25 agosto 2015

Poder Espiritual, intelectuais e a conjuntura atual


Sempre me interessei por política, ou melhor, por estudos sobre a sociedade e sobre a história, além de pela ciência; a aproximação com as Ciências Sociais e, até certo ponto, com a chamada política prática foi algo natural. Ao mesmo tempo, em inúmeras ocasiões considerei seriamente em filiar-me a partidos políticos, mas dois motivos – muito próximos entre si, embora distintos – sempre me impediram de que eu desse o passo final nessa direção; um desses motivos é de ordem teórico-filosófica, o outro é de ordem prática.

O motivo teórico consiste em que, como positivista, isto é, como adepto da filosofia e da religião fundadas por Augusto Comte, entendo-me como integrante do poder Espiritual, cuja ação deve dar-se por meio do aconselhamento, por meio do guiar os sentimentos, as idéias e os valores; conforme Comte repetia continuamente, quem aconselha não pode mandar, sob o risco de degradar o conselho e tornar hipócrita o mando.

O motivo prático consiste em que jamais quis abrir mão da minha capacidade de criticar as bobagens realizadas por políticos práticos, nem, por outro lado, quis aceitar subscrever, devido à necessária fidelidade partidária, as tolices ditas e feitas pelos políticos profissionais. Isso não significa que eu não tivesse ou não tenha minhas preferências ou minhas simpatias político-partidárias; da mesma forma, isso não significa que eu perfilhe-me entre a "oposição", ou seja, naquele grupo que se define como tendo que se opor sistematicamente ao governo, ou à "situação", em desrespeito sistemático aos interesses do país e da Humanidade. Minha preocupação, nesse sentido, sempre foi com manter a capacidade e a possibilidade de poder dizer, com um mínimo de independência, que aquelas políticas que considero incorretas são, de fato, incorretas, sem me ver obrigado por filiações partidárias a afirmar que tais políticas seriam corretas ou, por outro lado, ser acusado de partidarismo ao fazê-lo.

No fundo, bem vistas as coisas, a minha precaução prática constitui-se na condição para realizar o comportamento proposto do ponto de vista teórico.

Além disso, cumpre notar que o conceito positivista de "poder Espiritual" sempre me pareceu mais legítimo que todas as outras concepções rivais, como a "hegemonia" gramsciana ou a "ética da responsabilidade" weberiana.

A "hegemonia" defendida por Gramsci nada mais é que o esforço empreendido por um partido de classe em dominar intelectual e moralmente o conjunto da sociedade: trata-se, portanto, de um mero recurso da luta de classes, em que uma parte da sociedade lança mão de expedientes com o objetivo de dominar outras partes da sociedade. Nesse quadro, tanto o "domínio" quanto a "luta de classes" devem ser entendidos literalmente, ou seja, em termos de guerra civil, ainda que disfarçada. Isso não é exagero nem uma suposta distorção da proposta de Gramsci e, antes dele, das propostas de Marx e Engels: a orientação belicista da "luta de classes" e, por extensão, da "hegemonia da classe proletária" sempre foi explícita e assumida por todos esses pensadores; não é à toa que Marx e Engels (mas também Lênin) são considerados filósofos da guerra. Nesse sentido, as interpretações correntes da "hegemonia" – segundo as quais ela é um simples consenso social em favor de valores universalmente válidos, como a "democracia" ou o "Estado de Direito" – ou são versões ingenuamente edulcoradas e falseadoras do pensamento de Gramsci, ou são mistificações da intenção subjacente ao pensamento de Gramsci e, portanto, são formas de enganar o conjunto da sociedade. Em outras palavras, a independência moral e intelectual e a possibilidade de crítica estão radicalmente afastadas; mesmo no caso da crítica à classe combatida não há independência, pois os "argumentos" utilizados são elaborados de maneira estratégica e tática, ou seja, subordinados à mais rasteira conveniência política; em outras palavras, as idéias são manipuladas ao sabor das alianças políticas, resultando em cinismo e em hipocrisia.

Assim, a idéia gramsciana de "hegemonia" é radicalmente contrária à proposta positivista de "poder Espiritual", seja porque une estreitamente o aconselhamento ao mando, seja porque subordina o aconselhamento ao mando, seja porque finge que o aconselhamento não está a serviço do mando.

A idéia weberiana da "ética da responsabilidade" é intelectualmente mais satisfatória, mas ainda assim é inferior à proposta positivista do "poder Espiritual". A "ética da responsabilidade" forma par com a "ética da convicção"; nessa dupla, a primeira "ética" refere-se ao comportamento adotado pelos políticos, cuja é com as conseqüências de seus atos, no sentido de que devem pesar o que acontecerá se determinadas ações forem tomadas; a "ética da responsabilidade" corresponde ao comportamento adotado por aqueles indivíduos motivados por suas convicções íntimas e para quem, nesse sentido, não importam as conseqüências de sua ação, mas apenas a fidelidade às suas crenças íntimas. Weber comentava que, em sua tipologia, a "responsabilidade" não abre mão, necessariamente, das "convicções", pois os políticos de modo geral precisam de orientações morais e intelectuais para sua conduta; inversamente, a "convicção" nem sempre deixa de lado a "responsabilidade", pois pode considerar os efeitos de seu comportamento na consecução dos valores pelos quais se guia.

