13 novembro 2024

Sobre os feriados cívicos nacionais

No dia 9 de Frederico de 170 (12.11.2024) realizamos nossa prédica positiva, fazendo a leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada ao entendimento da importância sociológica da Revolução Francesa, à descrição da situação francesa e européia após a Revolução e a possibilidade e a necessidade do Positivismo nesse quadro. 

Aliás, com essa leitura, concluímos a leitura comentada do Catecismo positivista - o que é motivo de comemoração!

Na seqüência apresentamos algumas considerações sobre o livro Identitarismo, de Antônio Risério.

No sermão fizemos alguns comentários sobre os feriados cívicos nacionais.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/0YpQV3zl3eY) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/581961184387101).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00min 00s - início

03min 20s - exortações

10min 59s - efemérides

15min 53s - comentários sobre o livro Identitarismo, de Antônio Risério

25min 17s - leitura comentada do Catecismo Positivista

01h 01min 45s - sobre os feriados cívicos nacionais

01h 42min 30s - exortações finais

01h 49min 57s - término da prédica

As anotações que serviram de base para a exposição oram encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Sobre os feriados cívicos nacionais

(9 de Frederico de 170/12.11.2024) 

1.       Abertura da prédica

2.       Exortações

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.    Dia 12 de Frederico (15 de novembro): Proclamação da República (1889); Glorificação de Benjamin Constant

3.2.    Lembrança: dia 18 de Frederico (21 de novembro): Live AOP com Sebastiano Fontanari: “Relato de uma viagem a Paris”

4.       Comentários sobre o livro Identitarismo (São Paulo, LVM, 2024), de Antônio Risério:

4.1.    Antes de mais nada, para evitar qualquer má interpretação, qualquer ambigüidade negativa, qualquer má fé: é importante afirmar e reafirmar que somos contra o racismo, o desrespeito e a violência contra mulheres, contra homossexuais etc.

4.1.1. Somos contra essas discriminações e essas violências porque somos a favor do altruísmo, da fraternidade universal, da dignidade humana etc.

4.1.2. Assim, ao criticarmos o identitarismo, não negamos que ele tenha razão em um certo fundo moral e prático; mas o conjunto de suas idéias e dos sentimentos que ele manifesta para combater violências e discriminações – esse conjunto é errado e inaceitável

4.2.    O presente livro de Antônio Risério apresenta de maneira clara e sintética suas concepções sobre o identitarismo em geral e sobre o identitarismo neonegro, racialista, em particular indicando (1) que ele é racista em geral e racista contra brancos e mulatos, (2) que ele é influenciado nesse sentido, de maneira intensa, pelo movimento negro dos EUA, que tem alas contrárias aos ideais de Martin Luther King e intensamente racistas e (3) que agências dos EUA, como a CIA por meio da Fundação Ford, estimulam ativamente esse racismo e esse ativismo no Brasil, para diminuir a impressão de que os EUA são problemáticos em termos raciais

4.2.1. Outros livros de A. Risério foram menos sistemáticos, seja porque apresentaram argumentações iniciais, seja porque ele adotou excessivamente um estilo ensaístico

5.       Leitura comentada do Catecismo positivista

5.1.     Décima terceira conferência, sobre a evolução histórica da religião, em particular sobre a crise social, política, intelectual e moral que conduziu à Revolução Francesa

6.       Sermão: sobre os feriados cívicos nacionais

6.1.    Como estamos em uma semana cívica, com um belo feriado nacional, e como esse feriado implicou uma alteração profunda de regime político, que instituiu um novo sistema de feriados, vale a pena considerarmos quais os feriados estabelecidos pela república e os atualmente vigentes

6.1.1. É necessário notar que consideraremos apenas os feriados nacionais, sem considerar os estaduais nem os municipais, devido à quantidade e à particularidade desses outros feriados

6.1.2. O objetivo deste sermão é apenas indicar os feriados cívicos: os existentes ao longo do tempo e a proposta positivista

6.2.    Algumas observações gerais iniciais:

6.2.1. O Positivismo é de fato uma religião, ou seja, abarca o conjunto da existência humana, em termos da natureza humana (afetiva, intelectual e prática), seja em termos de âmbitos da existência (privada, doméstica, cívica, universal)

6.2.1.1.             Assim, o Positivismo é também uma religião cívica, mas não uma religião civil: celebramos os vínculos cívicos, embora rejeitemos convictamente o papel de religião oficial de Estado

6.2.2. Os feriados cívicos são uma forma de culto público, em que o Estado pode e deve celebrar e estimular determinados valores coletivos

6.2.2.1.             Essa concepção de celebrações cívicas não ofende a separação entre igreja e Estado – embora, claro, as celebrações em si devam respeitar a laicidade do Estado

6.2.2.2.             Os valores celebrados devem ser os laços sociais da fraternidade cívica, da fraternidade universal, da paz, da justiça, do entendimento entre as nações

6.2.2.3.             Dessa forma, a violência e a guerra; o particularismo e o exclusivismo; o clericalismo – tudo isso deve ser proscrito e rejeitado nas celebrações cívicas

6.3.    Durante o Império houve dois decretos de feriados[1]:

6.3.1. Lei de 9 de setembro de 1826: dias de festividade nacional (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM.-9-9-1826.htm)

