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Dois erros sobre a doutrina política
comtiana:
“autoritarismo” e “funcionalismo público”
Gustavo Biscaia de Lacerda
Resumo: Este
artigo comenta dois erros de interpretação bastante comuns a respeito da
doutrina política de Augusto Comte: 1) a idéia de que seria ela autoritária e
2) o (mau) uso da expressão “funcionário público”. No primeiro caso,
consideramos que não existe autoritarismo, na medida em que as liberdades
públicas são resguardadas e incentivadas, dentro do quadro teórico da
“liberdade republicana”. No segundo caso, afirmamos que em Comte o “público”
não equivale a “estatal”, pois que isso negaria a autonomia da sociedade
civil e, avant la lettre, justificaria estados totalitários.
Concluímos fazendo algumas considerações a respeito das dificuldades teóricas
e estilísticas que a obra comtiana apresenta.
Palavras-chave:
Positivismo; Augusto Comte; interpretação; autoritarismo; público; estatal.
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Não é nenhum segredo o fato de que o fundador do Positivismo, Augusto
Comte, ser um autor pouco lido, a despeito de reputar-se-lhe o caráter de
“clássico”. Apesar disso – ou, talvez, devido a isso – abundam
as observações críticas a respeito de sua obra, isto é, comentários negativos
em que se imputam a Comte as mais variadas opiniões e perspectivas, tão
díspares, desencontradas e contraditórias entre si quanto em relação à letra e
ao espírito comtianos.
No que se refere à sua doutrina
política, dois erros em particular são bastante comuns mas, ao mesmo tempo, são
pouco discutidos e problematizados: o Positivismo como “autoritário” e a
afirmação de Comte de que, no estado normal, todos os cidadãos deverão ser
considerados como “verdadeiros funcionários públicos”. Esses erros são tão mais
dignos de exame quanto autores sérios e competentes na análise de outros
aspectos da obra comtiana, como Bosi (2007) e Pickering (2007), cometem-nos.
Assim, vejamos cada um deles.
I
Comecemos pela segunda questão, que é
mais simples de ser analisada, e que se refere à afirmação, presente no
livro Discurso sobre o conjunto do Positivismo (COMTE, 1957), segundo a qual no
estado normal todos os cidadãos serão “verdadeiros funcionários públicos”.
Inicialmente, temos que determinar o
sentido que Augusto Comte dá a essa expressão – e, para isso, é necessário
fazer uma referência a alguns traços gerais de sua filosofia da história. Para
ele, quando a sociedade ocidental encerrar sua fase de transição das épocas
teológico-metafísicas, de caráter absoluto e militaristas, e passar para a
positividade, de caráter relativo, pacífico e industrial, todos os cidadãos
subordinarão o egoísmo ao altruísmo, buscando a melhoria das condições de vida
uns dos outros, em termos materiais, intelectuais e principalmente morais: esse
é o “estado normal”. A subordinação do egoísmo ao altruísmo e a dedicação de
cada um aos demais não significa o fim do egoísmo, isto é, dos pendores e das
preocupações de cada um consigo próprio, mas seu disciplinamento, de modo que
cada qual busque servir ao conjunto da sociedade ao mesmo que satisfaz as
próprias necessidades individuais. Dessa forma, na medida em que os cidadãos
contribuirão para a satisfação de necessidades coletivas, serão como
“funcionários públicos”.
“Público”, aí, não equivale a
“estatal”; se não produzisse um círculo vicioso, poderíamos simplesmente dizer
que “público”, no caso, equivale a... “público”, ou seja, aquilo que é comum a
todos. Esse é um problema mais de interpretação que de tradução; para evitar
mal-entendidos, talvez pudéssemos sugerir o “público” como sendo “social e
democrático”.
Qual o problema com essa expressão?
Tomar o “funcionário público” como “funcionário do Estado”.
Esse erro tem sua origem lógica em uma interpretação especificamente jurídica
da palavra “público”, na medida em que, no Direito, o que se opõe ao “privado”
é o “público” cuja representação empírica é apenas e tão-somente o Estado.
