13 novembro 2024

Comemorações de 171-237 (2025)

COMEMORAÇÕES DE 171-237 (2025)

Centenários

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

1.           

Heráclito

535 ac-475 ac

2500 anos morte 

3.Aristóteles

28.fev.

2.           

Johan de Witt

1625-1672

400 anos nasc.

11.Frederico

15.nov.

3.           


Luciano

125-181

1900 anos nasc.

20.Homero

17.fev.

4.           

Palestrina

1525-1594

500 anos nasc.

22.Shakespeare

1.out.

5.           

S. TOMÁS DE AQUINO

1225-1274

800 anos nasc.

7.Descartes

14.out.

“Cinqüentenários”

 

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

6.           

Arriano

92-175

 1850 anos morte

19.Aristóteles

16.mar.

7.           

Bocácio

1313-1375

650 anos morte 

2.Dante

17.jul.

8.           

Graham

1675-1751

 350 anos nasc.

11.Gutenberg

23.ago.

9.           

Miguel Ângelo

1475-1564

550 anos nasc. 

9.Dante

24.jul.

10.         

Sta. Clotilde

475-545

1550 anos nasc. 

22.Carlos Magno

9.jul.

11.         

Wheatstone

1802-1875

150 anos morte 

9.Gutenberg

21.ago.

Positivistas brasileiros

N.

Nome

Vida

Comemoração

Calendário

J.-G.

12.          

Carlos Torres Gonçalves

1875-1974

150 anos nasc.

13.Carlos Magno

30.jun.

13.          

Ivan Lins

1901-1975

50 anos morte

27.São Paulo

16.jun.

Positivistas não brasileiros

N.

NOME

VIDA

COMEMORAÇÃO

CALENDÁRIO

J.-G.

14.         

Pedro Contreras Elizalde

1823-1875

150 anos morte

10.São Paulo

30.maio

15.         

Philémon Deroisin

1825-1910

200 anos nasc.

7.Bichat

9.dez.

16.         

Paul Edger

1875-1946

150 anos nasc.

27.São Paulo

16.jun.

17.         

J.-F. E. Robinet

1825-1899

200 anos nasc.

2.César

24.abr.

18.         

Joseph Lonchampt

1825-1890

200 anos nasc.

22.Shakespeare

1.out.

19.         

Gaston Prunières

1848-1925

100 anos morte

7.Arquimedes

abr.

20.         

Charles Ritter

1825-1902

200 anos nasc.

19.Homero

16.fev.

21.         

Auguste Vorbe

?-1925

100 anos morte

4.Homero

fev.

FONTES: Wikipédia; “Apêndice” de Apelo aos conservadores (autoria de Augusto Comte; Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1899), organizado por Miguel Lemos; Comité des travaux historiques et scientifiques (http://cths.fr/).

NOTAS:

1)    As datas de vida foram pesquisadas na internet (basicamente na wikipédia), considerando que esse procedimento permitiria obter o que há de mais atualizado a respeito das diversas biografias; além disso, cotejaram-se essas datas com as disponíveis no “Apêndice” do Apelo aos conservadores.

2)    Letras maiúsculas em negrito: nomes de meses.

3)    Letras maiúsculas simples: chefes de semanas.

4)    Letras em itálico: tipos adjuntos, considerados titulares nos anos bissextos.

5)    Os artigos da Wikipédia foram selecionados basicamente em português, mas em diversos casos ou só havia em outra(s) língua(s) ou eram melhores em outra(s) língua(s) (espanhol, francês, inglês).

Sobre os feriados cívicos nacionais

No dia 9 de Frederico de 170 (12.11.2024) realizamos nossa prédica positiva, fazendo a leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada ao entendimento da importância sociológica da Revolução Francesa, à descrição da situação francesa e européia após a Revolução e a possibilidade e a necessidade do Positivismo nesse quadro. 

Aliás, com essa leitura, concluímos a leitura comentada do Catecismo positivista - o que é motivo de comemoração!

Na seqüência apresentamos algumas considerações sobre o livro Identitarismo, de Antônio Risério.

No sermão fizemos alguns comentários sobre os feriados cívicos nacionais.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://youtube.com/live/0YpQV3zl3eY) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://www.facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual/videos/581961184387101).

