25 junho 2025

Simpatia, relativismo, tolerância

No dia 7 de Carlos Magnos de 171 (24.6.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina destinada aos verdadeiros conservadores").

Na parte do sermão abordamos as relações necessárias entre simpatia, relativismo e tolerância.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (https://youtube.com/live/w07dieOnUTQ) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual e Instagram.com/IgrejaPositivistaVirtual).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Simpatia, relativismo, tolerância

(7.Carlos Magno.171/24.6.2025) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

2.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Datas e celebrações:

3.1.    Dia 8 de Carlos Magno (25.6): transformação de Martins Fontes (1937 – 88 anos)

3.2.    Dia 11 de Carlos Magno (28.6): transformação de Teixeira Mendes (1927 – 98 anos)

3.3.    Dia 12 de Carlos Magno (29.6): nascimento de Júlio de Castilhos (1860 – 165 anos)

3.4.    Dia 13 de Carlos Magno (30.6): nascimento de Carlos Torres Gonçalves (1875 – 150 anos)

4.       Citação no canal de Deyvid Antônio

4.1.    No dia 23.6.2025, tivemos a honra de termos um livro de nossa autoria – O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019) – comentado em uma resenha virtual por Deyvid Antônio

4.2.    Foi um comentário sereno, gentil e muito elogioso

4.3.    O vídeo pode ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?v=YOWGjUa_RzA

5.       Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.    Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1. O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.             O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.             Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.2.    Outras observações:

5.2.1. Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2. O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

5.3.    Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.       Comentários sobre simpatia, relativismo e tolerância

6.1.    O tema do sermão de hoje, como tem ocorrido em diversas ocasiões, é plenamente religioso, ao referir-se ao conjunto da existência humana: afetivo, intelectual e prático

6.1.1. Embora por vezes seja cansativo e até óbvio, importa lembrar que “religioso” não tem um significado necessariamente teológico: a forma teológica da religião foi apenas uma grande etapa preparatória e, assim, transitória; o sentido permanente é o positivo, consistindo na concepção e na regulação geral da vida humana, em todos os seus aspectos

6.1.2. O tema desta semana – “simpatia, relativismo, tolerância” – relaciona aspectos intimamente relacionados da existência humana, respectivamente vinculados aos sentimentos, à inteligência e à atividade prática

6.1.2.1.             Além disso, como tudo na Religião da Humanidade, embora esse tema, ou melhor, a relação que desejamos evidenciar seja abstrata em um primeiro momento, o fato é que, como veremos, ela tem aplicações práticas diretas e contínuas

6.2.    Vejamos brevemente o que cada um dos três termos significa:

6.2.1. A simpatia é um dos termos básicos da Religião da Humanidade; ela pode significar, de maneira restrita, a boa vontade fundamental que devemos a princípio ter para com todos, assim como pode ter um sentido amplo, sendo sinônima de “amor”, “altruísmo”, “sentimentos” e/ou “afetos”

6.2.1.1.             Na definição da palavra “positivo”, apresentada no Apelo aos conservadores (p. 25 da tradução brasileira), Augusto Comte indica que o sétimo sentido, que completa e resume todos, é justamente a “simpatia”

6.2.1.2.             A simpatia é fundamental porque ela corresponde, como sinônima de amor, altruísmo, afeto ou sentimentos, aos elementos mais básicos da natureza, origem e destino de todos os nossos esforços

6.2.1.3.             Vale notar que o altruísmo assume um aspecto de oposição complementar com o egoísmo, quando consideramos o egoísmo a manifestação das necessidades e das aspirações particulares: é uma oposição porque o altruísmo e o egoísmo são princípios opostos, é complementar porque, dentro de determinados limites, tais necessidades e aspirações particulares são legítimas e são instrumentos do altruísmo

6.2.1.3.1.                   De qualquer maneira, a oposição complementar ocorre entre altruísmo e egoísmo; já entre simpatia e antipatia não há complementaridade, mas, sim, franca e simples oposição

6.2.2. O relativismo é um traço intelectual do pensamento positivo; ou melhor, é o traço intelectual, sua característica mais elementar

6.2.2.1.             O relativismo consiste em rejeitar o absoluto, isto é, consiste em rejeitar o que ignora as relações, as conveniências, o desenvolvimento histórico e social

6.2.2.2.             Também na definição da palavra “positivo” presente no Apelo aos conservadores, o aspecto relativo é o quinto atributo, que Augusto Comte classifica entre as propriedades sociais da positividade, juntamente com o seu aspecto orgânico

6.2.2.3.             É realmente notável que Augusto Comte tenha incluído o relativismo entre as propriedades sociais da positividade, o que indica a origem e a destinação desse atributo

6.2.2.4.             Como vimos, no caso do fundamento afetivo do ser humano, entre altruísmo e egoísmo há oposição complementar; no caso da característica intelectual, não há complementaridade, mas oposição clara e direta: relativismo e absolutismo opõem-se de maneira irrecorrível

6.2.2.4.1.                   Devemos notar que, se de uma perspectiva intelectual há oposição entre relativismo e absolutismo, é o próprio relativismo que nos conduz a reconhecer que o grosso do desenvolvimento do ser humano ocorreu sob o absolutismo, o que, seja por uma questão de princípios, seja por uma questão de necessidade histórica, conduz-nos a positivar, isto é, a “relativizar” as elaborações absolutas

6.2.2.4.2.                   Da mesma forma, como indicamos na prédica do dia 23 de Homero de 170 (20.2.2024), em que respondemos à pergunta “O relativismo impede convicções profundas?”, é importante termos clareza de que o relativismo não impede convicções profundas nem convicções estáveis e que, inversamente, o absolutismo não é garantia nem de estabilidade nem de firmeza nas convicções (como, por exemplo, lamentavelmente argumenta Ramiro Marques em seu O livro das virtudes de sempre) – mas, inversamente, o absolutismo permite e até estimula o fanatismo, ao contrário do relativismo

6.2.3. A tolerância é uma virtude prática, em que buscamos ter paciência com quem é diferente ou com quem discorda de nós

6.2.3.1.             Temos que ter clareza que a tolerância não é uma palavra habitualmente empregada por Augusto Comte em sua obra; em particular, não é empregada como um termo canônico, como são, por exemplo, altruísmo, simpatia, sociocracia etc.

