20 janeiro 2018

Movimentos e militantes sociais, intolerância e danos à liberdade

É motivo da mais profunda preocupação o fato de muitos "movimentos sociais", assim como muitos "ativistas sociais", adotarem comportamentos intolerantes.

Essa intolerância é facilmente verificável: adota-se um comportamento extremamente agressivo, em que se adota o "ou concorda conosco, exatamente nos termos que apresentamos, ou está contra nós - e é contra o progresso, a justiça, a liberdade". Qualquer divergência é percebida como traição e é tratada com violência, com doses monumentais de xingamentos. A gritaria, pública e/ou virtual, é seu o procedimento-padrão.

Seguindo esse comportamento, quem não está com esses grupos e/ou pessoas é visto como mal, ruim, opressor, explorador e toda uma inesgotável seqüência de xingamentos próprios a cada movimento social.

Esses movimentos sociais e/ou ativistas exigem de seus adversários - e é assim que são vistos: como adversários, como inimigos, não como pessoas que legitimamente têm divergências e opiniões diferentes - verdadeiros autos de fé, em que se deve humilhar ao máximo o "opressor" inimigo, deve exigir-se que esse "opressor" humilhe-se em busca da expiação de seus delitos e em que se exige lógica e contrição do "opressor", mas tais exigências não são extensivas aos movimentos e/ou aos militantes sociais.

Antes que me incomodem: NÃO estou dizendo que todos os movimentos e militantes sociais contemporâneos agem assim, mas que, sim, que há muitos, muitos, muitos que procedem dessa forma.

O resultado desse comportamento agressivo e intolerante é a degradação do ambiente público, com a desmoralização da política e a polarização dos debates.

Mais do que isso: a concepção da "sociedade civil" como um pólo ativo e importante da vida política sai extremamente prejudicada - afinal, se os "movimentos sociais" são agressivos e intolerantes, por que se perder tempo com eles, isto é, por que perder tempo ouvindo-os e talvez os apoiando? Esse é um dos caminhos mais seguros para o autoritarismo e para a perda das liberdades políticas e civis.

(O aumento da radicalização e da intolerância da sociedade civil como conducente ao autoritarismo não é mera especulação: historicamente, isso já se verificou nos inícios das décadas de 1930 e de 1960.)

01 janeiro 2018

Comemorações de 230 (2018)

Comemorações de 230 (2018)


NOME
VIDA
Comemoração
CALENDÁRIO
J.-G.
248 ac-182 ac
2200 anos de morte
18.César
10.maio
1718-1798
300 anos de nascimento
19.Frederico
23.nov.
1668-1738
350 anos de nascimento
23.Bichat
25.dez.
1568-1639
450 anos de nascimento
6.Descartes
13.out.
1768-1848
250 anos de nascimento
18.Dante
2.ago.
1668-1751
350 anos de nascimento
19.Descartes
26.out.
382 ac-336 ac
2400 anos de nascimento
9.César
1º maio
1644-1718
350 anos de morte
27.São Paulo
16.jun.
1398-1468
550 anos de morte
Gutenberg
13.ago.-9.set.
1495-1568
450 anos de morte
5.Carlos Magno
22.jun.
1668-1747
350 anos de nascimento
18.Shakespeare
27.set.
1768-1849
250 anos de nascimento
19.Shakespeare
28.set.
1746-1818
200 anos de morte
11.Bichat
13.dez.
1618-1669
400 anos de nascimento
2.Shakespeare
11.set.
1618-1682
400 anos de nascimento
12.Dante
27.jul.
s/d-632 ac
2650 anos de morte
18.Moisés
18.jan.
90-168
1850 anos de morte
19.Arquimedes
13.abr.
1792-1868
150 anos de morte
26.Shakespeare
5.out.
1713-1768
250 anos de morte
18.Shakespeare
27.set.
1118-1170
900 anos de nascimento
19.Carlos Magno
6.jul.
1668-1744
350 anos de nascimento
17.Descartes
24.out.
1552-1618
400 anos de morte
12.Carlos Magno
29.jun.
1717-1768
250 anos de morte
18.Descartes
25.out.

FONTE: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos.

