28 dezembro 2016

Contribuição de Hobbes para as Relações Internacionais

Em 2005 publiquei o artigo abaixo na extinta Revista Autor (ano V, n. 4). Esse texto não é propriamente original, mas apresenta algumas reflexões interessantes e úteis, além de possuir um caráter didático.

Ele foi originalmente escrito durante o meu mestrado em Sociologia, cursado na Universidade Federal do Paraná entre 2002 e 2004. De lá para cá eu alteraria algumas observações e alguns comentários, além de acrescentar muitas outras referências bibliográficas. Entretanto, como se costuma dizer, é necessário respeitarmos o que escrevemos na época em que escrevemos; desse modo, as únicas modificações que fiz em relação à versão original foram nas indicações de autores ao longo do texto; no mais, o texto abaixo segue a versão original (incluindo minha titulação e minha inserção profissional).

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Guerra de todos contra todos:
a contribuição de Hobbes para a política internacional

Gustavo Biscaia de Lacerda[1]

Thomas Hobbes
Fonte: Wikipédia

Introdução

A partir da leitura de De cive e O leviatã, não encontramos elementos específicos de Hobbes sobre a guerra[2], ou melhor, sobre as relações internacionais[3]. Há, sem dúvida alguma, elementos importantes sobre o "estado de guerra", sobre sua dinâmica e sua psicologia; contudo, especificamente sobre as relações estabelecidas entre duas unidades políticas autônomas, não há indicações além de referências sumárias, apresentadas com o objetivo exclusivo de comprovar seu modelo lógico de "estado de natureza". Isso, contudo, exige desenvolvimentos maiores, em face da elaboração do autor.

Por outro lado, os especialistas em relações internacionais soem falar em uma tradição "hobbesiana" de análise, em contraposição a outra "kantiana", ou ainda, embora de maneira menos freqüente, a outra "grociana". A questão, simples e direta, é: se Hobbes não apresentou um modelo explícito para as relações internacionais, por que se fala em tradição hobbesiana? É isso que procuraremos responder neste ensaio.

Nosso percurso será: em primeiro lugar, faremos um retrospecto histórico, apresentando as mudanças multisseculares que resultaram no sistema de estados sobre o qual Hobbes elaborou suas idéias; depois, esboçaremos os elementos da teoria hobbesiana da sociedade, seguindo seus principais passos, desde o estado de natureza até o estado civil. Em seguida, comentaremos algumas tradições analíticas na área das relações internacionais, a partir dos filósofos que as inspiraram – a fim de se traçar um painel minimamente abrangente, com certo valor comparativo – e, finalmente, mostraremos de que maneira é possível falar-se em uma tradição "hobbesiana" das relações internacionais.

 Retrospecto histórico

Para iniciarmos a apresentação, é importante notarmos que ao Hobbes escrever, sua preocupação subjacente era elaborar uma teoria do governo que evitasse a guerra civil – afinal, assim como a Europa continental passou pelas guerras de religião, a Inglaterra não ficou incólume a elas, tendo as suas, que se caracterizaram como sendo, além de religiosas, de caráter intestino e sucessório – e pudesse manter seguros os indivíduos, preservando ao menos suas vidas. Nesse sentido, Hobbes é um dos grandes teóricos da ordem civil, a ser mantida por um governo instituído explicitamente para esse fim.

Essa é a abordagem básica, ou melhor, tradicional, do pensador, que considera sua importância para as sociedades em seu âmbito interno, levando em consideração uma conjuntura de curto escopo. Para tratarmos das relações internacionais, é interessante levarmos em consideração uma conjuntura mais ampla, tanto no tempo quanto no espaço, que ilumina inclusive os problemas internos às sociedades européias do século XVII.

Qual a conjuntura a que nos referimos?

A Idade Média caracterizou-se, do ponto de vista político, pelo feudalismo, ou seja, pela multiplicidade de níveis político-administrativos, que organizavam territórios e populações de tamanhos variáveis em complexas redes e relações de suserania e vassalagem. Um senhor feudal A, por exemplo, poderia ser vassalo de outro senhor B, que, por sua vez, seria vassalo de outro C: este último poderia ter como suserano o senhor feudal A. Não havia uma concentração política, isto é, os diversos territórios podiam sofrer a influência de diversos senhores feudais, com as conseqüências decorrentes dessa falta de centralização: vários códigos legais, multiplicidade de moedas etc.

O mais interessante a notar, porém, é que as relações entre os diversos senhores feudais eram reguladas e, em certa medida, estabelecidas pelos valores compartilhados por eles – valores fornecidos pela Igreja Católica. Assim, embora não houvesse propriamente nenhum direito, nenhuma legislação que os subordinasse, todos estavam cônscios de participarem, mais ou menos, de um mesmo corpo social (no caso, a cristandade católica). A religião, nesse caso, fornecia-lhes regras de comportamento e de conduta, entre si, entre os senhores feudais, e entre os seus subordinados, os servos da gleba. Esse conjunto formado por elementos materiais – o feudalismo – e por elementos espirituais – o catolicismo –, intimamente relacionados, como vimos, formava uma unidade, denominada por Augusto Comte de "civilização católico-feudal" (Comte, 1934; Carneiro, 1940).