6.2.3.1.1.                   Mas, apesar de não ser canônico, Augusto Comte usava essa palavra – pelo menos em dois sentidos diferentes

6.2.3.1.1.1.  Por um lado, com uma conotação negativa, no sentido de discutir tudo o tempo todo, criticando sem cessar os fundamentos da sociedade, não confiando uns nos outros e querendo opinar-se sobre o que não sabe e não se tem competência: a isso Augusto Comte chama de “tolerância sistemática” no v. IV da Filosofia positiva (cap. 46, p. 46); essa conotação surge em uma apreciação dos efeitos sociais e intelectuais da metafísica

6.2.3.1.1.2.  Por outro lado, com uma conotação positiva, no sentido de respeito às doutrinas de que discordamos, bem como aos aderentes dessas doutrinas: com essa conotação, Augusto Comte critica a profunda intolerância protestante (em particular nos EUA) (Filosofia positiva, v. IV, p. 47), afirma a necessidade de os céticos e os ateus respeitarem a Religião da Humanidade (Política positiva, v. IV, p. 387) e elogia a tolerância muçulmana (Política positiva, v. IV, p. 508, 511)

6.2.3.1.2.                   Vale notar que nosso mestre empregou “tolerância” também no sentido de aceitação de algo que em si não é muito bom, mas a própria aceitação não é algo necessariamente ruim: por exemplo, no v. II da Política positiva (p. 403), Augusto Comte observou que, contrariamente à civilização militar, a vida industrial é mais tolerante para com as mediocridades

6.2.3.1.3.                   Em outras palavras, para Augusto Comte a tolerância deve ser entendida no sentido habitual, embora ele tenha dado um sentido específico quando avaliou os efeitos sociais e intelectuais da metafísica

6.2.3.1.3.1.  Entretanto, talvez com a intenção de ser provocativamente polêmico, o sociólogo francês Pierre Arnaud, no livro Política de Augusto Comte (1965, p. 360-361), ignora o sentido positivo indicado acima e, concentrando-se apenas no sentido negativo, propõe uma interpretação enviesada da “tolerância sistemática”, ao sugerir que para Augusto Comte seria isso (a tolerância sistemática como sinônima de prática metafísica), de uma vez por todas, o que nosso mestre entendia pela “tolerância”

6.2.3.2.             Fizemos há pouco referência a um livro de Ramiro Marques; justamente nesse livro ele indica que a tolerância é um comportamento passivo, enquanto o respeito é um comportamento ativo

6.2.3.2.1.                   Nesses termos, a passividade da tolerância significa que não temos que gostar dos demais; o ativismo do respeito significa que fazemos um esforço para gostar e compreender os demais

6.2.3.3.             Os termos propostos por Marques fazem sentido quando contrapomos a tolerância ao respeito; mas ele parece-nos limitado, ao restringir sem maiores motivos o conceito de tolerância à passividade; assim, consideramos melhor entender a tolerância como um contínuo, em que podemos passar da aceitação resignada (e mais ou menos passiva) do que nos desagrada ao esforço (ativo) para compreender isso que nos desagrada

6.2.3.3.1.                   É claro que compreender o que nos desagrada não implica necessariamente concordar com o que nos desagrada; por outro lado, o esforço de compreensão é um dos passos fundamentais para buscar-se entendimentos efetivos, para além de tréguas, modi vivendi e acordos de conveniência

6.3.    Vejamos agora como é que esses elementos relacionam-se

6.3.1. Temos que lembrar que a verdadeira noção de religião implica sempre a visão de conjunto e as relações de tudo para com tudo

6.3.1.1.             É claro que essas relações de tudo para com tudo não se dão sem ordem: é um dos grandes méritos de nosso mestre perceber e formalizar que os sentimentos são a base e o destino final de toda a nossa existência, a inteligência é o instrumento que explica e permite nossas ações; finalmente, a atividade prática é o meio de satisfazermos nossas necessidades e é o grande regulador da inteligência

6.3.1.2.             A visão de conjunto religiosa é afirmada no conceito de “síntese”; as relações entre os vários elementos são sumariadas – ou melhor, são sintetizadas – nas máximas “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim” e “agir por afeição e pensar para agir”

6.3.2. Nosso mestre afirmava que a simpatia e o relativismo implicam-se mutuamente

6.3.2.1.             A simpatia pelos demais leva-nos a considerar as opiniões dos outros, se não com seriedade, pelo menos com respeito; esse respeito implica o relativismo

6.3.2.1.1.                   A simpatia não é somente estática, ou da solidariedade, isto é, do presente; ela também e acima de tudo é dinâmica, referente à continuidade, isto é, do passado e do futuro: assim, ao termos simpatia para com os nossos antepassados e nossos antecedentes, desenvolvemos naturalmente o relativismo a respeito das suas e das nossas concepções

6.3.2.2.             Já o relativismo indica que nossas concepções mudam com o passar do tempo e que foi necessário um longo desenvolvimento histórico para chegarmos aonde chegamos – e que temos ainda um longo percurso até desenvolvermos completamente as nossas possibilidades