1)      9 de janeiro: Dia do Fico

2)      25 de março: Constituição do Império

3)      3 de maio: Descobrimento do Brasil

4)      7 de setembro: Independência do Brasil

5)      12 de outubro: Aclamação do Imperador

6.3.2. Decreto n. 501, de 19 de agosto de 1848: dias de “festa nacional” e “feriados nas estações públicas” (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-501-19-agosto-1848-559966-publicacaooriginal-82475-pl.html):

1)      25 de março: Constituição do Império

2)      7 de setembro: Independência do Brasil

3)      2 de dezembro: Aniversário do Imperador

4)      Domingos e “dias santos de guarda” (dias em que os fiéis são obrigados a irem à missa)

6.4.    As celebrações oficiais e cívicas do Império eram relativamente poucas

6.4.1. Essas celebrações eram um misto de datas cívicas com autocelebrações dos próprios monarcas

6.4.2. É possível entender essa pobreza de feriados do império devido às celebrações da Igreja Católica, que, afinal de contas, era um órgão do Estado

6.5.    Assim que a república foi proclamada em 15 de novembro de 1889, tratou-se de estabelecer a separação entre igreja e Estado; tal separação demorou porque Rui Barbosa, com sua característica vaidade, quis os louros para si e, a título de consultar o arcebispo Dom Macedo Costa, atrasou dois meses o decreto e propôs, com um juridicismo e um anticlericalismo tanto agressivos quanto característicos, o Decreto n. 119-A, de 7 de janeiro de 1890

6.6.    Após a separação entre igreja e Estado – uma semana – estabeleceram-se os feriados nacionais, de caráter cívico, por meio do Decreto n. 155-B, de 14 de janeiro de 1890

6.6.1. Esse decreto (disponível aqui: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D155-Bimpressao.htm) é ao mesmo tempo simples, claro e inspirador; por esses motivos, é possível e vale a pena citá-lo na íntegra (a formatação é minha; a ortografia foi atualizada):

DECRETO Nº 155-B, DE 14 DE JANEIRO DE 1890

Declara os dias de festa nacional.

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, considerando:

-        que o regime republicano baseia-se no profundo sentimento da fraternidade universal;

-        que esse sentimento não se pode desenvolver convenientemente sem um sistema de festas públicas destinadas a comemorar a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas;

-        que cada pátria deve instituir tais festas, segundo os laços especiais que prendem os seus destinos aos destinos de todos os povos;

Decreta:

São considerados dias de festa nacional:

1)      1 de janeiro, consagrado à comemoração da fraternidade universal;

2)      21 de abril, consagrada à comemoração dos precursores da Independência Brasileira, resumidos em Tiradentes;

3)      3 de maio, consagrado à comemoração da descoberta do Brasil;

4)      13 de maio, consagrado à comemoração da fraternidade dos Brasileiros;

5)      14 de julho, consagrado à comemoração da República, da Liberdade e da Independência dos povos americanos;

6)      7 de setembro, consagrado à comemoração da Independência do Brasil;

7)      12 de outubro, consagrado à comemoração da descoberta da América;

8)      2 de novembro, consagrado à comemoração geral dos mortos;

9)      15 de novembro, consagrado à comemoração da Pátria Brasileira.

6.6.2. É fácil perceber que esse decreto foi inteiramente vazado em termos positivistas e com claro sentido cívico

6.6.2.1.             Basta examinar os “considerandos”, que afirmam a fraternidade universal, a continuidade e a solidariedade (“ordem e progresso”) humanas, os destinos comuns a todos os povos

6.6.2.2.             Dos nove feriados, apenas um (2 de novembro) é propriamente religioso; mas, ainda assim, sua justificativa é universal (“comemoração geral dos mortos”)

6.6.3. O que significa esse “sentido cívico”?

6.6.3.1.             Significa a valorização de laços válidos para todos os cidadãos brasileiros, baseados na liberdade, na fraternidade e na dignidade do ser humano e vinculando os cidadãos brasileiros entre si e o Brasil aos povos americanos, ocidentais e mundiais

6.6.3.2.             Como indicamos há pouco, os “considerandos” já evidenciam esses valores fundamentais

6.7.    As celebrações positivistas podem ser vistas neste folheto:

6.7.1. As celebrações da Igreja Positivista do Brasil compreendem 15 datas, em que há coincidência de oito celebrações cívicas brasileiras, seis especificamente religiosas do Positivismo e uma em que há coincidência no motivo mas não na data (a celebração geral dos mortos)

6.8.    O sistema republicano de celebrações naturalmente sofreu inúmeras alterações ao longo dos últimos 135 anos; entretanto, com freqüência essas modificações não ocorreram para aperfeiçoá-lo, pois o republicanismo, o civismo e a fraternidade universal foram substituídos e/ou justapostos por outros valores contrários – clericalistas e particularistas

6.9.    Vale notar que foi Getúlio Vargas, em um dos seus atos iniciais como Presidente da República, que suprimiu o 13 de maio, juntamente com o 14 de julho e o 12 de outubro (ainda que felizmente instituindo o 1º de maio e, lamentavelmente, o clericalista 25 de dezembro), por meio do Decreto n. 19.488, de 15 de dezembro de 1930 (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19488-15-dezembro-1930-508040-republicacao-85201-pe.html)

6.10.                     Os atuais feriados nacionais foram estabelecidos em uma série de leis e decretos ao longo das décadas; para facilitar seu compêndio, podemos consultar os decretos e as portarias do Ministério do Planejamento que estipulam os feriados e os dias de ponto facultativo para os servidores públicos federais civis (por exemplo, a Portaria n. 8.617, de 26 dezembro de 2023) (https://www.in.gov.br/EN/WEB/DOU/-/PORTARIA-MGI-N-8.617-DE-26-DE-DEZEMBRO-DE-2023-533937211)

