Após quase um século de pesado e daninho desprezo político e intelectual da parte dos liberais, dos marxistas e/ou dos católicos, felizmente parece que aos poucos o Positivismo vem sendo recuperado e revalorizado pelas elites políticas e sociais brasileiras preocupadas com os destinos nacionais. Isso é motivo para grande comemoração.
O texto abaixo foi publicado em um portal eletrônico de caráter nacional-desenvolvimentista intitulado Bonifácio. O original do artigo encontra-se disponível aqui.
O autor do texto, entretanto, a despeito da boa vontade ao escrever o texto acima, cometeu alguns equívocos:
(1) o projeto positivista NÃO foi implantado durante o regime militar; na verdade, os militares que tomaram o poder eram influenciados pelo autoritarismo e pelo fascismo e combatiam encarniçadamente o Positivismo;
(2) o projeto social positivista levava em consideração a "sociedade industrial", que é a forma de organização social baseada no trabalho livre e na divisão entre trabalhadores e patrões; ela NÃO equivale a "industrialismo" ou ao primado das fábricas;
(3) simplesmente não está claro o que significa a afirmação segundo a qual Getúlio Vargas teria ampliado o castilhismo em nível nacional, após 1930; em particular, o Estado Novo foi incluenciado pelos fascistas (Góes Monteiro, Francisco Campos e até laivos de Plínio Salgado) e não pelos positivistas, assim como a queima das bandeiras estaduais foi um ato simbólico representativo de uma política radicalmente antifederalista e anticastilhista.
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Intérpretes do Brasil –
Positivistas
22/08/2020
O positivismo no Brasil foi, em grande parte, organizado e difundido pela Sociedade Positivista brasileira, fundada em 5 de setembro de 1878 por Benjamin Constant (1836-1891), Miguel Lemos (1854-1917) e Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927). Ela foi um núcleo de pensamento e de organização política influenciado pelo positivismo francês, corrente teórica inaugurada pelo filósofo Augusto Comte, um dos fundadores da sociologia.
Segundo
o conceituado sociólogo nacionalista Alberto Guerreiro Ramos, os positivistas
foram os que “pela primeira vez, entre nós, colocaram com toda clareza o
problema da formulação de uma teoria da sociedade brasileira como fundamento da
ação política e social” (Ramos, 1957, p. 56). Isto é, o conhecimento científico
da realidade social própria do Brasil era a condição basilar para a adequada
intervenção política nos rumos do país.
Caso
contrário, a ação política limitar-se-ia ao simples empirismo, como teria sido
o caso, de acordo com eles, da Inconfidência Mineira, da Revolução Pernambucana
de 1817 e da Independência em 1822.
Os
positivistas valorizaram a memória desses eventos fundadores da nacionalidade
e, em particular, resgataram as figuras históricas de Tiradentes e de José
Bonifácio, esquecidos durante a Monarquia, colocando-as no panteão dos Pais da
Pátria. Propuseram, então, continuar e aprofundar o trabalho histórico de
construção do Brasil soberano por eles iniciado, partindo da compreensão
científica da realidade brasileira, cujos instrumentos teóricos e metodológicos
ainda não teriam sido formulados nos contextos pretéritos em que a
Independência havia sido tentada e conseguida.
O
caráter analítico sustentaria, assim, o normativo. Os positivistas elaboraram
um arrojado projeto de Nação, bastante influente nos anos iniciais da República
e que seria aplicado, em essência, no século XX, durante a Era Vargas e o
regime militar.
A
Pátria foi entendida por eles como intermediária entre as famílias, unidade
básica da sociedade, e a humanidade, ponto de referência superior da ação
política. Tal concepção evitava, assim, o individualismo atomizante próprio da
ideia britânica de Estado formulada por Thomas Hobbes e John Locke e, também, o
chauvinismo belicista, em tudo contrário à disposição fraterna que os
positivistas buscavam estabelecer nas relações internas ao Brasil e externas do
nosso País com os demais.
Sendo
considerada “uma reunião de famílias ligadas pelas mesmas tradições, pelos
mesmos interesses, pelas mesmas aspirações” (Teixeira Mendes, 1902, p. 3), a
Pátria deveria, então, ser venerada e celebrada em sua história, formadora das
possibilidades presentes de construção de um futuro melhor. A ordem, construída
pela história e mantida pelo culto aos ancestrais, era a base para o progresso,
para o conjunto de melhoramentos aos que a Pátria estaria destinada.