NOTAS:

1.     As datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia), considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos conservadores.

2.     Letras maiúsculas em negrito: nomes de meses.

3.     Letras maiúsculas simples: chefes de semanas.

4.     Letras em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.

5.     Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (espanhol, francês, inglês).

21 dezembro 2017

O "Secreto horror à realidade": exame da crítica de Sérgio Buarque aos positivistas

Na década de 1930, o agora famoso historiador Sérgio Buarque de Holanda redigiu um libelo contra a I República brasileira (1889-1930) que se tornou famoso, o livro Raízes do Brasil. Entre inúmeras outras críticas, Sérgio Buarque afirmou que os positivistas brasileiros tinham um "secreto horror à realidade". Já na década de 1970, esse historiador retomou as críticas aos positivistas, agora com muita mais ousadia e acidez: tendo o desplante de afirmar que os positivistas brasileiros não conheciam corretamente a obra de Augusto Comte (!), Sérgio Buarque atribuiu-lhes a origem do ativismo político dos militares brasileiros e, por extensão, a origem dos golpes militares de 1930, 1945 e 1964.

Desde então, todas essas fantásticas críticas foram aceitas como verdadeiras pelos intelectuais e universitários brasileiros; sem conhecimento de causa mas transbordando de "criticidade", os "pensadores" nacionais sempre referendaram os comentários de Sérgio Buarque de Holanda.

Pois bem: no artigo "O 'secreto horror à realidade': exame das críticas de Sérgio Buarque aos positivistas", faço um exame detido das acusações feitas pelo antigo professor da Universidade de São Paulo, indicando, ainda que brevemente, os vários erros teóricos e factuais que ele comete ao tratar do Positivismo brasileiro.

O artigo foi publicado pela revista Educare et Educere, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Cascavel. 

O artigo pode ser lido aqui. O resumo e as palavras-chave estão indicados abaixo.

*   *   *

http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/16768/12023

Resumo: O artigo examina criticamente as observações de Sérgio Buarque de Holanda a respeito do Positivismo no Brasil, em particular o vigente entre o fim do Império e a I República. Em um primeiro momento, são expostas as principais observações de Sérgio Buarque sobre o Positivismo, conforme aparecem em Raízes do Brasil e no v. 7 de História geral da civilização brasileira, com o objetivo de avaliarem-se os seus argumentos e seus recursos retóricos. Em seguida, avaliam-se as publicações do Apostolado e Igreja Positivista do Brasil de 1881 a 1917, em termos de quantidade e variedade temática. Os comentários finais são no sentido de que, bem ao contrário do que afirmava Sérgio Buarque, os positivistas não tinham nenhum “horror à realidade”, secreto ou não.

Palavras-chave: Sérgio Buarque de Holanda; positivistas ortodoxos; I República.

25 novembro 2017

Carta à Ciência Hoje: contra as "medicinas tradicionais" e os placebos

A revista Ciência Hoje, órgão de divulgação científica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), publicou em sua edição n. 322, de fevereiro de 2015, um interessante artigo de história das ciências e das técnicas, intitulada "Medicina e superstição". Essa matéria, consistindo em uma entrevista com o historiador Timothy Walker, indicava que no Portugal medieval os médicos e suas corporações combateram as superstições, os xamãs, os curandeiros etc. 

Até aí, tudo bem: o problema é que, além de fazer um trabalho historiográfico, T. Walker afirma a validade técnica das chamadas medicinas alternativas, isto é, das superstições, do curandeirismo e assim por diante, em particular sublinhando uma suposta importância biopsicossocial dos placebos. Essa afirmação é um completo disparate, devido aos mais variados motivos: criticando essa opinião, eu redigi a carta reproduzida abaixo, que foi publicada pela Ciência Hoje n. 324, em forma ligeiramente abreviada (devido a questões de espaço).

Como, modestamente, considero que os argumentos expostos na carta original valem a pena de serem lidos e meditados, reproduzo-os abaixo. A entrevista original pode ser lida aqui.



*   *   *

A edição 322 da revista Ciência Hoje está bastante interessante, com diversas matérias que prendem a atenção. Em particular, o texto "Medicina e superstição" é digno de nota, ao apresentar a pesquisa sobre a Inquisição lusa e a participação dos médicos nela.