6.10.1.   Essa portaria estabelece 18 datas feriadas e de ponto facultativo; os feriados propriamente ditos são estes:

1)      1º de janeiro: Confraternização Universal

2)      29 de março: Paixão de Cristo

3)      21 de abril: Tiradentes

4)      1º de maio: Dia Mundial do Trabalho

5)      7 de setembro: Independência do Brasil

6)      12 de outubro: Nossa Senhora Aparecida

7)      2 de novembro: Finados

8)      15 de novembro: Proclamação da República

9)      20 de novembro: Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra

10)  25 de dezembro: Natal

6.10.2.   Desses dez feriados nacionais, apenas cinco são efetivamente celebrações cívicas da fraternidade universal, da liberdade e da dignidade humanas; três são celebrações clericalistas e duas são celebrações particularistas que poderiam ser positividas (Finados e Zumbi)

6.10.2.1.          Vale lembrar que o Dia de Finados mudou de nome, de Festa Geral dos Mortos (nome cívico e universalista) para Dia de Finados

6.10.2.2.          Também vale lembrar que o dia 20 de novembro é uma data identitarista proposta pelo movimento racialista negro, sob inspiração (ou melhor, sob orientação) direta do movimento racialista e particularista dos Estados Unidos; essa data foi estabelecida contra o 13 de maio (fraternidade dos brasileiros) e celebra, antes de Zumbi, a “consciência negra” (o que é algo totalmente particularista, antiuniversalista, antifraterno – e, na medida em que rejeita a miscigenação brasileira e cria e celebra o mito do Brasil de “duas ‘raças’”, é também racista)

6.11.                     Em suma:

6.11.1.   Após mais de 135 anos de República, os feriados nacionais descaracterizaram-se como celebrações cívicas, da fraternidade universal, e tornaram-se uma colcha de retalhos incoerente e que estimula o particularismo e o facciosismo

6.11.2.   O calendário cívico republicano, de 14 de janeiro de 1890, era mais amplo, mais coerente, mais generoso, mais fraterno, mais altruísta

6.11.2.1.          Não por acaso, o Decreto n. 155-B era de forte inspiração positivista

7.       Exortações finais

8.       Término da prédica

 


[1] Obtivemos esses dados inicialmente no blogue Blog do PC (https://blogue-do-pc.blogspot.com/2012/11/os-feriados-no-brasil-imperio-1822-1889.html; acesso em 10.11.2024).

11 novembro 2024

Monitor Mercantil: "O identitarismo contra a laicidade"

O jornal carioca Monitor Mercantil publicou em 11.11.2024 um artigo de nossa autoria, intitulado "O identitarismo contra a laicidade".

Reproduzimos abaixo o texto. O original pode ser lido aqui: https://monitormercantil.com.br/o-identitarismo-contra-a-laicidade/.

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O identitarismo contra a laicidade

Vivemos em uma república. Embora essa afirmação banal não seja muito levada a sério atualmente, ela implica grandes ideais morais, sociais e políticos, começando pela dedicação de todos ao bem comum e pela subordinação da política à moral. Sem esgotar aqui o conteúdo da república, podemos simplificar indicando que um dos aspectos institucionais básicos das repúblicas é a laicidade do Estado. Isso que implica uma dupla vedação:

1)      por um lado, o Estado não pode ter, manter ou beneficiar doutrinas específicas e, além disso, não pode condicionar o acesso a seus serviços (e, portanto, não pode condicionar a cidadania) à adesão dos indivíduos a essas doutrinas;

2)      por outro lado, as várias igrejas e os grupos promotores de doutrinas não podem usar o Estado para fazer valer suas concepções (ou seja, não podem impor suas doutrinas).

Essa dupla vedação baseia-se no respeito à dignidade e à autonomia individual e na consideração de que questões de foro íntimo só podem ser decididas intimamente; a isso se soma o fato de que o Estado é incapaz e ilegítimo para decidir a respeito dessas questões de foro íntimo e que a imposição de crenças também é errada e ilegítima. Geralmente se considera a laicidade em relação a igrejas ou cultos teológicos, mas ela está bem longe de limitar-se a eles, pois inclui doutrinas político-partidárias, filosofias variadas e até doutrinas especificamente “universitárias”. Assim, em si mesma a laicidade não é atéia (doutrina que nega a existência das dividindades) nem anticlerical (o combate às igrejas).

A laicidade e a república exigem que as políticas públicas devem ser universalistas, ou seja, devem atingir todos os cidadãos. Toda sociedade tem suas clivagens, algumas voluntárias (religiosas, filosóficas, morais, culturais, políticas, recreativas, esportivas, de locais de moradia etc.) e outras involuntárias (classistas, sexuais, étnicas etc.); mas essas clivagens devem subordinar-se à universalidade da república, a partir do primado da fraternidade universal. Dessa forma, embora sempre existam agrupamentos particulares, o universalismo republicano rejeita os particularismos e os guetos – sejam guetos impostos sobre e contra os grupos sociais minoritários, sejam os guetos criados pelos grupos minoritários contra as sociedades maiores.

