13 janeiro 2025

Monitor Mercantil: "Em 2024, o Positivismo continuou desrespeitado"

No dia 13 de janeiro de 2025 o jornal carioca Monitor Mercantil publicou o nosso artigo mensal, desta feita intitulado "Em 2024 o Positivismo continuou desrespeitado".

O original do texto pode ser lido aqui: https://monitormercantil.com.br/em-2024-o-positivismo-continuou-desrespeitado/.

Reproduzimos abaixo o nosso artigo.

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Em 2024 o Positivismo continuou desrespeitado

Em 30.12.2024, em uma das tradicionais retrospectivas, o antropólogo Juliano Spyer afirmou na Folha de S. Paulo (“O debate e a cobertura sobre religião se profissionalizaram em 2024”) que a cobertura jornalística sobre as “religiões” profissionalizou-se em 2024. Para o autor, a cobertura jornalística das religiões teria melhorado pois (1) mais religiões passaram a ser cobertas, (2) por pesquisadores acadêmicos profissionais e (3) com perspectivas mais simpáticas ou, pelo menos, mais compreensivas.

Não nos importa aqui criticar o aumento da cobertura academicista-jornalística das “religiões” apontada por Juliano Spyer; em si mesmo, isso parece algo positivo. O que importa notar são as características indicadas e as ausências não indicadas: nesse sentido, o articulista é exemplar de vieses tanto da cobertura jornalística quanto das análises acadêmicas.

Antes de mais nada, embora esse antropólogo tenha uma abordagem “científica”, tanto ele quanto os pesquisadores “científicos” das chamadas “ciências da religião” adotam um conceito de “religião” que é o mesmo que o senso comum adota e que iguala “religião” a “teologia”: crenças em divindades e em um suposto “outro mundo”. Além disso, de modo geral as teologias consideradas são as monoteístas, em particular as abraâmicas. O resultado dessas concepções – que, importa insistir, são de senso comum e repetidas acriticamente pelas “ciências da religião” – é que se forçam e distorcem os dados da realidade para que caibam no esquema teórico. Religiões que cabem muito mal no esquema das divindades são forçadas nessa concepção, como o fetichismo, o budismo e até o confucionismo – isso, claro, para não falar das religiões metafísicas e, mais importante para nós, das humanistas.

Pesquisadores-jornalistas podem contribuir para popularizar pesquisas científicas e qualificar o debate público: isso é urgente quando a desinformação corre solta nas redes sociais e em que donos de redes mundiais manifestam-se a favor da desinformação, em particular de extrema direita. Sobre as “religiões”, pode ser interessante a simpatia por elas, ou, pelo menos, um esforço maior para compreendê-las. Talvez como um sinal dos tempos, os pesquisadores-jornalistas citados por Spyer são também sacerdotes das religiões; essa participação nas religiões permite acesso a dados e interpretações que, de outra maneira, talvez fossem mais difíceis de obter e que o academicismo muitas vezes rejeita. Mas, embora Spyer não sugira nada assim, o fato é que essa participação nas religiões tem um certo ar de “lugar de fala”.

Ora, o conceito de religião das “ciências da religião” é ruim, muito restritivo; não diremos que é “etnocêntrico”, mas ele despreza tudo o que não se aproxima do sobrenaturalismo e dos monoteísmos abraâmicos. Na verdade, o materialismo cientificista tem nesse caso a degradante conseqüência de desprezar qualquer esforço religioso que seja humanista e imanentista. Da mesma forma, o quase “lugar de fala” aceito e valorizado para os monoteísmos é rejeitado para os humanismos.

Chegamos então ao que nos interessa. A maior cobertura supostamente mais profissional e com certeza mais simpática dos monoteísmos no jornalismo brasileiro não se estende ao Positivismo, à Religião da Humanidade. De maneira notável e escandalosa, as três características indicadas por Spyer para os monoteísmos não se aplicam ao Positivismo: a cobertura sobre ele não é melhor nem mais profissional, não se dá voz aos seus sacerdotes e não se concede a ele nem simpatia nem compreensão.

O fato de que vulgarmente se entende que religião são principalmente os monoteísmos é apenas o começo do problema, reforçado pelos preconceitos materialistas do cientificismo. Mas, no fundo, há apenas má vontade e má fé, ou seja, preconceito. Todos “sabem” o que é o Positivismo (e todos “sabem” o que é “religião”); todos “sabem” qual a influência do Positivismo no Brasil, no Ocidente e no mundo: assim, não é necessário ouvir os positivistas – e, em particular, quando o que há para ouvir vai contra o que se “sabe”.

Não importa que a extrema direita, durante o terrível governo fascista, tenha seguidamente afirmado que o Positivismo é o culpado pelos problemas nacionais e tenha estimulado a morte dos positivistas (ver o nosso artigo “O Positivismo como cortina de fumaça para os erros da direitabrasileira”, publicado no Monitor Mercantil de 23 a 25 de maio de 2020). No Brasil segue-se o seguinte padrão: pode-se falar sobre o Positivismo o que se desejar, mas nunca se pode, nem se deve, ouvir o que os positivistas têm a dizer.

Dois exemplos ilustram com perfeição nosso argumento. Em 30.8.2022 a BBC Brasil publicou o texto “Ordem e Progresso: como as ideias de um filósofo francês do século 19 ajudam a entender a formação do Brasil” (https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4gmp4nrw0wo). Nesse artigo, fala-se profusamente sobre o Positivismo, citam-se muitos professores universitários, argumentam-se muitas coisas, mostram-se muitas fotos. Mas o tom geral é negativo e, para quem conhece de verdade o Positivismo, a desinformação sistemática abunda. Além disso, coroando esses defeitos, é claro que absolutamente nenhum positivista foi ouvido.