Em comparação com a era moderna, a época católico-feudal constituiu-se, portanto, de territórios administrados por diversos suseranos, em disputa entre si, e por uma certa comunidade de valores, que mais ou menos disciplinava a conduta de todos e estipulava os deveres e os direitos mútuos, estabelecendo também suas regras de conduta.

Esse estado de coisas vigeu do século V ao século XIII; a partir da XIV centúria entrou paulatinamente em crise: os valores anteriormente compartilhados passaram a ser criticados e discutidos, ao mesmo tempo que as esferas de influência dos senhores feudais passaram a definir-se, e os territórios sob sua influência tornaram-se cada vez mais exclusivos seus. O antigo elemento regulador e legitimador, tornando-se cada vez mais falho, foi paulatinamente substituído pela idéia de soberania dos príncipes sobre seus territórios, ou seja, de que apenas eles, os príncipes, poderiam ditar as regras sobre seus territórios, e mais ninguém. O relacionamento entre esses príncipes, tornados cada vez mais autônomos uns dos outros, também perdeu o antigo elemento de regulação mútua[4].

Da mesma forma que nesse momento tornam-se mais fortes e violentas as disputas entre os diversos príncipes, outro aspecto da decadência religiosa ganha relevo: a chamada "reforma protestante" (que na verdade não reformou nada, apenas destruiu).

De um movimento estritamente religioso, a reforma passou a ser também um movimento político, com diversos príncipes assumindo o credo protestante para furtarem-se à autoridade papal – que, afinal de contas, era também uma autoridade política – e afirmarem sua independência político-nacional. Em outras palavras, e apenas reafirmando a idéia, nessa conjuntura uniam-se, misturavam-se problemas políticos com problemas religiosos (sacralizando uns, politizando outros). O resultado dessas disputas, que se estenderam do século XVI até meado do século XVII, foi a Paz de Westfália, de 1648, que pôs fim aos conflitos religiosos na Europa continental e consagrou tanto o sistema de estados nacionais quanto o princípio cujus regio, ejus religio ("seguir a religião de seu príncipe").

Na Inglaterra houve também os conflitos religiosos, igualmente misturados a problemas políticos, com o agravante de estarem ligados a questões sucessórias. Henrique VIII em 1542, desejando separar-se de Isabela de Castela mas não obtendo a autorização do papa, faz um cisma com Roma e criou a Igreja Anglicana. No século XVII, contudo, a linha sucessória propriamente inglesa e anglicana acabou, restando o trono inglês aos Stuarts, escoceses de extração católica. Ao mesmo tempo, havia um conflito entre o poder central, do rei, e o poder local, dos nobres e da burguesia, ou, se se desejar, entre o monarca e o Parlamento.

Enquanto no continente as disputas eram travadas entre as nações, ou melhor, através delas – sendo ao mesmo tempo guerras civis e guerras internacionais – como a Inglaterra é uma ilha, desde o século XVII unificada sob o jugo londrino, essas disputas resultaram diretamente em guerra civil, com a seguinte configuração: realistas tendentes ao catolicismo versus parlamentaristas anglicanos.

Esse foi o ambiente a respeito do qual Hobbes escreveu. Como se sabe, os conflitos ingleses duraram cerca de 40 anos e só foram solucionados quando a dinastia Stuart encerrou-se, com a morte de Jaime II, e os nobres instituíram uma nova dinastia, chamando Guilherme de Orange da Holanda para governar a Inglaterra.

 O modelo hobbesiano

Ao elaborar sua teoria do governo e da sociedade, Hobbes pensava basicamente nas instituições necessárias a manter a ordem civil no interior de um país, no interior de um território dado. Sua preocupação é com a legitimação e o funcionamento do governo nacional, e não com a dinâmica das relações internacionais, entre os governantes que procura legitimar; como já comentamos, quando trata dessas relações, fá-lo somente de passagem, com o intuito apenas de confirmar seu modelo, e não para estender suas reflexões para outro âmbito.

Ainda assim, há que se apresentar esse modelo.

O método hobbesiano é por assim dizer "geométrico"[5]. A partir de alguns postulados gerais sobre a natureza humana, isto é, a partir de uma certa psicologia e uma certa antropologia – bastante negativas, aliás – ele deriva uma série de conseqüências para as relações entre os homens. A partir de sua caracterização geral, a solução é mais ou menos evidente, e toda sua exposição adquire as características de uma demonstração rigorosamente lógica, sem dúvida alguma sedutora pelo encadeamento seguro das idéias.

Para ele, os homens vivem naturalmente livres e isolados, em igualdade de condições uns com os outros. Nesse estado de natureza, todos os indivíduos têm direito a todos os bens, e não há nada que os impeça de obterem os bens, exceto sua própria fraqueza ou inabilidade para obterem-nos, ou a incapacidade de os preservarem. Todos possuem as mesmas capacidades: força, inteligência, rapidez, argúcia. Se, por acaso, alguém for mais inteligente ou mais forte que os outros, aquele que está em desvantagem pode ter alguma característica suplementar em que esteja em posição superior, e a partir dela superar o primeiro; ou, então, uma aliança entre diversos outros pode perfeitamente subjugar aquele primeiro superior. É nesse possibilidade de os indivíduos bastarem-se a si mesmos ou unirem-se com outros que torna verossímil a igualdade geral de condições nessa liberdade primitiva.

"A natureza humana fez os homens tão iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele" (Hobbes, 1997, p. 107).

Claro está que todos têm direito a tudo nessa condição, mas o simples direito não assegura a posse e assim como alguém pode obter algo diretamente da natureza – uma fruta, por exemplo –, outro pode roubá-la sem que haja infração de nenhum direito. O exemplo que fornecemos, uma fruta, é bastante simples, mesmo simplório: mas digamos que o que se disputa não seja uma fruta, porém algo mais sério: a própria vida. Nessa situação, fica evidente a instabilidade das relações entre os indivíduos no estado de natureza: "Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos" (Hobbes, 1997, p. 108).

Esse estado de natureza é violento e perigoso. Ao contrário de John Locke, que o concebia como sendo um estado relativamente pacífico e harmonioso, no qual os seres humanos já vivem em sociedades prévias à associação civil, isto é, política, para Hobbes não há associações prévias à cidade dotadas de permanência e estabilidade. O que as rege é meramente a conveniência de uns indivíduos em manterem-se associados a outros, pelo tempo que for necessário para permanecerem vivos ou que a própria aliança não os prejudique.

A psicologia humana, para Hobbes, é bastante negativa: os homens "são como são", isto é: mesquinhos, egoístas, cruéis, covardes, rapaces. Mesmo que se diga o contrário, ainda que se postule um homem bom, cordial, confiável, honesto, virtuoso, corajoso, a resposta de Hobbes a tal tipo de consideração é cruel: "Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. [...] Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que quando está em casa tranca seus cofres; [...]. Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com seus atos quanto eu o faço com minhas palavras?" (Hobbes, 1997, p. 109-110).

Não desejamos abundar aqui as citações, mas torna-se útil apresentar outra citação relativamente longa, na qual Hobbes define o que é a guerra – etapa fundamental do nosso argumento: "[...] durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz" (Hobbes, 1997, p. 109). O resultado dessa situação geral é que "a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta" (Hobbes, 1997, p. 109).

Hobbes não acusa a natureza humana por essa condição miserável, nem tampouco, portanto, o próprio homem. Para ele, tal situação deve-se à falta de uma autoridade capaz de impor sua vontade, instituindo a justiça e regulando as relações entre os indivíduos (Hobbes, 1997, p. 110).

É interessante, ou melhor, é fundamental para o argumento notarmos como, apesar de terrível, ou, nas palavras do próprio Hobbes, essa "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta" vida não é "justa" ou "injusta", pelo simples motivo de não haver uma autoridade superior a todos capaz instituir a justiça. Em outras palavras, enquanto os homens estão no estado de natureza, nesse estado de guerra de todos contra todos, os homens apenas seguem a natureza das coisas, sem "maldade" (embora também sem inocência).

A conclusão lógica, mais ou menos evidente a partir dos termos em que o inglês formulou o problema, é que é necessário instituir-se um governo, ou melhor, uma autoridade superior a todos os indivíduos, capaz de decidir o que é certo e errado, o que é justo ou injusto e de fazer as leis – e, é lógico, capaz de pôr em prática suas decisões[6].

Retomamos aqui um certo paralelo com Locke. John Locke considerava que os homens deveriam passar do estado de natureza para o estado civil devido às imperfeições que aquele apresentava; o meio para tal passagem era o contrato social, no qual todos os indivíduos reúnem-se e abrem mão de algumas de suas liberdades naturais, em favor do respeito a certas regras de conduta, que salvaguardarão alguns bens considerados importantes. O contrato social exigia não apenas a limitação de algumas liberdades, como principalmente a sujeição a um governo, instituído por esse mesmo pacto inicial e seu garante. De qualquer forma, são as imperfeições do estado de natureza que exigem, tanto para Locke quanto para Hobbes, sua passagem para o estado civil, com a constituição simultânea da sociedade humana e da sociedade civil (isto é, política, caracterizada pelo Estado).

Contudo, para Locke o estado de natureza caracteriza-se pela relativa concórdia entre os indivíduos, havendo desde então já sociedades pré-civis (nomeadamente a família). Os homens trabalham e desse trabalho obtêm os bens necessários para viver – daí, aliás, surgindo a instituição da propriedade (privada) (Locke, 1978, cap. V)[7].