Assim, essa confusão à partida empobrece tremendamente a análise filosófica e
social, pois retira toda verdadeira autonomia da chamada “sociedade civil” e
supõe que apenas no Estado ou por meio dele é possível existir uma vida
“pública”. Teorizado juridicamente por Hans Kelsen (apud LACERDA
NETO, 2004, p. 244), o esquerdista Alfredo Bosi (2007, p. 218) cometeu esse
erro, considerando que os “funcionários públicos da era normal” seriam uma
justificativa para o aumento do aparelho estatal.
Mas as conseqüências de tal confusão
não param aí, pois que dão azo à muito mais séria interpretação de que o
Positivismo é a favor de alguma coisa como uma “estatolatria”, quando não
simplesmente de um “Estado total”, ou seja, de um totalitarismo. Essa é a
versão que o direitista Olavo de Carvalho dá à expressão “funcionário público”
em Comte (apud LACERDA NETO, 2004, p. 243-245).
A doutrina comtiana favorece um governo
– diríamos um “Estado” – forte, com capacidade de intervenção na sociedade. A
esse respeito, o fundador do Positivismo adotava uma recomendação geral: o
Estado deve ser o menor possível, de modo a não onerar a sociedade (ao menos,
não onerar em demasia). Mas um Estado que seja “o menor possível” não equivale
a “Estado mínimo”, conforme defendido pelos liberais. A esse respeito, Comte
criticava fortemente os economistas políticos de sua época por erigirem em
dogma político a inação e a omissão do Estado em relação aos problemas sociais.
Por outro lado, há momentos em que a ação estatal é necessária para estimular e
desenvolver aspectos da sociedade, em particular os relacionados à economia e
aos problemas econômicos. Mas é importante notar: a ação do
governo, no que se refere ao conjunto da sociedade e à economia em particular,
é limitada e complementar em relação à “sociedade civil”.
Ao mesmo tempo, Comte estabelecia como
característica fundamental do regime político da sociedade positiva a separação
entre os poderes Temporal e Espiritual. Veremos novamente esse tema na próxima
seção, mas importa notar agora que tal separação tem como conseqüência uma
sociedade civil articulada e forte (o poder Espiritual), capaz de fiscalizar o
Estado (o poder Temporal).
Dessa forma, não há como reduzir no
pensamento comtiano o “público” ao “estatal”, nem, muito menos, deduzir que o
“público” em Comte revelaria uma “estatolatria”, um totalitarismo em germe.
Embora tanto Bosi quanto Carvalho
tenham cometido o mesmo erro interpretativo, o de Bosi foi menor: seus
comentários sobre a expressão foram desenvolvidos, além disso, por uma clara
simpatia – no mínimo, por um respeito à letra e ao espírito de Comte. Já no
caso de Carvalho, o erro foi maior e pior: sua interpretação, mais extremada,
animou-se por um vivo desprezo pelo fundador do Positivismo.
II
Passemos à primeira questão que nos
propusemos a tratar neste artigo, relativa ao afirmado autoritarismo de Augusto
Comte. Essa questão, por apresentar conseqüências maiores e basear-se em
pressupostos valorativos mais profundos, requer um tratamento um tanto mais
detalhado.
Antes de mais nada, que é ser
autoritário? Etimologicamente, autoritário é aquele que faz questão de enfatizar
a autoridade nas relações humanas, especialmente nas que assumem aspectos
políticos; além disso, essa autoridade é percebida como hierárquica, isto é,
deixando claro que os que estão embaixo devem obediência aos que estão acima
deles, com o adicional de negar aos primeiros a legitimidade na apresentação de
objeções ou reparos à ação dos segundos. Relacionada a essa acepção mas dela
distinta, há outra, que se vincula à falta de liberdade: aquele que nega a
liberdade de ação e, principalmente, de expressão a outrem é tachado de
autoritário.
Nesses termos básicos, a doutrina
política de Augusto Comte não é autoritária: embora afirme a validade do
princípio da autoridade, fá-lo para contrapor-se aos anarquistas, àqueles que
negam a validade de qualquer autoridade, de qualquer governo.
