28 junho 2024

Live AOP: Ricardo Cortez Lopes apresenta a Represontologia

No dia 11 de Carlos Magno de 170 (27.6.2024) realizamos uma Live AOP com o Prof. Dr. Ricardo Cortez Lopes, que apresentou sua Represontologia. O evento durou cerca de uma hora e meia e foi uma exposição e uma conversa muito agradável e instrutiva.

O evento foi transmitido no canal Positivismo (aqui: https://encr.pw/tclSz).

Para realizar a divulgação da Represontologia, o dr. Ricardo elaborou alguns materiais, disponíveis gratuitamente na internet:

- o livro apresentando a Represontologia está disponível aqui: https://encr.pw/4yTre

- um curso gratuito sobre a Represontologia está disponível aqui: https://l1nq.com/cGLxt

- um glossário da Represontologia está disponível aqui: https://l1nq.com/V6VVd.

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A pedido do Prof. Ricardo, incluímos em 2.6.2025 o texto abaixo sobre a Represontologia.


O que é Represontologia?

Represontologia é uma ciência emergente dedicada ao estudo das representações em suas múltiplas formas – mentais, sociais, culturais, comunicacionais e simbólicas. Ela foi concebida pelo sociólogo brasileiro Ricardo Cortez Lopes, que sistematizou essa abordagem em sua obra Repraesontologia: Fundamentos da Ciência das Representações (2024).

Ao contrário de abordagens anteriores que utilizavam a representação como ferramenta auxiliar, a Represontologia propõe o estudo da representação como objeto central de investigação científica. Ela busca compreender como as representações são formadas, transformadas e interagem entre si, influenciando a construção do conhecimento e da realidade social.

Abordagens dentro da Represontologia

A Represontologia propõe diferentes perspectivas para analisar as representações:

Represontologia Referencial: estuda a origem das representações, procurando novos referentes.

Representologia: Analisa a representação por si mesma, seja mental (interna à mente individual) ou relacional (compartilhada e interpretada socialmente).

Representologia Dinâmica: Examina a interação entre diferentes representações e como elas se influenciam mutuamente.

Representologia Elementar: Investiga os elementos internos das representações, adotando uma perspectiva “nano” para compreender suas estruturas fundamentais.

Fundamentos e Metodologia

A Represontologia estabelece princípios metodológicos específicos para delimitar a representação de outros fenômenos.

Moldabilidade relativa: deve-se considerar a representação como matéria prima e o referente como uma matrizaria e a representação tenta o emular simbolicamente sem apossibilidade de uma acoplância, daí a não correspondência completa entre uma representação e um referente

Individualidade: A representação deve ser encarada como um indivíduo com comportamento e biografia;

Comparatibilidade: o conhecimento represontológico se faz na comparação entre representações ou de diferentes estados de uma representação;

Escalabilidade: as representações podem ser comparadas em diferentes escalas, desde a individual a até sistemas complexos;

Midialidade: as representações são detectáveis por meio de suas mídias, que são percebidas pelos sentidos animais, mas lembre-se que uma mídia pode conter várias representações ou vice-versa;

Internalidade x Externalidade: a primeira distinção a se fazer é entre representações internas ou externas à mente humana;

Prepotência: as representações sempre pensam que refletem seu referente com perfeição ou são a descrição mais próxima dele.

Publicações e Eventos

A Represontologia tem sido discutida em eventos acadêmicos, como o III Webnário Parajás: Estudos Representacionais e Represontologia, e divulgada por meio de publicações especializadas, como a Colirium: Revista de Estudos Representacionais e Represontologia



26 junho 2024

Transição para o Positivismo no politeísmo e no fetichismo

No dia 9 de Carlos Magno de 170 (25.6.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, concluindo a sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

Como a leitura comentada esteve um pouco travada nas prédicas anteriores, decidimos novamente nesta semana não realizar o sermão - que, de qualquer maneira, como indicamos anteriormente, apresenta apenas um caráter complementar na prédica. 

Assim, pudemos estender-nos nos comentários ao Catecismo positivista, que, nessa prédica, referiram-se à transição para a Religião da Humanidade nos países politeístas (Índia, por exemplo) e nas sociedades fetichistas (por exemplo, tribos centro-africanas). 