O estado de natureza, para Locke, é uma situação por assim dizer "amena", tranqüila, sem dúvida alguma pacífica, na qual os indivíduos e as famílias ou as coletividades já existentes podem laborar proveitosamente. O que justifica a passagem para o estado civil são os defeitos do estado de natureza, ou melhor, no caso lockeano, suas limitações: malgrado pacífico, há indivíduos que adotam um comportamento "anti-social"[8], que desrespeitam os demais indivíduos, suas vidas, liberdades e propriedades. Não havendo um poder superior que regule as relações humanas, cada um faz sua própria justiça – que, evidentemente, pode degenerar para situações bastante complexas.

Os indivíduos celebram entre si o contrato social exatamente para criar um poder capaz de solucionar tais situações, de regular as eventuais disputas e de repreender os faltosos. A atuação do governo, nesse caso, é mínima, pois a sociedade tem sua dinâmica própria, anterior a ele, e exige apenas um regulador para situações muito específicas[9].

A antropologia de Locke é positiva, e o governo no estado civil tem pouco a fazer. A situação de Hobbes é inversa: sua antropologia é negativa, e o governo terá muito a fazer – na verdade, sob certo sentido, deverá fazer quase tudo. Como vimos, a situação humana no estado de natureza hobbesiano é o pior possível, pois é o "estado de guerra de todos contra todos"; é o homo homini lupus de Lucrécio. E por que isso? Porque todos os homens são iguais entre si, tanto na sua capacidade de ação quanto em suas possibilidades de desejar os diversos bens. Como esses bens são relativamente escassos, os homens entram em competição uns com os outros, em uma disputa sem fim, na qual cada um pode contar apenas consigo próprio e é árbitro e juiz de suas próprias ações. Além disso, não há nem certo nem errado, pois não há leis claras, certas, que estipulem o justo e o injusto.

Ora, a instituição do estado civil é o passo mais racional que indivíduos em tal estado de natureza podem dar, para salvaguardarem minimamente suas vidas e seus bens. Reunidos todos, ao subscreverem ao mesmo tempo o contrato social, que institui a sociedade e o governo, os indivíduos abrem mão de sua liberdade e de sua capacidade de decidir autonomamente o que é justo e o que é injusto, e de aplicar as sanções consideradas adequadas. Essa capacidade é radicalmente retirada e cedida ao soberano, único indivíduo que a possui.

O motivo último que leva à constituição do pacto é a conservação da vida de cada um dos indivíduos, e seja pelo que está em jogo, seja pela soma das diversas vontades individuais, torna-se claro que o poder do soberano é extremamente grande, na verdade virtualmente infinito – é por tal motivo que Hobbes denomina-o de Leviatã, isto é, um poder tão grande que se torna monstruoso (embora um monstro benigno e necessário).

Todos os signatários do pacto cedem sua liberdade ao soberano e a ele submetem-se. Cabe apenas ao soberano a determinação do que é certo ou errado, justo ou injusto, bom ou mal, e, evidentemente como sua justificativa é a ordem civil, isto é, paz e harmonia social, ao soberano também cabe a possibilidade de decidir quais doutrinas são adequadas e quais não são. Em outras palavras: cabe apenas ao soberano a decisão sobre o que pode ou não ser feito ou pensado. Uma vez feito o pacto, ele não pode ser desfeito, pois colocaria as vidas em perigo, ao reinstituir o estado de natureza; como o soberano é o indivíduo escolhido para regular as relações sociais, sua palavra é lei, e desobedecer a ela é crime de sedição.

Também deve estar claro que todos os contratantes têm sua liberdade limitada, exceto um – o próprio soberano. Da mesma forma, como o bem maior que se busca preservar com a instituição do Leviatã é a vida, o soberano pode tomar qualquer medida que julgar necessário em favor da paz civil, exceto tirar a vida de seus cidadãos (aliás, essa é a única possibilidade que Hobbes admite para a revolta ou a sublevação).

Em linhas bastante gerais essa é a teoria de Hobbes para a instituição do governo. A situação por ele percebida era terrível, e igualmente terrível foi a solução esboçada. Poderíamos ainda discutir diversos outros aspectos, mas que não teriam muito valor para a discussão presente.

 O realismo: Hobbes aplicado à política internacional

Como dissemos anteriormente, as indicações de Hobbes sobre a política internacional foram apenas episódicas, muito mais preocupadas em avalizar seu modelo teórico de estado de natureza que em as discutir como um tema específico. Por outro lado, sua concepção do que seja a guerra – mais que o efetivo conflito entre dois grupos, a mais ou menos permanente disposição para a contenda – é valiosa.

Sua preocupação era com a política interna. Preocupava-se o inglês em justificar, da maneira mais adequada para o seu tempo, o poder do soberano, pondo fim às disputas políticas e religiosas de sua época. Seu foco, portanto, era no sentido de constituir o "interno", não em perceber as disputas "externas".

Ainda assim, há toda uma tradição teórica das relações internacionais que se filia explicitamente em Hobbes. De que forma isso se dá?

Primeiramente, as apresentações: essa tradição de extração hobbesiana é a realista, assim autodenominada por buscar conhecer a realidade internacional como ela é na "realidade", isto é, palco de disputas entre as unidades políticas consideradas – os estados – preocupadas basicamente com dois objetivos: sua sobrevivência e a realização dos interesses nacionais.