Ora, para um anarquista, qualquer governo é, por definição, autoritário; por
essa mesma senda seguiram os “libertários” dos anos 1960 e 1970, que,
revoltando-se contra “o que está aí”, afirmavam que todo governo, qua governo,
é opressivo: a obra política de Michel Foucault é um bom exemplo disso. Mas
esses casos são extremos e, de modo geral, a Teoria Política não considera que
a mera autoridade dos governos seja fator de autoritarismo; para comprovar essa
idéia, basta pensar a contrario: um governo sem autoridade é
percebido como um governo fraco e incapaz de ação – portanto, um governo
inútil.
Entretanto, é necessário complementar
essas observações com o elemento de liberdade que se deve associar à
autoridade. Um governo que não aceite, nem de facto nem de
jure, as diversas liberdades, é considerado autoritário. Quais são as
“diversas liberdades”? Basicamente, as chamadas civis e políticas, ou seja, as
relativas às capacidades dos cidadãos de professarem as idéias e as fés que desejarem,
expressarem-se conforme considerarem correto e adequado, de irem e virem;
também as relativas às possibilidades de associarem-se, realizarem
manifestações públicas e “ações coletivas”. (Deixamos de lado as liberdades
econômicas pois consideramos que, de um lado, elas estão subsumidas nas civis e
políticas e, por outro lado, os governos chamados de autoritários somente o são
em termos econômicos quando a burguesia não mais aceita a ação
econômica do Estado.) No que se refere a essas liberdades, Comte era explícito
e enfático: não há que se as limitar.
Uma análise bastante refinada do
conceito de liberdade foi elaborado em meados do século XX por Isaiah Berlin,
retomando em termos estritamente políticos uma distinção sociopolítica
elaborada quase um século e meio antes pelo primeiro Benjamin Constant; Berlin
separava a liberdade positiva e a negativa. Enquanto a primeira consiste em ser
livre no Estado, a outro consiste em ser livre do Estado.
O sentido da “liberdade” que apresentamos no parágrafo acima é o da liberdade
negativa: os cidadãos não são impedidos pelo Estado de agirem como considerarem
correto ou, mais diretamente, de simplesmente agirem. A liberdade positiva
consiste em os cidadãos exercerem e realizarem sua autonomia decisória por meio
de sua participação direta na formulação das políticas de Estado. Embora não
haja, do ponto de vista lógico, uma verdadeira oposição entre uma e outra, o
fato é que elas correspondem a tipos diferentes de sociedades e arranjos
políticos – nisso consistindo a exposição de B. Constant: a liberdade negativa
é característica das sociedades modernas, de caráter industrial e dedicadas à
produção de bens, com grandes contingentes de trabalhadores livres organizados
em fábricas; a liberdade positiva era característica das sociedades antigas –
Grécia e Roma –, de pequena extensão territorial, voltadas para a conquista
militar e em que o número de cidadãos (isto é, de indivíduos livres e
capacitados pela leis a integrar a vida política) era pequeno e, portanto, era
fácil e simples reunir o corpo político.
Mais recentemente, a Teoria Política
formulou um terceiro tipo de liberdade, a “republicana”. Fruto da lucubrações
de Phillip Pettit, a “liberdade republicana” prevê que um cidadão somente é
livre no quadro de uma república, isto é, de um governo que não o domine,
não interfira em sua vida de maneira arbitrária. Na liberdade republicana, ao
contrário dos defensores da liberdade negativa – como o próprio Berlin –, o
problema não consiste na interferência do Estado na vida dos cidadão, pois ela
fatalmente ocorre e é mesmo necessária; a grande questão é que essa
interferência não seja arbitrária. A fim de garantir a não-arbitrariedade, uma
república prevê e exige a participação dos cidadãos no sentido de fiscalizar o
Estado, tendo para isso os canais necessários: esse é o próprio conceito
de accountability. Não sendo uma liberdade negativa, a liberdade
republicana também não é positiva, pois afasta a participação direta e contínua
dos cidadãos na formulação das políticas de Estado.
Retornando ao tema do autoritarismo:
deixando de lado a idéia de que todo governo, por definição, é autoritário, é
necessário perceber o autoritarismo como uma limitação da liberdade. Já vimos
que Augusto Comte no mínimo aceitava em termos gerais a liberdade negativa: mas
e quanto às outras duas liberdades, a positiva e a republicana?