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/xbZ6g) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://acesse.one/QwnEk).

A leitura comentada começou aos 21 min 28 s.

 


25 junho 2024

Raimundo Teixeira Mendes: Orações para as refeições

Orações para as refeições

 

Oração para antes das refeições

(De pé)

 

Em nome da Humanidade.

(Fórmula e sinal positivistas.)

Ao sentarmo-nos a esta mesa, agradeçamos, com toda sinceridade de coração, à Humanidade, mais este benefício que a sua santa Providência nos concede. Estendamos também a nossa gratidão à Terra, cuja fecunda e amorosa atividade o trabalho da Humanidade se limita a sistematizar. Abençoemos igualmente o Espaço, cuja inalterável benevolência permite que a Humanidade desenvolva, cada vez melhor, o império do seu Amor, aumentando os encantos da submissão voluntária e reparando a cegueira da ação benfazeja da Terra, como da passiva solicitude do Espaço.

Recordemos especialmente que o alimento, que tão generosamente nos é dado, custa a dedicação da imensa multidão dos nossos irmãos proletários, cuja maioria não tem neste momento senão uma alimentação insuficientíssima, e muitos padecem mesmo [d]os horrores da fome. Que esta lembrança nos ajude a imitar os Fundadores da Religião Universal, Clotilde e Augusto Comte, restringindo o consumo das provisões, que a Humanidade confia à nossa guarda, ao que é estritamente necessário para – viver para outrem. Amém.

 

Oração para depois das refeições

(De pé)

 

Ao levantarmo-nos desta mesa, agradeçamos novamente à Humanidade o alimento que a sua santa Providência generosamente concedeu-nos, e prometamos consagrar ao seu serviço as forças que, com o seu auxílio, acabamos de reparar. Lembremo-nos especialmente que toda a nossa atividade deve ter por fim estender à totalidade dos nossos irmãos proletários os benefícios de que se acham privados e sem os quais não podem convenientemente cumprir a lei do dever e da felicidade – viver para outrem. Que este pensamento nos ajude a seguir os ensinos que, com o seu inexcedível exemplo, nos legaram os Fundadores da Religião Universal, Clotilde e Augusto Comte. Que prazeres podem exceder aos da dedicação? Amém.

 


Raimundo Teixeira Mendes: "Hino ao Amor"

Hino ao Amor

(Raimundo Teixeira Mendes)

 

(Ensaio de uma paráfrase positiva do cap. V, livro 3º, da Imitação, de Tomás de Kempis, segundo a tradução em verso de Corneille.)

 

Ave! Cara Humanidade!

Virgem-Mãe! Nossa Senhora!

Fonte de toda bondade

Que nossa alma entesoura!

Terna e humilde Divindade

Que tudo no mundo adora!

 

Sempre os olhos compassivos

Postos em nós com brandura,

Nos transes mais aflitivos

Com que a dor nos amargura,

Nos trazes os lenitivos

Da tua infinita ternura.

 

Te sejam dadas mil graças,

Oh! Mãe de misericórdia,

Que nossas almas congraças,

Em tua eterna concórdia,

Serenando as ameaças

Do egoísmo em discórdia.

 

Ora e sempre os teus louvores

Não cessarão de arroubar-nos,

Rememorando os favores

Que nunca deixam de dar-nos

Teus carinhos, teus amores,

Para felizes tornar-nos.

 

Por ti se expande fervente

Da gratidão alma essência,

À Terra beneficente,

Cuja perene assistência

Forma a base providente

De tua excelsa existência.

 

A mesma santa homenagem

Nos recorda jubilosa

Do Sol a possante imagem,

Da Lua a face mimosa,

E a celeste linhagem

Da nossa Terra amorosa.

 

E nesse ditoso enleio

Do sentir alto e fecundo,

Também ao benigno Meio

Que te envolve e ao nosso Mundo

Se eleva do nosso seio

Um grato afeto profundo.

 

Vem! Oh! Vem! Deusa querida,

Virgem-Mãe! Nossa Senhora!

Exultar a nossa vida,

Alentando em cada hora

A nobre chama acendida

Nesse amor que te devora.

 

És tu só a nossa glória

E toda a nossa alegria!

