17 dezembro 2024

Sobre a espontaneidade

 




Sobre a espontaneidade

(16.Bichat.170/17.12.2024) 

1.      Invocação inicial

2.      Exortações iniciais

2.1.1.     Sejamos altruístas!

2.1.2.     Façamos orações!

2.1.3.     Façamos o Pix da Positividade! (Chave Pix: ApostoladoPositivista@gmail.com)

3.      Efemérides

3.1.   Dia 16 de Bichat (17.12): transformação de Eduardo de Sá (1940)

3.2.   Dia 20 de Bichat (21.12): início do verão

4.      Programação de final e início de ano:

4.1.   Dia 16 de Bichat (17.12): última prédica positiva de 170 (2024)

4.2.   Segundo dia adicional (31.12): celebração da Festa das Mulheres Santas, por Hernani G. Costa

4.3.   Dia 1º de Moisés (1.1): celebração da Festa da Humanidade

4.4.   Dia 19 de Moisés (19.1): celebração do nascimento de Augusto Comte (1798)

4.5.   Dia 7 de Homero (4.2): primeira prédica positiva de 171 (2025)

5.      Leitura comentada do Apelo aos conservadores

5.1.   Antes de mais nada, devemos recordar algumas considerações sobre o Apelo:

5.1.1.     O Apelo é um manifesto político e dirige-se não a quaisquer pessoas ou grupos, mas a um grupo específico: são os líderes políticos e industriais que tendem para a defesa da ordem (e que tendem para a defesa da ordem até mesmo devido à sua atuação como líderes políticos e industriais), mas que, ao mesmo tempo, reconhecem a necessidade do progresso (a começar pela república): são esses os “conservadores” a que Augusto Comte apela

5.1.1.1.           O Apelo, portanto, adota uma linguagem e um formato adequados ao público a que se dirige

5.1.1.2.           Empregamos a expressão “líderes industriais” no lugar de “líderes econômicos”, por ser mais específica e mais adequada ao Positivismo: a “sociedade industrial” não se refere às manufaturas, mas à atividade pacífica, construtiva, colaborativa, oposta à guerra

5.1.2.     Como nosso amigo Hernani G. Costa sempre realça, é necessário insistir em uma idéia que o materialismo e o ceticismo contemporâneos desprezam: não é possível entender a política proposta pelo Positivismo isoladamente da Religião da Humanidade

5.1.2.1.           Aliás, o desejo de separar a política dos valores e das concepções gerais de fundo é precisamente um dos problemas contemporâneos, é precisamente um dos sintomas da anarquia contemporânea

5.1.3.     A religião estabelece parâmetros morais, intelectuais e práticos para a existência humana e, portanto, orienta a política, estabelece as suas metas, as suas possibilidades e os seus limites

5.1.3.1.           Outro lembrete: a religião, conforme o Positivismo estabelece, não é sinônima de “teologia”

5.2.   Últimas observações preliminares:

5.2.1.     Uma versão digitalizada da tradução brasileira desse livro, feita por Miguel Lemos e publicada em 1899, está disponível no Internet Archive: https://archive.org/details/augustocomteapeloaosconservadores

5.2.2.     O capítulo em que estamos é a “Introdução”, cujo subtítulo é “Advento dos verdadeiros conservadores”

5.2.2.1.           Os demais capítulos são dedicados a caracterizar o Positivismo (cap. 1), indicar como os conservadores regenerados e orientados pelo Positivismo devem portar-se em relação aos retrógrados (cap. 2) e em relação aos revolucionários (cap. 3), para finalmente indicar em que consiste a missão específica de tais conservadores (Conclusão)

5.3.   Passemos, então, à leitura comentada do Apelo aos conservadores!

6.      Sermão: sobre a espontaneidade

6.1.   O sermão desta semana foi sugerido pelo nosso confrade Eugênio Macedo – na verdade, foi sugerido publicamente por ele, em uma consulta que fiz (e que mantenho) à comunidade

6.1.1.     Ao justificar esse tema, Eugênio lembrou que ele é um ator e que a espontaneidade é algo importante em sua profissão

6.1.2.     Essa é uma justificativa importante: a relação das artes com o que é espontâneo – mas é claro que a espontaneidade é importante em todos os aspectos da vida

6.2.   A espontaneidade é um tema realmente desafiador, na medida em que ela é um aspecto da vida de todos e cada um de nós, mas, ao mesmo tempo, oferece algumas dificuldades para conceituar, por ser um pouco diáfana

6.3.   Como podemos entender a espontaneidade? Uma primeira abordagem sugere que é espontâneo é aquilo que ocorre naturalmente, isto é, sem um esforço (interno ou externo) a partir de impulsos internos

6.3.1.     A ação baseada em impulsos internos, sem esforço (e, em particular, sem força externa), indica imediatamente que o ser humano – e, na verdade, todo animal – age a partir de motivações internas, sejam elas ou não devidas a reações ao ambiente