Tais
possibilidades de melhoria, por sua vez, dependeriam de uma direção
intelectual, moral e política, que os positivistas se propunham assumir e
colocar em prática por meio do planejamento governamental.
A
organização nacional proposta pelos positivistas tinha como eixos a República,
a centralidade do Poder Executivo, a supressão da hereditariedade dos cargos
políticos, a abolição da escravatura sem indenização aos antigos senhores, a
separação entre o Estado e a Igreja e as liberdades civis como a de pensamento,
de expressão e de culto.
O
desenvolvimento industrial – entendida a agricultura como a “indústria
fundamental” – seria o cerne da estruturação do Brasil projetado pelos
positivistas. Segundo eles, o industrialismo seria a base material da
moralização da sociedade, ainda mais a brasileira, marcada pelo modelo dissipador
do latifúndio escravista voltado ao atendimento prioritário da demanda externa.
A
indústria elevaria o meio técnico de organização do trabalho, favorecendo uma
maior produção e circulação dos bens necessários à elevação do padrão de vida
do conjunto da população, bem como uma maior solidariedade social pelo aumento
da divisão do trabalho.
Defensores
da grande propriedade – a mais propícia, segundo eles, para encadear os efeitos
positivos da indústria -, os positivistas não deixaram de assinalar a sua função
eminentemente social. O capital, surgido do concurso coletivo ao longo de
várias gerações, deveria servir ao bem estar das gerações presentes e
vindouras. Não seria, portanto, meramente privado, mas um instrumento da
sociedade a fim de encaminhar o progresso para todos, devendo ser planejado
para essa finalidade.
A
indústria deveria ser organizada do ponto de vista civil e social, seguindo um
planejamento político, não de acordo com o laissez-faire propugnado
pelo liberalismo. A ordem industrial não deveria ser guiada por interesses
particulares desenfreados, mas pelos interesses de toda sociedade, quer dizer,
de toda a Pátria. O desenvolvimento industrial estaria subsumido, assim, à
Questão Nacional. Portanto, seria imperativa a incorporação dos trabalhadores,
que constituíam a massa de cidadãos, à fruição das melhorias engendradas pela
indústria.
Ainda
que os positivistas enfatizassem a necessidade de uma reforma moral e
intelectual dos industriais para conscientizá-los do papel social a que estavam
destinados a cumprir, eles não perderam de vista a necessidade de mudanças
institucionais.
Por
isso, em 25 de dezembro de 1889, Teixeira Mendes, por intermédio de Benjamin
Constant, apresentou ao Governo Provisório da República nascente um ambicioso
projeto de reforma legal das condições de trabalho para proteger a “família
proletária contra o empirismo industrialista”. Esse plano, elaborado a partir
da consulta a cerca de 400 operários, e não a Carta del Lavoro da
Itália fascista, foi a base para a legislação trabalhista adotada por Getúlio
Vargas.
Entre
as medidas propostas, constavam o salário mínimo, a jornada de trabalho de 7
horas diárias, a proibição do trabalho infantil, o direito a férias de 15 dias
e à folga dominical, a estabilidade no emprego após 7 anos de serviço, a
licença remunerada em caso de doença, aposentadoria por idade e por invalidez,
pensões às viúvas e órfãos menores de idade.
Tais
medidas, muito à frente do estágio então presente das forças produtivas
brasileiras, foram arquitetadas deliberadamente para impedirem que a industrialização
em nosso País se desse nas condições hostis ao trabalhador e sua família,
verificadas na maioria dos países que compõem o centro capitalista
norte-atlântico. O modelo de desenvolvimento propugnado pelos positivistas era,
portanto, de cunho social, dirigido prioritariamente para o bem-estar da
sociedade como um todo e não para a acumulação de riqueza nas mãos de poucos
capitães de indústria.
Os
positivistas brasileiros influenciaram significativamente os círculos militares
e o movimento republicano, podendo ser considerados, com justiça, patronos da
República brasileira.