Só arrimo da vitória

Nas lutas que a simpatia

Nesta vida tormentória

Tem de travar noite e dia.

 

Com a meiga solicitude

Socorre a fragilidade

Da nossa pobre virtude,

E com a doce potestade

O nosso amor tíbio e rude

Sustém na adversidade.

 

Visita freqüentemente

Nosso filial coração,

Pois és tu unicamente

Quem lhe traz consolação,

Quem lhe ensina eternamente

Os verbos da perfeição.

 

Das más paixões nos liberta

Com tua grata presença;

Ela só o amor desperta

Esvaindo a névoa densa

Que nossa mente acoberta,

Nos velando a santa crença.

 

Só assim serão sentidos

Enlevos do puro amor!

Santos gozos espargidos

Por teu sublime esplendor!

Almos prazeres hauridos

No teu contínuo labor!

 

Deusa de amor, nos abrasa

No teu afeto sublime;

Desse gelo que atenaza

Com teu fervor nos redime:

Dá que somente nos praza

Santo ardor que mal s’exprime.

 

Na tua alma extremosa

A nossa pobre incorpora;

E dilata caridosa

Um coração que te implora

Vastidão mais espaçosa

Para conter-te, Senhora.

 

Dá que encontremos suplícios

No que não for te adorar;

Que se abram só precipícios

Onde quer que se afastar

De teus bondosos auspícios

Nosso contínuo pensar.

 

Jamais seja o esforço falho

No teu bendito labor:

E, qual o fecundo orvalho

Que perfuma a grata flor,

Se torne o nosso trabalho

Num puro hino de amor!

 

E seja um concerto infindo

De perenal gratidão

Em tudo que produzindo

For da Terra a perfeição,

Em tudo que for surgindo

Do Espaço pela amplidão.

 

Dá, oh! Mãe estremecida,

Que tudo em ti adoremos;

Qu’em ti nossa alma embebida,

Mais a ti que a nós amemos;

Que só por ti redimida,

A própria vida prezemos.

 

Tal é o voto contín’o

Dum coração que se deu

Ao teu serviço divino,

Sem nada guardar de seu;

Que não tem outro destino

Senão o que tenhas por teu.

 

Bendita a Fé que só nos dá de amar assim

Desde o raiar da vida até da vida o fim.

23 junho 2024

Transição para o Positivismo no monoteísmo extraocidental

No dia 2 de Carlos Magno de 170 (18.6.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência, dedicada ao regime público.

Como a leitura comentada esteve um pouco travada nas prédicas anteriores, decidimos não realizar o sermão - que, de qualquer maneira, apresenta apenas um caráter complementar na prédica. 

Assim, pudemos estender-nos nos comentários ao Catecismo positivista, que, nessa prédica, referiram-se à transição para a Religião da Humanidade nos países monoteístas que não integram o Ocidente, ou seja, em particular a Rússia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Russo), a Turquia (na época em que o Catecismo foi escrito, o Império Turco-Otomano) e o Irã (na época em que foi escrito o Catecismo, a Pérsia). 

Antes de iniciarmos a leitura comentada do Catecismo, fizemos comentários adicionais sobre alguns livros:

- A esquerda não é woke, de Susan Neiman

- O momento comtiano, Laicidade na I República e Comtianas brasileiras, além de outros, de Gustavo Biscaia de Lacerda

- O léxico de Augusto Comte, de Ângelo Torres.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://acesse.dev/sX11C) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/Mnayr).

A leitura comentada começou aos 43 min 43 s.



11 junho 2024

Síntese subjetiva e relativa como quarto estado

No dia 23 de São Paulo de 170 (11.6.2024) fizemos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua undécima conferência (dedicada ao regime público).

No sermão abordamos uma questão central para o Positivismo e para todos os seres humanos: a noção de positividade filosófica, superior à mera positividade científica, como um quarto estado da lei dos três estados.

Antes do sermão comentamos alguns livros:

- Ascensão e reinado dos mamíferos, de Steve Brusatte

- A esquerda não é woke, de Susan Neiman

 A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://l1nq.com/ArsP0) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/hmfvr).

A leitura comentada começou aos 48 min 05 s; o sermão começou a 1h 09 min 43 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas (e atualizadas) abaixo.