Já em 16.12.2024, a ex-Deputada Federal comunista Manuela d’Ávila, em entrevista para o jornalista Chico Pinheiro pelo Instituto Conhecimento Liberta (https://www.youtube.com/watch?v=AbYAZF912eA), repetiu que o Positivismo é o responsável pelo militarismo e pelo fascismo no Brasil. Ela difundiu esses mitos conscientemente, com ligeireza e superficialidade, mesmo sendo jornalista e gaúcha, ou seja, tendo os meios para averiguar em primeira mão o que afirma (por exemplo, indo pessoalmente à Igreja Positivista do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre).

Os exemplos acima são apenas dois em dezenas de outros possíveis. Se versassem sobre outras religiões ou filosofias – comunismo, feminismo, marxismo, catolicismo, liberalismo, candomblecismo, espiritismo, budismo, islamismo, cristianismos evangélicos etc. –, ter simpatia ou compreensão pelo tema seria exigido, sem contar que ouvir algum representante seria pelo menos de bom tom; limitar-se a opiniões de terceiros, falar mal e não permitir réplica seria inimaginável. Mas no caso do Positivismo, esses comportamentos jornalisticamente antiéticos, politicamente irresponsáveis e moralmente desprezíveis são não apenas aceitos como são exigidos.

Em face disso tudo, o avanço sugerido por Juliano Spyer é assustadoramente parcial e enviesado: não se trata de melhoria na cobertura jornalística das “religiões”, mas apenas concessão às teologias monoteístas. O que não se enquadra nisso – em particular o humanismo positivista –, a par da degradação geral da República e da laicidade no Brasil, é desprezado. 

Gustavo Biscaia de Lacerda é Doutor em Sociologia Política e sociólogo da UFPR.

Manuela d'Ávila e desinformação contra o Positivismo

Em 16 de dezembro de 2024, a ex-Deputada Federal comunista Manuela d'Ávila concedeu uma longa entrevista para o jornalista Chico Pinheiro, para o Instituto Conhecimento Liberta; essa entrevista está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ZIUDZtM9lJM.

Em uma entrevista que durou cerca de uma hora, aproximadamente aos 44 min 45 s, perguntada sobre a origem do recente neofascismo brasileiro, a ex-Deputada, oriunda da extrema esquerda, como não poderia deixar de ser, irresponsavelmmente atribui a nova extrema direita ao Positivismo.

Em face disso, postamos uma resposta tanto no perfil pessoal da ex-Deputada no Instagram quando no vídeo original da entrevista. O texto da resposta e uma imagem da postagem encontram-se reproduzidos abaixo.

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A ex-deputada comunista Manuela d'Ávila lamentavelmente repete a desinformação contra o Positivismo, responsabilizando-o pelo militarismo e pelo fascismo no Brasil. A superficialidade e a ligeireza com que ela repete esse mito são chocantes. Ela, como jornalista e como gaúcha, tem todos os meios disponíveis para conferir a realidade de suas afirmações; mas, em vez de estudar o assunto e, talvez, ir pessoalmente à Igreja Positivista do Rio Grande do Sul (na Av. João Pessoa, próxima ao Parque Farroupilha), em Porto Alegre, ela prefere repetir erros e mentiras, ou melhor, preconceitos. O conhecimento liberta, a desinformação escraviza: lamentavelmente, a ex-deputada Manuela d'Ávila fez sua escolha. Lamentavelmente, ela repetiu essas desinformações mesmo antes de Mark Zuckerberg abolir a checagem de fatos e indicar a orientação das redes sociais nos próximos quatro anos.

Os positivistas praticam a regra republicana do "viver às claras"; nossas prédicas são públicas e abertas, nossas opiniões são igualmente públicas, seguindo os parâmetros do bem público, das liberdades civis e políticas, da dignidade humana, da fraternidade universal. Os preconceitos repetidos pela comunista Manuela d'Ávila insistem em desconhecer, negar, desprezar esses parâmetros.

A Igreja Positivista Virtual mantém dois canais de vídeos: Youtube.com/ThePositivism e Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual. Além disso, também mantém o blogue Filosofia Social e Positivismo (https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/).

Por fim, contra a desinformação antipositivista, conviria a ex-deputada Manuela d'Ávila ler o artigo "O Positivismo como cortina de fumaça para os erros da direita brasileira", publicado no final de maio de 2020 (https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2020/05/gazeta-do-povo-o-positivismo-como.html).

07 janeiro 2025

Teixeira Mendes: Altruísmo, ciência da moral, vida em família e regulação religiosa

O belo trecho abaixo, escrito por Teixeira Mendes, está no início do capítulo quarto (“Novembro – abandono sem reserva”) do imponente O ano sem par, que é uma biografia escrita em 1900 sobre Augusto Comte e Clotilde de Vaux no período em que ambos relacionaram-se, ou seja, entre abril de 1845 e abril de 1846[1]. Em termos da vida conjunta de Augusto Comte e Clotilde, o trecho abaixo serve como introdução à fase dessa vida em que Clotilde passava a ter problemas crescentes com sua mãe mas, ao mesmo tempo e felizmente, já tinha grande confiança no respeito e no carinho do filósofo por si, de modo que, confiando nele, podia expandir-se afetivamente e buscar apoio nele para emergentes dificuldades familiares e antigas dificuldades domésticas.