Benjamin
Constant teve papel decisivo na Proclamação da República, convencendo o até
então monarquista Deodoro da Fonseca a aderir à causa republicana e dirigindo a
rebelião militar para que a substituição de regime não desandasse em violência
e revanchismo. A criação, em 1890, do Ministério da Instrução Pública, Correios
e Telégrafos, voltado a organizar a educação básica no Brasil, atendeu a
solicitação de Benjamin Constant, tendo sido desmantelado após o seu
falecimento.
Teixeira
Mendes, por sua vez, é o autor da atual bandeira nacional, tendo sido da sua
iniciativa a preservação do traçado básico da bandeira imperial e a inclusão do
lema “Ordem e Progresso”, derivado do lema comteano “O Amor por princípio e
a Ordem por base; o Progresso por fim”. Foi estabelecida em contraposição à
bandeira sugerida por Rui Barbosa, cópia verde-amarela da dos EUA,
absolutamente incompatível com a nossa identidade e as nossas tradições.
Houve,
pois, forte influência positivista no Exército e a participação decisiva de
alguns dos seus principais quadros na Proclamação da República e, também, na
instauração do Estado laico na primeira Constituição republicana.
Todavia,
o reformismo social positivista, em grande parte, não obteve efetivação prática
em âmbito nacional durante a Primeira República, principalmente a partir dos
governos de Prudente de Morais e de Campos Sales, que consolidaram no comando
do país a coalizão oligárquica capitaneada pelos cafeicultores paulistas.
Ainda
assim, e possibilitado pelo federalismo adotado na República, o positivismo foi
decisivo, em particular, no plano estadual do Rio Grande do Sul. Os governos do
PRR (Partido Republicano Riograndense), liderados por Júlio de Castilhos,
Borges de Medeiros e Getúlio Vargas, estabeleceram uma direção fortemente
positivista à administração desse estado, formando uma vertente política do
positivismo alcunhada de castilhismo. Desse modo, o Rio Grande do Sul, em linha
contrária ao do liberalismo oligárquico prevalecente na esfera federal,
conheceu avanços substantivos em sua estrutura produtiva, na cobertura dos
serviços públicos e na proteção aos trabalhadores. Essa última, inclusive, foi
assegurada pela Constituição estadual de 1891, redigida por Castilhos e de
elevada inspiração positivista.
O
positivismo também foi marcante nos governos de Moniz Freire (1892-1896 e
1900-1904) no Espírito Santo, estado onde a Constituição também recebeu forte
influência do positivismo; nos governos de Lauro Sodré (1891-1897 e 1917-1921)
no Pará; e no governo de João Pinheiro (1906-1910) em Minas Gerais. A capital
mineira, Belo Horizonte, havia sido planejada no final do século XIX por um
engenheiro positivista, Aarão Reis (1853-1936), cuja contribuição para a
economia política brasileira muito influenciou o futuro presidente Getúlio
Vargas. Em todos esses estados, a prática do planejamento econômico levou a
administrações inovadoras e a uma grande prosperidade material. Em grande
parte, o projeto delineado pela Sociedade Positivista alcançou realização
empírica nesses estados.
No
âmbito nacional, o projeto positivista de industrialização concomitante à
formação de um Estado de bem-estar social tipicamente brasileiro somente veio a
ser colocado em prática após a Revolução de 1930, que, de certa forma,
amplificou o castilhismo em escala nacional. Em maior ou menor grau, os
sucessivos governos nacionais até aproximadamente 1980 foram influenciados pelo
positivismo, fazendo com que o Brasil se tornasse um dos países de maior
crescimento industrial nesse período.
Tanto
os postulados teóricos quanto as contribuições programáticas do positivismo
permanecem atuais no século XXI.
A
primazia dos interesses nacionais sobre os particulares e a superação dos
conflitos e ódios em favor da unidade da Pátria são a base para o êxito de
todos. A retomada da industrialização, necessária para incrementar a posição do
Brasil e dos seus empresários na ordem internacional multipolar que se
delineia, precisa ser compatível com o atendimento das necessidades materiais e
espirituais de um contingente de mais de 200 milhões de compatriotas, que
constituem a essência e a razão de ser da Nação. Em um país infelizmente
marcado pela precariedade das condições de vida da maior parte da população, o
desenvolvimento das forças produtivas deve servir à edificação de uma sociedade
mais justa e generosa, de modo a solidificar os vínculos de solidariedade nacional,
condição fundamental para o Brasil sobreviver e prosperar frente aos desafios
desse século.
Referências
e sugestões de leitura: