Comte e ser capaz de expor e explicar com autonomia e responsabilidade pessoal o Catecismo positivista e as últimas concepções de nosso mestre –, como também procuro cumprir as exigências morais, sociais e práticas correspondentes, em particular no sentido da separação entre os dois poderes

5.7.1. Sou (1) um apóstolo porque difundo a Religião da Humanidade e tenho conhecimento da doutrina; sou (2) um sacerdote porque atuo (ou procuro atuar) como um representante do poder Espiritual positivo e, além disso, ministro os sacramentos da Religião da Humanidade; em ambos os casos, (3) cumpro os requisitos exigidos para cada uma dessas atuações

5.7.1.1.             A concepção de que só houve e só há um sacerdote da Humanidade – Augusto Comte –, embora seja generosa, é radicalmente equivocada, baseada em uma devoção mal orientada, ignorante da doutrina e daninha para a prática religiosa

5.7.1.2.             A minha condição de apóstolo e, principalmente, de sacerdote vincula-se também à necessidade urgente de reconstituição dos quadros positivistas, especialmente em termos práticos

5.7.1.2.1.                   A reconstituição atual dos quadros positivistas é um objetivo real e ocorre de fato por diferentes meios; para nossa felicidade, podemos dizer com segurança que não apenas a Igreja Positivista Virtual é uma realidade concreta como também o Templo Positivista de Porto Alegre é atuante e há alguns anos fundou-se o Apostolado Positivista da Itália; saímos, portanto, das angustiantes situações, vividas algumas décadas atrás, em que não havia mais núcleos positivistas atuantes ou em que havia somente um

5.7.1.3.             Também é fundamental lembrar e afirmar que não basta alguém querer ser líder apenas devido à pretensão para tal; é necessário conhecer a doutrina, praticá-la, viver conforme seus parâmetros, difundi-la e ser um exemplo dela

5.7.1.3.1.                   Embora a vaidade e o orgulho sejam motivadores até importantes e embora eles impressionem bastante os ignorantes e os incautos, eles são insuficientes como fundamentos para a vida sacerdotal/apostólica e, ao longo do tempo, como já tivemos inúmeras ocasiões de comprová-lo, são desastrosos para o Positivismo

5.7.2. Não sou filiado a nenhum partido político; nunca concorri a nenhum cargo público eletivo; não pratico o jornalismo como profissão; não uso o Estado para difundir a doutrina

5.7.2.1.             Na verdade, considerando as exigências próprias a cada um dos dois poderes fundamentais (o poder Espiritual, que esclarece e aconselha, e o poder Temporal, que manda), estou convicto de que quem pretende ser apóstolo da Humanidade (ou sacerdote de qualquer doutrina) não pode nunca concorrer a cargos e, inversamente, quem concorre não pode nunca ser apóstolo e/ou sacerdote

5.7.3. Além disso, não promovo outras doutrinas nem outras associações que possam concorrer, direta ou indiretamente, com o Positivismo: aliás, rejeito qualquer ambigüidade a esse respeito: quando eu manifesto-me, procuro sempre deixar claro que é com base no Positivismo, quer seja em termos estritamente pessoais, quer seja quando falo em termos mais gerais

5.7.4. O sofrimento não é mérito, mas às vezes ele pode evidenciar compromissos íntimos: a minha vinculação, a minha identificação e a minha vida conforme o Positivismo são suficientemente grandes e são atestadas por dificuldades e exclusões que sofri exatamente porque sou positivista

5.7.4.1.             Um exemplo claro é a censura sofrida em concurso público para professor de Ciência Política na UFSC, em 2011, quando a banca, presidida por um liberal católico, proibiu-me de lecionar lá porque sou positivista (embora feministas, marxistas, liberais, anarquistas etc. etc. tenham permissão para lecionar nas universidades públicas e para usar essas instituições não como cátedras, mas como púlpitos)

5.7.4.1.1.                   Vale notar que o uso que se faz das universidades como púlpitos e não como cátedras (1) despreza a separação entre o poder Espiritual e o poder Temporal, (2) confunde e degrada o poder Espiritual, (3) atrapalha, dificulta e, no limite, impede a reorganização espiritual e (4) justifica, mais uma vez, muitas das críticas de Augusto Comte às instituições acadêmicas

5.7.4.2.             Além disso, com freqüência comento nas prédicas que o ambiente metafísico atualmente reinante na sociedade (ocidental) e na universidade gera equívocos e u’a mentalidade contrária ao Positivismo, que nos impede de falar, ao mesmo tempo em que se mente a nosso respeito e difundem-se doutrinas e “ideologias” daninhas à sociedade e ao ser humano

5.8.    Como é natural, os caminhos que levam ao Positivismo são muito variados; há quem chegue a ele pela filosofia, há quem chegue pela política, há quem chegue pelo coração: conforme eu entendo a Religião da Humanidade, ela satisfaz e deve satisfazer cada um desses caminhos, ao mesmo tempo em que evidencia que os outros aspectos da vida humana também devem, necessariamente, ser satisfeitos

5.8.1. O meu caminho foi basicamente intelectual e moral, em que, adolescente, eu procurava uma orientação na vida, mas também me preocupava com a política; chegando ao Positivismo, eu descobri e reconheci cada vez mais a importância do coração, que no fundo é o aspecto principal da Religião da Humanidade; além disso, a afirmação da visão de conjunto e da realidade da totalidade humana são concepções que cada vez mais aplico na minha vida

5.9.    Seja por temperamento, seja devido ao Positivismo, entendo os títulos e a pompa como formas que a vaidade mais tola e mais superficial tem para justificar-se e impor-se, especialmente quando essa vaidade é ignorante e sem méritos verdadeiros, ou seja, quando ela é vazia

5.9.1. Lembro que os sacerdotes, assim como os integrantes do poder Espiritual de modo geral, têm que ter uma certa vaidade, no sentido de buscarem a aprovação alheia; mas suas atividades não podem resumir-se a satisfazer essa vaidade, pois isso no final das contas degrada a doutrina, muito mais que o vaidoso

5.9.2. Da mesma forma, embora a pompa estimulada pela vaidade impressione bastante o comum das pessoas, muitas vezes resultando em apoios equívocos e equivocados, nossa missão como poder Espiritual positivo consiste também em, por um lado, rejeitar a pompa, a vaidade vazia, a ignorância e, por outro lado, em valorizar a visão de conjunto, a existência real de atributos morais, intelectuais e práticos, a atuação social e individual efetiva