Como de hábito nos textos positivistas, em particular nos de Augusto Comte e também nos de Teixeira Mendes, a riqueza dos comentários é impressionante, em que poucas linhas condensam reflexões das mais diversas ordens. Assim, a clareza e a beleza da exposição abaixo, bem como a rica concisão das idéias, motivaram-nos a reproduzir o trecho abaixo, para maior divulgação.

As reflexões abaixo lembram-nos das belezas e dos prazeres da vida doméstica, que, em situações normais (ou seja, em situações reguladas religiosamente), estimulam o altruísmo, comprimem o egoísmo e compensam as dissensões externas, a partir da intimidade, da confiança e do respeito mútuo do casal fundamental de cada família. O trecho abaixo também lembra que, inversamente, em épocas revolucionárias, em que essas intimidade e essa confiança são fragilizadas e criticadas, a vida doméstica deixa de ter ou tem menos a capacidade de proteger-nos e preparar-nos para a vida social mais ampla, além de compensá-la.

O texto abaixo aborda igualmente a ciência da moral, em vários sentidos. Por um lado, aborda-se o desenvolvimento da ciência da moral, em termos de conhecimento do ser humano mas também das exigências morais, intelectuais e práticas para que esse conhecimento (e a prática dele decorrente) seja elaborado. Por outro lado, o trecho expõe uma explicação sintética de uma das questões teóricas e práticas mais difíceis de serem entendidas – pelo menos no Ocidente, à luz do egoísmo materialista herdado tanto da teologia quanto do cientificismo –, a saber, a da primazia do altruísmo sobre o egoísmo e da relação entre ambos.

Contra o presentismo próprio à nossa época, que é aliás estimulado pelo cientificismo e pelo academicismo, todas essas considerações têm um valor permanente, ou seja, eram corretas em 1845 (quando Augusto Comte e Clotilde relacionaram-se), eram corretas em 1900 (quando Teixeira Mendes escreveu o texto abaixo) e são corretas em 2025 (quando escrevemos estes comentários). Mas, além disso, elas mantêm uma impressionante atualidade – como, de resto, o Positivismo e, claro, a Religião da Humanidade –, ao percebermos que elas abordam e resolvem questões tratadas como “atuais” nos dias de hoje.

Nesse sentido, a valorização da vida em família vai feliz e frontalmente contra os hábitos morais e políticos contemporâneos, na medida em que, em particular, grande parte do feminismo contemporâneo rejeita ou despreza a vida em família. Afirmando a necessidade de “tornar político o que é privado”, o feminismo estranhamente denuncia a família como um esquema criado pelos homens (o “patriarcado”) para oprimir as mulheres, resultando de uma única vez em que:

1)     em nome de uma crítica necessária às concepções retrógradas da família, promovidas pela teologia e que consideram que o chefe da família é dono (e dono absoluto) dos demais membros da família, o feminismo “joga fora o bebê juntamente com a água do banho”;

2)     a família é entendida unicamente como fonte de opressão e não como resguardo, local de intimidade, fonte de estímulo do altruísmo e fonte de aperfeiçoamentos efetivos;

3)     a família é negada e desprezada, em vez de ser afirmada, valorizada, respeitada e orientada para uma realização digna e valorizadora de homens e mulheres e de seu relacionamento terno e mutuamente cuidadoso e respeitoso;

4)     a família é “denunciada”, ou seja, é entendida sob as luzes da violência própria ao poder Temporal (“tornar político o que é privado”), em vez de mantê-la sob a delicadeza do poder Espiritual e de vincular de maneira efetiva e construtiva as existências privada e pública;

5)     em nome de supostamente valorizar as mulheres, na verdade desqualifica-as ou despreza-as, tornando-as iguais, ou melhor, idênticas aos homens; ao mesmo tempo, de maneira muito confusa (resultando então em hipocrisia), alega querer defender as mulheres e, aí, afirma a diferença das mulheres em relação aos homens (embora com a desvalorização dos traços específicos às mulheres).

6)     A partir do conjunto dos problemas indicados acima, torna-se mais evidente e mais chocante a afirmação corrente de que “falta amor no mundo atual”: com certeza o desprezo político da família não contribui para reverter essa falta de amor e, ao contrário, estimula muito a violência.

7)     Vale notar que a virulência e a dureza do feminismo – virulência e dureza intencionais – contrastam fortemente com a delicadeza dos comentários abaixo. Não deixa mesmo de ser degradante contrastar as considerações abaixo com a agressiva rejeição política da família promovida pelo feminismo.


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A vida doméstica é um santuário cujos arcanos só podem ser desvendados pelos olhos daqueles que têm corações unidos por um profundo amor. Porque, a natureza humana sendo fatalmente constituída pelo concurso dos pendores pessoais ou egoístas e das propensões sociais ou altruístas, todos os nossos atos trazem o cunho do permanente conflito entre uns e outros, de que é teatro a nossa alma. As maiores Santas não podem evitar semelhante fatalidade, como o evidenciam as tentações que não cessão de perturbar os seus esforços de contínuo aperfeiçoamento. Mas o amor supera tanto mais dificilmente as sugestões do individualismo, quanto mais revolucionária é a situação social que se teve por sorte. Nessas épocas calamitosas, as regras da conduta se acham mais ou menos profundamente alteradas em todos, mesmo nos que se julgam fiéis às crenças religiosas mortalmente feridas. Em vez de normas ligadas por um sistema, cada um não possui então senão opiniões insuficientes ou preconceitos desconexos e expostos a todas as sugestões da personalidade. De sorte que nada é mais fácil então do que o extravio de um sincero altruísmo.