6.3.2.2.1.                   A compreensão de que o ser humano é limitado, é imperfeito e que se desenvolve ao longo do tempo – compreensão que integra o relativismo – estimula a humildade intelectual, a gratidão para com nossos antepassados, a boa vontade para com os demais: em outras palavras, o relativismo estimula a simpatia, o altruísmo

6.3.2.3.             A realização prática desses dois atributos – simpatia e relativismo –, como é fácil de perceber, é a tolerância

6.3.2.3.1.                   Podemos juntar outros atributos à tolerância, como a generosidade (que, aliás, une os bons sentimentos à atividade prática)

6.3.2.4.             No Apelo aos conservadores (p. 27), ao indicar as relações entre relativismo, organicidade e simpatia, nosso mestre resume a questão da seguinte maneira:

“A conexidade íntima destas duas propriedades [relativismo e organicidade] permite apreciar como é que elas se ligam à qualidade final [simpatia], única contestada hoje pelos positivistas incompletos. Porquanto, é tão impossível ficarmos relativos sem tornarmo-nos simpáticos, como ficarmos orgânicos sem tornarmo-nos relativos, sobretudo a respeito do campo principal de nossas concepções [a ciência da Moral], em que só o amor nos dispõe a construir e nos permite apreciar”

6.3.2.5.             Da mesma forma, o caráter sintético dessas concepções está exposto na primeira lei da Filosofia Primeira, justamente denominada de “lei-mãe”: “formular a hipótese mais simples, mais estética e mais simpática que comporte o conjunto dos dados disponíveis”

6.4.    Como todas as prescrições que Augusto Comte fazia, a afirmação da simpatia, do relativismo e da tolerância, mais que simplesmente válida para os positivistas, na verdade é uma afirmação do comportamento necessário para todos os seres humanos, a fim de que possamos viver em harmonia, isto é, com a satisfação justa e digna das necessidades individuais e coletivas, em paz e fraternidade

6.4.1. Isso equivale a dizer que a única forma de obtermos paz e dignidade, com a satisfação individual e coletiva das necessidades, é por meio da realização da simpatia, do relativismo e da tolerância

6.5.    Se isso é verdade – e, de fato, é, sim, verdade –, mais uma vez percebemos como os hábitos contemporâneos infelizmente estão muito distantes da positividade, na medida em que se mantêm profundamente metafísicos e, de qualquer maneira, absolutos

6.5.1. O absolutismo conduz à rejeição das concepções alheias, ou seja, à antipatia e à intolerância

6.5.2. Isso é muito perceptível no caso das teologias, cujos fundamentos na crença em divindades tornam bastante evidente a rejeição de todas as filosofias e religiões que não compartilham seus deuses e suas interpretações

6.5.3. No caso da metafísica, a intolerância absolutista por vezes se camufla em rótulos equívocos: às vezes é o “respeito às tradições”, em outras vezes é o “combate às discriminações”, às vezes são enunciados enviesados de “progresso”

6.5.3.1.             Apesar desses rótulos ambíguos, é fácil perceber que os revolucionários de direita (fascistas) e os revolucionários de esquerda (comunistas, pós-modernos, identitários) são todos absolutistas, destruidores e afirmam que eles próprios precisam e/ou exigem respeito, tolerância e simpatia, mas rejeitam esses predicados aos outros (em particular aos seus adversários)

6.6.    Teológicos e metafísicos são absolutistas por vício intelectual e, a partir disso, tendem à falta de simpatia e à intolerância – embora em muitos casos, devido ao bom senso prático e a altruísmos mais intensos que suas crenças, esses absolutistas sobrepujem suas fés e adotem comportamentos convergentes, positivos, ou seja, relativistas, simpáticos e tolerantes

6.7.    Sendo humanos e imperfeitos, alguns positivistas, por outro lado, por vezes acabam adotando um comportamento agressivo e tendencialmente intolerante – logo, absolutista

6.7.1. Tais situações podem ser vistas quando se critica algum grupo ou alguma filosofia de maneira demasiadamente agressiva e unilateral, com um espírito de combate muito destruidor e sem muita generosidade

6.7.2. Pressupondo-se a boa fé, esse comportamento da parte de positivistas muitas vezes se explica (embora não necessariamente se justifique) devido à falta de conhecimento da doutrina, e/ou à falta de experiência de vida, e/ou à falta de amadurecimento afetivo

6.7.3. Uma situação diferente surge quando alguém, dizendo-se positivista, apóia ativamente sentimentos, concepções e/ou práticas francamente contrários ou opostos ao Positivismo, como o apoio ao militarismo e/ou ao colonialismo: aí é necessário assumir a má fé e a hipocrisia

6.8.    Em suma:

6.8.1. Simpatia, relativismo e tolerância são atributos afetivos, intelectuais e práticos

6.8.2. Como nosso mestre não se cansava de repetir, a verdadeira religião tem um aspecto sintético, de conjunto, que, no presente caso, relaciona intimamente a simpatia, o relativismo e a tolerância, como se vê na fórmula “agir por afeição e pensar para agir” e, ainda mais, na fórmula sagrada, “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”

6.8.3. A simpatia consiste em uma boa vontade, em uma generosidade para com os demais; ela conduz-nos a respeitar os outros, o que, por seu turno, estimula o relativismo e conduz à tolerância

6.8.4. O relativismo afasta as concepções absolutas, que são sempre estáticas, isolacionistas e particularistas; assim, ele conduz à simpatia e também estimula a tolerância

6.8.5. A tolerância, por seu turno, baseia-se na simpatia e estimula o relativismo

6.8.6. Esses três termos – simpatia, relativismo e tolerância – são, ou melhor, devem ser próprios não somente aos positivistas, mas são possíveis e necessários para todos os seres humanos – que, assim, devem deixar de lado o ódio, a antipatia e o ressentimento; o absolutismo; a intolerância e o desrespeito

7.       Exortações finais

7.1.    Sejamos altruístas!

7.2.    Façamos orações!

7.3.    Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

7.4.    Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

8.       Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de filosofia positiva, v. IV (Paris, Bachelier, 1839): https://archive.org/details/coursdephilosoph0004augu/page/30/mode/2up.