Todavia, chamou-me também a atenção a opinião exposta pelo pesquisador T. Walker a respeito das chamadas "medicinas tradicionais" e "medicinas alternativas", no sentido de que elas manteriam um valor, seja sociocultural, seja clínico, sugerindo como critério de relevância o efeito placebo. Esse gênero de opinião traz pelo menos dois problemas: (1) um especialista em uma área (História Moderna) opina sobre uma outra área, que por sinal é muito mais especializada; (2) valoriza práticas e "saberes" que são valorizados apenas porque são "tradicionais". Esses dois problemas estão estreitamente vinculados, é claro.

O autor, sem conhecimentos médicos, afirma que a "medicina tradicional" é válida e que deveria ser mantida. Ora, o mero caráter tradicional de algo não é motivo para sua permanência: a extirpação do clitóris, o trote violento dos calouros universitários, a coivara, o estupro e o machismo, o dote feminino, o tratamento de doenças com sanguessugas e sangrias e até a corrupção, além de inúmeras outras práticas e "saberes", são perfeitamente tradicionais; mas o conhecimento científico e o desenvolvimento social, filosófico e humanístico já os indicou como errados, daninhos e/ou atentatórios contra a dignidade humana. A valorização da tradição sempre desconsidera esses problemas. Em vez de valorizar a "tradição", o autor deveria valorizar o contato humano, o respeito - racional, humanista e baseado na ciência - aos valores sociais e à dignidade etc.

O efeito placebo não é e não pode ser parâmetro para valorizar as "medicinas tradicionais". O autor valoriza o efeito placebo afirmando que ele traria benefícios indiretos aos pacientes: mas o efeito placebo consiste basicamente em enganar o paciente, ao administrar uma droga inócua. Ora, não apenas é melhor administrar uma droga eficiente, que produza efeitos, como ainda mais importante é não enganar os pacientes. A afirmação do efeito placebo como motivo para valorizar as "medicinas tradicionais" consiste, portanto, em evitar o desenvolvimento real de práticas, saberes e tratamentos efetivamente eficientes; todavia, isso nem de longe é o mais importante. 

O conhecimento da realidade é o que está em questão: saber como a realidade funciona, saber quais os mecanismos efetivos por que o corpo humano funciona e de que maneira as diversas substâncias interagem com os órgãos e com os tecidos, isso é fundamental; o efeito placebo e, em particular, o efeito placebo associado a "medicinas tradicionais" defendido pelo autor, simplesmente joga fora esses desenvolvimentos. Mas não duvido de que essa defesa do efeito placebo seja para os outros: não creio nem um pouco que esse historiador inglês aceite submeter-se ao xamanismo para tratar o que quer que seja, desde a gripe comum até um câncer de pâncreas, passando pela hepatite, pela sida/aids e pela enxaqueca. 

Mas conhecer a realidade é importante não somente devido às tecnologias que podem ser derivadas dela; é importante conhecer a realidade para saber lidar psicologicamente com ela. Desde o Iluminismo até Freud, passando por Augusto Comte, mas na verdade desde antes e depois desses autores, muitos pensadores salientam que a realidade é rebelde à vontade humana, que desejar submeter a realidade à pura volição é ato de imaturidade, de egoísmo, de irracionalidade - e, por todos esses motivos, é fonte de profunda infelicidade. É claro que conhecer a realidade é duro, é difícil e é demorado; também é claro que é mais agradável desconhecer a realidade; mas é somente entendendo como é a realidade que se pode amadurecer, aceitar os acontecimentos fatídicos e ter os elementos para alterá-la naquilo que está à disposição do ser humano alterar.

A defesa que o historiador inglês faz da "medicina tradicional", usando para justificá-la o efeito placebo, desconsidera olimpicamente esses sérios problemas de relacionamento com a realidade. Sabe-se que muitos pesquisadores, especialmente das Ciências Humanas - historiadores, sociólogos, filósofos -, põem em questão a própria idéia de "realidade"; todavia, esse construtivismo radical despreza o avanço dos conhecimentos científicos, afirma que o avanço das Ciências Humanas consiste em "desconstruir mitos, principalmente o 'mito' da ciência" e, conforme argumentei no parágrafo acima, afirma ou pressupõe que o cúmulo da dignidade humana é postular a plasticidade da realidade frente à nossa volição - ou seja, toma como ápice do conhecimento humano precisamente a valorização da postura infantil e egocêntrica criticada pelos humanistas científicos.