5.9.3. Em vez de perseguir a satisfação da vaidade e/ou do orgulho, considero que o poder Espiritual deve manter uma relação de responsabilidade, seja para com a Humanidade em geral, seja para a sociedade particular em que vive, seja para com os membros de sua igreja: em outras palavras, em vez de o apóstolo e/ou o sacerdote buscar uma satisfação infantil ao ser ouvido e/ou obedecido pelos demais, o parâmetro que deve guiar a sua atuação é a responsabilidade depositada nele, como representante sistemático ou empírico da Humanidade, e que em termos concretos consiste em que o público que ouve o sacerdote e/ou apóstolo confia em seus conselhos e leva-os a sério

5.10.                     Como sacerdote e como apóstolo da Humanidade, entendo o aspecto de conselheiro do poder Espiritual: isso implica não somente que devo rejeitar a imposição das minhas crenças pelo Estado – bem como de qualquer outra crença –, mas que também devo ser um bom conselheiro para quem precisa de conselhos

5.10.1.   O aconselhamento próprio ao poder Espiritual é coletivo – em termos políticos, sociais e morais – e também individual – em termos igualmente políticos, sociais e morais

5.10.2.   O aconselhamento coletivo dá-se por meio da apreciação de temas de interesse público e realiza-se na leitura comentada das obras de Augusto Comte, nos sermões das prédicas e quando elaboramos “manifestos” políticos e sociais

5.10.3.   O aconselhamento privado ocorre tanto por meio das prédicas em geral – que, afinal, são vistas e acompanhadas por indivíduos – quanto por meio de aconselhamentos especificamente pessoais

5.10.4.   Se é verdade que os indivíduos só existem como abstrações, também é verdade que a Humanidade é um ser composto, que existe em última análise pelos indivíduos; da mesma forma, a ação sacerdotal modifica a sociedade também pela modificação dos indivíduos

5.10.5.   É importante eu notar que, enquanto eu preparei-me de modo especial ao longo de minha carreira em particular para o aconselhamento coletivo, o sacerdócio da Humanidade não pode nunca descuidar do aconselhamento individual: por esses motivos, e por muitos outros ainda, tenho-me dedicado cada vez mais a conhecer como lidar e como auxiliar de fato os indivíduos que acorrem ao Positivismo

5.10.5.1.          A preocupação com o aconselhamento individual tem-se desenvolvido ao longo das prédicas, como resultado das interações ocorridas nas prédicas e também como resultado do amadurecimento de minhas atividades como sacerdote e apóstolo

5.11.                     O último aspecto que quero comentar é que uma das conseqüências mais importantes do item anterior é que minhas prédicas têm evoluído ao longo do tempo

5.11.1.   Minha atuação dá-se basicamente pelas prédicas, que realizo toda terça-feira a partir das 19h, nos canais Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual)

5.11.2.   Quando eu iniciei as minhas prédicas à distância, já ocorriam nas manhãs de domingo as reuniões realizadas pelo Guardião do Templo Positivista de Porto Alegre, Érlon Jacques de Oliveira: com a especial e consciente preocupação de não o atrapalhar nem criar uma concorrência com ele – concorrência que seria desnecessária, desleal, contraproducente e antipositivista –, decidi realizar as minhas prédicas no meio da semana e à noite

5.11.3.   Sendo o progresso o desenvolvimento da ordem correspondente, creio que, aos poucos e cada vez mais, modifiquei e incrementei as prédicas, no sentido de torná-las mais sintéticas, mais orgânicas e mais simpáticas, ou seja, mais úteis, mais claras, mais interessantes, mais responsáveis e mais abertas ao diálogo

5.11.4.   Esse progresso paulatino e incremental dá-se por meio de ajustes em meus procedimentos; no aumento de atividades; na diversificação das atividades; na mudanças de canais para transmissão; no estudo e no aperfeiçoamento das condições e das práticas de aconselhamento

5.11.4.1.          O progresso paulatino e incremental também se dá, na medida de minhas possibilidades, por meio do estudo e da pesquisa sobre tudo quanto é dito e comentado nas prédicas, especialmente em termos de observações e dúvidas manifestadas pelo público; esse estudo é feito para que eu possa responder e comentar satisfatoriamente o que é dito pelo público

5.11.5.   Assim, sem pretender que o formato atual das prédicas seja excelente ou final, tenho certeza de que elas são hoje muito melhores do que eram no início – e isso não porque temos agora maior desenvoltura na exposição, mas porque as prédicas estão melhor estruturadas, com mais elementos que indicam melhor o seu aspecto religioso e que satisfazem melhor as necessidades coletivas e as individuais

6.       A expressão “destinação social”

6.1.    Como sabemos e como expomos em diversos momentos de nossas prédicas, a obra de Augusto Comte é rica não somente em máximas e fórmulas, mas também em expressões características

6.1.1. Uma dessas expressões, que nosso mestre empregou em diversos momentos ao longo de toda a sua obra, é “destinação social”; é sobre ela que queremos tratar hoje

6.2.    A idéia presente nessa expressão é ao mesmo tempo simples e poderosa: ela indica que uma sociedade e uma época são orientadas no seu conjunto para a realização de determinados valores e ideais, em particular no sentido de satisfazer necessidades sociais com fins altruístas

6.2.1. O conjunto dos esforços sociais é orientado para a satisfação desses ideais, envolvendo e abrangendo também, e necessariamente, os esforços individuais

6.2.1.1.             A orientação social, portanto, realiza e consagra a orientação altruísta do egoísmo

6.2.2. O sentido geral da expressão, portanto, é o de uma orientação social dos esforços coletivos e individuais

6.2.3. Não se trata de um mero aconselhamento, de sugestões fracas que são ouvidas e ignoradas; trata-se de uma efetiva orientação geral dos esforços coletivos, a partir de convicções profundas e compartilhadas

6.2.3.1.             Trata-se de fato, portanto, de sentimentos que orientam idéias e resultam em ações concretas

6.2.4. Vale a pena insistir: a orientação social engloba o conjunto das ações humanas, com intensidade, com vistas ao bem comum, realizando tanto a felicidade individual quanto as melhorias coletivas