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00min 00s - início

03min 20s - exortações

10min 59s - efemérides

15min 53s - comentários sobre o livro Identitarismo, de Antônio Risério

25min 17s - leitura comentada do Catecismo Positivista

01h 01min 45s - sobre os feriados cívicos nacionais

01h 42min 30s - exortações finais

01h 49min 57s - término da prédica

As anotações que serviram de base para a exposição oram encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


Sobre os feriados cívicos nacionais

(9 de Frederico de 170/12.11.2024) 

1.       Abertura da prédica

2.       Exortações

2.1.    Sejamos altruístas!

2.2.    Façamos orações!

2.3.    Façam o Pix da Positividade! (Chave pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.       Efemérides

3.1.    Dia 12 de Frederico (15 de novembro): Proclamação da República (1889); Glorificação de Benjamin Constant

3.2.    Lembrança: dia 18 de Frederico (21 de novembro): Live AOP com Sebastiano Fontanari: “Relato de uma viagem a Paris”

4.       Comentários sobre o livro Identitarismo (São Paulo, LVM, 2024), de Antônio Risério:

4.1.    Antes de mais nada, para evitar qualquer má interpretação, qualquer ambigüidade negativa, qualquer má fé: é importante afirmar e reafirmar que somos contra o racismo, o desrespeito e a violência contra mulheres, contra homossexuais etc.

4.1.1. Somos contra essas discriminações e essas violências porque somos a favor do altruísmo, da fraternidade universal, da dignidade humana etc.

4.1.2. Assim, ao criticarmos o identitarismo, não negamos que ele tenha razão em um certo fundo moral e prático; mas o conjunto de suas idéias e dos sentimentos que ele manifesta para combater violências e discriminações – esse conjunto é errado e inaceitável

4.2.    O presente livro de Antônio Risério apresenta de maneira clara e sintética suas concepções sobre o identitarismo em geral e sobre o identitarismo neonegro, racialista, em particular indicando (1) que ele é racista em geral e racista contra brancos e mulatos, (2) que ele é influenciado nesse sentido, de maneira intensa, pelo movimento negro dos EUA, que tem alas contrárias aos ideais de Martin Luther King e intensamente racistas e (3) que agências dos EUA, como a CIA por meio da Fundação Ford, estimulam ativamente esse racismo e esse ativismo no Brasil, para diminuir a impressão de que os EUA são problemáticos em termos raciais

4.2.1. Outros livros de A. Risério foram menos sistemáticos, seja porque apresentaram argumentações iniciais, seja porque ele adotou excessivamente um estilo ensaístico

5.       Leitura comentada do Catecismo positivista

5.1.     Décima terceira conferência, sobre a evolução histórica da religião, em particular sobre a crise social, política, intelectual e moral que conduziu à Revolução Francesa

6.       Sermão: sobre os feriados cívicos nacionais

6.1.    Como estamos em uma semana cívica, com um belo feriado nacional, e como esse feriado implicou uma alteração profunda de regime político, que instituiu um novo sistema de feriados, vale a pena considerarmos quais os feriados estabelecidos pela república e os atualmente vigentes

6.1.1. É necessário notar que consideraremos apenas os feriados nacionais, sem considerar os estaduais nem os municipais, devido à quantidade e à particularidade desses outros feriados

6.1.2. O objetivo deste sermão é apenas indicar os feriados cívicos: os existentes ao longo do tempo e a proposta positivista

6.2.    Algumas observações gerais iniciais:

6.2.1. O Positivismo é de fato uma religião, ou seja, abarca o conjunto da existência humana, em termos da natureza humana (afetiva, intelectual e prática), seja em termos de âmbitos da existência (privada, doméstica, cívica, universal)

6.2.1.1.             Assim, o Positivismo é também uma religião cívica, mas não uma religião civil: celebramos os vínculos cívicos, embora rejeitemos convictamente o papel de religião oficial de Estado

6.2.2. Os feriados cívicos são uma forma de culto público, em que o Estado pode e deve celebrar e estimular determinados valores coletivos

6.2.2.1.             Essa concepção de celebrações cívicas não ofende a separação entre igreja e Estado – embora, claro, as celebrações em si devam respeitar a laicidade do Estado