É esta situação social e moral, – inevitável enquanto não se restabelece a unidade religiosa, – que determina todas as lutas da vida humana, pública ou privada. A existência pública, quer cívica, quer internacional, exigindo uma participação superior da atividade e da inteligência, torna então os choques mais rudes, e a intervenção do altruísmo mais difícil para moderá-los. Na existência doméstica, porém, o predomínio do sentimento sendo imensamente maior, a simpatia pode evitar mais os atritos; e, quando eles se dão, atenuar e anular mesmo as suas reações. Com efeito, a certeza de uma afeição profunda e mútua bem como de uma sincera estima recíproca espontaneamente assegura a todos que cada um julga então proceder conforme as aspirações do mais puro amor de que é capaz. De sorte que só resta imputar a erros fatais de apreciação as injustiças e os descuidos de que porventura se é vítima.

A moral positiva nos patenteia hoje que os extravios do espírito são, mesmo em tais casos, devidos muitas vezes à inconsciente reação da personalidade[2]. O catolicismo já tinha apanhado semelhante verdade, embora através das ilusões teológicas relativas à nossa natureza moral. A Religião da Humanidade vem pois sistematizar cientificamente os hábitos de humildade instituídos pelo regime medievo, tornando-nos atentos às ciladas das nossas propensões egoístas. Mas, por outro lado, a mesma Religião consolida igualmente a tendência vulgar a interpretar simpaticamente o procedimento dos entes que nos são mais caros. Porque nos mostra a impossibilidade do altruísmo superar o egoísmo sem as luzes que só podem provir da evolução coletiva, e que se tornam extremamente vacilantes nas épocas de dissolução religiosa.

A Moral só conseguiu, porém, tornar-se uma ciência positiva, justamente depois que o nosso Mestre consumou o seu surto[3] altruísta, graças ao amor inspirado pela sublime grandeza de Clotilde. A concepção científica da nossa alma só atingiu a sua forma definitiva em 4 de janeiro de 1850; e, desde então, a verdadeira natureza dos pendores benévolos foi ficando cada vez mais bem caracterizada. Na Síntese Subjetiva, escrita em 1856, o nosso Mestre formulou esta conclusão: “Todos os sofismas do orgulho não podem impedir o espírito positivo de reconhecer que toda revolta emana dos impulsos pessoais” (Síntese Subjetiva, p. 16).

Semelhante verdade é tão incontestável como o princípio que toda estimulação a alimentar-se provém do instinto nutritivo. O altruísmo intervém em tais casos apenas para determinar o inteligência a julgar da conveniência ou inconveniência simpática da inspiração egoísta. Porque, à vista da nossa organização e da nossa situação, a existência humana exige o concurso permanente dos instintos individuais com as propensões benévolas. Donde resulta que a virtude não consiste na anulação dos pendores egoístas, e sim na sua conveniente subordinação contínua ao amor.

Portanto, na época que estamos considerando[4], as melhores almas[5] mesmo se viam na fatal contingência de sofrer inconscientemente as reações da personalidade em um grau que o conhecimento positivo da nossa natureza teria impedido. Essa circunstância serve sem dúvida para realçar ainda mais a grandeza moral das naturezas superiores e patentear o alcance espontâneo do altruísmo delas. Mas a apreciação de cada conduta se torna assim mais melindrosa, em conseqüência da dificuldade de reconhecer que o procedimento foi sempre o mais altruísta que as condições de cada um comportava. E, por outro lado, ficaram possíveis erros e equívocos tanto mais dolorosos, quanto o esclarecimento da situação, de modo a permitir o restabelecimento da concórdia anterior, exigia condições que só o tempo permitiria realizar e de que uma morte prematura[6] frustra tão comumente!

(Raimundo Teixeira Mendes, O ano sem par, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 1900, p. 451-453).



[1] Na transcrição abaixo mantivemos a pontuação original, mas atualizamos a grafia.

[2] A “personalidade”, neste trecho (como também adiante), tem o sentido de individualismo ou egoísmo.

[3] “Surto”, aqui, significa “desenvolvimento”.

[4] A época em questão é a década de 1840 na França.

[5] A expressão empregada por Teixeira Mendes é um pouco abstrata, mas ele refere-se em particular a Augusto Comte e a Clotilde.

[6] A “morte prematura” é a de Augusto Comte, em 5 de setembro de 1857, em que ele não conseguiu dar continuidade a inúmeras reflexões sociais e morais anunciadas, em particular para os volumes 2 a 4 da sua Síntese subjetiva; mas, bem vistas as coisas, a morte prematura também pode ser entendida como a de Clotilde, que faleceu em 5 de abril de 1846.

02 janeiro 2025

Generino dos Santos: "Vergine Madre"

Na celebração da Festa da Humanidade de 171 (1.Moisés.171/1.1.2025), recitamos alguns poemas logo no início do evento.

Um desses poemas é de Generino dos Santos e reproduzimo-lo abaixo.


Poema de Generino dos Santos

(In: Humaníadas, v. 2, livro 3, Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 1940.)

 

VERGINE MADRE

 

(Ante o painel de Décio Villares)

 

Ó virgem! Ó filha do teu filho!

Que eu ame mais a Ti, do que a mim mesmo,

E nem a mim, senão por ter te amado.