6.2.4.1.             Em um sentido geral, a “destinação social” afirma o caráter sociológico das convicções humanas e a conformação sociológica das preocupações individuais

6.2.4.2.             Mas, de um modo mais específico, essa expressão afirma que toda sociedade deve afirmar e valorizar o bem comum

6.3.    A destinação social é característica do Positivismo, ou seja, da positividade, que a assume conscientemente como um parâmetro normativo

6.3.1. Com a teologia e a metafísica a destinação social é possível, mas apresenta problemas:

6.3.1.1.             Na teologia, a orientação social é disfarçada, confundida e até distorcida devido às preocupações com as divindades

6.3.1.1.1.                   Ao longo da história, houve momentos em que o mero culto às divindades consistiu em um progresso – por exemplo, quanto o culto astrolátrico constituiu-se, ou quando se constituíram as teocracias iniciais

6.3.1.1.2.                   Mas, para além desses momentos fundantes, a orientação social sob a teologia ocorreu devido ao esforço consciente dos sacerdotes e/ou dos líderes políticos, no que Augusto Comte chamava de “sabedoria prática do sacerdócio”: nesses casos, o sacerdócio empregou, de maneira socialmente útil, aquilo que é possível usar da teologia dessa forma; uma outra maneira de o sacerdócio realizar a sabedoria prática consiste em agir introduzindo elementos externos à teologia ou, ainda, consiste em atuar contra a teologia

6.3.1.1.3.                   Em outras palavras, enquanto a preocupação exclusiva com a teologia distancia-a do ser humano (embora em alguns momentos isso paradoxalmente tenha representado progresso), o bom senso sacerdotal, prestando atenção às efetivas necessidades humanas, utiliza o que há de aproveitável na teologia em benefício do ser humano; caso não seja possível tirar elementos úteis da teologia, a sabedoria prática sacerdotal ignora, despreza ou mesmo combate a própria teologia

6.3.1.2.             Na metafísica, o seu caráter crítico, destruidor, sempre deturpa ou corrompe a destinação social das ações humanas, para além dos problemas próprios ao caráter absoluto da metafísica

6.3.1.2.1.                   Evidentemente, houve casos históricos em que o aspecto destruidor da metafísica foi, por si só, progressista: a metafísica platônica é um exemplo, na transição do politeísmo para o monoteísmo, ou a metafísica teísta nos séculos XVI e XVII, que corroeu o catolicismo e o protestantismo: mas, ainda assim, essas destruições corresponderam à destinação social devido ao conjunto das circunstâncias nas respectivas épocas, ou seja, considerando cada época em função do movimento geral da Humanidade

6.4.    Como indicamos, Augusto Comte emprega essa expressão em toda a sua obra; mas podemos vê-la mais concretamente ao tratar-se dos antigos romanos, em particular comparando o período republicano com o período imperial

6.4.1. O período republicano corresponde à fase expansionista, ou “imperialista”, de Roma, em que se promoveu a guerra de conquista

6.4.2. Já o período imperial corresponde à fase de consolidação das conquistas territoriais, à afirmação da paz interna e ao começo das guerras de defesa

6.4.3. Augusto Comte emprega, assim, a expressão “destinação social” para indicar que no período decadente do império (depois de Otávio Augusto e Tibério, antes de Nerva e depois de Marco Aurélio, mas especialmente a partir do século II) os romanos já não tinham mais destinação social e que, por isso, tanto o conjunto da sociedade quanto, em conseqüência, os indivíduos não tinham parâmetros maiores para orientar, conduzir e regular suas condutas

6.4.4. Foi precisamente devido à falta de destinação social que se assistiu na fase decadente do império aos numerosos casos de depravação e degradação (Messalina, Nero, Cômodo etc.); inversamente, foi devido à ocorrência de uma verdadeira destinação social que a república – até as graves crises da decadência republicana (iniciadas pela necessária ação dos irmãos Gracos) – presenciou inúmeros casos de devoção pessoal, com Fabrício, Régulo, Paulo Emílio

6.4.5. O exemplo romano serve também para indicar que uma sociedade pode ficar sem destinação social (1) porque seus valores orientam-se para destinações egoísticas (é o caso do individualismo anglossaxão, liberal, especialmente dos Estados Unidos), ou (2) porque a destinação social prévia esgotou-se e não surgiu nenhuma outra destinação para substituí-la (caso do esgotamento das guerras de conquista na Roma antiga)

6.5.    Para além dos casos particulares – que, no presente caso, são realmente exemplares, isto é, servem como exemplos ilustrativos do ambiente social em cada grande fase –, o que se deve notar é que a idéia de destinação social pode (e deve) ser empregada de maneira mais geral e atualizada:

6.5.1. Em termos abstratos, a ausência de destinação social indica dois aspectos ao mesmo tempo:

6.5.1.1.             Por um lado, a ausência de destinação social corresponde ao que Augusto Comte chamava de “anarquia”, isto é, a ausência de parâmetros sociais compartilhados;

6.5.1.2.             Por outro lado, a ausência de destinação social permite a afirmação de concepções individualistas, egoístas, que negam totalmente o bem comum ou que subordinam o bem comum aos interesses particulares dos indivíduos

6.5.2. Em termos mais concretos, em decorrência dos dois aspectos acima, isto é, a “anarquia” com o egoísmo, a ausência de destinação social permite explicar os crescentes desajustes e problemas pelos quais atravessam as sociedades ocidentais contemporâneas, com taxas crescentes de violência, crimes, degradações diversas:

6.5.2.1.             Em particular as sociedades anglossaxãs (e a estadunidense de maneira muito marcada), são sociedades ricas que consagra(ra)m o individualismo, rejeita(ra)m um verdadeiro bem comum e que, com o término da Guerra Fria, perderam todos os parâmetros e estímulos que controlavam o individualismo e que conduziam o conjunto das sociedades para um bem comum

6.5.2.2.             A atual disputa entre EUA e China pode ser entendida nos termos da “destinação social”: por um lado a China, a partir de sua multimilenar tradição confucionista (a que até mesmo o comunismo deu alguma contribuição), tem uma intensa destinação social de suas atividades; por outro lado, o fascismo de Trump revela toda a anarquia devida à ausência de destinação social e todos os profundos desarranjos sociais, políticos e morais daí decorrentes

6.6.    Em suma:

6.6.1. A destinação social é uma expressão usada largamente por Augusto Comte

6.6.2. Essa expressão indica uma forte orientação da sociedade em prol de interesses coletivos e, em particular, em favor de objetivos altruístas

6.6.3. Essa expressa indica tanto a orientação do conjunto da sociedade quanto de cada um dos indivíduos, realizando portanto a orientação altruísta e o disciplinamento dos egoísmos

6.6.4. Enquanto o Positivismo afirma conscientemente a destinação social dos esforços, a teologia e a metafísica só a afirmam de maneira indireta e, em todo caso, sempre sujeita aos limites e às distorções próprias ao absolutismo teológico-metafísico

6.6.5. A ausência de destinação social conduz sempre a profundos desarranjos sociais, políticos e morais

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

7.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Invocação final

 

Referências

Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).

