09 abril 2021

Mais um capítulo sobre algo chamado "Auguste Comte"

A postagem abaixo é uma versão modificada de cartas (mensagens eletrônicas, na verdade) que enviei previamente às organizadoras do volume e à autora do capítulo que comento abaixo. Os problemas que indicam são sérios o suficiente para eu tornar públicas minhas observações; em última análise, o que está em jogo é a correção intelectual a respeito de Augusto Comte e do Positivismo.

 

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Comprei há alguns dias o volume Os sociólogos, publicado em 2018 pelas editoras Vozes e PUC-Rio e organizado pelas professoras da PUC-Rio Sarah Silva Telles e Solange L. Oliveira. A proposta do livro é bastante interessante, ao apresentar as idéias de vários sociólogos que escreveram desde a fundação da Sociologia por Augusto Comte, no século XIX, até os dias atuais; além disso, todos os capítulos seguem a mesma estrutura formal.

 

Na verdade, comprei o livro interessado no capítulo sobre Augusto Comte; li-o com atenção, mas, à medida que o fazia, ficava cada vez mais riste e estarrecido. A autora, a professora aposentada da Ufpel Maria Thereza Rosa Ribeiro, produziu um capítulo assustador, caracterizado pelo mais profundo espírito “crítico”, isto é, pelo mais profundo espírito destruidor e, em particular, em que “criticidade” equivale a falar mal.

 

Na verdade, as próprias referências bibliográficas que ela cita indicam esse desejo destruidor, baseado largamente em diversas versões do marxismo: T. Adorno e H. Marcuse, Florestan Fernandes e Anthony Giddens, W. Lepenies e Lelita Benoit, além de muitos livros da própria Profª Ribeiro. Apesar de a Profª Ribeiro afirmar que o Positivismo é “conservador” e até “mistificador”, os autores que indiquei acima é que mistificaram em inúmeras ocasiões alegre e violentamente o Positivismo, Comte e a compreensão que se tem dele. A Profª Ribeiro poderia, é claro, ter citado muitos outros autores, verdadeiramente conhecedores da obra de Comte, como Mike Gane, Laurent Fedi, Angèle Kremer-Marietti, Pierre Arnaud, Michel Bourdeau, Sérgio Tiski, Johan Heilbron, Frédéric Keck, Juliette Grange e até o Raymond Aron, além de mais obras de Annie Petit; ou, então, Miguel Lemos e Teixeira Mendes, fundadores da Igreja Positivista do Brasil e que têm, de cada um, apenas uma referência citada, embora eles tenham escrito mais de 500 títulos!

 

A escolha dos autores citados – que raramente eram especialistas em Comte – e a dos não citados – estes, sim, realmente “especialistas em Comte”[1] – evidencia o quanto foram infelizes as escolhas da Profª Ribeiro para tratar do fundador da Sociologia, da Sociologia das Ciências, do Positivismo e da Religião da Humanidade. Embora a Profª Ribeiro tenha repetido, no final do capítulo, a mistificação autocongratulatória de Giddens a respeito da “Sociologia reflexiva”[2], isto é, de uma Sociologia da Sociologia, eu devo admitir que esse capítulo é uma pequena pérola da “criticidade”, bem como profundamente reveladora dos hábitos intelectuais e institucionais que caracterizam as redes de sociólogos no Brasil.

 

As citações feitas de Comte em si mesmas são mais ou menos corretas, mas mais ou menos apenas repetem o mesmo que todos os manuais (re)publicados no Brasil citam dele há muito tempo, especialmente com a incorreta e indevida ênfase no Sistema de filosofia positiva (1830-1842), poucas referências ao Sistema de política positiva (1851-1854) e nenhuma citação da Síntese subjetiva (1856), além de muitas citações de obras menores (e mais “fáceis”) de Comte, em particular o Discurso sobre o espírito positivo (1847) e o Catecismo positivista (1853). Tanto nessas citações quanto nos comentários da Profª Ribeiro, o que importa de Comte, tanto para o próprio Comte quanto para a Sociologia, é desprezado; é claro que esse desprezo é motivado pela ideologia de quem escreve e porque é mais fácil repetir citações arquiconhecidas que explorar o extremamente denso pensamento comtiano. Devemos também levar em consideração que a ideologia dos autores realmente pesa muito aí; enquanto autores como – não por acaso – Marx são tratados com enorme respeito e suas mínimas letras são exploradas no esforço exegético, no caso de Comte essa generosidade e esse cuidado são rejeitados: como eu observei, isso está claro de maneira exemplar nos livros Adorno e Marcuse, nos de Florestan Fernandes e Giddens, chegando a cúmulos de veneno nos de Lepenies e Benoit. Dois pesos e duas medidas: “criticidade” demais contra Comte, respeito venerador a favor de Marx... sobra criticidade, falta “reflexividade”[3].