Essas características parecem intuitivamente corretas, mas elas têm sido duramente postas à prova, ou melhor, eles têm sido desafiadas, criticadas e repudiadas nos últimos anos pelo identitarismo. Em discussões acadêmicas os identitarismos são claros na recusa aos traços acima – dizem com todas as letras que “o universalismo é uma mentira” –, mas, para o grande público, sua ação é mais enviesada. Em vez de pôr-se direta e claramente contra os valores e as práticas republicanas, o identitarismo afirma os seus próprios valores, corroendo e corrompendo a vida política. Mas quais são os valores e as práticas do identitarismo?

Não há um único identitarismo; existem muitos, que tendem sempre, cada vez mais, a multiplicar-se. O identitarismo nega o universalismo cidadão e fraterno em prol da multiplicidade de exclusivismos e particularismos, minorias que se vêem como perseguidas pela “maioria”. Como são, ou como se vêem, como perseguidas, essas minorias adotam o ressentimento sistemático como sentimento político, pessoal e moral básico, buscando estabelecer sistematicamente a culpa da “maioria”; para isso exigem que o Estado atenda apenas ou prioritariamente as suas próprias demandas e que atue na difusão da mentalidade identitária, que passa a tornar-se doutrina oficial. A partir da teoria do “reconhecimento”, o objetivo do Estado torna-se reafirmar constantemente a existência desses grupos minoritários, perseguidos e ressentidos – e, claro, satisfazê-los e prover-lhes “reparações”. Participar desses grupos torna-se então, progressivamente, condição de acesso ao Estado e à cidadania.

Para evitar mal-entendidos, importa sermos claros: em inúmeras situações concretas as reclamações fundamentais dos grupos identitários são justificadas. Entretanto, se muitas situações concretas são de fato injustas, elas são respondidas da pior maneira possível, estimulando sentimentos, idéias, hábitos, práticas e instituições desastrosos.

O identitarismo pode ser de esquerda ou de direita. Pelo menos no Brasil, os identitarismos de esquerda são os mais conhecidos (ou mais estridentes): racialista, de gênero, de opção sexual, étnico etc.; mas há também os identitarismos de direita, vinculados especialmente à teologia (cristã) e a grupos étnicos. Tanto uns quanto outros dizem-se perseguidos e usam o Estado como instrumento para impor suas concepções: nada mais distante de dignidade, fraternidade, liberdade, autonomia.

Em face dessas características, percebe-se com clareza que o identitarismo encara a laicidade no mínimo como uma instituição inútil, no máximo um estorvo a ser destruído. Se o Estado deve estar a serviço dos grupos ressentidos em sua busca de reparações e se o reconhecimento do ressentimento-e-culpa é a mentalidade que orienta a vida pública, é claro que a laicidade deixa de ser importante, de ser útil, de fazer sentido.

Entre os identitários de direita, vinculados de modo geral às teologias, a laicidade deve ser simplesmente ignorada ou desprezada: o Estado deve estar a serviço da difusão do “cristianismo” (geralmente evangélico, mas também católico), sendo que a laicidade é vista como um instrumento dos valores da “esquerda” ou do afastamento da divindade (o que, para a direita teológica, dá na mesma). Temos então os cultos privados em espaços públicos; as referências obrigatórias às divindades e a leitura da Bíblia em espaços e órgãos públicos; os feriados teológicos etc.

Entre os identitários de esquerda, a situação é um pouco mais ampla. No fundo, a esquerda adota os mesmíssimos procedimentos que a direita, criando feriados particularistas, impondo a leitura de doutrinas identitárias etc. Mas, embora também ignore ou despreze a laicidade, quando convém a esquerda consegue lembrar-se dela, para um anticlericalismo tópico. Isso, aliás, é o que alguns chamam de “seqüestro da laicidade”.

Em meio a esses particularismos exclusivistas ressentidos, não há espaço para a fraternidade, para uma verdadeira vida em comum, para a dedicação ao bem comum. Simplesmente não há “bem comum”, que é denunciado como hipocrisia “anticristã”, ou “falocêntrica”, ou “heteronormativa”... há apenas ódio, ressentimento, particularismo.

Considerando o amplo apoio que os identitarismos têm no Brasil atual, à direita e à esquerda, não é de estranhar que nem a laicidade nem, de modo mais amplo, a república sejam levadas a sério. Daí resultam os desastres sociais, políticos, morais e intelectuais que todos vemos todos os dias. É escandaloso e desastroso que os identitarismos sigam tendo apoio no país. Urge retomar a república, a laicidade e a fraternidade, contra o identitarismo, o particularismo e o ressentimento.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política.

06 novembro 2024

Prédica positiva (2.Frederico.170/5.11.2024)

No dia 2 de Frederico de 170 (5.11.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica do Ocidente.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=8DJH0lmZghY) e Igreja Positivista Virtual.

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - Abertura

05 min 07 s - Exortações iniciais

11 min 25 s - Leitura comentada do Catecismo positivista

01 h 01 min 50 s - Exortações finais

01 h 09 min 43 s - Término



31 outubro 2024

Miguel Lemos e Teixeira Mendes apreciam-se mutuamente

A partir de nossa prédica de 23 de Descartes de 170 (29.10.2024) (Entendendo a atuação de Miguel Lemos e Teixeira Mendes), nosso amigo Hernani Gomes da Costa lembrou-se de duas referências mútuas de Miguel Lemos (1854-1917, fundador e Diretor da Igreja Positivista do Brasil) e Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927, fundador e Vice-Diretor da IPB), um a respeito do outro; são as citações abaixo.

Os comentários de Teixeira Mendes sobre Miguel Lemos foram elaborados por ocasião das conversas sobre a sucessão de Miguel Lemos na direção da IPB, haja vista os problemas de saúde que acometiam Miguel Lemos.

Já os comentários de Miguel Lemos sobre Teixeira Mendes são menos específicos em sua conjuntura e consistem em uma avaliação mais ampla de seu amigo e colega.

Escritos após várias décadas de atuação como sacerdotes da Humanidade, os dois trechos são notáveis em termos de respeito mútuo, adesão à doutrina e de evidenciar a superioridade moral, mental e prática de ambos.

Eis os trechos:

- Teixeira Mendes sobre Miguel Lemos (Décima oitava circular anual da IPB, 1901):

“A minha convicção a tal respeito [da sucessão apostólica] é tão inabalável que todas as vezes que o Miguel alega sua insuficiência e manifesta o desejo de deixar a direção eu me oponho aos seus argumentos. Seria a única das suas resoluções a que eu jamais me submeteria. Porque quaisquer que tivessem sido as provas de capacidade apresentadas pelo confrade a quem ele quisesse passar a direção, se este confrade aceitasse semelhante investidura, ofereceria com isso, segundo tudo o que sei do Positivismo e tudo quanto aprendi dos antecedentes católicos, a demonstração irrefutável da inferioridade moral e mesmo mental de semelhante sucessor”.

Miguel Lemos sobre Teixeira Mendes (Posititivisme et laffittisme, 1902):

“Teixeira Mendes foi de início meu lugar-tenente, mas ele não tardou em tornar-se meu colega, pela importância de sua colaboração, e meu superior por suas qualidades intelectuais e morais. Se nesse caso, como em muitos outros, a hierarquia oficial não corresponde exatamente à hierarquia real, a falta deve-se ao meu eminente amigo, que não vem tomar meu lugar como eu desejaria ceder-lhe. Por seu ardor social, sua elevação moral, suas aptidões e conhecimentos teóricos e, sobretudo, pelo seu conhecimento aprofundado da doutrina, eu estimo que Teixeira Mendes seja o discípulo mais completo que nosso Mestre teve até aqui no mundo inteiro”.


 

30 outubro 2024

Entendendo a atuação de Miguel Lemos e Teixeira Mendes

No dia 23 de Descartes de 170 (29.10.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica própria ao Ocidente (em particular, tratando do duplo movimento moderno).

Na parte do sermão abordamos a atuação de Miguel Lemos e Teixeira Mendes.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=pYyA6e-ptbg) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/579410534647835/).

Os tempos da prédica foram estes:

00 min 00 s - início da prédica

02 min 14 s - exortações iniciais

11 min 41 s - efemérides

21 min 40 s - leitura comentada do Catecismo positivista

01 h 02 min 53 s - entendendo a atuação de Miguel Lemos e Teixeira Mendes

01 h 49 min 00 s - sobre o preconceito de Sérgio Buarque do "secreto horror à realidade" 

02 h 01 min 47 s - exortações finais

02 h 08 min 50 s - invocação final

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

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Adendo de 31.10.2024:

A partir da prédica indicada acima, nosso amigo Hernani Gomes da Costa lembrou-se de dois elogios mútuos de Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Como esses elogios são belos e mesmo impressionantes, em vez de apenas os reproduzirmos no roteiro abaixo, decidimos publicá-los em uma postagem toda própria. É esta a nova postagem: Miguel Lemos e Teixeira Mendes apreciam-se mutuamente.

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Prédica positiva

(23.Descartes.170/29.10.2024) 

1.       Invocação inicial

2.       Exortações iniciais

2.1.1. Sejamos altruístas!

2.1.1.1.             Em particular 1: doemos sangue!

2.1.1.2.             Em particular 2: mutirão para obter endereços eletrônicos

2.1.2. Façamos orações!

2.1.3. Façamos o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.     Dia 22 de Descartes (28.10): transformação de Edgar de Proença Rosa (2001)

3.2.    Dia 23 de Descartes (29.10): centenário de nascimento de E. Kant (1724)

3.3.    Dia 27 de Descartes (2 de novembro): dia de finados

3.4.    Dia 28 de Descartes (3 de novembro): transformação de J.-F. E. Robinet (1899)

3.5.    Menção honrosa à tese de doutorado em Antropologia de Vaida Norvilaite, na New School for Social Research (Nova Iorque), intitulada “The Afterlife of Positivism: Intellectual Ethnography of Auguste Comte’s Church of Humanity in Brazil”

4.       Leitura comentada do Catecismo positivista

4.1.    Leitura da décima terceira conferência, dedicada à tríplice transição ocidental e ao duplo movimento moderno

5.       Sermão: entendendo a atuação de Miguel Lemos e R. Teixeira Mendes

5.1.     O tema de hoje é tanto uma pequena homenagem aos apóstolos da Humanidade no Brasil quanto uma apreciação de sua atuação

5.1.1. Embora a apreciação de suas ações seja por si só uma homenagem, parece-me que é importante explicitamente os homenagear

5.1.2. Esse tema veio-me à mente por duas vias:

5.1.2.1.             Por um lado, em diversos momentos já ouvi ou li comentários no sentido (negativo) de que os apóstolos teriam sido meros repetidores de Augusto Comte

5.1.2.2.             Por outro lado, quanto mais leio os textos dos apóstolos, em particular de Teixeira Mendes, mais e melhor conheço e entendo Augusto Comte e o Positivismo e mais percebo a elevação moral, intelectual e prática dos próprios apóstolos

5.2.    Comecemos então com a homenagem

5.2.1. Alguns dados biográficos muito sumários:

5.2.1.1.             Miguel Lemos nasceu em Niterói em 25.11.1854 e faleceu em Petrópolis em 10.8.1917; em 1874 matriculou-se na Escola Central (depois Escola Politécnica) do Rio de Janeiro, onde teve contato com o Positivismo; em 1876, juntamente com Benjamin Constant, Teixeira Mendes, Oliveira Guimarães e outros, fundou o Centro Positivista Brasileiro; em 1877, em virtude de uma manifestação contrária ao diretor da Escola Politécnica (Visconde do Rio Branco), ele e Teixeira Mendes foram suspensos por dois anos, indo então para Paris, estudar com Pierre Laffitte; aí, após alguns anos, recebeu a investidura de aspirante ao sacerdócio em 1881 e voltou ao Brasil, onde transformou em 11 de maio de 1881 a modesta Sociedade Positivista do Brasil em Igreja e Apostolado Positivista Brasileiro, muito mais arrojado; iniciou uma intensa propaganda e atividade religiosa, política e social, lançando a pedra fundamental do prédio da IPB em 1887; sendo o Diretor da IPB, a partir da década de 1890 sua atividade diminuiu, cedendo espaço para Teixeira Mendes, seu amigo, cunhado e Vice-Diretor da IPB; em 1903 afastou-se formalmente da direção da Igreja, devido a problemas de saúde, e faleceu em 1917

5.2.1.2.             Raimundo Teixeira Mendes nasceu em 5 de janeiro de 1855 em Caixas (Maranhão) e faleceu em 28.6.1927 no Rio de Janeiro; mudou-se para a capital em 1867, para concluir o primário e fazer o ensino secundário; em 1874 matriculou-se na também Escola Central, onde teve contato com o Positivismo via Benjamin Constant e, em 1875, já afirmava publicamente sua adesão à doutrina; também conheceu Miguel Lemos em 1874-1875 e tornaram-se amigos e colegas de doutrina; em 1876 foi cofundador da Sociedade Positivista Brasileira e matriculou-se na faculdade de Medicina; em 1877 foi com Miguel Lemos para Paris; a partir daí, especialmente nas décadas iniciais, seguiu os passos do amigo e líder; em 1881 voltou ao Brasil e, após alguns meses atuando na Sociedade Positivista Brasileira, refundou-a como IPB, na função de Vice-Diretor, até a sua morte, em 1927; em 1903, quando Miguel Lemos viu-se obrigado a deixar a posição de Diretor, Teixeira Mendes recusou-se a assumir a posição do amigo, em vista da superioridade moral, intelectual e prática que percebia nele

5.2.1.3.             Vale notar que ambos eram amigos íntimos e que um gozava da mais plena confiança do outro; casaram-se com duas irmãs; em inúmeros momentos (como nas linhas iniciais de As últimas concepções de Augusto Comte), Teixeira Mendes fala do “chefe e amigo” Miguel Lemos

5.2.1.4.             Uma belíssima biografia de ambos é o livro Os dois apóstolos, do paranaense João Pernetta, escrito em 1927-1929 em três volumes, logo após a transformação de Teixeira Mendes

5.2.2. Desde quando conheceram o Positivismo, ambos já eram pessoas superiores; mas a atividade como apóstolos da Humanidade elevou-os ainda mais

5.2.2.1.             O homem superior pela inteligência é um gênio; um homem superior pelo caráter é um herói, um estadista ou, talvez, um gênio prático; um homem superior pelos sentimentos é um santo: indiscutivelmente Miguel Lemos e, ainda mais, Teixeira Mendes eram santos – sem embargo de suas altas qualidades intelectuais e práticas

5.2.2.2.             Não fazemos essas observações para bajulá-los postumamente, mas porque eles realmente eram superiores: basta ler seus escritos (mas, claro, é necessário de fato ler esses escritos)

5.2.3. Assim, o respeito e o culto à sua memória não é algo banal, mecânico, dogmático ou, ainda, fanático: é o respeito devido a pessoas que se dedicaram intensamente a atividades públicas de alto valor, com altruísmo e responsabilidade e sendo exemplos para todos

5.2.3.1.             Assim, a melhor maneira de percebermos o seu valor é por meio da sua atuação pública, ou seja, por meio dos seus escritos

5.2.3.2.             Importa notar que eles atuaram entre o final do século XIX e o começo do século XX (entre 1881 e 1927): nesse período, a atuação pública dava-se por meio de manifestações orais (presenciais) e por meio de escritos (livros, artigos, panfletos, manifestos); os meios de comunicação de massa além dos jornais ainda não existiam (ou, no caso do rádio, ainda não eram disseminados)

5.2.4. Um comentário que é lateral mas que eu não poderia jamais deixar de fazer: mutatis mutandis, todos os elogios que fazemos a Miguel Lemos e a Teixeira Mendes são também devidos aos grandes irmãos Lagarrigues (Jorge, João Henrique, Frederico e Luís), que atuaram no Chile e em Paris

5.3.    Consideremos a sua atuação pública, começando pela seguinte observação: é um profundo erro considerá-los como (1) somente “repetindo Augusto Comte” e (2) que por isso eles teriam pouco valor

5.3.1. Essas duas noções baseiam-se em um preconceito academicista e intelectualista segundo o qual o valor de um pessoa, ou melhor, de um intelectual vincula-se à produção intelectual original