Delegação Executiva da Igreja Positivista do Brasil (port.), A Igreja Positivista do Brasil na hora da transformação de R. T. Mendes, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1928; publicação n. 503. 

19 maio 2025

Marcos Lanna: relações culturais e assimetria

Revendo algumas anotações antigas, encontrei citações de um antropólogo brasileiro a respeito das relações culturais entre diferentes povos (ou diferentes "culturas"). Tais citações foram tiradas de um artigo publicado há já um certo tempo - ele é de 1999 -, mas elas valem a pena de qualquer maneira; embora o autor baseie-se principalmente em Claude Lévi-Strauss e, secundariamente, em Rousseau e Marx, o fato é que os trechos abaixo dialogam diretamente com o Positivismo - daí o nosso interesse.

Entre citações que devem, todas elas, ser objeto de reflexão, a frase final que selecionamos chamou-nos em particular a atenção: "Vimos que é politicamente mais ingênuo desistir da busca de universais do que perseguir este objetivo".

O texto é de Marcos P. D. Lanna, professor de Antropologia da Universidade Federal de São Carlos (em São Paulo). As referências são estas: "Sobre a comunicação entre diferentes antropologias", Revista de Antropologia, São Paulo, v. 42, n. 1-2, 1999. O original pode ser lido aqui: https://doi.org/10.1590/S0034-77011999000100013.

*   *   *


“Tais estudos deveriam refletir sobre a ingenuidade política do projeto interpretativista e de alguns que o sucederam, inclusive os chamados cultural studies. Isto é, a presença de um diálogo com o outro não garante o fim da ‘autoridade etnográfica’. Entendo aqui este termo num duplo sentido: o primeiro é aquele, já convencional, da perspectiva de uma análise da retórica e da relação entre etnógrafo e seus leitores, como um estilo de escrita etnográfica. O segundo é o que entende a autoridade etnográfica como fato sociológico tout court, tomando-a como um momento da relação entre o etnógrafo (e sua sociedade) e os povos por ele visitados. Em ambos os casos, se a etnografia realmente é uma relação política, muitos de seus mistérios ainda devem ser desvendados. Ora, o diálogo não exclui mas pressupõe a diferença. Ele implica reciprocidade, mas esta relação, por sua vez, não pode ser associada à simples simetria: implica, necessariamente, também assimetria [...]. A relação entre hóspede e anfitrião é um exemplo de reciprocidade assimétrica ou hieráquica. O hóspede não pode, por definição, sentir-se em casa, seja qual for o discurso do anfitrião, independente do fato desse discurso apelar à simetria ou, ao contrário, assumir relações de controle. Se diálogo e reciprocidade não excluem assimetria e diferença, a superação da diferença só pode ser alcançada pela ausência de diálogo. Mais ainda, se a prática antropológica é dialógica, não podemos supor a priori o interesse do outro. Como diz Freire da Costa, ‘o outro é imprevisível (...) não obstante todo cálculo racional que eu faça’ [...]. O conteúdo das trocas que fundamentam o contato não é dado de antemão. Se o trabalho de campo é um trabalho cooperativo, nada garante que aqueles que recebem o antropólogo queiram, como este, ‘rejeitar distinções fundamentais’ entre nós e eles, ou ainda, que o próprio trabalho de campo não recrie essas distinções. Essas distinções variam em cada caso; elas não devem ser reificadas. Alguns [...] chegam a tomá-las como relações entre ‘espertos e leigos’ — o antropólogo sendo o esperto, bem entendido.

[...]

Aqueles que reduzem a antropologia a um registro de ‘múltiplas vozes’ não podem deixar de perceber que ‘o diálogo não é feito pela justaposição de muitas vozes, mas de sua interação’ [...]. Em qualquer situação etnográfica, esta interação implica assimetrias entre essas vozes. No caso analisado por Benedict, uma delas tinha a bomba atômica. A bomba aliada a uma certa ‘capacidade perspectiva’ definia um nós, uma ‘civilização mecânica’ e ‘hiperativa’ [...]. Assim, ao contrário do que sugere Todorov [...], não é apenas a ausência de perspectivismo que se liga a uma história de guerras. Vê-se, porém, haver coerência e honestidade na posição anti-antropológica (como a de Kevin Dwyer, mencionada acima), pois ela se funda no reconhecimento da relação entre uma noção de alteridade específica e uma história de guerras e crimes.

[...]

Em todo caso, fica evidente que, desde pelo menos 1950, quando a ‘Introdução à obra de Marcel Mauss’ foi escrita, Lévi-Strauss entendia de maneira profunda o fato de que a antropologia constrói seu objeto. Cinco anos depois, em Tristes trópicos, Lévi-Strauss tenta demonstrar mais detalhadamente como essa construção ocorreria. A ‘Introdução à obra de Marcel Mauss’ demonstra ainda que não há um momento final em que a dicotomia sujeito/objeto é totalmente superada. Mesmo assim, nós devemos sempre e continuamente buscar superá-la. É isto o que nos define como antropólogos. Não há nada de utópico nesse projeto. Podemos ser bem sucedidos, mas apenas momentaneamente, em micro encontros. Se algumas correntes da antropologia contemporânea pretendem não distinguir ‘o Ocidente do resto’, nem todas se revelam cientes da extrema ambição e das dificuldades, a meu ver insuperáveis, dessa proposta, assim como do simples fato de que há diferença entre superar e suprimir essa e outras dicotomias. A supressão dessa dicotomia traria trágicas conseqüências. Estaríamos então ignorando quem somos nós, antropólogos ocidentais. Por isso propus aqui o reconhecimento da civilização ocidental como uma civilização industrial e pós-industrial. Esta proposta não é nova. Ela havia sido feita por Lévi-Strauss, em Raça e História, baseada na crítica de Rousseau à hiper atividade da civilização mecânica, mas também na obra de Marx, entendida como uma monumental descrição dos aspectos distintivos dessa civilização. Não podemos assim negar a responsabilidade da antropologia em criticar ingênuas pretensões à universalidade. Vimos que é politicamente mais ingênuo desistir da busca de universais do que perseguir este objetivo”.