6.2.2.2.             Os valores celebrados devem ser os laços sociais da fraternidade cívica, da fraternidade universal, da paz, da justiça, do entendimento entre as nações

6.2.2.3.             Dessa forma, a violência e a guerra; o particularismo e o exclusivismo; o clericalismo – tudo isso deve ser proscrito e rejeitado nas celebrações cívicas

6.3.    Durante o Império houve dois decretos de feriados[1]:

6.3.1. Lei de 9 de setembro de 1826: dias de festividade nacional (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM.-9-9-1826.htm)

1)      9 de janeiro: Dia do Fico

2)      25 de março: Constituição do Império

3)      3 de maio: Descobrimento do Brasil

4)      7 de setembro: Independência do Brasil

5)      12 de outubro: Aclamação do Imperador

6.3.2. Decreto n. 501, de 19 de agosto de 1848: dias de “festa nacional” e “feriados nas estações públicas” (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-501-19-agosto-1848-559966-publicacaooriginal-82475-pl.html):

1)      25 de março: Constituição do Império

2)      7 de setembro: Independência do Brasil

3)      2 de dezembro: Aniversário do Imperador

4)      Domingos e “dias santos de guarda” (dias em que os fiéis são obrigados a irem à missa)

6.4.    As celebrações oficiais e cívicas do Império eram relativamente poucas

6.4.1. Essas celebrações eram um misto de datas cívicas com autocelebrações dos próprios monarcas

6.4.2. É possível entender essa pobreza de feriados do império devido às celebrações da Igreja Católica, que, afinal de contas, era um órgão do Estado

6.5.    Assim que a república foi proclamada em 15 de novembro de 1889, tratou-se de estabelecer a separação entre igreja e Estado; tal separação demorou porque Rui Barbosa, com sua característica vaidade, quis os louros para si e, a título de consultar o arcebispo Dom Macedo Costa, atrasou dois meses o decreto e propôs, com um juridicismo e um anticlericalismo tanto agressivos quanto característicos, o Decreto n. 119-A, de 7 de janeiro de 1890

6.6.    Após a separação entre igreja e Estado – uma semana – estabeleceram-se os feriados nacionais, de caráter cívico, por meio do Decreto n. 155-B, de 14 de janeiro de 1890

6.6.1. Esse decreto (disponível aqui: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D155-Bimpressao.htm) é ao mesmo tempo simples, claro e inspirador; por esses motivos, é possível e vale a pena citá-lo na íntegra (a formatação é minha; a ortografia foi atualizada):

DECRETO Nº 155-B, DE 14 DE JANEIRO DE 1890

Declara os dias de festa nacional.

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, considerando:

-        que o regime republicano baseia-se no profundo sentimento da fraternidade universal;

-        que esse sentimento não se pode desenvolver convenientemente sem um sistema de festas públicas destinadas a comemorar a continuidade e a solidariedade de todas as gerações humanas;

-        que cada pátria deve instituir tais festas, segundo os laços especiais que prendem os seus destinos aos destinos de todos os povos;

Decreta:

São considerados dias de festa nacional:

1)      1 de janeiro, consagrado à comemoração da fraternidade universal;

2)      21 de abril, consagrada à comemoração dos precursores da Independência Brasileira, resumidos em Tiradentes;

3)      3 de maio, consagrado à comemoração da descoberta do Brasil;

4)      13 de maio, consagrado à comemoração da fraternidade dos Brasileiros;

5)      14 de julho, consagrado à comemoração da República, da Liberdade e da Independência dos povos americanos;

6)      7 de setembro, consagrado à comemoração da Independência do Brasil;

7)      12 de outubro, consagrado à comemoração da descoberta da América;

8)      2 de novembro, consagrado à comemoração geral dos mortos;

9)      15 de novembro, consagrado à comemoração da Pátria Brasileira.