*   *   *

A síntese subjetiva como quarto estado

(23.São Paulo.170/11.6.2024) 

1.      A prédica de hoje trata de um assunto que é da maior importância para o Positivismo, isto é, para a Religião da Humanidade e, por extensão, para o ser humano, para o bem-estar público e para a felicidade individual

1.1.   Trata-se da incorporação da síntese subjetiva na lei dos três estados, ou melhor, da atualização da lei dos três estados em face da síntese subjetiva

1.2.   Essa atualização é importante porque corrige uma ambigüidade daninha presente desde o início da lei dos três estados

2.      Antes de passarmos à parte mais substantiva deste sermão, podemos responder a uma pequena dúvida que, por vezes, apresenta-se aos leitores de Augusto Comte (incluindo, evidentemente, os positivistas)

2.1.   A dúvida é a seguinte: devemos dizer “estados” ou “estágios”?

2.2.   A formulação de Augusto Comte é bem clara: ele usa “état”, ou seja, “estado”: é a “loi des trois états

2.3.   Mas se na formulação ele usa “estado”, em seus escritos ele não se apega a essa palavra, usando alternadamente “estado”, “estágio”, “fase”, “modo” etc.

2.3.1.     Os positivistas, da mesma forma, adotam essas várias palavras

2.4.   Para além da palavra consagrada no enunciado, o que evidentemente importava para Augusto Comte, conforme depreendemos de seus escritos, é que cada um dos estados descritos na lei dos três estados (1) representa um modo distinto de conceber e interpretar a realidade, (2) que segue uma determinada seqüência lógica e histórica em seu desenvolvimento

2.5.   Assim, na prática, podemos dizer que o enunciado deve ser feito com “estados” (por motivos de respeito e de uniformidade), mas que ao longo das exposições e das reflexões podemos usar sem maiores dificuldades as outras palavras

3.      A lei dos três estados a que nos referimos é a lei intelectual dos três estados

3.1.   Ela foi primeiramente enunciada em 1822, no texto, ou livro, chamado “Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade”

3.1.1.     Esse livro era chamado por Augusto Comte também de “opúsculo fundamental”

3.1.2.     Além disso, é popularmente conhecido apenas como “Reorganizar a sociedade”

3.1.3.     Ele teve uma reedição aumentada em 1824, em que Augusto Comte chamou-o – prematuramente, como ele mesmo depois reconheceu – de “Sistema depolítica positiva

3.2.   Ao apresentar a lei dos três estados, inserindo-a em uma reflexão histórica mais ampla, o “Reorganizar a sociedade” tem o mérito e a glória de ao mesmo tempo fundar a Sociologia e o Positivismo

3.3.   O enunciado dessa lei mudou com o passar do tempo, refletindo mudanças, ou melhor, a evolução das concepções de nosso mestre

3.4.   O enunciado final, “canônico”, é o que aparece no corpo da Filosofia Primeira, conforme publicado no Catecismo positivista:

3.4.1.     “Cada entendimento oferece a sucessão dos três estados, fictício, abstrato e positivo, em relação às nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes”

3.4.2.     Vale lembrar que essa é a sétima lei do total de 15 leis da Filosofia Primeira; ela integra o segundo grupo de leis, “essencialmente subjetivo”, na sua segunda série, que compreende as leis dinâmicas do entendimento

3.4.3.     Essa segunda série apresenta as três leis dos três estados (intelectuais, afetivos e práticos)

3.5.   As idéias da lei intelectual dos três estados são bem claras:

3.5.1.     Toda concepção humana passa por três fases, ou seja, três modos de entender o mundo

3.5.2.     Esses três modos são, sucessivamente, o fictício, o abstrato e o positivo

3.5.2.1.           Insistamos: os modos são três, são sucessivos, são os indicados acima e desenvolvem-se nessa ordem

3.5.3.     A velocidade da passagem de um modo de conceber a realidade para outro varia de acordo com a generalidade objetiva de cada concepção, o que também equivale a dizer: conforme a generalidade subjetiva e o grau de complicação das concepções

4.      Pois bem: a ambigüidade que mais ou menos sempre se apresentou consiste, precisamente, no fato de que o estado positivo apresentava dois sentidos diferentes