15 maio 2025

Novos documentos positivistas no Internet Archive

Graças à colaboração de simpatizantes e adeptos do Positivismo (respectivamente Fernando Pita e Gabriel de Henrique), há pouco tivemos acesso a documentos digitalizados que foram em seguida inseridos no portal Internet Archive.

O total de documentos que carregamos desta vez é de onze, dos quais dez são publicações da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil (com autoria de Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes). Os temas abordados são os mais variados: papel das mulheres, respeito aos trabalhadores, direito de greve, direito de ociosidade (ou melhor, de mendicância), anarquismo, Benjamin Constant e muitos outros. Todos esses temas são abordados conforme a Religião da Humanidade, com vistas à organização social e política republicana, nos termos da sociocracia.

Já o o último documento (na verdade, o primeiro da relação) é um livro de Mecânica Geral, escrito por José Eulálio da Silva Oliveira para cursos oficiais conforme a filosofia das ciências de Augusto Comte.



A relação de arquivos e de endereços é a seguinte:

-        José Eulálio da Silva Oliveira - Mecânica geral (1895): disponível aqui: https://archive.org/details/jose-eulalio-da-silva-oliveira-mecanica-geral

-        N. 54: Miguel Lemos e Teixeira Mendes – Liberdade espiritual e organização do trabalho (1888): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-54-liberdade-espiritual-e-organizacao-do-trabalho-2a-ed.-fp

-        N. 57: Miguel Lemos – Repressão legal da ociosidade (1888): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-57-repressao-legal-da-ociosidade-2a-ed.-fp

-        N. 83: Teixeira Mendes – Liberdade de profissões e serviço doméstico (1890): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-83-liberdade-de-profissoes-e-servico-domestico-2a-ed.-fp

-        N. 232: Teixeira Mendes – Greves, ordem republicana e organização social (1906): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-232-greves-ordem-republicana-e-organizacao-social-2a-ed.-fp

-        N. 269: Teixeira Mendes – Mais uma vez greves, ordem republicana e organização social (1908): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-269-mais-uma-vez-greves-ordem-republicana-e-reorganizacao-social-2a-ed.-fp

-        N. 383: Teixeira Mendes – Positivismo, questão social e anarquismo (1915): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-383-positivismo-questao-social-e-anarquismo-2a-ed.-fp

-        N. 392: Teixeira Mendes – Respeito necessário aos descendentes de indígenas e africanos (1915): disponível aqui: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-descendentes-dos-indigenas-e-africanos-n.-392

-        N. 412: Teixeira Mendes – Despotismo médico, dignidade humana e as mulheres (1917): disponível aqui: https://archive.org/details/n.-412-despotismo-medico-dignidade-e-mulheres-2a-ed.-fp

-        N. 417: Teixeira Mendes – República, proletariado e situação da mulher (1917): disponível aqui: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-republica-proletariado-e-mulher-n.-417

-        N. 532: Teixeira Mendes – Celebração de Benjamin Constant (1944, originalmente 1917): disponível aqui: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-celebracao-de-benjamin-constant-n.-532

14 maio 2025

Diálogo sobre visões no Positivismo


O texto abaixo corresponde a uma versão editada de um diálogo que ocorreu entre os dias 12 e 14 de maio de 2025, em um grupo do Whattsapp que trata do Positivismo e da Religião da Humanidade. Esse diálogo foi motivado por um participante do grupo, um jovem estudante interessado no Positivismo, que, em meio às conversas do grupo, teve uma dúvida sobre as visões religiosas. As respostas foram dadas inicialmente por Hernani Gomes da Costa e depois por Gustavo Biscaia de Lacerda.

O diálogo sofreu algumas edições – com dois objetivos principais: por um lado, adequar a conversa a uma versão publicada; por outro lado, preservar a privacidade do estudante. 


*   *   * 



Estudante ***

Amigos positivos, boa tarde a todos. Tenho mais um tema/pergunta que me parece muito interessante e que com certeza tem muito a ser dito.

Como interpretar positivamente visões religiosas (como as aparições de santos e espíritos, sonhos religiosos e demais experiências místicas)? Como o Positivismo iria lidar se, por exemplo, durante uma oração eu tivesse uma visão mística da Deusa Humanidade e de Comte? (Uma situação hipotética.)

 

Hernani

Bom dia, ***!

Um dos propósitos do culto positivo, e o seu resultado interior mais expressivo, consiste justamente nisso: reavivar, pela imaginação, os nossos mortos queridos até o ponto de eles apresentarem-se diante de nós com uma intensidade próxima àquela das nossas contemplações objetivas usuais.

A chamada visão mística só é mística segundo a interpretação teológica que dela se faz.

Para nós, positivistas, trata-se ao contrário de um fenômeno alucinatório, subjetivo, normal, desejável e mesmo frequente, se considerarmos os sonhos e as imagens hipnagógicas e hipnopômpicas que nos surgem no limiar da vigília ou do sono.

Frequentes na criação artística e mesmo científica, essas imagens subjetivas avivadas e exaltadas pelo exercício regular do culto, sobretudo íntimo, são para nós o equivalente subjetivo daquilo que os místicos creem vir de fora, segundo o espírito objetivista e absoluto de sua fé.

Essa deve ser, aliás, segundo Augusto Comte, a única diferença essencial entre as nossas visões e a dos místicos: nossos mortos chegam-nos de dentro, a partir de nós, por evocação, ao passo que para os místicos eles chegam de fora, por invocação.

Augusto Comte, por exemplo, via Clotilde de Vaux e dirigia-se a ela em suas orações e visões – que, aliás, ficavam, com a prática, cada vez mais vivas e nítidas sem que jamais fossem temidas ou confundidas com algo externo.

Nossos mortos habitam subjetivamente nossa imaginação, constituindo dessa forma realidades íntimas tão existentes a seu próprio modo quanto pode ser a mais bem constatada existência corpórea.