Comte rejeitava a participação direta
da massa de cidadãos – por ele equiparada, em termos numéricos, ao proletariado
– no governo, embora aceitasse e mesmo propugnasse a condução do governo por
proletários tomados individualmente. Por outro lado, afirmava que o governo
deveria ser fiscalizado por órgãos da sociedade; essa fiscalização, além do ato
de verificar os projetos governamentais no dia-a-dia (sugerindo mesmo alterações
ou supressões de projetos), subentende um elemento de legitimação: um governo
que não passe no teste contínuo do escrutínio público perderá sua legitimidade,
com as conseqüências naturais disso. Detalhe: esse escrutínio deve ser feito
pela sociedade, não pelo Estado, ou seja, deve ser feito por um órgão externo
ao governo. Isso significa duas coisas: em primeiro
lugar, a fiscalização do governo deve realizar-se pela opinião pública,
organizada pelo que Augusto Comte chamava de “sacerdócio” e secundada pelos
proletários e pelas mulheres; em termos atuais, para Comte a fiscalização do
Estado deveria realizar-se por uma sociedade civil organizada e forte – é um dos sentidos profundos da
“separação entre os poderes Temporal e Espiritual”. Em segundo lugar, Comte
rejeitava a utilidade dos parlamentos como órgãos de representação, de
fiscalização e de formulação de políticas públicas; em outras palavras, os
parlamentos deveriam ser apenas câmaras orçamentárias, não governamentais em sentido estrito.
Em suma: à exceção do fim dos
parlamentos, a proposta de Comte é a própria liberdade republicana, que é tão
“liberdade” quanto qualquer outra “liberdade” tomada no sentido comum. Dessa
forma, não há autoritarismo no projeto político de Comte.
Mesmo assim, é necessário determinar a
origem da acusação de um Comte autoritário: em que consistiria o autoritarismo
comtiano? Por um lado, já vimos que isso se deve à afirmação de Comte de que o
Estado deve ser forte. Embora essa mesma postulação seja também feita
pelos regimes que correntemente chamamos de “autoritários”, essa afirmação em
si não implica nada: regimes democráticos – isto é, aqueles que, como o
proposto por Augusto Comte, celebram e realizam as diversas liberdades – também
exigem “estados fortes”. No fim das contas, não é necessário despender muito
tempo comentando como essa afirmação é, na melhor das hipóteses, simplesmente
gratuita.
Mas o grosso do argumento a favor do
suposto autoritarismo comtiano reside em uma confusão teórica e histórica
relativa ao papel dos parlamentos nas chamadas democracias contemporâneas. Comte era muito claro a respeito: ele
rejeitava os parlamentos, afirmando que eles são instituições próprias ao
conflito entre as monarquias e as aristocracias, em particular a inglesa: afinal,
na Inglaterra o parlamento foi o instrumento utilizado para submeter – e, ao
final, neutralizar – o rei em benefício da aristocracia, com o apoio da
burguesia. O parlamento, dessa forma, representa a manutenção do sistema de
castas – que dá origem à aristocracia – e a mistura de duas formas opostas de
pensar, a teológica (com a monarquia, que é de direito divino) e a metafísica
(com a idéia de soberania popular). Para Comte, embora afirme-se correntemente
que foi a instituição do parlamento como órgão governativo que permitiu as
liberdades civis e políticas, isso não passa de um sofisma do ponto de vista
sociológico e teórico: o que realmente garantiu as liberdades na Inglaterra foi
o escrutínio público, realizado pela opinião pública – a partir do fim da Idade
Média inglesa consubstanciado temporariamente na aristocracia –, que as
garantiu.
A questão é saber se a existência do
parlamento é garantia real das liberdades públicas. A pesquisa histórica,
todavia, não aponta correlação positiva entre parlamento e liberdades públicas:
parlamentos podem coexistir com a inocorrência das liberdades públicas, com a
coibição dessas liberdades e – o que é a regra, em se tratando de parlamentos –
podem também ser fonte de corrupção política, econômica e social, além de serem
geralmente órgãos simplesmente inúteis.