4.1.   Esses dois sentidos são: (1) positivo como “científico” e (2) positivo como “filosófico”

4.2.   O sentido “científico” foi o que primeiro apresentou-se a Augusto Comte, refletindo o desenvolvimento das ciências; ele opõe-se de maneira bastante clara à teologia e à metafísica

4.3.   O sentido “filosófico”, nas primeiras formulações, não estava muito evidente – o que, é importante enfatizar, não significa que não se apresentasse de maneira nenhuma –, mas, à medida que nosso mestre desenvolveu sua obra, a importância da síntese filosófica foi evidenciando-se cada vez mais

4.4.   Assim, nas formulações iniciais – ou seja, nos opúsculos de juventude (como o “Reorganizar a sociedade”, de 1822-1824) e ao longo dos cinco primeiros volumes da Filosofia positiva (de um total de seis) (1830-1841) –, Augusto Comte afirmava ao mesmo tempo, a importância da cientificidade (usando, para isso, a lei dos três estados como apoio) e a necessidade de concepções gerais, sintéticas e francamente relativas

4.4.1.     A necessidade das concepções gerais, sintéticas e relativas era afirmada em conjunto com a cientificidade, mas ela não era plena e conscientemente integrada à lei dos três estados, que se limitava assim, em seu enunciado, ao positivo como cientificidade

4.5.   Conforme nosso mestre disse em carta ao dr. Audiffrent de 15 de Homero de 69 (12 de fevereiro de 1857), apenas a partir do último volume da Filosofia positiva (1842) é que o enunciado, ou melhor, que o sentido pura ou predominantemente científico na lei dos três estados mudou

4.6.   O relacionamento com Clotilde permitiu que Augusto Comte mudasse claramente o sentido, assumindo então que a positividade não pode ser apenas a cientificidade, mas deve ser, ainda mais, o aspecto sintético, subjetivo e relativo

4.7.   A Religião da Humanidade, proposta no Discurso sobre o conjunto do Positivismo (1848), fundada plenamente na Política positiva (1851-1854) e aprofundada na Síntese subjetiva (1856) consagrou definitivamente o sentido pleno da positividade, isto é, como síntese filosófica, relativa e subjetiva

5.      Pois bem: o ano de 1857 foi dedicado por Augusto Comte para reflexão e amadurecimento filosófico, preparando-se para a redação dos volumes seguintes da Síntese subjetiva

5.1.   No âmbito dessas reflexões, em conversas epistolares com seus discípulos, Augusto Comte apresentava e desenvolvia suas novas concepções

5.2.   Na já mencionada carta ao dr. Audiffrent, de 15 de Homero de 69 (12 de fevereiro de 1857), nosso mestre formaliza a concepção de positividade presente na lei intelectual dos três estados, desdobrando-a em uma lei dos quatro estados

5.2.1.     A positividade, assim, assume duas fases sucessivas: uma preparatória, a científica, e a outra verdadeiramente definitiva, a filosófica

5.2.2.     Além do aspecto filosófico, explicitamente ao mesmo tempo sintético, relativo e subjetivo, Augusto Comte indica que a verdadeira positividade exige que a utilidade seja claramente acrescida à realidade das concepções

5.2.2.1.           A mera realidade pode resultar – e, como sabemos, com freqüência resulta – no absolutismo científico

5.2.2.2.           Por outro lado, o pleno e conseqüente emprego da utilidade resulta em que é possível, e necessário, que criemos concepções que sejam fictícias mas úteis

5.2.2.2.1.                O critério da realidade não é final, mas não pode ser desprezado; assim, as ficções positivas, sem se limitarem à realidade, não podem negar as concepções reais

5.2.2.2.2.                Evidentemente, a subjetividade tem um largo papel aí, seja na forma da imaginação artística, seja na incorporação do fetichismo à positividade

5.2.2.2.3.                Isso tudo resulta em que, por um lado, as utopias positivas podem ser desenvolvidas com plena positividade e que, por outro lado, mesmo as concepções científicas abrem-se plenamente para enunciados simpáticos, isto é, ao mesmo tempo altruístas e artísticos