 

Estudante ***

Há algum material onde eu posso ler mais sobre essas experiências subjetivas no Positivismo? E onde possa ler mais sobre as visões de Comte?

 

Hernani

***, a parte do Catecismo positivista referente ao culto íntimo contém as indicações fundamentais sobre esse assunto (são a terceira e, principalmente, a quarta conferência do Catecismo).

 

Gustavo

***: bom dia. Sobre as visões de Comte, uma outra indicação é a belíssima obra de Teixeira Mendes, O ano sem par[1].

Complementando a resposta do Hernani: um outro aspecto que diferencia as visões positivistas das dos místicos é que nós reconhecemos que as visões são subjetivas (o que, como o Hernani indicou, não é ruim, mas algo a ser valorizado), ao passo que para os místicos as visões são objetivas; isso equivale aos termos usados pelo Hernani, respectivamente de visões “internas” e “externas”.

Além disso, é importante notar que todos nós, seja ao longo da vida, seja ao longo do dia, variamos nossas contemplações e nossas reflexões entre maior objetividade e maior subjetividade; é um fluxo constante e necessário, sem que possamos fixar-nos em apenas um polo. “Sem que possamos”: isso significa que não podemos, sob risco de loucura (seja a loucura propriamente dita, no caso do excesso de subjetividade, seja a idiotia, no caso de excesso de objetividade). Nessas variações, Augusto Comte recomendava que nos concentremos na imagem média, que deve ser entendida como a imagem normal; essa imagem normal, resultante da contemplação objetiva, deve ser preponderante sobre as imagens puramente subjetivas. Essa noção da imagem normal é a garantia da sanidade; mas, como comentamos antes, isso não equivale a negar o fluxo entre os polos objetivo e subjetivo nem a negar as visões positivas.

A noção de imagem normal está “codificada” na Filosofia Primeira[2] (que pode ser consultada no Catecismo positivista, na sexta conferência, dedicada ao dogma, na parte das ciências inferiores[3]); ela é explicada longamente e com o cuidado habitual por Teixeira Mendes no As últimas concepções de Augusto Comte[4].

Eis as leis da Filosofia Primeira que tratam do assunto:

SEGUNDO GRUPO, essencialmente subjetivo

1ª série: leis estáticas do entendimento

1ª Subordinar as construções subjetivas aos materiais objetivos (Aristóteles, Leibnitz, Kant) (IV)

2ª As imagens interiores são sempre menos vivas e menos nítidas que as impressões exteriores (V)

3ª A imagem normal deve ser preponderante sobre as que a agitação cerebral faz simultaneamente surgir (VI)





[1] As referências desse livro são estas: Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900.

Ele está disponível em PDF aqui: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug./Raimundo%20Teixeira%20Mendes%20-%20O%20ano%20sem%20par%20%28Portug.%29/.

[2] O nome completo é “Quadro das quinze leis de filosofia primeira, ou princípios universais sobre os quais assenta o dogma positivo”.

[3] Fonte: Augusto Comte. 1934. Catecismo positivista ou sumária exposição da Religião da Humanidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Apostolado Positivista do Brasil, p. 479.

[4] As referências desse livro são estas: Raimundo Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898. Ele está disponível em PDF, em duas partes, aqui:

- Parte 1: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-i

- Parte 2: https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-ultimas-concepcoes-de-augusto-comte-ii

13 maio 2025

13 de Maio: Abolição da Escravidão; Toussaint Louverture e Zumbi

Augusto Comte, o fundador da Sociologia, do Positivismo e da Religião da Humanidade, incluiu Toussaint no Calendário Positivista concreto. Da mesma forma, os positivistas ortodoxos brasileiros incluíram Toussaint em sua campanha abolicionista desde 1875 e, após o 1888, também em suas celebrações anuais; na verdade, a memória de Toussaint foi mantida no Brasil graças aos positivistas.



12 maio 2025

Monitor Mercantil: "Carreiras típicas de Estado" e estabilidade

O jornal carioca Monitor Mercantil publicou no dia 12.5.2025 um artigo de minha autoria intitulado "'Carreiras típicas de Estado' e estabilidade". 

Reproduzimos abaixo o texto. A versão eletrônica está disponível aqui: https://monitormercantil.com.br/carreiras-tipicas-de-estado-e-estabilidade/.

*   *   *


“Carreiras típicas de Estado” e estabilidade 

Há algumas semanas fiz uma visita técnica à Biblioteca Pública do Paraná, em sua bela e imponente sede atual, inaugurada em 1954. Aprendi que tal sede foi construída para que a Biblioteca seja um centro cultural – o que de fato é, com grande competência –; mas, para o que nos interessa aqui, também descobri que o seu quadro técnico permanente, desde os anos 1980-1990, foi reduzido para cerca de 20% atualmente. Esse dado estarrecedor levou-me às reflexões abaixo.

Nos anos 1990, o então Ministro da Administração e Reforma do Estado, Luís Carlos Bresser Pereira, em seu projeto de reforma do Estado propôs a noção de “carreiras típicas de Estado”. Em dezenas de publicações, ele jamais indicou quais seriam de fato essas carreiras; entre percalços, sua proposta de reforma foi implementada pela metade, mas no final das contas a expressão “carreiras típicas de Estado” deitou raízes na administração pública, expandindo-se do nível federal para, principalmente, os níveis estadual e municipal.

Abstratamente, a concepção de “carreiras típicas de Estado” até faz sentido: são carreiras de serviços que só se podem realizar pelo Estado; assim, essas carreiras precisam ter servidores públicos com estabilidade (ou seja, enquadrarem-se no Regime Jurídico Único, o RJU, como “estatutários”). O conceito subjacente a isso é que as carreiras “não típicas” não precisam ter estabilidade, podendo ser celetistas (enquadrados na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT); na verdade, as carreiras não típicas não precisam nem se constituir em “carreiras”. A diferença de enquadramento jurídico é profunda: a estabilidade dos estatutários é obtida após três anos de serviço efetivo, durante os quais são continuamente avaliados (e, diga-se de passagem, também são avaliados das mais diferentes maneiras após esse prazo); essa estabilidade também os torna impermeáveis às pressões políticas e, dessa forma, eles podem desenvolver de fato carreiras profissionais, elaboradas considerando o longo prazo, paralelamente a projetos públicos de longo prazo. Não há dúvida de que a estabilidade também beneficia o aumento dos salários.