Oração de Augusto Comte

 

            Onde achar um painel mais delicado

Que possa humanamente idealizar-te

Com mais engenho e mais sublime arte,

Virgem-Mãe, o ideal concretizado?

 

            Sobre o Planeta em flor, florido prado,

Caminhas, e em redor, por toda parte,

Se ergue a natureza para amar-te,

– Da planta à ave, e d’ave ao gênio alado.

 

            E prossegues na senda triunfante

Da evolução humana, humana a fronte,

Tendo nos braços teu paterno infante.

 

            Quem és, que ao ver-te alarga-se o horizonte?

Trazes, Amada eterna o eterno Amante?

És bem Clotilde? É ele Augusto Comte?

 

Rio, 3 de Gutenberg de 103. (15 de agosto de 1891).


Martins Fontes: "O poema da Humanidade", "O homem Humanidade"

Na celebração da Festa da Humanidade de 171 (1.Moisés.171/1.1.2025), recitamos alguns poemas logo no início do evento.

Dois desses poemas são de José Martins Fontes e reproduzimo-los abaixo.


Poemas de José Martins Fontes

(In: Nos jardins de Augusto Comte, Rio de Janeiro, 1938)

 

O POEMA DA HUMANIDADE

 

- Qu’est-ce que c’est une grand vie?

Une pensée de jeunesse realisée dans l’âge mûr

Alfred de Vigny

 

Assombro! Assombro! Espanto dos espantos!

De Augusto Comte a obra final seria

Um poema, sem exemplo, em XIII Cantos

XIII ascensões surgindo em sinfonia!

 

E, complemento estético, epopéia

E enciclopédia, insolorantemente,

Compendiária, em música européia,

Revoluções e surtos do Ocidente!

 

A língua destinada a essa grandeza,

Devera ser, glorificando a raça,

A italiana, em que a lírica beleza

Tem o aroma suavíssimo da raça!

 

Dante seria o pregador do poema,

Paradisíaco, ardoroso idílio,

Como, sendo diverso embora o tema,

Na Divina Comédia, o foi Virgílio!

 

As idéias do Mestre, os pensamentos

Dele, ornariam, clarificadores,

Traduzindo afeições e sentimentos,

As estrofes sagradas, como flores.

 

Ouvíramos assim: – A Humanidade,

(Ou cadeia dinâmica dos entes,

Mortos e vivos), em continuidade,

É o conjunto dos seres convergentes.

 

– Para instituir o bom, o verdadeiro,

Buscar, mas rima a rima, elo por elo,

O motivo moral, o fim ordeiro,

Segundo a excelsa concepção do belo.

 

– Sim, o Positivismo tem deveres,

E convicções impõe, mas esta escola,

Aos espíritos dá tantos prazeres,

Que disciplina, instrui, rege e consola.

 

– A Virgem-Mãe nosso ideal governa,

E, esclarecendo a fé, o amor inspira.

Pela Saudade, na Viuvez Eterna,

Choram todas as cordas desta lira.

 

Amar! Pensar! Agir! Sonhar! Sonhemos

Essa epopéia, essa sublimidade,

Que seria, em seus cânticos supremos,

A elevação do Homem à Humanidade!

 

O HOMEM HUMANIDADE

 

Homem, tudo fizeste! A Humanidade inteira,

Destinada a sofrer, acorrentada à dor,

Salvaste, redimiste! E a crença, justiceira,

Pela demonstração, tu conseguiste impor!

 

O constante castigo humilhava. À cegueira

Das várias religiões, revelaste, Senhor,

Que a poesia concentra a razão verdadeira,

Que a razão verdadeira é a poesia do Amor!

 

Deste, mais do que nós, a grandeza do exemplo,

Organizaste. E foste o farol, o fanal

Que, ensolarando a terra, extasiado, contemplo!

 

E, supremo esplendor do teu gênio, afinal,

Legaste às gerações que virão ao teu templo,

Sobre a paz da consciência a paz universal!


01 janeiro 2025

Celebração da Festa da Humanidade - 171/237 (2025)

No dia 1º de Moisés de 171 (1.1.2025) realizamos a celabração da Festa da Humanidade

Aproveitando o ensejo dessa importantíssima comemoração, apresentamos alguns dos que consideramos serem os desafios do Positivismo no século XXI.

A celabração foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/RnXVQPQ87XE) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/571441322456943/).

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Celebração da Festa da Humanidade – 171/237 (2025)

 


1.      Início:

1.1.   Invocação inicial

1.2.   Leitura de poemas de Generino dos Santos (Vergine Madre) e Martins Fontes (O poema da Humanidade, O homem Humanidade)

2.      Hoje é dia 1º de Moisés, dia da Festa da Humanidade

2.1.   O dia de hoje inicia o ano 171 da era normal, ou 237 da transição revolucionária

2.2.   A Festa da Humanidade é a mais importante celebração positivista, pois é quando celebramos o verdadeiro ser supremo, o ser supremo que dá nome à religião real, humanista, relativa, pacífica, altruísta, fraterna: a Religião da Humanidade

2.2.1.Assim, é motivo da mais profunda alegria e satisfação percebermos que é um hábito universal (ou melhor, cada vez mais universal) a celebração da fraternidade universal justamente neste dia, em que iniciamos um novo ciclo

2.3.   No calendário positivista, a Festa da Humanidade segue-se sempre à Festa Geral dos Mortos e, nos anos bissextos, também à Festa das Mulheres Santas

2.3.1.Essa seqüência permite-nos ao mesmo tempo nos lembramos dos nossos entes queridos, recuperarmos nossas energias e retomarmos nossos esforços em favor de nossos familiares, nossos compatriotas, nossos amigos, nossos colegas e a todos os seres humanos