Como o próprio Hobbes comentou, "[...] mesmo que jamais tivesse havido um tempo em que os indivíduos se encontrassem numa condição de guerra de todos, de qualquer modo em todos os tempos os reis, e as pessoas dotadas de autoridade soberana, por causa de sua independência vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outros; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos, e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra" (Hobbes, 1997, p. 110).

Entre os estados nacionais não há uma regulamentação que discipline suas condutas, nem, tampouco, uma legislação aplicável a todos eles, que lhes esteja acima. São unidades políticas autônomas, que decidem a partir de seus próprios critérios como agir e como proceder, e quais os melhores meios para tanto, sem prestarem maiores considerações que essas estritamente políticas.

Se considerarmos que os estados nacionais são as unidades políticas que reúnem grupos e coletividades unidas por laços comuns – línguas, histórias, culturas –, representando cada um uma tradição específica, perceberemos que sua manutenção é um objetivo minimamente razoável, isto é, além do mero patriotismo tradicionalista (semelhante à legitimação tradicional de Weber). Cada estado representa um conjunto de valores e deve ser responsável por sua capacidade de preservação; ora, em um ambiente caracterizado pela multiplicidade de atores com as mesmas características, a capacidade de ação de cada um é restringida pela ação dos demais, e nada assegura que os vários objetivos não são conflitantes ou mesmo antitéticos. Assim, e na ausência de uma autoridade superior aos estados, capaz de solucionar as disputas e eventualmente impor uma certa ordem nas relações, o que prevalece de fato é, por um lado, a chamada "anarquia internacional", e, por outro, a permanente disputa pelo poder.

Sobre a anarquia internacional, devemos levar em consideração que não se trata de desordem, isto é, de ausência de ordem ou de regularidade, ou mesmo de instabilidade perene. Muito ao contrário, no sistema internacional[10] há uma regularidade bastante grande, e há algumas regras empíricas que ordenam o sistema. Perceba-se que "regras empíricas" significam alguns procedimentos que, face às constantes disputas, os vários estados perceberam serem funcionais, que evitam uma guerra sem fim, ou melhor, a disputa física permanente. Etimologicamente, anarquia significa "ausência de governo", e é nesse sentido que devemos tomar essa expressão, quando nos referimos às relações internacionais.

Como dissemos, a anarquia não implica desordem, pois alguns princípios regem, de fato, as relações entre os países; essas regras, embora tenham uma adesão tácita (às vezes explícita), não significam, por sua vez, concordância de valores esposados pelas nações: por exemplo, após as Cruzadas a Cristandade e o Islã passaram a conviver um com o outro; suas visões de mundo, como é sabido, são profundamente diferentes uma da outra, mas aceitou-se a necessidade de um ao menos tolerar o outro. Da mesma forma, durante a Guerra Fria, após o período mais tenso, ou seja, depois de 1954, ainda que no delicado xadrez estratégico, Estados Unidos e União Soviética continuaram sua disputa mas sem chegarem às vias de fato, e respeitando o poder adversário, procurando preservar o sistema – isto é, pelo menos preservarem a si próprios.

Sobre a disputa pelo poder, é importante notarmos que, no campo realista, o poder é a categoria-chave e o instrumento fundamental de análise, tanto dos analistas quanto dos agentes políticos. Em outras palavras: é por meio da avaliação do poder de que um ou outro ator dispõe que se definirá a conduta mútua. Esse poder, em princípio meio para um fim – manutenção da existência política e obtenção de metas – em virtude da constante disputa por mais recursos, por maiores capacidades, torna-se ele próprio um fim em si mesmo (basta pensarmos na corrida atômica entre as superpotências durante a Guerra Fria).

Antes de prosseguirmos, é interessante lembrarmos a definição de guerra que Hobbes deu: "[...] durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz" (Hobbes, 1997, p. 109).

Poderíamos dizer, sem sobra de dúvidas, que essa percepção – de que os atores estatais, ainda que não estejam efetivamente em conflito armado, permanecem em estado de guerra pela própria configuração do sistema – é a que define a tradição realista em política internacional.

Há alguns princípios gerais que permitem o ordenamento do sistema internacional, a partir do realismo. Esses princípios são três: a oligarquia, a hierarquia e o equilíbrio de forças (pistone, 1986, p. 1090-1092). A noção de oligarquia[11] é bastante direta, e sugere que em todos os momentos há sempre poucos atores relevantes que têm, de fato, a capacidade de ditar as regras de comportamento do sistema. Como dissemos acima, em política internacional vale tanto quanto em política interna o princípio de que os fundamentos do poder, ou melhor, seus recursos, são vários: os países podem ter sua potência fundamentada em diversos elementos – com a particularidade, também indicada acima, de que o fator militar é crucial, indicando quais as potências grandes e quais as pequenas, ou: quais ordenam e quais obedecem.