6.3.1.1.           Essas motivações internas com freqüência são chamadas de “instintos”

6.3.1.2.           Essas motivações internas rejeitam a tese do automatismo (como proposta por Descartes, afirmada por Hobbes e, no século XX, retomada por Skinner), como se os seres humanos e os animais fossem máquinas que apenas reagem passivamente a estímulos ambientais

6.3.1.3.           Isso, é claro, não significa que não ajamos de maneira espontânea em reação a estímulos externos aplicados sobre cada um de nós: a dor e o medo são exemplos fáceis, mas o carinho, a simpatia, o respeito, a honra também são estímulos exteriores que podem resultar em reações mais ou menos espontâneas

6.3.1.4.           A espontaneidade, então, consiste em manifestarmos externamente e com facilidade atributos internos

6.3.1.5.           Há muitas situações em que a espontaneidade é altamente valorizada; geralmente são as situações em que manifestamos atributos afetivos e/ou altruístas: generosidade, respeito, apoio, alegria, simpatia etc.

6.3.1.6.           Inversamente, a falta de espontaneidade com freqüência é desvalorizada e entendida como um comportamento frio, mecânico, apático, ou mesmo puritano ou reprimido

6.3.2.     É importante notar que a espontaneidade pura e descontrolada não “funciona”, ou seja, não é adequada nem à felicidade individual nem ao bem-estar coletivo: todos precisamos de autocontrole sobre nossos instintos

6.3.2.1.           Isso se vê com clareza nas crianças, em que uma parte importante da educação consiste precisamente em estimular o autocontrole

6.3.2.2.           A necessidade de controle dos impulsos – e, portanto, da espontaneidade – torna-se evidente quando consideramos que permanentemente é necessário o estímulo do altruísmo e a subordinação a ele do egoísmo

6.3.2.3.           Além disso, diferentes sociedades, em diferentes épocas, estimulam o autocontrole de alguns impulsos e, inversamente, estimulam a maior espontaneidade de outros impulsos: em outras palavras, há diferentes maneiras de conduzir e de lidar com os impulsos

6.3.2.4.           Ao mesmo tempo, em toda sociedade há um sem-número de situações em que manifestamos de maneira obrigatória nossos sentimentos (o choro no funeral) ou em que somos proibidos de manifestar esses sentimentos (o riso alegre no funeral)

6.3.2.5.           O que chamamos de espontaneidade refere-se, então, de modo geral, à manifestação de nossas características (especialmente dos sentimentos) no dia a dia, na vida cotidiana, em que agimos mais ou menos sem provocação externa

6.4.   O processo da educação e as variações sociais já indicam então que a espontaneidade é bem mais que apenas a manifestação de impulsos internos

6.4.1.     De modo geral, a ausência de esforço que caracteriza a espontaneidade pode ocorrer devido à natureza das coisas ou então devido a um aprendizado (ou seja, a hábitos que foram internalizados) – ou a uma combinação dessas duas possibilidades

6.4.2.     Os hábitos criados e internalizados não criam nenhuma habilidade que já não exista no ser humano (seja no ser humano individual, seja na espécie); o processo de educação apenas estimula e regula aquilo que já existe em nós, na forma de potencialidades

6.4.3.     Além disso, muitas dessas potencialidades manifestam-se sozinhas ao longo do tempo da vida de uma pessoa: o processo de estímulo e orientação dos nossos instintos variam de acordo com a idade da pessoa

6.4.3.1.           Esse é um dos motivos por que a verdadeira educação não se limita à infância, mas é um processo que se estende ao longo de toda a vida

6.5.   Nos termos apresentados acima, torna-se claro que a espontaneidade aproxima-se da chamada “intuição”

6.5.1.     A intuição refere-se ao conhecimento, enquanto a espontaneidade refere-se a todos os impulsos internos: a intuição são idéias e processos mentais que se tornam tão automáticos, exigem tão pouco esforço, que parece que não exigem esforço nenhum e que “sempre estiveram lá”

6.5.2.     Assim, podemos dizer que a intuição são os processos intelectuais aprendidos que se tornaram espontâneos devido a um longo treinamento

6.6.   O que expusemos até agora se resume no seguinte

6.6.1.     A partir da natureza humana geral, cada indivíduo tem uma espontaneidade “geral”, básica, comum a todos os seres humanos, além de espontaneidades específicas

6.6.2.     Essas diversas espontaneidades, que correspondem à manifestação de atributos e potencialidades, são estimuladas, controladas e orientadas de diferentes maneiras nas diferentes sociedades

6.6.3.     Essa orientação social dos atributos individuais corresponde à subordinação da Moral à Sociologia, na escala enciclopédica

6.7.   O que comentamos até agora sobre a espontaneidade refere-se aos atributos individuais, que são estimulados, controlados e orientados pela sociedade: mas há também a espontaneidade propriamente social, ou sociológica

6.7.1.     As sociedades têm estruturas, funcionamentos e resultados específicos e diferentes dos dos indivíduos: é devido a essa realidade que se pode falar verdadeiramente em “leis sociológicas” e em Sociologia