 

(Ainda assim, é notável o quanto o historiador marxista Mario Maestri elogia a atuação dos positivistas no Brasil... isso torna ainda mais estranhas as afirmações de que o Positivismo seria “conservador” e não “reflexivo”.)

 

Assim, embora eu mesmo tenha uma larga produção dedicada ao exame, à exposição e à aplicação das idéias comtianas e do Positivismo, tenho que me resignar com o fato de que não tenho uma série de predicados característicos da Profª Ribeiro, compartilhada por outros autores do livro em questão: não sou “crítico” (isto é, em particular, não sou marxista e ainda carrego – com orgulho, devo admitir – o que a academia brasileira considera um xingamento: sou “positivista”); não sou professor (sou apenas um sociólogo profissional da UFPR, com doutorado em Sociologia Política e meros dois pós-doutorados, em Teoria Política e Filosofia das Ciências); não iniciei minha carreira nos anos 1980 ou antes (comecei minha graduação em 1995 e terminei o doutorado em 2010).


Para concluir, três observações:

  1. Embora esteja na moda a Sociologia “decolonial”, no Brasil adotamos desde há uns 40 anos o infeliz hábito de não traduzir mais os nomes de línguas estrangeiras. Entretanto, Comte é chamado desde o século XIX de Augusto Comte, não Auguste Comte; os positivistas fomos alguns dos primeiros a devidamente aportuguesar o nome do fundador da Sociologia, em um uso que era corrente no país até pelo menos os anos 1960. É estranho ver que sociólogos “críticos” desprezam um hábito secular e revertem para uma prática contrária à nossa autonomia mental e política.
  2. Em um hábito que se iniciou igualmente já no século XIX, o adjetivo relativo a Comte é “comtiano”, não “comteano”, como empregado no capítulo que comentamos. Provavelmente o “comtiano” deve-se à pronúncia carioca dessa palavra, mas, enfim, não há problema nisso; já virou hábito consagrado e tornou-se o padrão.
  3. Já em 1848, no Discurso sobre o conjunto do Positivismo, Comte dizia que a obra anteriormente chamada de Curso de filosofia positiva deveria ser chamada doravante de Sistema de filosofia positiva: adotar “Sistema” e não “Curso” corresponde ao mesmo tempo a conhecer e a respeitar a obra do autor.



[1] Ponho entre aspas a expressão “especialistas em Comte” porque, como é evidente para qualquer conhecedor da obra do fundador da Sociologia, uma das principais funções da Sociologia é servir de fundamento para concepções gerais (e científicas) sobre a realidade, afastando-se portanto das especializações (acadêmicas) e dos particularismos (políticos). A idéia de “especialistas” no âmbito do Positivismo, portanto, apresenta uma ambiguidade (que de resto é proposital): por um lado eles são necessários para o avanço das pesquisas científicas, mas, por outro lado, devem necessariamente se submeter às vistas gerais – que se baseiam na Sociologia e que são ampliadas e sistematizadas precisamente pelo Positivismo, na forma de um novo poder Espiritual (humano, positivo, altruísta, histórico e relativo). Não por acaso, essa idéia não está presente no capítulo redigido pela Profª Ribeiro.

[2] O sociólogo inglês Anthony Giddens afirma desde há muitos anos que ele criou uma Sociologia “reflexiva”, claramente dando a entender que os sociólogos anteriores a ele e aqueles que não compartilham de suas reflexões não seriam “reflexivos”, isto é, não seriam capazes de refletir sobre a própria prática sociológica, suas origens, suas limitações, suas condições, suas possibilidades etc. Parece claro o quanto essa concepção de Giddens é extremamente arbitrária, histórica e teoricamente errada (e injusta!) e no fundo serve apenas para ele envaidecer-se bastante e ser mais citado.

Na verdade, como eu demonstrei em um artigo de 2009, a exposição que Giddens faz das idéias de Augusto Comte é extremamente preconceituosa, enviesada e errada; chega a ser assustador o quanto o que ele expõe da obra comtiana diverge radicalmente do que o próprio fundador da Sociologia escreveu.

[3] O problema não está na veneração a Marx nem no cuidado da exposição de seu pensamento, mas (1) no desrespeito sistemático e interessado contra Comte e (2) na prática hipócrita, cínica e desinformadora de aplicar-se dois pesos e duas medidas, conforme o gosto e a ideologia do autor de cada texto.

17 março 2021

Michel Bourdeau: vídeo sobre Augusto Comte

 Em 2018, Michel Bourdeau, professor do Instituto de História e Filosofia das Ciências e das Técnicas (IHPST), em Paris, gravou para o Canal-U um documentário sobre a obra filosófica, política, científica e religiosa de Augusto Comte, na própria casa de Augusto Comte.

Esse vídeo está disponível aqui ou aqui, com a possibilidade de baixar apenas o áudio aqui

O roteiro da gravação, que tem cerca de 58 minutos, é este:

1) Comte na história do pensamento: filosofia das ciências e filosofia política

2) As duas carreiras de Augusto Comte

3) A Lei dos 3 Estados e a classificação das ciências

4) A filosofia política e a Religião da Humanidade

5) Conclusão: Comte, Hayek e o liberalismo

25 fevereiro 2021

Correio da Manhã: em 1964, "Militares invadem o Clube Positivista"

Na noite de 10 de abril de 1964, a sede do Clube Positivista, na Cinelândia (Zona Sul do Rio de Janeiro), foi invadida por militares em busca de material "subversivo". Essa invasão ocorreu em altas horas (quase meia-noite) por policiais que portavam metralhadoras e que arrombaram a porta do Clube e confiscaram arquivos e documentos variados.

É notável que essa invasão tenha ocorrido menos de dez dias após o golpe militar, em 1º de abril de 1964; considerando que havia alguns militares de alta patente no Clube Positivista (seu presidente era o Vice-Almirante Alfredo de Morais Filho), a única conclusão possível é que essa invasão foi ordenada por militares fascistas e antinacionalistas - entre os quais se incluíam golpistas contumazes, como Olympio Mourão Filho e Góes Monteiro (este último faleceu em 1956, mas era conhecido seu ódio pelo Positivismo e pelos militares positivistas).

Também é digno de nota que o Vice-Almirante Morais condenou a invasão como sendo um ato de violência pura e arbritrária e que, no final das contas, seria inútil, pois exercer-se-ia contra as crenças íntimas das pessoas (no caso, contra o Positivismo e a Religião da Humanidade); tal violência seria em si inútil contra crenças e, ainda mais, teria como um efeito possível o reforço das crenças ameaçadas.

Essa invasão foi noticiada no dia 12 de abril de 1964 no jornal Correio da Manhã (ed. B21.786, caderno 1, p. 12). Tivemos acesso a ela por meio do portal da Biblioteca Nacional, que digitalizou esse periódico no projeto "Hemeroteca Digital Brasileira". O original da notícia pode ser consultado aqui.

Abaixo reproduzimos a página do jornal com a notícia em questão.


Fonte: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=59224&url=http%3A%2F%2Fmemoria.bn.br%2Fdocreader&fbclid=IwAR3gJ42QukGZ26hxJ9DSZoNa9SRQN9WTHgtoMCdE3dHfO4INNaGg8kxxMOc#

21 fevereiro 2021

Roteiro da exposição sobre o segundo mês dos calendários positivistas (Homero e Casamento)

O vídeo relativo às anotações abaixo encontra-se disponível aqui


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Roteiro da exposição sobre o segundo mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Homero

 


-        2º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Homero começa em 29 de janeiro e termina em 25 de fevereiro

o   O segundo mês concreto representa a poesia antiga

§  É o segundo mês da Antigüidade

§  Ele é antecedido por Moisés (a teocracia inicial) e seguido pelos outros três meses da Antigüidade (Aristóteles, Arquimedes e César)