Infelizmente, pesquisadores das Ciências Humanas que se dedicam a investigar as disciplinas ligadas à saúde tendem a valorizar os "saberes tradicionais" - e, não por acaso, sempre se referindo ao efeito placebo como legitimador clínico de suas perspectivas -, ao mesmo tempo que desvalorizam, ou desprezam, a Medicina "ocidental". Há um forte viés anti-Medicina, assim como um forte viés antimédicos, em muitas dessas pesquisas: "denunciar" os médicos, o "poder dos médicos", o "biopoder" é a cumulação dos conhecimentos humanos para tais pesquisadores. No Brasil, o viés antimédico e anti-Medicina da Sociologia da Saúde é extremamente forte, mesmo em instituições de pesquisa que são primariamente dedicadas ao avanço do conhecimento médico. Como comentei antes, é claro que, quando doentes, tais pesquisadores fazem questão dos melhores remédios e tratamentos e sentir-se-iam profundamente ofendidos se fossem tratados com placebos (seja por serem enganados, seja porque desejam tratamentos efetivos).

Sem dúvida que estudar a influência dos médicos na Inquisição lusa é interessante; também é interessante saber que foi devido à sua influência que os curandeiros, os xamanistas foram perseguidos em Portugal e suas colônias. Isso é trabalho de historiador e deve ser valorizado - aliás, deve ser valorizado precisamente com base nos critérios científicos, ou seja, nos critérios que informam tanto as investigações historiográficas e sociológicas, quanto as médicas e clínicas. Algo totalmente diverso é um historiador querer defender a "medicina tradicional" contra a "medicina científica": não apenas ele não tem formação específica para isso, como ele é incapaz de avaliar as consequências filosóficas, sociais e psicológicas mais profundas dessa defesa; mesmo os argumentos "humanos" e "sociológicos" aventados para tal defesa são poucos, superficiais e insustentáveis.

16 novembro 2017

Hernani G. Costa: "Sobre o 'Amor' na bandeira nacional"

O meu amigo e correligionário Hernani Gomes da Costa fez uma interessante intervenção a propósito da proposta de inclusão da palavra "Amor" na bandeira nacional republicana, feita recentemente por Hans Donner. Em virtude da alta qualidade desse texto, com sua autorização reproduzo abaixo a intervenção.

*   *   *

A exclusão do “amor” na bandeira nacional tem a ver com duas circunstâncias conexas na evolução do Positivismo. A primeira dessas circunstância refere-se ao fato de o lema principal (ou como Comte o chamava, a Fórmula Sagrada do Positivismo) haver passado por uma pequena mas significativa mudança.
  

Mas antes de se entrar nesse assunto é preciso definir os três termos da fórmula. Nossa mente é constituída por três elementos básicos: a afetividade, o intelecto e a ação.

Na fórmula sagrada, Comte procurou expressar sinteticamente cada um deles tal como se apresentam estaticamente em nossa vida psíquica, bem como, dinamicamente, caracterizando seus respectivos papéis e articulações no estabelecimento da harmonia tanto individual, quanto coletiva.

Por amor, Comte entendia o conjunto dos nossos três pendores sociais ou altruístas, os instintos inatos que nos predispõe (assim como a muitas outras espécies animais) a uma vida social. São eles (1) a amizade, ou amor aos iguais; isto é a camaradagem, o companheirismo, a cordialidade; (2) a veneração, o amor aos superiores; isto é, a admiração, a reverência; por fim, (3) a bondade, ou amor aos inferiores, isto é, a comiseração, a misericórdia, a compaixão, a solidariedade[1].

Por ordem Comte entendia o conjunto abstrato das leis naturais que regem o mundo e o homem, e cujo estudo forma o que se denomina a ciência; ordem, no caso se refere, pois, à ordem natural das coisas, ao conjunto das circunstâncias mediante as quais os fatos se dão, e por meio das quais estes podem ser inclusive antecipados com relativo sucesso.

Por progresso Comte entendia a dinâmica do mundo e do homem e, em conseqüência, o modo como podemos atuar sobre essas leis de modo a produzir determinados resultados almejados. O amor resume, na fórmula, o aspecto afetivo, emocional, passional da nossa natureza, a ordem, o aspecto intelectivo, teórico, científico, e o progresso, o aspecto prático, ativo, técnico, político (no sentido mais amplo da palavra).

Outra fórmula que caracteriza a articulação desses três elementos é “Agir por afeição e pensar para agir”.


 Pois bem. Primeiramente Comte redigiu a fórmula da seguinte maneira: “O Amor por Princípio, a Ordem por Base e o Progresso por Fim”. Assim, nesse primeiro esboço, o amor ficava isolado, e “ordem e progresso” ficavam juntos de modo a comportar uma possibilidade maior de decomposição.

Todavia, numa segunda redação Comte aperfeiçoou a fórmula, escrevendo-a da seguinte forma: “O Amor por Princípio e a Ordem por Base; o Progresso por fim”. Desse modo Comte passou a caracterizar antes de tudo o vínculo necessário do amor com a ordem (isto é, com o conhecimento) para conduzir consecutivamente ao progresso[2].

Em outras palavras, é o amor esclarecido que guia e conduz à atividade pacífica, e não este isoladamente, tal como a primeira redação parecia sugerir.

Comte foi o primeiro a reconhecer a insuficiência do lema "Ordem e Progresso", numa carta a um discípulo. Afinal, esse lema apenas versa sobre a harmonização entre as condições de existência (ordem) e de desenvolvimento (progresso) possuindo hoje uma expressão espontânea na idéia de desenvolvimento sustentável.

Como, porém, essa harmonização da sustentabilidade (ordem) com o desenvolvimento (progresso) é ainda o principal problema político a ser resolvido (isto é, tanto a superação da ordem retrógrada – que sacrifica em seu nome o progresso – quanto do progresso revolucionário – que em seu nome sacrifica as condições de ordem), Comte julgou dever manter o lema, como algo “separado”. Aliás é preciso lembrar que a bandeira positivista atual é necessariamente transitória, devendo o lema ordem e progresso ser incorporado na fórmula sagrada, quando houver de se operar a grande decomposição do Brasil em diversas pátrias (ou mátrias) independentes.

A segunda circunstância tem a ver com o fato de que, tal como concebida por Teixeira Mendes, a bandeira deveria conter duas fórmulas, uma de cada lado: “Ordem e progresso” (divisa política) de um lado e “Viver para outrem” (divisa afetiva correspondente ao amor universal) de outro. A meu ver a inclusão do amor na bandeira é, positivisticamente falando, ortodoxa, um “sinal dos tempos”, e portanto muito bem vinda, assim como, aliás, é bem vinda a presença do amor em qualquer outro lugar ou circunstância da vida.

Lamento apenas que Hans Doner não tenha exposto as origens de uma idéia que ele parece reputar como original[3]...




[1] Esses sentimentos também têm uma perspectiva temporal, ou histórica: o apego pode ser visto como os vínculos que nos unem aos seres humanos atualmente vivos, com quem neste momento e ao longo de nossas vidas dividimos nossas existências; a veneração são os sentimentos de respeito e gratidão para com os nossos antepassados; a bondade são os sentimentos mais puramente altruístas para com os nossos sucessores, não apenas com os nossos filhos e netos, mas principalmente para com todos aqueles que não conheceremos e virão após nós.
[2] É necessário notar que a palavra “fim”, aí, não significa “término” ou “encerramento”; é a tradução do francês “but”, que significa “objetivo”. Assim, o progresso deve ser entendido como o objetivo das nossas ações e do amor esclarecido.
[3] No início de novembro de 2017, o projetista gráfico Hans Donner propôs uma versão modificada da bandeira nacional republicana, incluindo a palavra “Amor” antes do “Ordem e Progresso”, além de outras alterações propriamente estilísticas (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/09/bandeira-do-brasil.htm).