6.7.2.     Toda sociedade tem, naturalmente, uma estrutura, que em seus elementos mínimos é estudada pela Estática Social: espontaneamente toda sociedade tem no mínimo linguagem, governo, família, religião e propriedade

6.7.3.     Da mesma forma, toda sociedade desenvolve-se ao longo do tempo; esse desenvolvimento é estudado pela Dinâmica Social e, em linhas gerais, segue as leis sociológicas dinâmicas, isto é, as três leis dos três estados

6.7.4.     Vale notar que o estímulo, controle e orientação social dos instintos individuais corresponde à espontaneidade social conduzindo a espontaneidade individual

6.7.5.     Por que eu comecei a falar da espontaneidade individual antes da social, se a social precede a individual? Porque a espontaneidade individual é mais fácil de tratar, pois é ela que vem à mente quando tratamos da espontaneidade

6.8.   Tudo o que falamos até agora se baseia no Positivismo e em reflexões filosóficas e sociológicas; mas como o Positivismo aborda esse tema de maneira mais sistemática?

6.8.1.     O dogma fundamental do Positivismo – isto é, a concepção intelectual fundamental do Positivismo – é a das leis naturais, das relações constantes de coexistência ou sucessão

6.8.2.     A partir das leis naturais, o que o Positivismo faz é sistematizar a realidade (e a atividade) espontânea do mundo – o que equivale a dizer que a espontaneidade é pressuposta pelo Positivismo

6.8.3.     Na verdade a idéia de que a matéria tem movimento espontâneo é uma das mais importantes, fundamentais e difíceis de ser apreendida

6.8.3.1.           O fetichismo considera que tudo tem movimento espontâneo, ou seja, autônomo; o fetichismo vincula esse movimento à vida (no sentido de que tudo é vivo)

6.8.3.2.           A teologia substitui o fetichismo; em tal substituição, acaba com a concepção de que tudo move-se espontaneamente (porque tudo estaria vivo) e passa a pressupor que tudo o que se move deve o seu movimento a forças externas (que são os deuses); tal substituição foi necessária para o começo da pesquisa das leis naturais (disfarçada sob a teologia pela pesquisa das causas)

6.8.3.3.           Aos poucos e aos trancos e barrancos, a ciência – a ciência moderna – retomou a concepção do movimento espontâneo da matéria, ao mesmo tempo que abandonava as noções de deuses e de causas

6.8.3.4.           O desenvolvimento completo das leis naturais básicas e o estabelecimento do relativismo foram sistematizados pelo Positivismo, que os completou pela necessária incorporação positivada do fetichismo

6.8.3.5.           A noção de que a matéria tem atividade espontânea, isto é, atividade própria começa na Cosmologia, passa para a Biologia e daí segue para a Sociologia e a Moral; em outras palavras, a atividade espontânea é uma concepção geral do dogma positivo

6.9.   O Positivismo afirma a importância e a necessidade da espontaneidade na fórmula “agir por afeição e pensar para agir”

6.9.1.     A espontaneidade está implícita na fórmula acima

6.9.2.     Augusto Comte apresentou essa fórmula na Política positiva (v. III, p. 78-79) e no Catecismo positivista (p. 67-68[1]); o que nos interessa é a citação do Catecismo:

O verdadeiro espírito filosófico consiste, de fato, como o simples bom senso, em conhecer o que é, para prever o que há de ser, a fim de o aperfeiçoar tanto quanto possível. Um dos melhores preceitos positivistas declara, até, viciosa, ou, pelo menos, prematura, toda sistematização que não for precedida e preparada por um suficiente surto[2] espontâneo. Esta regra resulta logo do verso dogmático com que o Positivismo caracteriza o conjunto de nossa existência:

Agir por afeição e pensar para agir.

O primeiro hemistíquio[3] corresponde à espontaneidade e o segundo à sistematização consecutiva. Quaisquer que sejam os inconvenientes que a atividade irrefletida suscite, só ela pode ordinariamente fornecer os primeiros materiais de uma meditação eficaz que permitirá agir melhor.

6.10.                   Em suma:

6.10.1. A espontaneidade, como manifestação dos sentimentos (em particular dos sentimentos altruístas), é efetivamente um valor a ser buscado

6.10.1.1.       A espontaneidade é necessária em termos afetivos, práticos e até intelectuais

6.10.1.2.       A espontaneidade é a atividade própria, interna, aos corpos; no caso dos animais e do ser humano, é chamada de “instintos”

6.10.2. Devemos lembrar, entretanto, que assim como a espontaneidade é importante e necessária, o autocontrole e o controle social dos impulsos também é importante e necessário

6.10.2.1.       O estímulo do altruísmo e o controle e a orientação altruística do egoísmo é o melhor exemplo dessa necessidade

7.      Exortações finais

8.      Invocação final



[1] Augusto Comte, Catecismo positivista, Rio de Janeiro, Igreja Positivista do Brasil, 4ª ed., 1934.

[2] “Surto”, aqui, significa “desenvolvimento”.

[3] Hemistíquio é cada uma das metades de um verso.

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