2.3.2.Na noite de ontem tivemos a felicidade de ouvirmos e assistirmos a uma belíssima celebração da Festa das Mulheres Santas por nosso amigo Hernani Gomes da Costa (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=O8t7kh4jS8U&t=11s)

2.4.   A renovação periódica de nossos votos e de nossas energias não é somente uma coincidência astronômica, devida à volta anual do nosso belo e querido Grão Fetiche – o planeta Terra – ao redor do Sol, na translação, mas é uma necessidade moral e social

2.4.1.Com certeza que a translação importa-nos muito e influencia poderosamente a vida de cada um de nós, mas é em termos superiores que a renovação cíclica é importante, ou seja, em termos biológicos, sociológicos e morais

2.4.2.Em termos biológicos, trata-se de que alternamos sempre períodos de atividade e de descanso, diária, semanal e anualmente; a vida humana é atividade, mas precisamos parar com freqüência para descansar e recuperar as energias

2.4.3.Em termos morais, além do descanso físico necessário, precisamos com freqüência parar também para refletirmos se nosso comportamento é adequado, ou seja, se é convergente, se é útil e também se é eficiente; se os sentimentos que inspiram e orientam nossas ações são altruístas e se estimulam o altruísmo de nossos irmãos na Humanidade

2.4.3.1.           A necessidade de pausas para reflexão é tão grande que nosso mestre, Augusto Comte, recomendava que nos ocupássemos de tais reflexões três vezes por dia (na forma da oração positiva), uma vez por semana (no culto semanal) e várias vezes por ano (na forma dos cultos doméstico e público)

2.4.4.Indo diretamente ao ponto: a necessidade moral do culto deve-se a que os impulsos egoístas em si mesmos são tantos e tão intensos e as dificuldades práticas da vida são também tantas, tão intensas e tão propensas ao egoísmo que é necessário reafirmar constantemente o altruísmo, por todos os meios possíveis e disponíveis – e mesmo todos esses meios são com freqüência insuficientes para nossas necessidades

2.4.5.Daí também a necessidade sociológica de renovações cíclicas de nossas forças, de nossos sentimentos altruístas e de nossas reflexões convergentes: a celebração coletiva por um lado orienta o conjunto da sociedade e, a partir disso, por outro lado, orienta e reforça em cada um de nós nosso altruísmo e nossa convergência

2.5.   A Festa da Humanidade, então, a partir da lembrança agradecida de nossos antepassados e nossos antecessores, retomadas nossas forças morais, intelectuais e práticas, é uma festa de esperança, alegria e altruísmo

3.      Justificada a importância do culto à Humanidade, passemos à celebração da própria Humanidade

4.      A Humanidade é o verdadeiro ser supremo; é ao mesmo tempo uma idealização intelectual e artística que estimula e orienta nossos sentimentos, nossos pensamentos e nossas atividades práticas, e uma realidade que se desenvolve ao longo do tempo, que nos fornece tudo o que temos e que permite que sejamos tudo o que somos

4.1.   A Humanidade, portanto, é a verdadeira providência: ela dá-nos alimentos, valores, idéias e orientação; ela dá-nos acolhimento, pertencimento e todas as possibilidades de que gozamos; ela dá-nos alegria, felicidade, metas; ela dá-nos palavras, imagens, riquezas; ela dá-nos nossas famílias, nossos amigos, nossos trabalhos, nossas pátrias, nossos concidadãos; ela dá-nos os meios de conhecer e utilizar o Grão Fetiche, nosso lar comum, e também o Grão Meio, o espaço abstrato que nos permite pensar para agir conforme o altruísmo

4.2.   As tendências metafísicas prevalecentes em nossa época, ou seja, as tendências destrutivas e críticas estabelecem como algo próprio dos “bens pensantes” a consideração de que a Humanidade não presta, de que os seres humanos são desprezíveis: alegadamente esse exercício dos “bens pensantes” teria por objetivo a valorização do ser humano e o progresso!

4.2.1.Essa consideração “crítica” – que não é, como se deseja e como se propagandeia, crítica no sentido de “consciente” e “realista”, mas apenas e cinicamente destruidora – desvaloriza o ser humano, nega o altruísmo, afirma apenas o egoísmo e também nega o progresso, isto é, o desenvolvimento histórico do ser humano

4.2.2.Se, por um lado, fazemos celebrações cíclicas, temos que nos lembrar que o desenvolvimento ao longo do tempo é verdadeiro, é real: embora nossas celebrações sejam cíclicas, a história da Humanidade não é a repetição cíclica das mesmas tendências – e, em particular, não é a repetição cíclicas das mesmas más tendências

4.3.   A Humanidade, além disso, é um ser composto, que por sua vez é objetivo e subjetivo:

4.3.1.A Humanidade existe e age por meio de seus órgãos vivos, os servidores da Humanidade, que também foram chamados por Augusto Comte de “agentes” da Humanidade, com isso querendo indicar que cada um de nós, a partir das condições sociais em que surgimos e vivemos, temos agência, ou seja, capacidade de ação

4.3.2.Cada um de nós existe concretamente, de maneira objetiva; ao mesmo tempo, nossas ações, bem como nossos sentimentos e nossas idéias, são condicionados e orientados pelo conjunto do que recebemos de nossos antepassados e de nossos antecessores; isso implica a subordinação sociológica das nossas vidas e evidencia o aspecto subjetivo de nossas existências