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, E. Thunot, 1851-1854).

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Deyvid Antônio (port.), O Momento Comtiano – uma bibliografia fundamental (Pariconha, 2025): https://www.youtube.com/watch?v=YOWGjUa_RzA.

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.), Prédica positiva: O relativismo impede convicções profundas? (Curitiba, Igreja Positivista Virtual, 23.Homero.170/20.2.2024): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2024/02/sera-que-o-relativismo-impede.html.

- Pierre Arnaud (franc.), Política de Augusto Comte (Paris, A. Colin, 1965).

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.

- Ramiro Marques (port.), O livro das virtudes de sempre (São Paulo, Landy, 2001).

24 junho 2025

Deyvid Antônio: "O Momento Comtiano - uma bibliografia fundamental"

No dia 23.6.2025 tivemos a felicidade de receber de Deyvid Antônio uma pequena resenha - serena e altamente elogiosa - de nosso livro O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).

É possível assistir à resenha - que, na verdade, é uma "vídeo-resenha" - aqui: https://www.youtube.com/watch?v=YOWGjUa_RzA.

Ou, então, aqui embaixo:


O original está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=_cbAuuLx0Q4.

23 junho 2025

Décio Villares: "A Humanidade" e variações

O grande artista brasileiro - e positivista - Décio Villares (1851-1931) pintou a tela "A Humanidade", em que se vê a Humanidade com os traços de Clotilde de Vaux (segundo os votos de Augusto Comte), segurando no colo o futuro; a criança segura em sua mão (e olha para ele) um medalhão com o "dom do coração", ou seja, u'a mecha de cabelos de Clotilde, que esta presenteou a Augusto Comte durante o "ano sem par" (1845-1846). Essa belíssima tela embeleza o Catecismo positivista, especialmente em sua quarta edição, de 1936.

Reproduzimos abaixo essa tela. Na seqüência incluímos algumas variações elaboradas pelo Chat GPT em 16.6.2025; como se vê, a inteligência artificial apresenta grandes dificuldades de executar a contento alterações solicitadas.







18 junho 2025

Conciliar "Viver às claras" e "É indigno dos grandes corações derramar as perturbações"

No dia 28 de São Paulo de 171 (17.6.2025) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Apelo aos conservadores (em sua Primeira Parte - "doutrina destinada aos verdadeiros conservadores"). 

Na parte do sermão tratamos da questão: como conciliar duas máximas do Positivismo, "Viver às claras" e "É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem"?

Antes do sermão, justificamos de maneira sistemática a adoção da palavra "sermão" nas prédicas.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=kclW-8EUW2A&t=11s) e Igreja Positivista Virtual (aqui e aqui).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *



Como conciliar o “Viver às claras” com “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

(28.São Paulo.171/17.6.2025) 

1.      Invocação inicial

2.      Justificativa de ausência de prédica na semana passada

2.1.   Tive uma infecção (ainda a determinar qual), que me deixou acamado ou com profundo mal-estar durante cinco dias, desde o domingo anterior à prédica

3.      Exortações iniciais

3.1.   Sejamos altruístas!

3.2.   Façamos orações!

3.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

3.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

4.      Datas e celebrações:

4.1.   Dia 27 de São Paulo (16.6.2025): nascimento de Paul Edger (1875 – 150 anos)

4.2.   Dia 27 de São Paulo (16.6.2025): transformação de Ivan Lins (1975 – 50 anos)

4.3.   Dia 28 de São Paulo (17.6.2025): nascimento de Edgar Proença Rosa (1903 – 122 anos)

4.4.   Dia 2 de Carlos Magno (19.6.2025): transformação de Carlos Torres Gonçalves (1974 – 51 anos)

4.5.   Dia 4 de Carlos Magno (21.6.2025): transformação de Décio Villares (1931 – 94 anos)

4.6.   Dia 3 de Carlos Magno (20.6.2025): solstício de inverno

5.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.2.   Outras observações:

5.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Primeira Parte”, cujo subtítulo é “Doutrina apropriada aos verdadeiros conservadores”

5.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.      Pequeno comentário sobre os “sermões”:

6.1.   Desde o início das prédicas procuramos expor tanto leituras comentadas de obras de Augusto Comte – começamos, é claro, com o Catecismo positivista e estamos agora com o Apelo aos conservadores – com reflexões de diferentes tipos: religiosas, afetivas, artísticas, filosóficas, políticas etc.

6.1.1.     Para essas reflexões, de maneira totalmente empírica e inspirando-nos na prática católica, adotamos o título de “sermões”

6.2.   A palavra “sermão” na verdade tem origem romana: “sermo, -onis”, que significa “conversa” ou “discurso”; “sermo”, por sua vez, vem do verbo “serere”, que significa “unir, encadear”

6.3.   Assim, “sermão” é uma palavra que pode ser plenamente empregada de maneira positiva, exatamente como a palavra “religião” – e até mais facilmente que “religião”, na medida em que não é (tão) necessário distinguir nela o aspecto positivo do teológico

6.3.1.     De uma única vez a palavra “sermão”: (1) indica sua origem social, romana; (2) indica o seu caráter de conversa, de diálogo; (3) lembra sua história católica; (4) lembra o necessário acento religioso (moral e sintético) de todas as nossas reflexões; (5) reafirma a continuidade histórica e, da melhor maneira possível (isto é, da maneira correta, positivando), o princípio “conservar melhorando”

7.      O tema do sermão desta semana é o seguinte: como conciliar o “Viver às claras” com o “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

7.1.   Essa é uma questão que muitas vezes surge para quem estuda o Positivismo e deseja aplicá-lo em suas vidas: como conciliar as duas máximas, “Viver às claras” e “É indigno dos grandes corações derramar as perturbações que sentem”?

7.1.1.     Como tudo a respeito do Positivismo, essa dúvida surge na verdade para todas as pessoas; nós, positivistas, apenas sistematizamos a reflexão

7.1.2.     Se falamos em “conciliar” as frases, é porque à primeira vista elas parecem incompatíveis

7.1.3.     A compatibilidade ou não dessas frases não é uma questão puramente intelectual; como são máximas morais e práticas, essa compatibilidade (ou sua ausência) tem implicações práticas imediatas

7.1.4.     Essa questão foi formulada por nosso amigo Hernani, que pediu nosso auxílio a respeito

7.2.   Para começar a tratar desse tema, o primeiro passo é considerar a compatibilidade ou ausência de compatibilidade entre as duas fórmulas

7.2.1.     Sugerimos que aparentemente há ausência de compatibilidade porque, à primeira vista, essas máximas parecem incompatíveis; mas, bem vistas as coisas, temos que afirmar a sua compatibilidade

7.2.1.1.           Embora essa compatibilidade tenha um evidente aspecto intelectual, esse em definitivo não é o âmbito mais importante na questão

7.2.2.     A noção e a exigência de compatibilidade estão implicadas no caráter sistêmico e sistemático do Positivismo e na preocupação com a coerência das idéias (e dos sentimentos e das ações)

7.2.2.1.           Sobre a coerência, vale notar que, desde há algumas décadas, é mais ou menos moda afirmar-se que a coerência é impossível, ou que é errada, ou que é tola; algumas pessoas utilizam as reflexões lógicas de Kurt Gödel para negar a validade da busca da coerência; outros afirmam que a busca da coerência é uma espécie de doença intelectual e moral de pessoas fanáticas

7.2.2.2.           Todos esses argumentos contra a coerência são tolices; não são argumentos, mas sofismas mais ou menos infantis, que se baseiam, estimulam e difundem a irracionalidade, a inconseqüência prática, a incompreensão do mundo e a ausência de parâmetros na vida – em outras palavras, são sofismas plenamente metafísicos

7.2.2.3.           Assim, convém afirmar com clareza: a coerência é um valor moral, intelectual e prático efetivo; ela deve, sim, ser buscada e, na prática, de maneira explícita ou implícita, ela é exigida o tempo todo de todos e por todos

7.3.   As duas frases integram o cânone positivista, embora tenham origens diferentes

7.3.1.     O “Viver às claras” é uma fórmula moral e política; ela foi elaborada por Augusto Comte e estabelece a publicidade dos nossos atos

7.3.2.     O “É indigno dos grandes corações” é uma fórmula moral e “de sociabilidade”; ela foi elaborada por Clotilde, em sua novela Lúcia, e estabelece um parâmetro de comportamento individual e mútuo

7.3.3.     A aparente incompatibilidade entre as duas fórmulas deve-se ao fato de que elas apontam para direções contrárias: enquanto o “Viver às claras” sugere a abertura do comportamento, o “É indigno dos grandes corações” conduz à reserva e/ou ao fechamento

7.3.4.     Para solucionarmos essa questão, vejamos o contexto de elaboração e o significado de cada uma dessas fórmulas; começaremos pela máxima de Clotilde e então passaremos à de Augusto Comte

7.4.   O “É indigno dos grandes corações” corresponde a uma das inúmeras frases espontaneamente memoráveis de Clotilde – neste caso presente em sua novela Lúcia (publicada originalmente em 20 e 21 de junho de 1845[1], no jornal Le National)

7.4.1.     O original em francês é este: “Il est indigne des grands coeurs de répandre les troubles qu’ils ressentent

7.4.2.     O trecho integra a sétima carta da correspondência ficcional, do amante Maurício a seu confidente e amigo Rogério; o trecho que importa reproduz uma fala de Lúcia a Maurício[2]:

“Maurício, é em vão que nossa infelicidade conduzir-nos-ia a rebelar-nos contra a sociedade; suas instituições são grandes e respeitáveis como o labor dos tempos; é indigno dos grandes corações derramar a perturbação que sentem” (Política positiva, v. I, p. XXVIII; Teixeira Mendes, O ano sem par, 1900, p. 223).

7.4.3.     Augusto Comte citou essa frase em diversas ocasiões:

7.4.3.1.           No Discurso sobre o conjunto do Positivismo (originalmente de 1848, depois republicado em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva): ele está na página 267 do v. I da Política, correspondendo à quarta parte do Discurso (“Influência feminina do Positivismo”)

7.4.3.2.           Ao reproduzir a novela Lúcia, no “Complemento” da “Dedicatória” do v. I da Política positiva (de 1851) (p. XXVIII; é de onde tiramos a citação acima)

7.4.3.3.           No conjunto das “sete máximas de Clotilde”, apresentadas no seu Testamento (originalmente de 1855; encontramos a citação na página 99 da segunda edição, de 1896)

7.4.4.     É importante notarmos que Clotilde escrevia a partir de suas experiências pessoais; seus escritos têm um forte aspecto autobiográfico; assim, seus vários escritos (Lúcia, Guilhermina, Os pensamentos de uma flor, A infância) tanto apresentam sua vida quanto exprimem seus sentimentos e pensamentos