6.6.2. É fácil perceber que esse decreto foi inteiramente vazado em termos positivistas e com claro sentido cívico

6.6.2.1.             Basta examinar os “considerandos”, que afirmam a fraternidade universal, a continuidade e a solidariedade (“ordem e progresso”) humanas, os destinos comuns a todos os povos

6.6.2.2.             Dos nove feriados, apenas um (2 de novembro) é propriamente religioso; mas, ainda assim, sua justificativa é universal (“comemoração geral dos mortos”)

6.6.3. O que significa esse “sentido cívico”?

6.6.3.1.             Significa a valorização de laços válidos para todos os cidadãos brasileiros, baseados na liberdade, na fraternidade e na dignidade do ser humano e vinculando os cidadãos brasileiros entre si e o Brasil aos povos americanos, ocidentais e mundiais

6.6.3.2.             Como indicamos há pouco, os “considerandos” já evidenciam esses valores fundamentais

6.7.    As celebrações positivistas podem ser vistas neste folheto:

6.7.1. As celebrações da Igreja Positivista do Brasil compreendem 15 datas, em que há coincidência de oito celebrações cívicas brasileiras, seis especificamente religiosas do Positivismo e uma em que há coincidência no motivo mas não na data (a celebração geral dos mortos)

6.8.    O sistema republicano de celebrações naturalmente sofreu inúmeras alterações ao longo dos últimos 135 anos; entretanto, com freqüência essas modificações não ocorreram para aperfeiçoá-lo, pois o republicanismo, o civismo e a fraternidade universal foram substituídos e/ou justapostos por outros valores contrários – clericalistas e particularistas

6.9.    Vale notar que foi Getúlio Vargas, em um dos seus atos iniciais como Presidente da República, que suprimiu o 13 de maio, juntamente com o 14 de julho e o 12 de outubro (ainda que felizmente instituindo o 1º de maio e, lamentavelmente, o clericalista 25 de dezembro), por meio do Decreto n. 19.488, de 15 de dezembro de 1930 (https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19488-15-dezembro-1930-508040-republicacao-85201-pe.html)

6.10.                     Os atuais feriados nacionais foram estabelecidos em uma série de leis e decretos ao longo das décadas; para facilitar seu compêndio, podemos consultar os decretos e as portarias do Ministério do Planejamento que estipulam os feriados e os dias de ponto facultativo para os servidores públicos federais civis (por exemplo, a Portaria n. 8.617, de 26 dezembro de 2023) (https://www.in.gov.br/EN/WEB/DOU/-/PORTARIA-MGI-N-8.617-DE-26-DE-DEZEMBRO-DE-2023-533937211)

6.10.1.   Essa portaria estabelece 18 datas feriadas e de ponto facultativo; os feriados propriamente ditos são estes:

1)      1º de janeiro: Confraternização Universal

2)      29 de março: Paixão de Cristo

3)      21 de abril: Tiradentes

4)      1º de maio: Dia Mundial do Trabalho

5)      7 de setembro: Independência do Brasil

6)      12 de outubro: Nossa Senhora Aparecida

7)      2 de novembro: Finados

8)      15 de novembro: Proclamação da República

9)      20 de novembro: Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra

10)  25 de dezembro: Natal

6.10.2.   Desses dez feriados nacionais, apenas cinco são efetivamente celebrações cívicas da fraternidade universal, da liberdade e da dignidade humanas; três são celebrações clericalistas e duas são celebrações particularistas que poderiam ser positividas (Finados e Zumbi)

6.10.2.1.          Vale lembrar que o Dia de Finados mudou de nome, de Festa Geral dos Mortos (nome cívico e universalista) para Dia de Finados

6.10.2.2.          Também vale lembrar que o dia 20 de novembro é uma data identitarista proposta pelo movimento racialista negro, sob inspiração (ou melhor, sob orientação) direta do movimento racialista e particularista dos Estados Unidos; essa data foi estabelecida contra o 13 de maio (fraternidade dos brasileiros) e celebra, antes de Zumbi, a “consciência negra” (o que é algo totalmente particularista, antiuniversalista, antifraterno – e, na medida em que rejeita a miscigenação brasileira e cria e celebra o mito do Brasil de “duas ‘raças’”, é também racista)

6.11.                     Em suma:

6.11.1.   Após mais de 135 anos de República, os feriados nacionais descaracterizaram-se como celebrações cívicas, da fraternidade universal, e tornaram-se uma colcha de retalhos incoerente e que estimula o particularismo e o facciosismo

6.11.2.   O calendário cívico republicano, de 14 de janeiro de 1890, era mais amplo, mais coerente, mais generoso, mais fraterno, mais altruísta

6.11.2.1.          Não por acaso, o Decreto n. 155-B era de forte inspiração positivista

7.       Exortações finais

8.       Término da prédica

 


[1] Obtivemos esses dados inicialmente no blogue Blog do PC (https://blogue-do-pc.blogspot.com/2012/11/os-feriados-no-brasil-imperio-1822-1889.html; acesso em 10.11.2024).