Analiticamente, a oposição entre as éticas da "responsabilidade" e da "convicção" é interessante; todavia, ela nada mais é que "interessante". Essa oposição não distingue entre os indivíduos e os grupos que, por um lado, dedicam-se explicitamente à atividade política, isto é, à tomada de decisões e aqueles que, por outro lado, dedicam-se à formulação e à difusão de idéias e valores.

Da mesma forma, essa oposição não estabelece os critérios que devem pautar uma organização sócio-política correta e adequada; ao apenas afirmar que há indivíduos mais preocupados com as conseqüências de seus atos e indivíduos mais preocupados com a fidelidade íntima a si mesmos, essa oposição deixa sem qualquer tipo de orientação os problemas fundamentais que consistem em saber o que é uma boa sociedade, qual é o "bem comum", qual a relação que se deve manter entre o mando e o aconselhamento, qual é a relação que se deve manter entre as classes sociais etc. Poder-se-ia, talvez, argumentar que Weber explicitamente era contrário a que categorias analíticas servissem também como guias para a ação prática; com todas as letras, ele era favorável à famosa "separação entre fatos e valores". Entretanto, embora de fato seja necessário que se respeitem as características e as condições próprias à compreensão racional do mundo, por outro lado também é necessário ter clareza de que, sem orientação prática, essa compreensão racional é vazia e destituída de sentido. Como argumentava Augusto Comte, o valor da ciência (e, de modo mais amplo, o valor da inteligência) consiste em atuar como conselheira dos sentimentos: ora, a oposição entre as éticas da "convicção" e da "responsabilidade", bem como, de modo mais amplo, toda a filosofia da ciência de Weber rejeitam a concepção de subordinação da ciência aos sentimentos, ao considerar ilegítima essa subordinação.

A mera oposição analítica entre as éticas da "convicção" e da "responsabilidade", portanto, é sugestiva para o estudo de alguns comportamentos e da "psicologia" de alguns indivíduos, mas ela esgota-se aí; para piorar, essa oposição é uma forma mais ou menos vazia, que pode aplicar-se a uma quantidade enorme de casos díspares e que, no fim, acaba tendo reduzido poder analítico. Por exemplo, é possível aplicar a idéia da "ética da convicção" tanto a Hitler, quanto a Stálin, quanto a Cromwell, quanto a Gandhi; ou a São Francisco de Assis e a Antônio Conselheiro; por outro lado, é possível aplicar o conceito de "ética da responsabilidade" tanto a Bismarck, quanto a Júlio César, quanto a Léon Gambetta, quanto a Fernando Henrique Cardoso: é até interessante pôr essas duas etiquetas em todos esses indivíduos, mas as perspectivas específicas e as condições sociais de todos eles são tão diferentes entre si que, de fato, pouco se aprende com as categorias "ética da responsabilidade" e "ética da convicção". Por fim, aplicar essas duas categorias a todos esses indivíduos diz pouco mais do que já se sabe a respeito de todos eles; na verdade, essas duas categorias apenas formalizam o que empiricamente, com base no mais elementar senso comum, já se sabe a respeito de todos eles.

Assim, a idéia de "ética da responsabilidade", embora seja analiticamente interessante, apresenta vários problemas teóricos e práticos: por um lado, é pouco explicativa e ainda menos descritiva; por outro lado, simplesmente não serve como guia prático.

Para resumirmos, podemos dizer que a idéia gramsciana de "hegemonia", embora baseie-se na união entre teoria e prática, estabelece um vínculo demasiadamente forte e estreito entre ambas as atividades, subordinando a teoria à prática e, portanto, degradando a teoria e tornando a prática profundamente cínica e hipócrita; além disso, a "hegemonia" baseia-se no estreito particularismo de uma classe, que busca dominar e eliminar outra classe, além de incentivar a beligerância. No caso do conceito weberiano de "ética da responsabilidade", embora ele distinga a teoria e a prática, ele leva muito longe essa distinção – na verdade, ele baseia-se na rejeição das imbricações entre teoria e prática –; assim, esse conceito é propositalmente inútil em termos práticos. Já em termos analíticos, isto é, teóricos, embora ele dê azo a algumas reflexões, no final das contas essas reflexões são bastante limitadas e rasas.

Por que faço essas reflexões todas? Porque a conjuntra atual do Brasil – que atravessa ao mesmo tempo intensas crises política e econômica, em que uma é causa e alimento da outra – tem suscitado as mais diferentes reações da parte dos chamados "intelectuais". É claro que o "público em geral" também tem reagido bastante a esses problemas: as inúmeras manifestações que têm ocorrido no Brasil nos últimos dois ou três anos e que se têm incrementado desde as eleições presidenciais de 2014 são a mais clara demonstração de um intenso ativismo social.

Mas a situação dos intelectuais é específica, pois a eles cabe ao mesmo tempo a análise intelectual dos problemas por que o Brasil passa e a indicação de caminhos para que essas crises sejam solucionadas – caminhos que devem ser indicados tanto para a sociedade civil quanto para o governo. Assim, os intelectuais têm um papel fundamental no atual cenário; na verdade, como deveria ser evidente para qualquer cientista social, os intelectuais são importantes em qualquer momento, mas nos períodos de crise essa importância aumenta, justamente devido às dificuldades próprias à legitimidade do governo. Além disso, convém notar que a grande maioria desses "intelectuais" é de professores universitários, que se valem dessa condição institucional para legitimarem-se perante a sociedade e perante o governo e que integram órgãos estatais e entidades civis para emitirem "opinões".