7.4.5.     Clotilde preocupava-se muito em não gerar incômodos para seus familiares e amigos

7.4.5.1.           Insistamos: a preocupação de Clotilde era não causar distúrbios, não sobressaltar seus próximos, não lhes gerar aflições

7.4.5.2.           Ao mesmo tempo, como o texto de Lúcia evidencia e como percebemos na correspondência trocada entre Clotilde e Augusto Comte, essa preocupação não a impedia de manifestar seus sentimentos, especialmente os de desagrado, tristeza, abatimento: mas tal manifestação ocorria em seu círculo mais íntimo, notadamente com Augusto Comte

7.4.6.     Em nossa prédica de 3 de César de 169 (25.4.2023), dedicada às máximas de Clotilde[3], comentamos o seguinte a respeito desta fórmula específica:

7.4.6.1.           A preocupação de Clotilde é que os “grandes corações”, ou seja, as pessoas que buscam aperfeiçoar-se moralmente, devem evitar descontroles e explosões afetivas, especialmente em público: saber manter a reserva e até o autocontrole é uma virtude moral e prática

7.4.6.2.           Essa máxima evidentemente não quer dizer que as pessoas não devam manifestar seus sentimentos, ou que não devam chorar em momentos de grande tristeza (ou de grande alegria): o que está em questão é o descontrole do comportamento a partir dos sentimentos, especialmente quando somos tomados por sentimentos muito intensos

7.4.6.3.           Há um aspecto de exemplo e de liderança subjacente à expressão “grande coração”

7.5.   O “Viver às claras” é apresentado e explicado por Augusto Comte em vários trechos de sua obra ao abordar o regime, especialmente quando aborda as características do regime público

7.5.1.     O original em francês dessa fórmula é “Vivre au grand jour”, que, em uma tradução muito literal e meio canhestra para o português seria “Viver em grande clareza” (jour significa “dia” e também significa “claridade” ou “clareza”)

7.5.1.1.           Em inglês a tradução é “To live openly” (“viver abertamente”)

7.5.1.2.           Fazemos essa observação sobre a expressão original e a tradução para o português porque algumas pessoas no Brasil traduzem o “au grand jour” como sendo “para o grande dia”: além de errar a fórmula de nosso mestre, essa tradução também a orienta para um sentido místico ou, pelo menos, milenarista – o que, deveria ser evidente, é radicalmente contrário ao Positivismo

7.5.2.     Antes de abordarmos o trecho que nos permite tratar da compatibilidade entre as duas fórmulas, vejamos os trechos em que nosso mestre apresenta e aborda o “viver às claras”; elas estão principalmente na Política positiva (1851-1854)

7.5.2.1.           “Viver às claras” como princípio republicano: presente na carta de nosso mestre ao dr. J. M. McClintock, editor da Revista Metodista de Nova Iorque (7 de Homero de 64/4.2.1852), segundo apêndice do “Prefácio” ao v. II da Política (p. XXV):

“Segundo essa longa e escrupulosa carreira, mais homogênea talvez que qualquer outra conhecida, eu assumi um profundo hábito de viver inteiramente às claras, seguindo o verdadeiro princípio republicano”

7.5.2.2.           Relações entre o viver às claras, o regime público e o regime privado (quarto capítulo do v. IV da Política: “Quadro geral da existência ativa, ou sistematização final do regime positivo”) (p. 312):

Qualquer que seja a reação contínua da moral individual sobre a moral pública, a moral doméstica comporta uma eficácia mais direta e mais decisiva, em virtude de u’a melhor similitude, sobretudo quando ela encontra-se socialmente instituída. É aí que a máxima fundamental: Viver para outrem começa a receber seu complemento prático: Viver às claras, sem o qual ela tornar-se-ia em breve insuficiente e mesmo com freqüência ilusória. Malgrado as precauções interessadas dos legisladores metafísicos, o instinto ocidental não tardará a ver a publicidade normal dos atos privados como a garantia necessária do verdadeiro civismo. Escola espontânea do comando e da obediência, a existência doméstica não pode assaz desenvolver sua principal destinação quando ela permanece subtraída da sã apreciação do sacerdócio e mesmo do público. Todos os que se recusarem a viver às claras tornar-se-ão justamente suspeitos não quererem realmente viver para outrem. Os sentimentos não podendo ser julgados sem os atos, as duas qualidades essenciais à vida cívica, devotamento e veneração, não se tornam habitualmente apreciáveis senão conforme seu desenvolvimento privado, mais fácil e mais universal que seu exercício público. Entretanto, a obrigação de viver às claras não resume a moral social senão ao subordiná-la à prescrição de viver para outrem, ainda que unicamente os tempos anárquicos permitam a exibição habitual de uma conduta viciosa

7.5.2.3.           Viver às claras como característica da moralidade e da atividade política (quinto capítulo do v. IV da Política: “Apreciação sistemática do presente, conforme a combinação do porvir com o passado; donde quadro geral da transição extrema”) (p. 459-461):

“A última fase da transição orgânica anunciará o término direto da revolução ocidental, enquanto exibe, desde o início, a bandeira normal, com todos os emblemas que a acompanham, seguindo as explicações especiais de meu discurso preliminar[4]. Ainda que as duas divisas características [Viver para outrem e Ordem e Progresso] possam já ter prevalecido, sua adoção sucessiva proclamava mais um voto que um princípio, tanto que a atitude ditatorial [i. e., do governo[5]] não poderia ser-lhe assaz conforme. Mas, quando o Positivismo, após ter modificado a conduta, consegue transformar a constituição, a dupla fórmula torna-se um programa decisivo, cuja preponderância manifesta-se pela mudança de cor, que repudia, sem nenhuma descontinuidade, toda solidariedade viciosa. Então a terceira divisa do regime normal: Viver às claras vem completar o conjunto das outras duas, fornecendo o resumo prático do sistema, ao mesmo tempo moral e político, irrevogavelmente adotado. Destinado sobretudo à vida pública, este último símbolo é especialmente próprio a figurar nas moedas francesas, em que esse enunciado do meio dispensará de mencionar o princípio e o resultado de que ele constitui o vínculo necessário.