11 novembro 2024

Monitor Mercantil: "O identitarismo contra a laicidade"

O jornal carioca Monitor Mercantil publicou em 11.11.2024 um artigo de nossa autoria, intitulado "O identitarismo contra a laicidade".

Reproduzimos abaixo o texto. O original pode ser lido aqui: https://monitormercantil.com.br/o-identitarismo-contra-a-laicidade/.

*   *   *


O identitarismo contra a laicidade

Vivemos em uma república. Embora essa afirmação banal não seja muito levada a sério atualmente, ela implica grandes ideais morais, sociais e políticos, começando pela dedicação de todos ao bem comum e pela subordinação da política à moral. Sem esgotar aqui o conteúdo da república, podemos simplificar indicando que um dos aspectos institucionais básicos das repúblicas é a laicidade do Estado. Isso implica uma dupla vedação:

1)      por um lado, o Estado não pode ter, manter ou beneficiar doutrinas específicas e, além disso, não pode condicionar o acesso a seus serviços (e, portanto, não pode condicionar a cidadania) à adesão dos indivíduos a essas doutrinas;

2)      por outro lado, as várias igrejas e os grupos promotores de doutrinas não podem usar o Estado para fazer valer suas concepções (ou seja, não podem impor suas doutrinas).

Essa dupla vedação baseia-se no respeito à dignidade e à autonomia individual e na consideração de que questões de foro íntimo só podem ser decididas intimamente; a isso se soma o fato de que o Estado é incapaz e ilegítimo para decidir a respeito dessas questões de foro íntimo e que a imposição de crenças também é errada e ilegítima. Geralmente se considera a laicidade em relação a igrejas ou cultos teológicos, mas ela está bem longe de limitar-se a eles, pois inclui doutrinas político-partidárias, filosofias variadas e até doutrinas especificamente “universitárias”. Assim, em si mesma a laicidade não é atéia (doutrina que nega a existência das divindades) nem anticlerical (o combate às igrejas).

A laicidade e a república exigem que as políticas públicas devem ser universalistas, ou seja, devem atingir todos os cidadãos. Toda sociedade tem suas clivagens, algumas voluntárias (religiosas, filosóficas, morais, culturais, políticas, recreativas, esportivas, de locais de moradia etc.) e outras involuntárias (classistas, sexuais, étnicas etc.); mas essas clivagens devem subordinar-se à universalidade da república, a partir do primado da fraternidade universal. Dessa forma, embora sempre existam agrupamentos particulares, o universalismo republicano rejeita os particularismos e os guetos – sejam guetos impostos sobre e contra os grupos sociais minoritários, sejam os guetos criados pelos grupos minoritários contra as sociedades maiores.

Essas características parecem intuitivamente corretas, mas elas têm sido duramente postas à prova, ou melhor, elas têm sido desafiadas, criticadas e repudiadas nos últimos anos pelo identitarismo. Em discussões acadêmicas os identitarismos são claros na recusa aos traços acima – dizem com todas as letras que “o universalismo é uma mentira” –, mas, para o grande público, sua ação é mais enviesada. Em vez de pôr-se direta e claramente contra os valores e as práticas republicanas, o identitarismo afirma os seus próprios valores, corroendo e corrompendo a vida política. Mas quais são os valores e as práticas do identitarismo?