Em segundo lugar, a hierarquia estabelece as relações entre os grandes e os pequenos, e é em certo sentido uma decorrência do princípio anterior, da oligarquia. A hierarquia reforça a idéia de concentração dos recursos, mas indica, além disso, que há um sentido muito claro na direção das decisões e do poder no sistema: ele flui de cima para baixo, dos mais fortes para os mais fracos. Assim, enquanto a oligarquia estabelece em princípio a existência de dois níveis – quem manda e quem obedece –, a hierarquia permite multiplicar esses níveis, com gradações de poder – mantida, claro está, a orientação do fluxo de poder, que é de cima para baixo. Esses dois princípios sugerem uma certa geometria piramidal nas relações internacionais: poucos em cima, que mandam, e cada vez mais abaixo, que se submetem uns aos outros.

O terceiro princípio é um pouco mais complexo: é o do equilíbrio, ou da balança de poder. Em um universo internacional caracterizado pela multiplicidade de poderes, cada qual preocupado minimamente com a manutenção de sua existência, é de interesse coletivo que nenhum em particular possua mais poder que os demais[12], isto é, que nos cálculos relativos de recursos, nenhum país sozinho possua mais que os demais em condições tais que um outro, apenas com seus próprios recursos ou em coalizão, consiga superá-lo. A complexidade deste princípio reside em que supõe uma série de fatores, o primeiro dos quais é que haja de fato a multiplicidade de atores independentes: se viger o "império universal", isto é, se não existir mais a "anarquia internacional", não fará sentido em tratar de poderes rivais competindo por sua manutenção autônoma.

(Aliás, em rigor não é necessário falar em "império universal": basta cessar, em uma região qualquer, a "anarquia internacional", para que a balança de poder deixe de funcionar). Mesmo assim, a balança de poderes supõe alguns poderes – que jamais ultrapassaram, historicamente, o número de seis (pistone, 1986, p. p. 1091) –: Sardenberg formulou uma tipologia que inclui, além da balança de poderes propriamente dita e o império universal, a bipolaridade, o triângulo, a multipolaridade e algumas outras modalidades (sardenberg, 1982, p. 49). Considerando que entre a existência de um único ator e vários, todos os estados intermediários são exata e tão-somente isso – estados intermediários – sua importância prática não é menor, e seu reflexo nas teorias de RI tampouco.

Os estados nacionais permanecem em constante disputa, procurando perceber no que cada uma pode superar as demais. Evidentemente, tal relacionamento é de soma zero: o que um ator perde o outro ganha, necessariamente. O jogo travado por definição não pode ter soma diferente de zero, pelo simples motivo de que os recursos à disposição são relativamente escassos: território, riquezas, tempo, populações. Se os recursos fossem suficientemente abundantes, não haveria necessidade de disputas ou de conflitos alocativos, podendo cada estado desenvolver como melhor considerar (ou considerasse) seus objetivos nacionais, em um jogo de soma positiva[13].

Das formulações anteriores resulta com clareza que o objeto de pesquisa preferencial dos realistas é o fenômeno da guerra, a partir de uma perspectiva político-estratégica. As variáveis analíticas preferenciais são os exércitos, as populações (como recursos humanos disponíveis para as forças armadas), a capacidade industrial-militar e assim por diante. Quem detém o maior exército ou o exército mais eficaz é quem detém a preponderância, e, portanto, é capaz de manter-se melhor.

Por fim, deve-se notar, contudo, que os realistas não negam a possibilidade de os estados entrarem em acordo uns com os outros, ou de estabelecerem relações de cooperação, visando a determinados objetivos, além, logicamente, de estabelecerem uma paz mais ou menos duradoura.

Todas essas questões também são examinadas e explicadas pelos realistas, a partir de uma percepção também já esboçada por Hobbes: a de que no estado de natureza, em virtude de seus interesses – e, em face do próprio estado de natureza, apenas em virtude dos interesses –, os estados podem unir-se em determinadas situações para fazerem frente a inimigos comuns, celebrando acordos e pactos de confiança e auxílios mútuos, bem como, em face de uma certa igualdade geral no poder das nações, estabelecer-se uma situação de relativa calmaria, isto é, de ausência de conflito aberto (o que, de acordo com o modelo, aproximar-se-ia ao máximo de uma situação de paz).

É claro que, assim que as necessidades do momento exigissem a mudança das alianças ou o fim dos acordos de cooperação, não há nada que impeça a reconfiguração dos tratados. Assim, por exemplo, temos que os Aliados da Segunda Guerra Mundial – Estados Unidos, Inglaterra, França e União Soviética – entraram em conflito após a conflagração, fazendo alianças com os inimigos da véspera – Estados Unidos, Inglaterra e França com o Japão, a Alemanha e a Itália, contra a União Soviética.

A premissa jurídica básica pacta sunt servanda ("os pactos devem ser cumpridos") não tem maior validade no campo das relações internacionais além de cada conjuntura particular. "As necessidades da ‘razão de Estado’ como pivô do comportamento internacional colocam a obrigação de cumprir tratados [...] em posição subordinada às necessidades e objetivos de poder. A palavra empenhada será ou não cumprida em função do custo da oportunidade do cumprimento" (fonseca jr., 1998, p. 53). Bem entendido que se deve analisar o custo do rompimento do tratado (ou, inversamente, de sua manutenção): assim, há um elemento poderoso de cálculo na ação, que mantém uma certa previsibilidade no sistema.

 Conclusões parciais

Nossa preocupação neste ensaio foi o de relacionar Hobbes à escola realista das relações internacionais, ou melhor, essa escola ao filósofo, e cremos ter sido bem-sucedidos. Como comentamos diversas vezes, Hobbes não tratou diretamente de política internacional, preocupado que estava com a ordem interna aos estados, mas percebeu, por outro lado, que seu modelo de estado de natureza, conquanto puramente teórico e idealtípico (em uma linguagem mais atual) era aproximadamente válido para as relações interestatais.

O realismo foi a teoria que melhor explicou a realidade mundial no período da Guerra Fria; alguns autores chegaram mesmo a comentar que por definição a Guerra Fria foi um período realista (Vigevani, Veiga & Mariano, 1994; villa, 1999). Por outro lado, a insistência nos fatores exclusivamente estratégico-militares e nos jogos de soma zero deu ensejo a numerosas críticas ao realismo, ocasionando diversas atualizações: aquelas que enfatizam as possibilidades de integração harmoniosa dos estados ou dos seres humanos – os globalistas e os grocianos – (Fonseca jr., 1998; Bull, 2002), aquelas que preconizam mesmo o fim dos estados nacionais, em uma linha liberal (Vigevani, Veiga & Mariano, 1994) ou ainda aqueles que percebem que as variáveis militares não são as determinantes, mas os estados permanecem em constante disputa entre si, usando agora a economia como instrumento de disputa, no neo-realismo (Vigevani, Veiga & Mariano, 1994). E há, é claro, aqueles que fazem uma análise ainda propriamente realista ou geopolítica (kissinger, 1997; carvalho, 2002).

Devemos aqui fazer um registro, na verdade uma explicação, ligando o início do ensaio ao seu desenvolvimento e a esta conclusão. O realismo, na esteira da obra de Hobbes, encara apenas os conflitos entre unidades políticas que não têm sobre si uma autoridade, que lhe cerceie a ação ou que lhe estipule regras de comportamento, isto é, que se encontram na situação de "anarquia", postulando, além disso, que essa é a essência do sistema internacional.

A exposição que aqui fizemos pode ser dividida, grosso modo, em duas partes, a primeira consagrada a uma certa filosofia da história e a outra apresentando e discutindo o modelo hobbesiano e o realismo dele derivado. Consideramos, na primeira parte, que o modelo de estado de natureza que Hobbes definiu correspondeu a uma certa configuração internacional ao mesmo tempo política e cultural, configuração sem dúvida alguma "temporária", isto é, que integra as etapas da história da humanidade. Ao mesmo tempo, a descrição que Hobbes fez da sociedade humana, e que o seguindo, fazem os realistas, é parcial, porquanto percebe apenas os aspectos materiais da realidade, notadamente os políticos, desconsiderando os valores que efetivamente regem e pautam a conduta humana.

Não se trata aqui, de maneira alguma, de defender um certo idealismo, que preconiza a validade total das idéias e dos valores na conduta humana. A partir do momento em que há uma pluralidade de agentes políticos mais ou menos autônomos entre si, não subordinados a um poder temporal, o modelo hobbesiano torna-se quase que fatal. Contudo, há que se fazer ressalvas.

A comunidade de valores entre alguns países estabelece limites claros, embora extremamente variáveis, na conduta mútua desses países, permitindo alguns comportamentos, proibindo outros e restringindo ainda outros. As restrições a que nos referimos não se originam de sanções materiais de um país sobre outro, mas das opiniões e dos valores que uns têm em relação aos outros, e que os cidadãos de um país alimentam em relação aos seus governantes. Esses valores estabelecem um fundo de moralidade e de ordem internacional (comte, 1934; 1972; Bull, 2002), caminhando, nos dias atuais, cada vez mais em direção a uma opinião pública internacional (Vigevani, Veiga & Mariano, 1994).

Aron (1987), já no final da vida, discutiu o valor do modelo realista, considerando se a "anarquia internacional" é pelo menos ainda um recurso heurístico, um tipo ideal, concluindo pela afirmativa. A experiência da Guerra Fria, encerrada há pouco mais de dez anos, ilustra com força a importância de se ter em consideração o modelo realista; como dissemos, as unidades políticas autônomas entre si levam quase naturalmente a essa formulação. Contudo, não podemos deixar de assinalar: o realismo hobbesiano tem valor em algumas situações e cada vez mais como tipo ideal.

Em parte Augusto Comte e Hedley Bull inspiraram-se em Hugo Grócio: cada vez mais devemos perceber o verdadeiro "realismo" como sendo grociano ou comteano, assim como o realismo hobbesiano cada vez mais como um caso particular do realismo anterior. Ou, nas palavras do próprio Bull: "The particular solution that Hobbes recommends for the provision of domestic peace and security, moreover – the establishment of all-powerful Leviathans – is, I should argue, one that makes the attainment of international peace and security more difficult. The priority that Hobbes gave to pursuing the former even at the expense of the latter appears to reflect a belief he had that internal or domestic strife is more terrible than strife among states"[14] (bull, 1981, p. 718).