Para apreciar todo o escopo de uma tal fórmula, é necessário reconhecer que sua adoção oficial caracteriza o advento de u’a marcha sistemática, sem a qual essa divisa anunciaria uma intenção moral e não uma resolução política. Ainda que a Idade Média tenha-a feito nobremente prevalecer na vida privada, ela não pode estendê-la assaz à vida pública, que, malgrado as aspirações cavalheirescas, continuou a basear-se principalmente no mistério e na intriga. Sem desconhecer os viciosos sentimentos que se reportavam a esse regime, devia-se sobretudo atribuí-lo à impossibilidade de viver às claras quando o porvir permanece obscuro e a opinião, incerta. Uma tal divisa indica então o advento decisivo de uma doutrina capaz de sistematizar ao mesmo tempo as previsões políticas e os julgamentos públicos. A regeneração final estando caracterizada por essa dupla sistematização, sua proclamação deve sobretudo residir na fórmula própria à atividade, ainda que o principal valor desse símbolo resulte de sua aptidão a representar os concernentes à inteligência e ao sentimento.

Índice e condição de u’a marcha sintética, como de uma conduta leal, essa regra convém tanto à espiritualidade positiva quanto à temporalidade pacífica. Antes de tê-la sistematizado, eu sempre a pratiquei espontaneamente, desde os meus primeiros passos, a fim de preparar os espíritos às minhas concepções e de melhorar estes pelas reações, objetivas e subjetivas, resultantes desses anúncios. Não cessei nunca de felicitar-me de um tal emprego, ainda que me tenha com freqüência exposto, seja a objeções viciosas, seja a empréstimos fraudulentos. Mas sua principal destinação concerne à política ativa, em que, os resultados tornando-se mais determinados e mais próximos, a consulta universal pode assistir e retificar mais os projetos, ou mesmo melhorar as intenções. É assim que o triunvirato positivista manifestará o caráter plenamente orgânico da terceira fase da transição final pelo hábito invariável de anunciar suficientemente seus atos quaisquer para que eles possam ser por toda parte examinados a tempo”

7.5.3.     O trecho que mais nos interessa sobre o “Viver às claras” está no Catecismo positivista (na 11ª conferência, dedicada ao regime público – p. 354-355):

“Quanto às disposições provenientes da existência doméstica, esta suscitará sobretudo a melhor aprendizagem desta regra fundamental que cada um se deverá impor livremente, como base pessoal do regime público: Viver às claras. Para esconderem suas torpezas morais, nossos metafísicos fizeram prevalecer a vergonhosa legislação que ainda nos proíbe escrutar a vida privada dos homens públicos. Mas o positivismo, sistematizando dignamente o instinto universal, invocará sempre a escrupulosa apreciação da existência pessoal e doméstica como a melhor garantia da conduta social. Como ninguém deve aspirar senão à estima daqueles a quem também estima, não somos obrigados a dar a todos, sem distinção, conta habitual de nossas ações quaisquer. Porém, por mais restrito que possa vir a ser, em certos casos, o número de nossos juízes, basta que sempre existam alguns para que a lei de viver às claras nunca perca sua eficácia moral, impelindo-nos constantemente a nada fazer que não seja confessável. Semelhante disposição prescreve logo o respeito contínuo da verdade e o cumprimento escrupuloso de todas as promessas. Este duplo dever geral, dignamente introduzido na Idade Média, resume toda a moral pública e faz-vos sentir a profunda realidade daquela admirável sentença em que Dante, representando o impulso cavalheiresco, designa para os traidores o mais horrível inferno”[6]

7.5.4.     O trecho acima do Catecismo estabelece, então, uma diferença de âmbito na aplicação do “viver às claras”; ou melhor, não é exatamente de âmbito, mas das atividades e das responsabilidades atribuídas a cada um: figuras públicas de um lado, simples cidadãos, de outro lado

7.5.4.1.           No caso das figuras públicas, o “viver às claras” deve ser aplicado de maneira direta: a vida íntima de quem exerce o poder (seja o poder político, seja o poder econômico, seja também o poder espiritual) deve ser sujeita a escrutínio público

7.5.4.2.           No caso dos simples cidadãos, o “viver às claras” significa adotar condutas passíveis de avaliação pelos familiares e pelos amigos mais próximos, além de pelo sacerdócio; essa avaliação, por seu turno, tem que se realizar a partir de critérios publicamente aceitáveis e razoáveis

7.5.4.3.           A vinculação entre sentimentos e idéias, de um lado, e atos concretos, de outro, está sempre em questão: embora nem sempre consigamos agir conforme desejemos e nem sempre obtenhamos os resultados desejados, certamente os atos praticados têm que corresponder aos sentimentos e às idéias professados (ou, pelo menos, às intenções afirmadas) – é uma questão de coerência e honestidade

7.5.4.4.           Convém lembrar que os dois princípios elementares da moral pública consistem em falar a verdade e honrar a palavra dada (ou, de maneira negativa: não mentir e não trair)

7.5.4.5.           Uma recordação pessoal também ajuda um pouco, seja para entendermos o “Viver às claras” para os simples cidadãos, seja para estabelecermos a compatibilidade entre as duas máximas: o saudoso David Carneiro Jr., o Vivi (1926-1997), que tinha um temperamento prático muito acentuado, afirmava, repetindo o industrial positivista Augusto Trajano Antunes, que devemos “viver às claras” mas não “viver às escâncaras”