4.3.3.Se, durante nossas vidas objetivas, somos servidores da Humanidade, nem por isso a integramos: devemos tudo a ela e todos os nossos esforços são em seu favor, mas a incorporação à Humanidade implica o merecimento, ou seja, um esforço ativo e consciente, ao longo de nossas vidas, considerando as situações objetivas e subjetivas, sociológicas e individuais de cada um: apenas sete após a transformação individual de cada um, em que passamos da vida objetiva para a imortalidade subjetiva, é que se decide se cada servidor da Humanidade pode ser efetivamente incorporado a ela e, assim, se merece ou não um culto público específico

4.4.   Como dissemos antes, a Festa da Humanidade, então, é e deve ser uma celebração de paz, alegria, felicidade, esperança e altruísmo

4.4.1.Nossa época metafísica e crítica infelizmente entende manifestações de alegria, esperança, altruísmo como formas de alienação, de autoengano, de negação dos problemas e das dificuldades: essa é uma forma lamentável, triste e degradante de entender o ser humano

4.4.2.A Festa da Humanidade não finge nem nega as dificuldades próprias ao ser humano; mas, ainda assim, a celebração clara, direta, pura dos sentimentos generosos é necessária: são o amor, a esperança, a alegria que tornam a vida digna de ser vivida e compartilhada e que, assim, justificam os esforços que realizamos para enfrentar as dificuldades e os problemas; além disso, como comentamos antes, em face da maior energia do egoísmo e do estímulo que a vida prática dá ao egoísmo, precisamos sempre reafirmar constantemente os sentimentos generosos – máxime quando celebramos diretamente o verdadeiro Grande Ser

5.      Após celebrarmos a Humanidade, queremos aproveitar a ocasião para tratarmos de uma outra ordem de reflexões; celebrar a Festa da Humanidade inclui também considerar o que o futuro reserva-nos, seja em termos de previsões cosmológicas, sociológicas e morais, seja, a partir disso, em termos de projetos futuros

5.1.   Há algumas semanas, um rapaz que tem estudado o Positivismo, em um grupo do Whattsapp fez uma pergunta, talvez como uma questão sincera, talvez como uma crítica disfarçada; quaisquer que tenham sido os motivos, a questão tem que ser enfrentada: quais são os desafios que o Positivismo deve enfrentar no século XXI?

5.1.1.Essa questão tem a ver com o equívoco tema da “atualização” do Positivismo

5.1.1.1.           Esse tema é equívoco porque quem afirma a necessidade de atualização – algo com que qualquer positivista de modo geral concorda sem dificuldade nenhuma – com freqüência pressupõe que quem é novo na Religião da Humanidade e/ou jovem, apenas porque é novo e/ou jovem, saberia o que é o Positivismo, saberia o que é adequado para o Positivismo e saberia em que deveria consistir essa atualização – todas essas assunções de uma arrogância escandalosa

5.1.1.2.           Tratamos dos sentidos possíveis da atualização do Positivismo e da arrogância demonstrada por muitos novos e/ou jovens respectivamente em nossas prédicas dos dias 10 de São Paulo de 169 (30.5.2023) (aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/05/sobre-comtismo-e-atualizacao-do.html) e 3 de Gutenberg de 169 (15.8.2023) (aqui: https://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2023/08/orgulho-no-estudo-do-positivismo.html)

5.2.   Para tratarmos dos “desafios do Positivismo no século XXI”, devemos considerar os desafios dos séculos XIX e XX; se não o fizermos, perderemos a historicidade da reflexão e a ação política não fará sentido

5.3.   Na pág. 480 do cap. 5 (“Apreciação sistemática do presente, a partir da combinação do futuro com o passado, donde quadro geral da transição extrema”) do vol. IV (“Contendo o quadro sintético do futuro humano”) da Política positiva Augusto Comte propôs sete medidas políticas gerais que a Religião da Humanidade e os positivistas deveriam perseguir

5.3.1.Essas medidas foram inspiradas pelo conjunto da história do Ocidente, em particular dos séculos XVIII e XIX

5.3.2.De qualquer maneira, todas essas metas mantêm-se atualíssimas, com as devidas mudanças devidas à alteração de contextos (ou seja, mutatis mutandis):

 

Medidas

Âmbito das medidas

Comentários

1

Liberdade especulativa com o fim dos orçamentos teóricos

Temporal

Necessários em todos os lugares

2

Substituição das Forças Armadas pela polícia

3

Instituição do triumvirato sistemático

4

Desenvolvimento do culto histórico

Espiritual

5

Estabelecimento das escolas positivistas

6

Ascendente do Positivismo sobre o comunismo

7

Decomposição dos grandes estados

Resume as duas séries anteriores

 

5.3.3.Essas medidas, claro, são precedidas e acompanhadas pela difusão do Positivismo, o que significa que são precedidas e acompanhadas pela propaganda da Religião da Humanidade, com a elaboração de materiais diversos, com a aplicação prática de nossas concepções, com a participação em debates públicos – e também com a formação de sacerdotes e apóstolos qualificados moral, intelectual e praticamente

5.3.3.1.           Bem vistas as coisas, a exigência de difusão do Positivismo está pressuposta nas metas 4 a 6 acima, em particular talvez na de n. 5 (escolas positivas)

5.3.4.Além disso, de maneira mais ampla e mais difusa, parece-nos que o objetivo de todas essas metas consiste em realizar e em dar concretude às características gerais do espírito positivo: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático, além de fraterno, histórico e objetivo-subjetivo