5.3.   Ao distinguir a positividade científica (que é preparatória e, portanto, provisória) da positividade plena, que é filosófica, nosso mestre também distingue a verdadeira positividade do mero cientificismo (e, por extensão, também do academicismo)

5.4.   Eis como Augusto Comte caracteriza cada um dos quatro estados:

5.4.1.      Teológico: provisório

5.4.2.      Metafísico: transitório

5.4.3.      Científico: preparatório

5.4.4.      Positivo (filosófico): definitivo

5.5.   Comentário estritamente pessoal: no fundo, podemos talvez considerar que o novo enunciado estabelece uma leis dos “dois estados”, indicando a gigantesca transição do absolutismo para o relativismo

5.5.1.     Ou, quem sabe, considerando a transição do absolutismo para o relativismo, uma outra lei dos três estados: fetichismo, teologia/metafísica, positividade

5.6.   Comentário feito pelo nosso amigo Hernani na tarde de hoje (23.São Paulo.170/11.6.2024), a título de auxílio para esta prédica:

“A caracterização intelectual da síntese subjetiva foi feita por Augusto Comte em suas últimas reflexões tomando por base dois pares de conceitos. A síntese positiva é (1) demonstrável e discutível e (2) relativa e subjetiva. Ora, com base apenas nessa dupla caracterização torna-se fácil justificar a lei dos três estados com o acréscimo de uma quarta fase, bastando decompor o estado metafísico em seus dois pólos opostos (o espiritualismo e o materialismo). Basta realizar a seguinte operação: ao teologismo corresponderia uma síntese a um tempo subjetiva e absoluta, donde seu caráter a um tempo indemonstrável e indiscutível.

Em seguida, à primeira expressão da metafísica, isto é, à metafísica espiritualista corresponderia uma tentativa de síntese objetiva e absoluta, donde seu caráter indemonstrável porém discutível.

Ao segundo e último estágio metafísico, isto é, ao cientificismo materialista, corresponde uma tentativa de síntese objetiva e relativa, donde seu caráter demonstrável porém ainda indiscutível.

E por fim, o quarto e último estado do entendimento, a síntese positiva, esta define-se como subjetiva e relativa, donde seu caráter demonstrável e discutível.

Repare que o caráter contraditório das duas sínteses metafísicas fica aí plenamente manifesto, assim como o contraste entre essas duas sínteses em comparação com o caráter orgânico das sínteses teológica e positiva”.

5.6.1.     A sugestão do Hernani é que o antigo critério de positividade – que, no final das contas, é o cientificismo – seja incorporado à metafísica (que, assim, desdobra-se em duas fases), deixando a positividade propriamente dita para a síntese subjetiva e relativa

5.7.   Mais algumas observações de nosso amigo Hernani, agora feitas durante a prédica:

“Em sua primeira fase, mais objetiva, Augusto Comte havia formulado a lei dos três estados a partir das produções exteriores da Humanidade. Ela é então uma apresentação eminentemente histórica e empírica. A teologia, a metafísica e a ciência são aí oferecidas como sinais empíricos reveladores dessa passagem íntima.

Na segunda de suas fases, progressivamente subjetiva, a formulação de Augusto Comte enuncia a mesma lei considerando antes o caráter interno de cada estado, ou seja, o caráter lógico inerente de cada um deles. Então se tratou de revelar o caráter fictício das construções da teologia, o caráter abstrato das especulações metafísicas e o caráter positivo das leis da ciência.

A morte privou Augusto Comte de uma terceira formulação da lei da evolução intelectual, na qual o conjunto do Positivismo já pudesse ser apresentado como livre dos últimos vestígios do cientificismo, o que já havia ocorrido a partir do quarto volume da Política positiva, de 1854, com a teoria subjetiva dos números, com a incorporação do fetichismo etc.

É curioso ver como o resumo de Harriett Martineau[1] foi elogiado por Augusto Comte, dentre outras virtudes, pelo fato de ela haver excluído daí o artigo escrito por Augusto Comte, em 1832, intitulado Memória sobre a hipótese cosmogônica de Laplace[2], adiantando-se assim à exclusão de um assunto que ainda estava presente no Sistema de filosofia positiva e que o Positivismo viria a considerar como mais uma especulação da metafísica cientificista”.