Ora, muitos desses intelectuais mantêm uma postura fortemente crítica contra o governo atual; a maior parte dessas críticas, para não dizer sua totalidade, é justa. Vários desses intelectuais não se preocupam nem com a estabilidade do país, nem, em conseqüência, com a sua governabilidade: em certo sentido, eles não são responsáveis, na medida em que, preocupados com sua críticas, não apontam rumos factíveis para o país superar seus sérios e profundos problemas.

Essa postura constitui o cerne da "oposição": ora, a idéia da "oposição" surgiu na Inglaterra, como sendo o conjunto minoritário de parlamentares, isto é, aqueles parlamentares que não dão apoio ao primeiro-ministro; a autoproclamada função desse grupo seria criticar sistematicamente o governo e elaborar propostas alternativas de políticas públicas, seja como forma de legitimar-se perante a opinião pública (com propostas que difeririam de qualquer maneira das políticas implementadas pelo governo, qualquer que seja a razoabilidade ou a viabilidade dessas propostas alternativas), seja como eventuais contribuições legítimas: em todo caso, a "oposição" basicamente serve para incomodar o governo. No Brasil, nas últimas três décadas, ou a "oposição" foi extremamente crítica, quando não reacionária, ou foi inerte e indistinguível do governo; em outras palavras, como "oposição" o PT sempre foi virulento e, ao tornar-se governo, teve a felicidade de lidar com rivais molengas, desarticulados e sem identidade.

Entretanto, desde as eleições presidenciais de 2014, o comportamento dessa oposição mudou bastante, principalmente devido à insatisfação social com o governo. Essa oposição deixou de ser apática e molenga e, mudando bastante o seu padrão de comportamento, assumiu uma postura cada vez mais radical, em que o que importa é criticar o governo e buscar obter o poder, independentemente de outras considerações. Nesse sentido, essa oposição passou a assumir as piores características que seus rivais mantinham antes de assumir o poder.

Essa oposição – é necessário dar nomes aos bois: o PSDB – é basicamente partidária, isto é, organizada em partido político. O importante a notar é que, embora haja diversos intelectuais vinculados oficialmente a essa oposição partidária, o grosso dos intelectuais que se opõe ao governo não é partidária, ou pelo menos não é vinculada ao principal partido da oposição. É bem verdade que vários desses intelectuais são vinculados a outros partidos políticos, alguns dos quais foram violentamente atacados pelo governo na última campanha presidencial, de sorte que têm mágoa e ressentimento – justificados – com o governo. Mas, ainda assim, muitos outros intelectuais são propriamente independentes, isto é, criticam o governo porque consideram que os atuais rumos e hábitos políticos do país são errados e conduzem a direções daninhas.

Nesse sentido, esses intelectuais "independentes" e, em menor medida, os intelectuais vinculados aos partidos que não o principal da oposição, levam a sério seu papel de "poder Espiritual", ainda que não conheçam e/ou não levem a sério a própria idéia do poder Espiritual; em outras palavras, seja empírica, seja sistematicamente, tais intelectuais que se mantêm críticos entendem que seu papel é formar e orientar a opinião pública.

Por outro lado, vários outros intelectuais buscam apoiar o governo como forma de legitimá-lo neste momento em que a crise de legitimidade também integra o rol de crises. Esse esforço de legitimação, todavia, não consiste em afirmar que várias políticas específicas e/ou que a orientação geral do governo são adequadas para a consecução de determinados fins socialmente necessários e/ou importantes; o que se vê é um esforço sistemático para afirmar a correção de todas as medidas governamentais e para desqualificar todos os que se opõem ao governo (geralmente por meio de sugestões viperinas, como, por exemplo, no sentido de que os críticos seriam quinta-colunas ou aristocratas ciumentos de seus privilégios); as críticas que porventura fazem ao governo vão na direção de que o governo deveria perseverar na direção que toma, independentemente de se tal direção é correta, adequada ou conforme o bem comum. Em outras palavras, são intelectuais simplesmente a serviço do governo: são uma forma cada vez mais desesperada de tentarem realizar a "hegemonia" gramsciana, mas, de qualquer maneira, submetem o aconselhamento ao mando e instrumentalizam o aconselhamento de acordo com as necessidades momentâneas do mando. Na medida em que são intelectuais, esses indivíduos degradam-se como seres humanos; como analistas das políticas públicas, esses indivíduos abrem mão de sua capacidade analítica e crítica; como cidadãos, esses indivíduos procuram apenas servir ao Estado.

Sendo bem franco: pessoalmente, considero assustador o comportamento dos intelectuais governistas, tal o grau de adesão que eles manifestam ao governo. Não se trata aqui de simplesmente apoiar o governo: afinal de contas, o governo existe para governar a sociedade e o normal é que ele seja, de fato, em geral apoiado. O problema aqui consiste em que os atuais intelectuais governistas sistematicamente ignoram problemas evidentes; afirmam que as críticas ao governo são motivadas por "falta de patriotismo" ou por mesquinharia de classe; apóiam propostas irracionais e criticam propostas que visam a racionalizar, a moralizar e a tornar mais eficiente o Estado e o serviço público. A isso se soma o fato de que esse comportamento é vinculado não ao Estado ou ao governo, mas ao partido político que atualmente exerce o governo. Assim, o assustador é que tais intelectuais, por vontade própria, deixam de ser intelectuais para tornarem-se apenas membros do partido político; embora tenham abandonado totalmente o poder Espiritual, valem-se de suas posições institucionais e de seus títulos acadêmicos para darem a impressão de que permanecem no poder Espiritual.