5.3.5.Assim, como uma sugestão pessoal nossa, poderíamos acrescentar itens 8, 8.1 e 9 à lista acima, ambos no âmbito do poder Espiritual, da seguinte forma:

-           Item 8: Constituição de um sacerdócio positivo

-           Item 8.1: Difusão e aplicação da Religião da Humanidade

-           Item 9: Realização e aplicação concreta do espírito positivo

5.4.   Considerando o conjunto do século XX, podemos considerar os seguintes desafios concretos, temporais e espirituais, que nos foram legados:

-           Temporais:

·                Afirmação radical do pacifismo e proscrição das guerras de conquista

·                Garantia das liberdades civis e política

·                Afirmação e defesa da dignidade humana

·                Apoio aos processos de descolonização, autonomia nacional e desenvolvimento nacional

·                Promoção da cooperação internacional pacífica, fraterna e construtiva

·                Combate aos fascismos e aos sovietismos

-           Espirituais:

·                Combate ao absolutismo academicista e ao cientificismo

·                Moralização urgente da ciência

·                Afirmação geral da positividade e combate geral à metafísica (moral, sócio-política)

5.4.1.Não é difícil de perceber que os desafios acima não medidas específicas; são, propriamente, “desafios”, isto é, problemas que nos exigem soluções

5.4.2.Da mesma forma, não é difícil perceber que os desafios acima podem e devem ser enfrentados por meio de aplicações práticas e específicas, ou até alternativas, dos objetivos indicados por Augusto Comte para o século XIX

5.5.   Considerando o quarto de século já transcorrido neste século XXI, podemos considerar os seguintes desafios temporais e espirituais:

-           Temporais:

·                Afirmação urgente da paz e da fraternidade universais

·                Apoio convicto à transição energética

·                Afirmação e estímulo à coordenação internacional e aos esforços nacionais para controlar e reverter a crise climática

-           Espirituais:

·            Afirmação e defesa da dignidade humana

·            Combate aos racismos e às discriminações

·            Combate aos identitarismos

5.5.1.Como dissemos a respeito do item anterior, não é difícil de perceber que os desafios acima não medidas específicas; são, propriamente, “desafios”, isto é, problemas que nos exigem soluções

5.5.2.Também não é difícil perceber que os desafios acima podem e devem ser enfrentados por meio de aplicações práticas e específicas, ou até alternativas, dos objetivos indicados por Augusto Comte para o século XIX

5.6.   Os tópicos que sugerimos acima, nos itens 3.3 a 3.5, por um lado são cumulativos de problemas que surgiram ao longo do tempo (por exemplo, a crise climática, a transição energética, o combate aos fascismos e aos identitarismos); mas, por outro lado, são formas atuais de desafios e necessidades antigos (a defesa das liberdades, a afirmação do altruísmo, do pacifismo, do relativismo)

5.7.   Como observamos antes, reconhecemos claramente que os tópicos acima de modo geral não são medidas específicas, mas são desafios a serem enfrentados; assim, eles apresentam um caráter menos específico que as medidas indicadas por Augusto Comte

5.7.1.Ainda que sejam menos específicas essas indicações, parece-nos que elas ainda assim permitem conjugar uma ampla possibilidade de atuação concreta dos positivistas com preocupações específicas em nossas vidas

5.8.   Por outro lado, importa insistir muito em que a centralidade da (1) reconstituição de um sacerdócio positivista (1.1) convergente, (1.2) bem formado, (1.3) atuante e (1.4) responsável impõe-se e antepõe-se a todas as metas acima: tal sacerdócio é condição preliminar para qualquer atuação posterior

5.8.1.Não foi por acaso que, no Apelo aos conservadores, nosso mestre afirmou com clareza e com todas as letras que a preocupação fundamental de todos os positivistas religiosos deve ser não a tomada do poder, mas a difusão do Positivismo

5.8.2.Um sacerdócio bem formado exige muitos aspectos sucessivos e, a partir disso, concomitantes: (1) ler Augusto Comte e os positivistas ortodoxos; (2) entender Augusto Comte e os ortodoxos; (3) viver as prescrições, orientações e concepções de Augusto Comte; além disso, é necessário conhecer o mundo e a sociedade em que se vive (mas, sendo bem franco, essa exigência nem precisaria ser lembrada, na medida em que ela com freqüência é afirmada mesmo para negar as exigências anteriores)

5.8.2.1.           Uma frase que era usada na Igreja Positivista do Brasil resume, pela negativa, o conjunto das indicações acima: como se dizia lá, “muitas pessoas entram no Positivismo, mas o Positivismo não entra nelas”, ou seja, são pessoas que passam a freqüentar o ambiente positivista, até passam a conhecer a doutrina, mas não a aplicam em suas próprias vidas, não sabem aplicá-la ao mundo e muitas vezes a distorcem sem o menor pudor (seja para justificar o injustificável, seja mesmo para o cúmulo de negar a Religião da Humanidade!)

5.9.   Os desafios do Positivismo são muitos, como, de resto, são os desafios que se impõem à Humanidade: a solução para uns e outros passa pelo mesmíssimo caminho, que é a difusão do Positivismo e do espírito positivo, com a reconstituição do sacerdócio positivo, convergente, altruísta e instruído

6.      Com essas reflexões, queremos concluir esta Festa da Humanidade, não apenas pela lembrança e pela reafirmação de seu amor, mas também pela indicação de que devemos amá-la e conhecê-la para sempre e melhor servi-la

6.1.   Invocação final