5.3.2. O que Miguel Lemos e Teixeira Mendes fizeram foi atuar verdadeiramente como um “poder espiritual”, difundindo, explicando e aplicando o Positivismo

5.3.2.1.             Nos dias atuais, o que o Positivismo chama de “poder espiritual” é chamado pelo academicismo de “intelectuais”

5.3.2.2.             Entretanto, a noção de intelectuais é caracteristicamente individualista (um intelectual é alguém percebido como um indivíduo isolado, não um membro mais ou menos destacado de uma corporação) e anticlerical (essa noção foi elaborada desprezando os cleros em termos históricos e em termos conjunturais, a partir de 1895, com o Caso Dreyfus)

5.3.2.3.             O conceito positivista de poder espiritual é muito superior ao de “intelectual”, pois é historicamente mais amplo, socialmente mais profundo e moralmente mais correto

5.3.2.4.             Enquanto os intelectuais são indivíduos que falam em nome de ideais abstratos ou em defesa de questões específicas, o poder espiritual atua como conselheiro, consagrador e regulador, além de organizador, mantenedor e intérprete da opinião pública, avaliador/fiscal e educador

5.3.3. Então, o que alguns desmerecem afirmando que Miguel Lemos e Teixeira Mendes foram meros repetidores de Comte, na verdade foi, sim, feliz, necessária e exatamente isso – e muito, muito mais:

5.3.3.1.             Antes de mais nada, a educação, isto é, a atividade pedagógica baseia-se em larga medida na repetição: para aprender alguma coisa, temos que repetir e/ou temos que ler e ouvir repetidamente vários conceitos

5.3.3.1.1.                   Para não gerar equívocos desnecessários e cansativos: essa repetição não é necessariamente maquinal, não é necessariamente privada de criatividade, não é necessariamente a repetição dos mesmos termos e das mesmas expressões e não ocorre sem a autonomia individual (a “agência” individual)

5.3.3.2.             Em segundo lugar, na absoluta maior parte das vezes essa “mera repetição” deu-se em meio a explicações da obra de Augusto Comte, ou seja, teve um caráter verdadeiramente pedagógico

5.3.3.2.1.                   Nesses casos, era necessário repetir os conceitos para poder explicar adequadamente Augusto Comte ou, inversamente, era necessário repetir as citações de Augusto Comte para poder explicar os conceitos

5.3.3.2.2.                   Além disso, no caso das citações repetidas, a repetição era necessária para comprovar que os conceitos apresentadas eram conformes as idéias de Augusto Comte, ou seja, que suas interpretações eram corretas

5.3.3.3.             Como um verdadeiro poder espiritual, além do aspecto estritamente pedagógico, os apóstolos aplicaram as concepções de Augusto Comte à realidade social carioca, brasileira, sul-americana, ocidental e mundial

5.3.3.3.1.                   Temos que ter clareza de que, para aplicar algum conceito, convém conhecer esse conceito: assim, a repetição com freqüência impunha-se como condição para a aplicação

5.3.3.3.2.                   A respeito da aplicação prática dos conceitos positivistas, é necessário termos clareza de três aspectos intimamente vinculados: (1) uma doutrina só tem valor efetivo quando ela é aplicada e aplicável na realidade; (2) a aplicação só ocorre quando há agentes responsáveis por essa aplicação; (3) a aplicação envolve sempre e necessariamente a criatividade (além de exigir coragem prática e intelectual)

5.3.3.4.             Os apóstolos, em particular Teixeira Mendes, realizaram esforços enormes para explicar e historiar o Positivismo; nesses esforços vê-se o Positivismo em ação, com o estímulo do altruísmo, com o altruísmo inspirando e orientando a inteligência e a atividade prática etc.

5.3.3.4.1.                   As publicações da IPB sob a responsabilidade de Miguel Lemos e Teixeira Mendes compreende bem mais de 500 títulos; em meio a essa impressionante atividade, considero que bastam apenas alguns volumes para ilustrar o que quero dizer: o Esboço biográfico de Benjamin Constant (1892), As últimas concepções de Augusto Comte (1898), Uma visita aos lugares santos do Positivismo (1899), O ano sem par (1900), O culto católico (1903), os escritos Pela Humanidade! (mais de dez títulos, em português e francês, escritos durante a I Guerra Mundial)

5.3.3.5.             Além disso tudo, há também efetivamente obras inovadoras; podemos considerar aí As últimas concepções de Augusto Comte (1898), A filosofia química segundo Augusto Comte (1898), O ano sem par (1900), O culto católico (1903)

5.4.    Uma concepção que se aproxima bastante da idéia dos apóstolos como “meros repetidores”, mas que por si só é diferente dela, é o preconceito desenvolvido pelo historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda, para quem os positivistas tinham um “secreto horror à realidade”

5.4.1. Para expor com algum detalhe a atuação dos apóstolos, retomo algumas considerações feitas em 2014 e publicadas nos livros Laicidade na I República (Curitiba, Appris, 2016) e, em particular, no cap. 6 de Comtianas brasileiras (Curitiba, Appris, 2018)

5.4.1.1.             Reproduzirei uma tabela e repetirei algumas reflexões que fiz no final do cap. 6 de Comtianas

5.4.1.2.             O objetivo dessa repetição é retomar uma reflexão que, embora surgida de outras preocupações, cabe muito bem aqui

5.4.2. Nos documentos indicados acima, fiz a análise dos temas de 355 títulos da IPB publicados entre 1881 e 1927, chegando a 27 categorias principais:

Distribuição das categorias principais

 

CATEGORIAS PRINCIPAIS

N.

%

1.            

Abolição da escravidão

8

2,25

2.            

Aliança religiosa

2

0,56

3.            

Casamento civil

6

1,69

4.            

Catolicismo

3

0,85

5.            

Combate à imigração

1

0,28

6.            

Comemoração histórica

17

4,79

7.            

Culto católico

1

0,28

8.            

Culto positivista

54

15,21

9.            

Despotismo sanitário

25

7,04

10.          

Ensino obrigatório

12

3,38

11.          

História do Positivismo no Brasil

26

7,32

12.          

Indigenismo

10

2,82

13.          

Liberdade comercial

1

0,28

14.          

Liberdade de testar

1

0,28

15.          

Liberdade espiritual

13

3,66

16.          

Liberdade profissional

3

0,85

17.          

Militarismo

15

4,23

18.          

Organização da República

55

15,49

19.          

Proclamação da República

10

2,82

20.          

Incorporação do proletariado

1

0,28

21.          

Reforma ortográfica

5

1,41

22.          

Relações internacionais

43

12,11

23.          

Separação Igreja-Estado

14

3,94

24.          

Teoria do Brasil

2

0,56

25.          

Teoria política

23

6,48

26.          

Teoria médica

1

0,28

27.          

Teoria psicológica

3

0,85

 

TOTAL

355

100,00

  

Categorias principais recorrentes

 

CATEGORIAS PRINCIPAIS

N.

%

1.             

Organização da República

55

15,49

2.             

Relações internacionais

43

12,11

3.             

Despotismo sanitário

25

7,04

4.             

Teoria política

23

6,48

5.             

Militarismo

15

4,23

6.             

Separação Igreja-Estado

14

3,94

 

TOTAL

179

49,29

 

5.4.3. Esses dados indicam que a atuação dos apóstolos foi bastante variada, abarcando uma grande quantidade de temas e assuntos; ao mesmo tempo em que se dedicaram com atenção e cuidado aos aspectos religiosos do Positivismo, também atuaram de maneira cívica, intervindo em temas que agitavam a opinião pública e nos quais um poder espiritual era necessário

5.4.3.1.             Cerca de metade (49,29%) dos opúsculos aborda questões concretas e de caráter cívico imediato, com profundas implicações para a vida coletiva, para as famílias e para os indivíduos

5.4.3.2.             Como indiquei nos livros acima, essa atuação rejeita de maneira cabal o degradante preconceito manifestado pelo historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda (em Raízes do Brasil, de 1936), segundo quem os positivistas, assim como os intelectuais da I República, eram “grandes ledores”, intelectualmente molengas, que tinham “um secreto horror à realidade”

5.4.4. Em face do preconceito criado por Sérgio Buarque, impõem-se as seguintes reflexões:

5.4.4.1.             Os positivistas, em particular Miguel Lemos e Teixeira Mendes, desejavam reformar a sociedade; “Sua preocupação era constituir uma nova opinião pública, ou, por outra, uma opinião pública renovada. Buscavam aconselhar, sugerir, orientar, ensinar; transmitiam valores e ideias e rejeitavam o mando”

5.4.4.2.             Essa atuação era extremamente realista – mas “realista” no sentido positivo, ou seja, conhecendo a realidade, entendendo os problemas e, a partir do altruísmo, da fraternidade universal, da dignidade humana, da atividade pacífica, colaborativa e construtiva, propondo soluções

5.4.4.3.             Além disso, cabe refletir:

“qual seria o oposto do ‘horror à realidade’, isto é, como se poderia entender alguma forma de ‘aceitação da realidade’? Não é aceitável a proposta, avançada por Sérgio Buarque, de que consistiria em propor soluções para os problemas denunciados ou mesmo soluções críveis para tais problemas: os ortodoxos proponham, sim, soluções e eram soluções críveis, factíveis. Mas o que mais poderia ser a ‘adequação à realidade’? Aceitar que a ‘questão social’ fosse tratada como ‘caso de polícia’? Aceitar que as oligarquias explorassem o proletariado urbano, os imigrantes europeus e asiáticos e, principalmente, mantivessem a discriminação contra os negros ex-escravos? Aceitar que dizimassem os índios brasileiros? Aceitar a Realpolitik como princípio de regulação entre as unidades políticas, quer fossem entes da federação (os estados), quer fossem estados nacionais? Poderíamos continuar a lista ad infinitum.

Os ortodoxos não tinham nenhum ‘horror à realidade’, secreto ou não. E mesmo que, por hipótese, eles fossem mais idealistas do que eram, qual o problema? O papel do intelectual, dizem e teorizam muitos, é propor alternativas ao que ‘aí está’, é, precisamente, ser utópico. Ora, Augusto Comte defendia o conceito de utopia, entendendo-o, entre outros elementos, como a antecipação de uma realidade social possível: os ortodoxos diziam exatamente isso”

5.5.    Para concluir, a atuação dos apóstolos da Humanidade foi verdadeiramente exemplar, ou seja, eles atuaram de maneira positiva no Brasil, na América do Sul e no mundo, além de oferecerem um importante e fortíssimo exemplo de conduta moral, intelectual, prática, nos âmbitos público e privado, que podem e devem ser imitados, ou melhor, emulados em todos os lugares

5.5.1. Cremos que reconhecer, valorizar e emular as contribuições de Miguel Lemos e Teixeira Mendes é a melhor homenagem que lhes podemos fazer

6.       Exortações finais

7.       Invocação final