Sem negar os danos que o radicalismo, o extremismo, a exaltação de ambos os lados – do governo e da "oposição" – que a presente conjuntura acarretam e de que se alimenta, estou convencido de que essa verdadeira "traição dos clérigos" é o mais sério problema envolvendo intelectuais neste momento. Esse problema sem dúvida terá, como já está tendo, conseqüências nefastas e, infelizmente, duradouras.

12 agosto 2015

Teoria política: governo antes do "parlamento"

Afirma-se habitualmente que, como a Presidência da República no Brasil tem a iniciativa da maioria das leis que são aprovadas e tem exclusividade na iniciativa de inúmeras questões (como administração pública e orçamento), o Presidente estaria "usurpando" as prerrogativas do parlamento.

Essa visão parece-me profundamente errada, ingênua e romântica. Ela parte do princípio de que caberia ao parlamento "fazer as leis" e ao governo, "executar as leis". O problema é que o governo não é um "executor de leis": a função do governo é... governar. E, precisamente na medida em que tem que e que efetivamente governa, é absolutamente natural, e mais do que isso, é necessário que a ele caibam prerrogativas de iniciativa legislativa.

A idéia de que o parlamento é um órgão legisferante, portanto, não faz sentido, exceto se lembrarmos que o parlamento historicamente foi um órgão de oposição ao governo - particularmente, mas de modo algum exclusivamente, às monarquias absolutas. A Inglaterra, no seu tumultuado século XVII (Cromwell e, depois, a chamada "Revolução Gloriosa"), mas também na sublevação feudal dos barões contra o rei João Sem Terra, no século XIII, é o grande exemplo disso. Na França, esses movimentos políticos dos barões foram adequadamente chamados, em meados do século XVIII, de "reação feudal".

O parlamento é o órgão de representação da população, seja da pluralidade da sociedade civil - no caso da Câmara dos Deputados, no Brasil -, seja das relações federativas - no caso do Senado Federal, no Brasil. O exame que ele realiza das propostas legislativas provenientes do chamado "poder Executivo" corresponde ao correto princípio ampliado que os estadunidenses puseram em prática no século XVIII: "no taxation without representation" ("nenhuma taxação sem representação"). Esse princípio pode e deve ser ampliado para "no legislation without representation" ("nenhuma legislação sem representação").

Todavia, é necessário notar que a "representação", embora evidentemente tenha no parlamento um de seus órgãos e mecanismos mais importantes, de maneira alguma esgota-se no parlamento: a própria "sociedade civil" pode e deve representar-se a si mesma. Esgotar a "representação" no parlamento não apenas não faz sentido como, aí sim, trata-se de uma "usurpação".

A teoria política exposta acima tem uma origem ao mesmo tempo histórica e sociológica e afasta-se do juridicismo de origem tardo-feudal que atribui a primazia ao parlamento em detrimento do governo. Adicionalmente, pode-se dizer que essa teoria prevê a idéia de "freios e contrapesos" ("checks and balances").

A teoria acima parte do governo e não da "representação"; todavia, essa teoria não nega nem camufla a necessidade de representação, ao passo que a teoria que dá primazia ao parlamento esconde e até nega a necessidade do governo. Por fim, deve-se notar que, nos termos contemporâneos - que são definidos indevidamente pelas categorias da primazia do parlamento -, esta teoria seria "presidencialista"; mas, seguindo a nossa proposta, é o parlamentarismo que não apenas camufla a existência do governo em nome da "representação", como também potencialmente cria tiranias (afinal, o governo pode ser todo-poderoso, ao originar-se do parlamento) e impede a existência dos "freios e contrapesos" (ao misturar e camuflar governo e "representação").

Não deixa de ser notável a quantidade de cientistas políticos que, mesmo afirmando a necessidade de deixar-se de lado o juridicismo próprio às teorias tardo-feudais e modernas, aceitam as formulações próprias às reações feudais dos séculos XVII e XVIII e que rejeitam as teorias mais claras, mais históricas e, acima de tudo, mais sociológicas, que partem da existência e da necessidade do governo. Em outras palavras, é notável a quantidade de cientistas políticos que aderem ao parlamentarismo, em vez de buscarem aperfeiçoar o "presidencialismo".

De Miguel Lemos: "Pequenos ensaios positivistas"

A biblioteca virtual do Senado Federal pôs à disposição dos interessados uma edição eletrônica de um interessante livro do fundador da Igreja Positivista do Brasil, Miguel Lemos; o livro intitula-se Pequenos ensaios positivistas, é originalmente de 1877 e está disponível aqui ou diretamente neste vínculo.

O sumário do livro é este:
  1. O nosso ideal político
  2. O ensino publico
  3. A monarchia constitucional
  4. As tres philosophias
  5. A Escola Polytechnica
  6. O nosso estado actual e a mulher
  7. Objecções e respostas
  8. Questão religiosa
  9. Augusto Comte e o positivismo
  10. Philosophia do desespero
  11. Calendário positivista / organizado por Augusto Comte, para substituir o calendário catholico

Miguel Lemos (1854-1917)

11 agosto 2015

Gazeta do Povo: "Uma PEC contra a república e a laicidade"

Mais um artigo de minha autoria, novamente a respeito da laicidade do Estado; em particular, ele trata da Proposta de Emenda Constitucional n. 99/2011, que propõe que igrejas de âmbito nacional possam discutir no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade de leis.

Ponho-me contra essa proposta, é claro, entendendo-a como manifestação adicional de clericalismo e de atentado à laicidade no país.

O texto foi publicado na Gazeta do Povo de 11 de agosto de 2015; o vínculo original pode ser lido aqui.

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Uma PEC contra a república e a laicidade

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Texto publicado na edição impressa de 11 de agosto de 2015

A laicidade do Estado, no Brasil, é representativa de uma forma de encarar os valores políticos, especialmente os valores “republicanos”: ocorre uma adesão à la carte, em que se decide o quê, quando e em que medida respeitarão esses valores. Isso ocorre mesmo quando os valores são “fundamentais”, isto é, quando eles constituem os próprios fundamentos da vida coletiva na pólis. No caso da laicidade, os grupos sociais apresentam-se favoráveis ou contrários a ela de acordo com o poder de que dispõem: quanto mais poderosos, menos simpáticos.
O que significa a laicidade? Significa que o Estado não pode interferir nem sofrer interferência das instituições religiosas; por outro lado, as crenças religiosas tornam-se tema de foro íntimo, a cujo respeito não cabe nenhuma ação do Estado no sentido de estipular o que é correto, bom ou adequado. Se entendermos por “democracia” o que diz respeito à vontade popular, decidida pela vontade da maioria, e se entendermos por “república” o que se refere às condições sociais e institucionais que garantem as liberdades públicas, torna-se claro que a laicidade não é uma questão democrática, e sim republicana.
Não cabe nenhuma ação do Estado no sentido de estipular o que é correto, bom ou adequado



O Projeto de Emenda Constitucional 99/2011 (PEC 99/11), de autoria do deputado federal João Campos (PSDB-GO), propõe que instituições religiosas de âmbito nacional possam interpor no Supremo Tribunal Federal (STF) ações de inconstitucionalidade ou ações declaratórias de constitucionalidade – e incorre nos problemas indicados acima. O propositor da proposta tem se destacado como defensor de pauta ligada à polícia e às religiões evangélicas. Além disso, ele integra a Frente Parlamentar para a Defesa da Liberdade Religiosa, que justapõe defensores da laicidade, como Jean Wyllys, e aqueles para quem “liberdade religiosa” não significa muito além da possibilidade de imposição da própria crença aos demais.
Entre as justificativas apresentadas para a PEC 99 encontra-se a afirmação de que a maioria da população brasileira é cristã; assim, caberia às entidades religiosas de âmbito nacional poder discutir no STF as decisões tomadas pelos poderes Legislativo e Executivo afeitos à “religião”. Isso tem vários problemas.
Em primeiro lugar, em vez de apoiar a laicidade, a PEC 99 vai diretamente contra ela, ao passar a “religião” do foro íntimo para matéria discutida e regulada pelo Estado. Isso se baseia também na ideia de que, como a maioria da população brasileira é cristã, ou religiosa, cumpriria permitir que as entidades religiosas e cristãs definissem para todos o que é a “religião”, a partir das suas próprias concepções. Ora, em segundo lugar, não há o mínimo consenso a respeito do que é a “religião”: cada grupo político, filosófico e religioso tem sua própria definição. A isso se soma o fato de que não existe somente uma religião cristã, mas inúmeras, cada uma com suas próprias concepções sobre o que é bom, justo, correto etc.; dessa forma, o que uma igreja julgar adequado com certeza será entendido como errado por outra(s): a laicidade vem precisamente evitar esse tipo de problema.
Em terceiro lugar, deve-se notar que as associações “religiosas” não poderão interpor ações sobre a constitucionalidade de leis relativas apenas à “religião”, mas sobre qualquer tema: acabando de vez com a laicidade, tais associações imiscuir-se-ão em áreas que simplesmente não lhes dizem respeito. Na sociedade não há apenas temas “religiosos”, mas também culturais, esportivos, científicos, industriais, comerciais, musicais etc.: nenhuma das associações representativas desses temas propõe a possibilidade de interpor no STF ações relativas à constitucionalidade de leis.
Em suma: a PEC 99 é um erro e um atentado não somente à laicidade, mas à própria república.
Gustavo Biscaia de Lacerda é pós-doutor em Teoria Política e sociólogo da UFPR.

10 agosto 2015

Paulo de Tarso Monte Serrat: "Deixo aqui meus últimos desejos"

No dia 15 de setembro de 2014 faleceu em Curitiba o médico positivista Paulo de Tarso Monte Serrat. Na ocasião publicamos uma postagem relativa a esse triste acontecimento (ver aqui).

Pois bem: a revista Arquivos do CRM-PR acabou de publicar o documento em que o dr. Paulo de Tarso manifestava seus últimos desejos, expondo para isso sua bela visão de mundo e fazendo uma clara profissão de fé no Positivismo e na Religião da Humanidade.

Esse pequeno mas belo documento, justamente intitulado Deixo aqui os meus últimos desejos, pode ser lido aqui.

Mais república, menos primeira infância

Com certeza, esta postagem desagradará pessoas de um lado e de outro.

Sem dúvida alguma, a economia brasileira está uma baderna; da mesma forma, a corrupção no governo e nas empresas públicas é uma prática antiga, mas que nos governos do PT assumiu aspectos novos. Em suma, o PT é responsável pela reversão de tendências positivas anteriores e pelo incremento de tendências negativas igualmente anteriores. A isso os petistas respondem da pior maneira possível: "já era assim", "ninguém antes fez tanto pelos desvalidos".

Mas, por outro lado, a chamada "oposição" tem-se comportado da maneira mais irresponsável possível. Isso se dá pelo apoio a movimentos sociais plenamente subversivos - e somente os delirantes conseguem achar bonita a palavra "subversão". Além disso, a "oposição" apoia políticos sabidamente criminosos, que buscam desviar a atenção pública e/ou evitar as investigações contra si adotando a tática do "quanto pior, melhor". Assim, não apenas a "oposição" adota a mesma prática que antes condenava no PT, como também põe seriamente em risco a estabilidade político-econômico-institucional do país.

Parece que estamos sendo governados por crianças, por idiotas, por criminosos que pouco se importam com os destinos nacionais. A pirraça entre PT e PSDB, com apoio do PMDB e dos partidos menores, em definitivo, já foi longe demais.

Não há "república" em nada disso. Estamos próximos das características que os autores clássicos - isto é, os romanos, os gregos e até os renascentistas - caracterizavam como sendo os elementos negativos da "democracia": conflitos civis cada vez maiores e insolúveis, mas maiores e insolúveis apenas em virtude da vontade explícita dos políticos envolvidos.

Em suma, precisamos com urgência de mais república e de menos primeira infância.

29 julho 2015

Matéria da revista "Philosophie magazine"

A revista francesa de divulgação filosófica Philosophie Magazine publicou em seu n. 90, de maio de 2015, matéria sobre Augusto Comte, intitulada "Positiviste attitude. Sur les pas d’Auguste Comte".

Além de tratar da atualidade do filósofo, também comenta a atividade contemporânea dos positivistas: na França, na Casa de Clotilde de Vaux e na Casa de Augusto Comte (embora esta última não seja gerida por positivistas), e no Brasil, com os núcleos do Rio de Janeiro (Igreja Positivista do Brasil), Porto Alegre (Igreja Positivista de Porto Alegre) e Curitiba (Centro Positivista do Paraná).

A matéria pode ser lida aqui.

23 julho 2015

100.000 visitas!

Hoje, dia 23 de julho de 2015, o blogue Filosofia Social e Positivismo comemora suas 100.000 visitas!

Agradeço a todos que, de uma forma ou de outra, colaboraram com ele - seja elaborando matérias, seja produzindo arte, seja transmitindo notícias interessantes, seja, por fim, prestigiando e lendo este blogue.

Espero poder contar com a colaboração e o interesse de todos por pelo menos mais outras 100.000 visitas!

Desde o seu início, em 4 janeiro de 2007, estas são as postagens mais populares:


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4.1.2007

14 julho 2015

Roseli Fischmann: "Assédio à escola pública"

Artigo de Roseli Fischmann, publicado em O Estado de São Paulo de 4.7.2015, em defesa da laicidade do Estado e da escola pública.

O original pode ser lido aqui

*   *   *

ASSÉDIO À ESCOLA PÚBLICA

ROSELI FISCHMANN - O ESTADO DE S. PAULO

04 Julho 2015 | 16h 00

O que esperar quando os Três Poderes da República discutem o ensino religioso?

Projeto de Lei do Deputado Pastor Marcos Feliciano, de novembro de 2014, que já recebeu reação pública contrária por parte da SBPC, voltou à tona após a realização, pelo Supremo Tribunal Federal, de histórica Audiência Pública. Convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, e relativa à Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439, iniciativa meritória da Procuradoria Geral da República, tratou do ensino religioso, que, segundo a Constituição Federal, é de matrícula facultativa para o aluno, embora deva ser oferecido pelas escolas públicas. O portal do STF na internet traz os 31 vídeos de representantes de entidades. Ali, honrada, representei a Confederação Israelita do Brasil - Conib.

O primeiro ponto da ADI 4439 refere-se à inconstitucionalidade do Art. 33 da Lei n. 9394/96, regulamentações existentes, e o que se tem feito a título de cumprir esse dispositivo. No segundo ponto, a Procuradoria Geral da República (PGR) faz uma proposta, se considerado inconstitucional. O terceiro, refere-se ao Art. 11 do Acordo da Santa Sé com o Brasil, ponto que não integrou a convocação da audiência.

Deverá ser acolhido pelo STF o ponto que entende como inconstitucional o que há atualmente, já que na convocação da audiência o ministro Barroso propôs três alternativas para o que fazer, incluindo a da PGR, sendo que a Conib, entre outras entidades, pediu que fossem alargadas as possibilidades de debate.

Determinar que é inconstitucional o que aí está será ganho histórico para o Estado, comunidades religiosas, sociedade e em especial as escolas, a sala de aula e as crianças que frequentam o ensino fundamental e vinham sendo constrangidas por medidas que tornavam obrigatório o que está estabelecido como facultativo, propondo conteúdos que violam a liberdade de consciência e de crença. Perpassa a discussão o irrenunciável dever do Estado de defender crianças e adolescentes que frequentam o ensino fundamental de todo constrangimento, discriminação e opressão, como determinado pelo Art. 227 da Constituição Federal.

O segundo ponto da ADI 4439 é independente do primeiro, pois volta-se para desenvolver proposta curricular para a escola. Sendo facultativo, não pode e não deve haver matrícula automática nesse conteúdo, como alguns sistemas de ensino praticam. Não se pode constranger alunos, alunas, mães e pais a ter que se dirigir à escola para pedir dispensa do que é facultativo, não eletivo ou optativo.

Quanto à proposta presente na ADI de um ensino religioso “não-confessional”, trata-se de risco que não se pode correr. Se o STF decidir acolher a proposta de definir conteúdo escolar, poderá induzir a confundir o que é facultativo com o que é obrigatório, renovando e reforçando a inconstitucionalidade da prática e sob o rigoroso manto da mais alta corte da República.

Exemplo desse tipo de invasão de conteúdos privados sobre a esfera pública, o debate sobre evolucionismo e criacionismo na escola tem causado muita controvérsia, como é o caso do Projeto de Lei 8099/2014, do deputado Feliciano. A ementa do PL anuncia: “Ficam inseridos na grade curricular das redes pública e privada de ensino conteúdos sobre criacionismo”. Fica evidente que a proposta impõe como obrigatório conteúdo que seria facultativo para os alunos - e estende a decisão a todas escolas, públicas e privadas, sendo em tudo, evidentemente, inconstitucional.

No momento já corre em paralelo duplicidade de propostas para definição de bases curriculares nacionais, uma do Ministério da Educação, outra da Secretaria de Assuntos Estratégicos, cujo ministro Mangabeira Unger declarou que havia divergências entre os dois encaminhamentos, considerando bom que assim o seja.

A escola pública, acossada pelas agruras do cotidiano, corre o risco agora de se ver assediada pelos Três Poderes da República, a determinar seus conteúdos: o Executivo com duas propostas conflitantes, o Legislativo com esse PL, e o Judiciário, convidado a se manifestar.

Ora, o resultado das exposições na audiência indicou que será preciso que o STF seja muito cauteloso na decisão que venha a tomar no segundo ponto da análise da ADI 3349. Com duas exceções, todos afirmaram que melhor seria não haver na Constituição esse dispositivo.

Se o STF fizer uma escolha, seja qual for, voltada para medidas escolares do cotidiano, poderá consolidar de modo irreversível, com sua decisão (por exemplo, com a proposta de realização de concursos públicos para professores do conteúdo facultativo e controverso), um dispositivo tão questionado como é o Art. 210 § 1º.

O ensino religioso é matéria da esfera privada, das famílias e comunidades religiosas. Cauteloso, o ministro Barroso destacou que as escolas confessionais, assim denominadas pela Lei 9394/96 as escolas ligadas a comunidades religiosas, como privadas em geral, não serão afetadas de forma alguma pelas decisões do STF relativas a ADI 3349.

Mas quanto à escola pública, é de todos e todas, para formar o cidadão e a cidadã que deve conviver com a pluralidade e a diversidade que está na sociedade como um todo. Por isso, em relação às escolas públicas, pode ser o momento de uma grande mobilização em favor de uma Proposta de Emenda Constitucional que retire da Constituição Federal o § 1º do Art. 210, dirigindo-se ao Congresso Nacional para encarar o desafio histórico, mesmo se necessário por proposta de iniciativa popular.

ROSELI FISCHMANN É COORDENADORA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

14 de julho: Revolução Francesa, República, Liberdade

No dia 14 de julho, além da comemoração da Revolução Francesa - e, por extensão, do nome do grande Georges Danton (1759-1794) -, os positivistas comemoram ao mesmo tempo várias outras coisas:

- a República

- a liberdade  dos povos americanos

- a independência dos povos americanos.

O fim simbólico da prisão da Bastilha representa apenas um aspecto negativo de um amplo processo e projeto positivo, de reorganização da sociedade em bases humanas, reais e altruístas, sem deus nem rei.

É uma data cheia de significados, portanto. Além disso, não por acaso em 14 de julho de 1891, Júlio de Castilhos promulgou a constituição do Rio Grande do Sul, em larga medida elaborada com base no Positivismo.

No dia 14 de julho o hino nacional francês - A Marselhesa - é também o hino de todos os republicanos e de todos os positivistas. É possível ouvi-lo aqui.

Para conhecer-se um pouco mais o projeto político e, de modo mais específico, o projeto republicano de Augusto Comte e do Positivismo, é possível ler a tese O momento comtiano, disponível aqui, assim como o livro Laicidade na I República, disponível aqui.


Comemoração de 14 de julho. Cartaz de autoria de João Carlos Silva Cardoso.