Não há um único identitarismo; existem muitos, que tendem sempre, cada vez mais, a multiplicar-se. O identitarismo nega o universalismo cidadão e fraterno em prol da multiplicidade de exclusivismos e particularismos, minorias que se vêem como perseguidas pela “maioria”. Como são, ou como se vêem, como perseguidas, essas minorias adotam o ressentimento sistemático como sentimento político, pessoal e moral básico, buscando estabelecer sistematicamente a culpa da “maioria”; para isso exigem que o Estado atenda apenas ou prioritariamente as suas próprias demandas e que atue na difusão da mentalidade identitária, que passa a tornar-se doutrina oficial. A partir da teoria do “reconhecimento”, o objetivo do Estado torna-se reafirmar constantemente a existência desses grupos minoritários, perseguidos e ressentidos – e, claro, satisfazê-los e prover-lhes “reparações”. Participar desses grupos torna-se então, progressivamente, condição de acesso ao Estado e à cidadania.

Para evitar mal-entendidos, importa sermos claros: em inúmeras situações concretas as reclamações fundamentais dos grupos identitários são justificadas. Entretanto, se muitas situações concretas são de fato injustas, elas são respondidas da pior maneira possível, estimulando sentimentos, idéias, hábitos, práticas e instituições desastrosos.

O identitarismo pode ser de esquerda ou de direita. Pelo menos no Brasil, os identitarismos de esquerda são os mais conhecidos (ou mais estridentes): racialista, de gênero, de opção sexual, étnico etc.; mas há também os identitarismos de direita, vinculados especialmente à teologia (cristã) e a grupos étnicos. Tanto uns quanto outros dizem-se perseguidos e usam o Estado como instrumento para impor suas concepções: nada mais distante de dignidade, fraternidade, liberdade, autonomia.

Em face dessas características, percebe-se com clareza que o identitarismo encara a laicidade no mínimo como uma instituição inútil, no máximo um estorvo a ser destruído. Se o Estado deve estar a serviço dos grupos ressentidos em sua busca de reparações e se o reconhecimento do ressentimento-e-culpa é a mentalidade que orienta a vida pública, é claro que a laicidade deixa de ser importante, de ser útil, de fazer sentido.

Entre os identitários de direita, vinculados de modo geral às teologias, a laicidade deve ser simplesmente ignorada ou desprezada: o Estado deve estar a serviço da difusão do “cristianismo” (geralmente evangélico, mas também católico), sendo que a laicidade é vista como um instrumento dos valores da “esquerda” ou do afastamento da divindade (o que, para a direita teológica, dá na mesma). Temos então os cultos privados em espaços públicos; as referências obrigatórias às divindades e a leitura da Bíblia em espaços e órgãos públicos; os feriados teológicos etc.

Entre os identitários de esquerda, a situação é um pouco mais ampla. No fundo, a esquerda adota os mesmíssimos procedimentos que a direita, criando feriados particularistas, impondo a leitura de doutrinas identitárias etc. Mas, embora também ignore ou despreze a laicidade, quando convém a esquerda consegue lembrar-se dela, para um anticlericalismo tópico. Isso, aliás, é o que alguns chamam de “seqüestro da laicidade”.

Em meio a esses particularismos exclusivistas ressentidos, não há espaço para a fraternidade, para uma verdadeira vida em comum, para a dedicação ao bem comum. Simplesmente não há “bem comum”, que é denunciado como hipocrisia “anticristã”, ou “falocêntrica”, ou “heteronormativa”... há apenas ódio, ressentimento, particularismo.

Considerando o amplo apoio que os identitarismos têm no Brasil atual, à direita e à esquerda, não é de estranhar que nem a laicidade nem, de modo mais amplo, a república sejam levadas a sério. Daí resultam os desastres sociais, políticos, morais e intelectuais que todos vemos todos os dias. É escandaloso e desastroso que os identitarismos sigam tendo apoio no país. Urge retomar a república, a laicidade e a fraternidade, contra o identitarismo, o particularismo e o ressentimento.

Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor em Sociologia Política.

06 novembro 2024

Prédica positiva (2.Frederico.170/5.11.2024)

No dia 2 de Frederico de 170 (5.11.2024) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista, em sua décima terceira conferência, dedicada à evolução histórica do Ocidente.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://www.youtube.com/watch?v=8DJH0lmZghY) e Igreja Positivista Virtual.

Os tempos da prédica foram os seguintes:

00 min 00 s - Abertura

05 min 07 s - Exortações iniciais

11 min 25 s - Leitura comentada do Catecismo positivista

01 h 01 min 50 s - Exortações finais

01 h 09 min 43 s - Término