7.5.4.6.           O objetivo do “viver às claras” não é devassar a vida íntima das pessoas, mas garantir – especialmente no caso das figuras públicas – que elas de fato vivem para outrem, que falam a verdade, que honram a palavra dada, que seus sentimentos são altruístas, que suas idéias são sintéticas e que suas ações são convergentes, pacíficas e construtivas

7.6.   Em suma: a partir das indicações acima, consideramos que as duas máximas são, evidentemente, compatíveis, em particular da seguinte maneira:

7.6.1.     Um sentido básico do “viver às claras” consiste em adotar parâmetros públicos e publicamente confessáveis na vida

7.6.2.     As figuras públicas e/ou aquelas que exercem o poder têm que ter suas vidas, incluindo aí suas vidas privadas, passíveis de exame público

7.6.3.     Já os simples cidadãos não se submetem a essa exigência de escrutínio geral; mas, por outro lado, seus comportamentos continuam passíveis de apreciação por seus familiares, seus amigos e pelo sacerdócio

7.6.4.     O objetivo do viver às claras não é devassar a vida íntima das pessoas, mas garantir a moralidade da conduta – e essa moralidade é dada pelo viver para outrem

7.6.5.     Ora, no viver às claras nada obriga as pessoas a “derramarem as preocupações que sentem”: a exigência de exame da vida privada das figuras públicas implica o exame das relações pessoais, familiares e de amizade dessas figuras; já as preocupações mais íntimas, mais pessoais – desde que não tenham conseqüências públicas – podem e devem ser preservadas para apreciação na intimidade

7.6.6.     Aos simples cidadãos as exigências de viver às claras são menores; a eles aplica-se com ainda mais facilidade a máxima dos “grandes corações”

7.6.7.     É importante notar que a expressão de Clotilde sobre os grandes corações não busca o fechamento, nem o isolamento, nem o segredo; sua intenção é indicar que as pessoas realmente generosas buscam não incomodar ou atrapalhar os demais; em outras palavras, seu sentido é que cada um evite de criar, estimular e/ou disseminar dissabores, suspeitas, intrigas etc.

8.      Exortações finais

8.1.   Sejamos altruístas!

8.2.   Façamos orações!

8.3.   Como Igreja Positivista Virtual, ministramos os sacramentos positivos a quem tem interesse

8.4.   Para apoiar as atividades dos nossos canais e da Igreja Positivista Virtual: façam o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

9.      Invocação final

 

Referências

- Augusto Comte (franc.), Sistema de política positiva (Paris, s/n, 1851-1854)

- Augusto Comte (franc.), Testamento (Paris, Exécution Testamentaire d’Auguste Comte, 2ª ed., 1896): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/510b1daa-24d3-48e3-a1ed-ddce5191ee5a.

- Augusto Comte (port.), Apelo aos conservadores (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1898): https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores.

- Augusto Comte (port.), Catecismo positivista (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934).

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.): O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).

- Gustavo Biscaia de Lacerda (port.): Sobre as máximas de Clotilde de Vaux (26 de abril de 2023): https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/04/sobre-as-maximas-de-clotilde-de-vaux.html

- Raimundo Teixeira Mendes (franc.), Comte e Clotilde (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1903): https://bibdig.biblioteca.unesp.br/items/f3d104ea-4350-4a3d-a58a-63ec4a10fc54.

- Raimundo Teixeira Mendes (port.), O ano sem par (Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900): https://archive.org/details/raimundo-teixeira-mendes-o-ano-sem-par-portug._202312/page/n7/mode/2up.




[1] Não deixa de ser uma bela e feliz coincidência o fato de que estamos próximos de celebrar os 180 anos de publicação dessa novela!

[2] Convém explicarmos a estrutura da novela Lúcia para que a citação faça plenamente sentido. A novela é composta por diversas cartas trocadas entre várias pessoas, após uma introdução narrada em primeira pessoa. As pessoas que trocam cartas são a sofrida Lúcia, seu amor Maurício, um amigo (e confidente) de Maurício chamado Rogério, o médico de Lúcia. As cartas apresentam confidências pessoais e também narram situações diversas; ao narrarem as situações vividas, as cartas – que, logicamente, são escritas em primeira pessoa – com freqüência adotam o discurso direto, procurando transcrever literalmente os diálogos conforme eles teriam ocorrido. É dessa forma que, na passagem abaixo, Maurício narra a Rogério um diálogo travado entre Lúcia e Maurício (e, em particular para o que nos interessa, uma fala de Lúcia para Maurício).

[4] Referência ao Discurso sobre o conjunto do Positivismo, de 1848, inserido em 1851 como preâmbulo geral ao Sistema de política positiva, no v. I desta obra, sob o título de “Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo”.

[5] A palavra “ditador” (e suas variações) não tem, para Augusto Comte, o sentido contemporâneo negativo, que é sinônimo de autoritarismo; para o fundador da Sociologia, o “ditador” é o governante que atua de maneira monocrática, em oposição à dispersão do poder característica das assembléias e do parlamentarismo. Dessa forma, há ditadores progressistas, ditadores retrógrados, ditadores liberais, ditadores repressivos etc. Uma exposição detalhada dessa questão e de aspectos próximos pode ser consultada em nosso livro O momento comtiano (Curitiba, UFPR, 2019).

[6] Dante inclui os traidores no nono e último círculo do inferno, padecendo dos mais terríveis castigos; a exposição e a apreciação desses sofrimentos ocupa os últimos cantos do Inferno.