Georges Danton

13 julho 2015

Divulgação do livro "Filosofia e Educação - caminhos cruzados"

Divulgo abaixo o livro "Filosofia e Educação - caminhos cruzados", organizado pela pedagoga Leoni Maria Padilha Henning e publicado pela editora Appris

Entre os seus vários capítulos, há um de minha autoria, intitulado "Positivismo e educação - algumas idéias pedagógicas de Augusto Comte".

A página oficial do livro pode ser consultada aqui.

Além disso, é possível comprar o livro também pela Amazon brasileira, aqui.

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Descrição
 
Filosofia e Educação: caminhos cruzados se dirige ao leitor interessado nas inter-relações encontradas nos caminhos cruzados pela Filosofia e Educação, buscando promover o exercício do debate em torno da intrincada problemática filosófico-educacional analisada sob a ótica de diferentes perspectivas e conceitos próprios a alguns dos mais importantes movimentos e escolas filosóficas que têm muito a contribuir com as questões atinentes ao panorama de fundo da Filosofia da Educação que as acolhe no bojo das suas mais caras preocupações. Consideramos, portanto, para o momento, as contribuições vindas da complexidade, do positivismo, do marxismo, da hermenêutica, do pragmatismo e da fenomenologia, cujas perspectivas filosóficas, no seu conjunto, permitem expressar a composição dos vários elementos a serem examinados ao objetivarmos avançar nesse debate e a enfrentar os mais impactantes desafios que afligem aqueles preocupados com a formação humana.
 
Especificações
 
Encadernação: Brochura
Dimensões: 14,8 x 21 cm
 
Dados técnicos
 
ISBN: 978-85-8192-545-5
Número de Páginas: 328
Edição: 1ª
Ano da edição: 2015
 

07 julho 2015

Gazeta do Povo: "O renovado perigo do parlamentarismo"

Artigo de minha autoria, publicado na Gazeta do Povo em 7.7.2015, a respeito do perigo do parlamentarismo.

O original pode ser lido aqui.

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O RENOVADO PERIGO DO PARLAMENTARISMO

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Texto publicado na edição impressa de 07 de julho de 2015

Há alguns dias, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou que está pessoalmente empenhado em aprovar mais uma emenda à Constituição Federal, desta vez em favor do parlamentarismo. Essa proposta surge em um momento em que o governo federal encontra-se imobilizado e extremamente mal avaliado pela população brasileira; evidentemente, Eduardo Cunha apresentou-a com vistas a beneficiar-se ele mesmo da medida. Como o presidente da Câmara já demonstrou repetidas vezes que é um articulador político excepcional, em particular para avançar sua própria agenda política – ainda que nem sempre com êxito –, convém prestar muita atenção a mais essa sua proposta.
Que se deixe a tarefa de governar a quem é de direito, ou seja, ao presidente da República
O Brasil teve duas experiências parlamentaristas: durante o Segundo Império (1840-1889) e no período 1961-1963. Na primeira vez, o sistema baseou-se no voto censitário cada vez mais restrito e legitimou o poder de uma pequena elite que apoiava os privilégios aristocráticos, a escravidão e o imperialismo brasileiro na América do Sul; no segundo período, o parlamentarismo serviu como um golpe camuflado para impedir que João Goulart assumisse a Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros – mas, dois anos depois, em plebiscito nacional, o presidencialismo retornou. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988 o parlamentarismo quase voltou ao Brasil, articulado em particular pelo então deputado federal Mário Covas (PMDB-SP); derrotada essa proposta, tentou-se em seguida, mais uma vez, aprová-la por meio do plebiscito realizado em 1993, em que se decidiria entre república ou monarquia e entre presidencialismo ou parlamentarismo: como se sabe, venceu a república presidencialista.
No parlamentarismo, como o chefe de governo provém do parlamento, ele tem de se submeter a esse órgão; assim, para adotar suas propostas políticas, o chefe de governo tem de negociar com cada um dos parlamentares, em arranjos que tendem a fazer-se a portas fechadas. Ao mesmo tempo, a figura do presidente da República tende a ser meramente decorativa, gerando um gasto público desnecessário e, portanto, injustificável.
Do ponto de vista histórico, o parlamentarismo surgiu na Inglaterra da Idade Moderna com dois objetivos: minar o poder do rei como soberano e impor a vontade do localismo dos barões à vontade central do rei. Certamente nem estamos na Inglaterra nem temos mais monarquia, mas o fato é que esses dois objetivos do parlamentarismo são daninhos ao Brasil: o poder central é responsável (crescentemente) por um sem-número de políticas públicas importantes para o desenvolvimento e a justiça social; além disso, está claro que essas políticas públicas não podem ser dominadas nem minadas pelos localismos.
Por outro lado, não se pode dizer que no Brasil o “poder central” (o governo) é monolítico e impermeável aos clamores sociais, pois os presidentes têm de negociar com os partidos políticos as suas propostas, no que se chama de “presidencialismo de coalizão”. Aliás, como se sabe, uma das críticas ao presidencialismo seria precisamente a necessidade dessas negociações, que têm se mostrado daninhas ao interesse público: não se sabe como – e principalmente se – o parlamentarismo resolveria esse problema.
O parlamento deve atuar como porta-voz da sociedade e como fiscal do governo: que se deixe a tarefa de governar a quem é de direito, ou seja, ao presidente da República. Em outras palavras, é importante que se evite, mais uma vez, o perigo do parlamentarismo.
Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Sociologia Política e sociólogo da UFPR.