Em contraposição, os servidores celetistas podem ser demitidos a qualquer momento (ad nutum). Isso impede todos os benefícios trazidos pela estabilidade: os servidores não têm perspectivas efetivas de longo prazo, não consideram a possibilidade de carreiras e, portanto, não incorporam em suas práticas profissionais a realização de projetos públicos de longo prazo. E, ao contrário do que o senso comum privatista argumenta, a demissão ad nutum é usada como arma contra os trabalhadores, a fim de manter os salários mais baixos.

Além disso, embora Bresser tenha sido ambíguo a respeito, falando em reforma “republicana”, os defensores da substituição dos estatutários pelos celetistas não por acaso falam em seguir os parâmetros da “iniciativa privada”. Ao fazerem-no, repetem o mito da eficiência privada – esquecendo-se das sucessivas mancadas da Enel em São Paulo, da Light no Rio de Janeiro, da Vale em Minas Gerais e da Oi no país inteiro, além de dezenas de outros exemplos cotidianos –, buscam sujeitar os servidores às conveniências políticas de plantão, desmobilizar os trabalhadores, baixar os salários e impedir projetos públicos de longo prazo.

Esses raciocínios são repetidos por políticos de direita (não por acaso, é o programa do novo partido do Centrão, o “União Progressista”) e mesmo por institutos de pesquisa que se dizem “republicanos”: ambos compartilham não saberem o que é o republicanismo nem o que é o bem comum.

Dito isso, voltemos a Bresser Pereira e à sua proposta. Como Bresser jamais definiu quais seriam as carreiras típicas de Estado, todo governo decide qual é a carreira típica. Há algumas funções, especialmente no nível federal, que por definição só podem ser executadas pelo Estado: militares, polícias federais, Casa da Moeda, Tesouro Nacional, Receita Federal, diplomatas. Não são muitas carreiras e, no fim das contas, não é muita gente. (Entretanto, eles, sim, fazem questão de terem salários e privilégios nababescos.)

O problema é que o grosso do serviço público prestado pelo Estado para a sociedade – isto é, pelo poder Executivo civil, que é de fato o governo e que se sujeita a controles públicos efetivos, ao contrário do poder Judiciário, do Ministério Público, do poder Legislativo e dos militares – não se enquadra nas “carreiras típicas de Estado”. São médicos, enfermeiros, assistentes sociais, sociólogos, museólogos, bibliotecários, economistas, pesquisadores, agrônomos, arquitetos, engenheiros, físicos, químicos, historiadores e até professores e dezenas de outras profissões de nível superior, além de uma gama gigantesca de servidores enquadrados em denominações mais genéricas e em cargos de nível médio e fundamental.

É essa quantidade enorme de servidores que presta de verdade os serviços para a população. Todos esses servidores, que respondem pela grande maioria dos serviços públicos, entram na categoria de “carreiras não típicas de Estado”; ou seja, cada vez mais eles podem ser passíveis de demissão com facilidade. Ou melhor, cada vez mais eles podem ser e são substituídos por celetistas e, ainda mais (e pior), por estagiários.

A substituição dos servidores permanentes, estatutários, por servidores não permanentes, celetistas, ocorre com mais facilidade nos níveis estadual e municipal que no federal: é o que se vê no dramático exemplo da Biblioteca Pública do Paraná. Mas a substituição dos estatutários por celetistas e estagiários não se dá pelos procedimentos ultraliberais, por decreto, como proposto durante os anos 1990 e novamente durante os anos do fascista; os meios adotados são mais insidiosos: simplesmente não há a reposição do pessoal que se aposenta. Em nome da mítica eficiência do setor privado – eficiência que busca o lucro e não o bem público – joga-se fora todo o conhecimento técnico acumulado pelos servidores com estabilidade.

O bem público é mantido e gerido pelo Estado com seus servidores, de carreiras “típicas” ou “não típicas”. Essa divisão, embora abstratamente pareça sensata, na prática serviu – e serve – apenas como instrumento para degradar o serviço público e piorar a qualidade dos serviços prestados. No dia a dia, quem serve a população na ponta, no nível da rua, são as carreiras “não típicas”; são esses servidores que justificam a existência e os custos do Estado.

Ora, se a noção de “carreiras típicas do Estado” não se sustenta e serve apenas para degradar os serviços públicos, parece claro que já passou da hora de abandonarmo-la e de pararmos de repetir essa lenga-lenga criminosa e antirrepublicana.

 

Gustavo Biscaia de Lacerda é Sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política.


11 maio 2025

11 de Maio - fundação da Igreja Positivista do Brasil



Dia das mães (2025)


Diálogo sobre o sincretismo no Positivismo 2

Dando continuidade à postagem do dia 7 de maio (“Diálogo sobre o sincretismo no Positivismo 1“), apresentamos uma outra resposta sobre o mesmo tema, de nossa autoria e de caráter mais filosófico-intelectual e dada no dia 11.5.2025. 

*   *   *


Estudante

Uma pergunta, que pode parecer bobagem. Nas religiões afro-brasileiras é comum o sincretismo dos santos católicos com os orixás (São Jorge = Ogum etc.) por questões históricas. No Positivismo em algum momento houve o sincretismo da Humanidade com a Virgem Maria? Os positivistas podem associar os dois símbolos (Humanidade e Maria) nos cultos? Seja em particular, seja em público – por exemplo, fazendo um altar positivista com a imagem de Maria.

Gustavo

Caro ***: tudo bem? Bom dia.

A sua pergunta dá o que pensar. Eu estava redigindo uma resposta mas, à medida que escrevia, dava-me conta de outros aspectos, em particular em termos do significado do “sincretismo”.

Veja só: o sincretismo significa a mistura de cultos e dogmas distantes, na verdade incompatíveis entre si: os cultos afro-brasileiros, por exemplo, misturam cultos fetichistas e politeístas (de origem africana e mesmo indígena) com cultos monoteístas (o mais das vezes católico, mas também islâmicos). No final das contas, o monoteísmo é absorvido pelo politeísmo; de outra maneira, não seria possível essa incorporação; além disso, para empregar a expressão que você usou, trata-se mesmo de uma “ressignificação” do monoteísmo nos termos do politeísmo.