5.8.   A carta de 12 de fevereiro foi aprofundada em uma outra, de 27 de Aristóteles de 69 (24 de março de 1857)

6.      As cartas de A. Comte ao dr. Audiffrent foram publicadas pelo próprio dr. Audiffrent em 1880, no livro O Positivismo dos últimos tempos (LePositivisme des derniers temps) – embora tenham sido apenas trechos dessas epístolas

6.1.   Teixeira Mendes traduziu e publicou esses trechos em 1898 (As últimas concepções de Augusto Comte) e novamente em 1900 (O ano sem par)

6.2.   Finalmente, em 1990, Paulo Carneiro, dando seguimento e concluindo o principal de organização e publicação da correspondência de Augusto Comte, publicou-as na íntegra, no volume VIII da correspondência e das confissões anuais de nosso mestre (esse volume em particular contou com o auxílio de Angèle Kremer-Marietti)

7.      Eis os trechos da bela e importante carta de fevereiro de 1857 que o dr. Audiffrent publicou em 1880[3]:

“A respeito da principal parte de vossa memorável carta, devo sobretudo esboçar a sistematização direta das reflexões gerais que precedentemente vos indiquei sobre a emancipação científica especialmente instituída, conforme o caso mais decisivo, ainda que sob um modo espontaneamente latente no volume que vós reledes agora. É necessário perceber diretamente tal emancipação como o complemento normal da evolução fundamental que caracteriza a lei dos três estados. O último estado deve ser, a esse respeito, decomposto em seus dois modos sucessivos, um científico, o outro filosófico, respectivamente analítico e sintético. É somente ao segundo que pertence a qualificação de definitivo, inicialmente aplicado confusamente ao seu conjunto. No fundo, a ciência propriamente dita é tão preliminar quanto a teologia e a metafísica e deve ser finalmente tanto quanto [elas] eliminada pela religião universal, em relação à qual esses três preâmbulos são um o provisório, o outro, transitório, e o último, preparatório. Eu ouso mesmo recusar às ciências o atributo de plena positividade, que não consiste somente na realidade das especulações, mas em sua combinação contínua com a utilidade, sempre referida ao Grande Ser e desde então não podendo nunca ser dignamente apreciada senão conforme a síntese total, vale dizer, subjetiva e relativa. Na construção final, o início teológico da preparação humana não tem menos eficácia que seu término científico. Se este fornece os materiais exteriores, a outra esboça as disposições interiores, ao compensar a imaginaridade[4] pela generalidade, cuja ausência interdiz toda verdadeira racionalidade teórica.

Sob um aspecto mais sistemático, a primeira vida [teológica] é sobretudo distinguida no indivíduo, como na espécie, pela vã pesquisa contínua de uma síntese essencialmente objetiva, ao passo que a segunda [a positividade] constrói e desenvolve a síntese puramente subjetiva, de que a outra forneceu espontaneamente os materiais necessários. Mesmo quando a ciência já sentiu a inanidade das causas e fez gradualmente prevalecer as leis, ela aspira tanto quanto a teologia e a metafísica à objetividade completa, sonhando com a universalidade de explicação exterior segundo uma única lei, não menos absoluta que os deuses e as entidades seguindo a utopia acadêmica. A esse respeito, eu devo ingenuamente estender uma palavra de minha última circular que prolonga esse reproche até a mim mesmo, a respeito da minha obra fundamental [o Sistema de filosofia positiva], em que, não fosse senão a esse título, a posteridade não veria, como eu pude já o dizer nobremente, senão uma construção de estréia, um trabalho de primeira vida, não tendendo para a segunda senão no tomo final, todos os outros permanecendo mais ou menos submetidos ao prestígio científico de que somente o estado plenamente religioso libertou-me”.