Referências bibliográficas
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[1] Gustavo Biscaia de Lacerda (gustavobiscaia@yahoo.com.br) é Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), sociólogo da mesma instituição e professor do curso de Ciência Política da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter).

[2] A orientação a ser dada inicialmente a este artigo incluía uma discussão sobre a importância de Maquiavel para a constituição da teoria realista; contudo, Hobbes contribuiu de maneira muito mais sistemática para essa matriz, além de um certo espírito que conduzia suas pesquisas: "A contribuição de Hobbes para a tradição realista foi no sentido de fornecer um esquema rigorosamente sistemático da lógica das relações entre poderes independentes que se encontrassem em uma situação de anarquia" (Bull, 1981, p. 719-720; tradução livre do autor). Assim, sem desconsiderar o italiano, restringimo-nos ao inglês.

[3] Em rigor a expressão "relações internacionais" compreendem uma plêiade de possibilidades que vão da política entre os estados nacionais ao comércio entre os particulares de diferentes países, passando pelas ligações culturais, religiosas etc. Neste contexto, entretanto, tomaremos "relações internacionais" como sinônimo de "relações interestatais", ou seja, aquelas que se estabelecem entre os governos de dois ou mais estados-nação.

[4] É interessante notarmos como é nessa fase que tem origem a instituição da diplomacia, isto é, das representações permanentes de um Estado em outro, para mediação de suas relações. Os diplomatas vieram substituir, de uma perspectiva puramente humana, a antiga mediação oferecida pelos sacerdotes católicos (comte, 1934; 1972; Carneiro, 1940).

[5] No duplo sentido que essa expressão pode assumir: tanto geométrico como sendo matemático – Hobbes era um leitor de Descartes e partícipe do espírito da época, do "racionalismo cartesiano" – quanto no sentido de "espírito revolucionário", conforme definido por Ortega y Gasset (1941).

[6] Fica bastante claro, nesse sentido, porque Hobbes foi um dos grandes autores do positivismo jurídico na Inglaterra, no sentido de afirmar que as únicas leis válidas eram aquelas sancionadas pelo Estado – batendo-se contra o direito consuetudinário e a Common Law, portanto.

[7] Devemos ter claro, todavia, que o conceito lockeano de propriedade não é tão estreito quanto pode parecer à primeira vista, dado que considera a propriedade privada, fruto do trabalho dos homens, a vida e a liberdade de que gozam os indivíduos. Uma discussão inteligente sobre as conseqüências econômicas desse conceito encontramos em Dumont (2000, especialmente cap. 4).

[8] "Anti-social" entre aspas porque a sociedade existe apenas após o contrato social, que institui a sociedade (civil) e põe fim ao estado de natureza. Para sermos mais corretos, deveríamos dizer, talvez, "antinatural".

[9] Aí está, sem dúvida alguma, o germe do liberalismo político. Para uma apresentação extremamente didática e concisa do liberalismo, cf. Hayek (1981).

[10] A expressão "sistema internacional" não é utilizada aqui com caráter técnico nem com muito rigor. Usando-a fazemos referência simplesmente à constelação de unidades políticas chamadas de estados nacionais, que se relacionam conforme descrito no texto. Em termos mais técnicos, diríamos tratar-se do sistema interestatal (Aron, 1986; 1987).

[11] A expressão consagrada é "oligopólio". Contudo, como "oligopólio" refere-se à economia, e tratamos aqui de política – de poder e não de capital, em suma – preferimos a "oligarquia" (aliás, conforme indicação de Sardenberg – cf. Sardenberg, 1982).

[12] Que fique claro aqui: a noção de poder é necessariamente relacional, constituindo-se pelo menos entre dois agentes em conflito (aron, 1986, p. 99 et passim). Ocorre que, devido às características do sistema internacional, na formulação realista, por definição os atores estão em conflito, em um ambiente em que as armas são a garantia última de sua existência. Nesse sentido, e porque as armas prestam-se particularmente à mensuração, tem-se às vezes a impressão de um conceito substancialista de poder em relações internacionais.

[13] Claro está que as guerras podem conduzir a conflitos de soma negativa, em que ambas ou todas as partes saem perdendo: a I Guerra Mundial pode ser encarada sob esse ponto de vista. Ainda assim, da perspectiva realista é importante notar que jogos de soma positiva não são, de maneira alguma, possíveis.

[14] "A solução particular que Hobbes recomendou para a provisão de paz e segurança domésticas, além do mais – o estabelecimento de Leviatãs todo-poderosos – é, devo admitir, tal que torna o atingimento da paz e da segurança internacionais mais difícil. A prioridade que Hobbes dava à obtenção das primeiras mesmo às expensas das segundas surge como reflexo de uma crença que ele tinha de que as discussões internas ou domésticas são mais terríveis que as discussões entre os estados".

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