A incompatibilidade dos dogmas – na verdade, trata-se disso, mais que de incompatibilidade dos cultos –, no caso dos cultos afro-brasileiros, resolve-se pela absorção dos monoteísmos pelos politeísmos. Isso é próprio à natureza dos politeísmos, em que, no sincretismo, as grandes divindades monoteístas simplesmente passam a integrar o panteão; já os monoteísmos até aceitam integrar a si os politeísmos, na forma de seres inferiores à deidade principal (anjos, dervixes, demônios e até santos).

Insisto na noção de sincretismo como incorporação de um dogma a outro porque, no fundo, o problema consiste muito mais em problemas de dogma que de culto; trata-se de incorporar a lógica de um sistema à do outro, embora sejam práticas cultuais. Mas enquanto na teologia os dogmas submetem-se a partir da modificação de sua própria lógica, no Positivismo nós aplicamos o relativismo e, ao mesmo tempo, (1) positivamos o que há de positivável nos demais dogmas e, de qualquer maneira, (2) reconhecemos a origem histórica (no caso, teológica) desses demais dogmas. Assim, se for o caso de compartilharmos um determinado culto (e é claro que nem todos os cultos podem nem devem ser compartilhados), ele será positivado e sua origem será reconhecida e valorizada. O exemplo dado antes pelo Hernani, de Prometeu, é realmente um ótimo exemplo, assim como os demais tipos mitológicos (ou míticos) do mês de Moisés, incluindo aí o próprio Moisés.

O relativismo positivista permite, então, a incorporação de todos os cultos (o que, insisto, não significa a incorporação da totalidade de todos os cultos), mas sempre com a condição de sua positivação, isto é, de sua relativização. Esse procedimento, que é o sincretismo em ação – pelo menos, uma concepção positiva do sincretismo –, é a única forma possível de ao mesmo tempo respeitar todos os cultos e de incorporá-los à vida religiosa da Humanidade, sem injustiça para os cultos anteriores e sem incoerência para conosco. Sendo mais direto e mais claro: o sincretismo positivo é a única forma de praticar um verdadeiro universalismo religioso; todas as outras formas incorrem nos defeitos moral, intelectual e prático (1) de exclusão, ou (2) de deturpação, ou (3) de incoerência (ou uma combinação deles).

Se minha pretensão é aceitável, estes meus comentários são uma formulação mais intelectual e filosófica e, espero, equivalente, das reflexões mais cultuais e religiosas feitas anteriormente pelo Hernani.

07 maio 2025

Diálogo sobre o sincretismo no Positivismo 1

 


O texto abaixo corresponde a uma versão editada de um diálogo que ocorreu no dia 6 de maio de 2025, em um grupo do Whattsapp que trata do Positivismo e da Religião da Humanidade. Esse diálogo foi motivado por um participante do grupo, um jovem estudante interessado no Positivismo, que, em meio às conversas do grupo, teve uma dúvida sobre o sincretismo religioso. As respostas foram dadas por Hernani Gomes da Costa. Esse diálogo foi tão esclarecedor que julgamos valer a pena publicá-lo.

O diálogo foi editado com dois objetivos principais: por um lado, adequar a conversa a uma versão publicada; por outro lado, preservar a privacidade do estudante.

 

*   *   *

 

Estudante

Uma pergunta, que pode parecer bobagem. Nas religiões afro-brasileiras é comum o sincretismo dos santos católicos com os orixás (São Jorge = Ogum etc.) por questões históricas. No Positivismo em algum momento houve o sincretismo da Humanidade com a Virgem Maria? Os positivistas podem associar os dois símbolos (Humanidade e Maria) nos cultos? Seja em particular, seja em público – por exemplo, fazendo um altar positivista com a imagem de Maria.

 

Hernani

Excelente pergunta! O Positivismo procura antes de tudo compreender qual foi o processo de construção dos símbolos, bem como as razões pelas quais eles se tornam populares durante um tempo e são em seguida substituídos por outros.

Nesse sentido, interpretamos a Virgem Mãe como representando o ideal humano que consiste no máximo de pureza e de ternura juntos. A pureza significa a compressão do egoísmo e é representada pela idéia da Virgem; a ternura é a expansão do altruísmo, representada, no caso, pela idéia da mãe. A necessidade sociológica e moral que criou esse símbolo obedeceu inconscientemente a uma tentativa de conjugar a pureza e a ternura numa só imagem.

O sincretismo operou-se em todas as religiões de modo inconsciente e espontâneo, mediante as associações formadas entre as idéias de vários deuses que se assemelhavam em seus papéis e personalidade. A proposta do Positivismo é a de tornar esse processo sincrético algo consciente e deliberado, de modo a assim sistematizá-lo.

Augusto Comte manifestou o desejo de que as futuras representações de imagens da Humanidade tivessem os traços de Clotilde de Vaux. Mas ele também elegeu uma imagem católica de sua preferência.

Tudo quanto importa no caso, portanto, é que não haja confusão entre as crenças. Qualquer símbolo que estimule o amor pode integrar o altar. Seja de que religião for. Mas esse culto se tornará de fato sobrenatural se os símbolos que adotarmos ainda se referirem às crenças originais correspondentes aos mitos, tais como eles foram a princípio imaginados.

 

Estudante

Compreendo. Então o sincretismo dentro do positivismo pode ser benéfico se não misturamos os significados. É necessário ressignificar o símbolo.

 

Hernani

Sim! O símbolo pode ser ressignificado de pelo menos duas formas. Mantendo sua identidade original e mudando seu modo de sua existência; de objetiva para subjetiva. Ou então cultuando-o segundo uma interpretação nova. Vejamos um exemplo. Podemos historicamente cultuar Prometeu na qualidade de uma criação mítica da Humanidade que veio a compor certa religião. Nesse caso mantivemos o conteúdo original da idéia de Prometeu, e apenas mudamos sua existência, de objetiva para subjetiva. Mas podemos também ver Prometeu como símbolo que representa o primeiro ser humano a obter fogo através de fricção. Nesse último caso o símbolo de Prometeu sofreu uma mudança de significado, passando a representar uma outra idéia. (Citei Prometeu pelo fato de ele representar o primeiro dia do ano no Calendário Positivista concreto).

01 maio 2025

1º de Maio: Dia do Trabalhador

Homenagem da Igreja Positivista Virtual ao Proletariado - providência geral da Humanidade - no Dia do Trabalhador.