8.      Eis o trecho da carta de março de 1857, também publicada pelo dr. Audiffrent em 1880[5]:

“O MESTRE – Vejo que apreciastes agora o meu novo volume [Síntese subjetiva], de maneira a utilizá-lo mais do que ninguém. A sua reação geral sobre a vossa final emancipação científica me é sobretudo preciosa, como garantindo a integridade das vossas disposições sintéticas e a sua eficácia religiosa. Sentistes dignamente que a ciência, longe de constituir o estado positivo, limita-se a fornecer-lhe, após a teologia e a metafísica, uma última preparação necessária que, como as outras duas, tem tanto seus inconvenientes como suas vantagens, e torna-se profundamente nociva prolongando-se fora de medida. Para caracterizar a positividade das nossas concepções, é preciso sempre que a sua realidade se combine com a sua utilidade, a qual não é verdadeiramente suscetível de ser julgada senão religiosamente, em virtude da relação de cada parte com o conjunto. Sente-se que a ciência seria menos apta do que a teologia para constituir um estado fixo, pois que o entendimento não poderia nunca tomar para uma verdadeira residência uma simples escala, unicamente apropriada para subir ou descer entre o mundo e o homem, quando as nossas necessidades o exigem, e de modo algum capaz de fornecer-nos um domicílio permanente. É tempo que os verdadeiros teoristas se libertem, a tal respeito, de uma dominação degradante, a fim de poderem dignamente instalar as grandes noções religiosas contra as quais a ciência será em breve insurgida com mais animosidade do que a teologia e a metafísica, porque ela aspira mais a perpetuar o interregno espiritual”

9.      Em suma:

9.1.   A verdadeira positividade é filosófica, relativa e subjetiva

9.1.1.     A verdadeira positividade não se confunde com o cientificismo – aliás, não se confunde nem com a mera ciência

9.1.2.     O que distingue a verdadeira positividade da ciência e do cientificismo são suas vistas gerais, o reconhecimento de que a inteligência é um atributo humano (embora, claro, não exclusivamente nosso) que está e deve estar a serviço do ser humano – portanto, também a utilidade do conhecimento deve limitar e orientar a aplicação da inteligência

9.2.   Essa distinção tem importância evidente para nós, positivistas, mas, como tudo o mais na Religião da Humanidade, tem importância para todos os seres humanos: tratam-se de concepções importantes para a Humanidade em geral e para cada sociedade e indivíduo em particular

9.2.1.     A correção e a justiça das concepções de Augusto Comte – incluindo a retificação formal da lei dos três estados, no sentido de recusar à mera ciência o caráter de positividade – é atestada pelas mais diferentes manifestações filosóficas e políticas feitas desde antes de Augusto Comte, passando por críticos e comentadores de sua época e chegando aos nossos dias

9.2.1.1.           Não apenas comentadores do Positivismo, mas filósofos que refletem em geral afirmam e exigem a ultrapassagem do cientificismo em favor de concepções mais amplas

9.2.1.2.           O Positivismo afirma tais concepções mais amplas com todas as letras mais ou menos desde sempre:

9.2.1.2.1.                A exigência das visões de conjunto, da síntese filosófica, subjetiva e relativa sempre esteve presente

9.2.1.2.2.                A Religião da Humanidade formaliza essa ultrapassagem

9.2.1.2.3.                Por fim, a incorporação formal (mas também substantiva) dessa ultrapassagem na lei dos três estados ocorreu em 1857




[1] Referência à condensação do Sistema de filosofia positiva feito por Harriet Martineau em 1855, em dois volumes, sob o título “A política positiva de Augusto Comte” (The Positive Philosophy of Auguste Comte). O v. 1 pode ser consultado aqui: https://archive.org/details/positivephilosop0000comt/page/n3/mode/2up.

[2] Referência ao documento Premier memóire sur la cosmogonie positive (“Primeira memória sobre a cosmogonia positiva”), conhecido popularmente como Memóire sur la cosmogonie de Laplace (“Memória sobre a cosmogonia de Laplace”), publicado em 1835 por Augusto Comte.

[3] A tradução é minha, a partir da correspondência de Augusto Comte organizada e publicada por Paulo Carneiro e Angèle Kremer-Marietti em 1990.

[4] Augusto Comte usa no original “imaginarité”, no sentido de “imaginação”; essa palavra foi empregada no original para ecoar, ou rimar, tanto “généralité” (generalidade) quanto “rationalité” (racionalidade). Usamos o neologismo “imaginariedade” a partir da palavra “imaginário”, a fim de seguir a rima de Augusto Comte.

[5] A tradução é de Teixeira Mendes, presente em As últimas concepções de Augusto Comte (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898, p. 286).