Disso tudo resulta que o famoso
autoritarismo comtiano na verdade é um sofisma, um mito, ou melhor, uma
difamação demagógica de quem considera os parlamentos ou a atuação direta do
“povo” no governo são as únicas e, principalmente, as mais eficazes formas de
garantir as liberdades públicas.
III
Talvez algumas palavras a respeito da
obra comtiana sejam interessantes.
Comte observava os movimentos opostos,
profundamente daninhos ao conjunto da sociedade, dos retrógrados – que, de
extração católica, enfatizavam a importância da ordem social –, e dos
revolucionários – que, de extração rousseauniana, negavam as instituições
sociais em nome da liberdade e da igualdade. Para criar uma síntese original,
respeitando o “conjunto do passado”, isto é, reconhecendo a legitimidade das
reivindicações de cada um desses grupos, ao mesmo tempo que as ultrapassando,
afirmou a necessidade e a possibilidade de realizar um regime sociopolítico de
“Ordem e Progresso”. Essa síntese é marcada por uma dupla originalidade, que
consiste, por um lado, na originalidade que todo pensador possui, a par de sua
agência humana (cf. BEVIR, 2002); por outro lado, ao contrário do que afirmou
Habermas (1982, p. 93-94), a obra de Comte não é uma colcha de retalhos, uma
espécie de ecletismo teórica e metodologicamente incoerente como o de Victor
Cousin: a obra de Comte de fato integra as perspectivas opostas,
reconhecendo-lhe os méritos e as deficiências e criando uma nova teoria, que
ultrapassa as anteriores.
Pois bem: essa síntese original, ao
unir elementos da “direita” e da “esquerda”, sujeita-se ao ataque de ambos os
lados, seja porque ela não representa “adequadamente” as opiniões de cada um
dos pólos, seja porque representa para um pólo as opiniões do pólo oposto.
Mas há um problema extra. Temos
procurado indicar (LACERDA, 2007; 2008) de que maneira a lógica profunda do
pensamento comtiano não segue a do senso comum, na medida em que este é
igualitário e individualista e a de Comte é englobante (conforme as definições
de Louis Dumont (1992; 1995)). Dessa forma, abordar os textos do fundador do
Positivismo sem maiores cuidados metodológicos – ou mesmo animado por um
espírito de animadversão a seu respeito – tem por resultado erros como os
indicados aqui.
Além disso, o estilo de escrita
comtiano – sintético e denso – era marcado por idiossincrasias, que Ângelo
Torres (1997) chamou de “criptografias”. Some-se a lógica englobante ao estilo
“criptográfico” e teremos facilmente interpretações – como se viu, errôneas,
mas mais ou menos bem-intencionadas – que tomam no senso comum o que deve ser
percebido dentro do específico espírito da obra de Comte.
Jeffrey Alexander (1996) definiu como
“clássico” o autor capaz de apresentar às sucessivas gerações de pensadores e
pesquisadores um conjunto de modelos e sugestões teóricos e metodológicos,
intuições, valores e interpretações; é claro que, para fornecer essa riqueza
intelectual e moral é necessário que o clássico seja no mínimo lido.
Por seu turno, Mark Bevir (1994)
estabeleceu que as interpretações das obras dos autores e o desenvolvimento de
hipóteses e teorias têm que ser “progressistas”, ou seja, têm que ter, entre
várias outras características, a abertura, a “afirmatividade” e a
“compreensibilidade”, ou seja, têm que estar abertas à crítica e ao
aperfeiçoamento, têm que mais afirmar que refutar afirmações diversas e, por
fim, têm que ampliar cada vez mais o escopo de fatos explicados e
interpretados.
No que se refere a Comte, o uso de sua
obra como um “clássico” em uma pesquisa “progressista” foi recentemente feita
por Steiner (2008). Apesar disso, o fundador do Positivismo não é de modo geral
lido e sua serventia consiste muito mais em ser um espantalho para linchamento
em praça pública que em uma referência intelectual efetiva. Está mais do que na
hora de tornar Augusto Comte um “clássico” no sentido verdadeiro e profundo da
expressão – em um sentido... “progressista”.
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