-        A poesia foi o primeiro ramo intelectual a separar-se da árvore teocrática; não por acaso, a evolução da poesia na Grécia apresenta o espetáculo de progressiva humanização de seus temas e, mais ainda, de progressiva especialização das suas formas

o   As poesias mais antigas correspondem aos mitos de criação e de explicação, de tal sorte que são, ao mesmo tempo, históricas, cosmológicas e literárias: Hesíodo claramente apresenta esse caráter

o   De qualquer maneira, a poesia antiga apresenta um forte caráter moral, servindo para refletir sobre a condição humana, as possibilidades de ação individuais e os destinos coletivos:

§  Ésquilo era um dramaturgo fortemente moralista (Prometeu acorrentado, Os persas), ao passo que em Homero vemos os destinos individuais (Odisséia, Ilíada) e coletivos (Ilíada) postos em questão

o   Paulatinamente surgiu também espaço para as críticas de costumes, com Aristófanes (em Atenas) e Plauto e Horácio (em Roma)

-        A poesia antiga surgiu de poetas que iam de cidade a cidade cantando os feitos míticos e heroicos da cultura comum; do culto a Dionísio surgiu o teatro; o politeísmo também incentivou as artes plásticas, especialmente com a escultura, a arquitetura e a pintura

o   Os romanos compartilhavam esse fundo comum de cultura, ao mesmo tempo em que herdaram a cultura grega; ainda assim, eles produziram seus próprios grandes poetas e artistas, de que Virgílio é o grande representante

-        Uma última observação: conforme nota Frederic Harrison, a poesia antiga é mais homogênea que a moderna, em termos de valores compartilhados e de estabilidade da ordem social

o   Como “o progresso é o desenvolvimento da ordem”, a poesia antiga pôde desenvolver-se bastante e, em certo sentido, até mais que a poesia moderna; ela atinge altos píncaros com facilidade

-        Homero e Ésquilo integram o “triângulo dos poetas” (Catecismo, p. 455): 

 

-        O mês e as semanas do mês de Homero correspondem ao seguinte:

o   Homero – representa a poesia antiga, em seus variados aspectos, especialmente em termos de idealizar a moralidade individual e coletiva

o   Ésquilo – congrega os grandes dramaturgos e os poetas moralistas

o   Fídias – reúne os artistas plásticos, ou seja, pintores, escultores e arquitetos

o   Aristófanes – reúne os poetas fabulistas e os moralistas satíricos e de costumes

o   Virgílio – reúne os poetas romanos, nos seus variados aspectos (dramaturgia, poesia épica, fábulas, poesia de costumes, poesia lírica) – em particular com a previsão da Humanidade em paz

 

Parte II – Mês abstrato: o casamento

-        O segundo mês do calendário positivista abstrato celebra o casamento

o   É o primeiro mês que celebra os laços fundamentais, em número de cinco: casamento, paternidade, filiação, fraternidade e domesticidade

-        Ao mesmo tempo em que é um dos laços fundamentais, o casamento também é um dos sacramentos positivistas (que são em número de nove)

1)      Apresentação

2)      Iniciação

3)      Admissão

4)      Destinação

5)      Casamento

6)      Madureza (ou maturidade)

7)      Retiro

8)      Transformação

9)      Incorporação

o   O casamento é o sacramento mais importante de todos

o   Como todos os demais sacramentos, ele é de caráter facultativo (em particular, ele não pode ter caráter de imposição legal) – embora, é claro, a sua aceitação indica o grau de comprometimento com a moralidade humana e altruísta

-        O casamento é importante porque (1) funda uma nova família, o que implica todos os encargos morais e materiais daí decorrentes; assim, (2) institui-se a relação inicial e original entre homem e mulher: o Positivismo vem “[...] regenerar o casamento humano, concebendo-o doravante como destinado sobretudo ao aperfeiçoamento mútuo dos dois sexos, abstraindo de toda sensualidade” (Catecismo, p. 338)

o   Assim, o casamento positivista afirma a importância da moral e do altruísmo, substituindo as concepções profundamente egoístas próprias à teologia, para quem o casamento tem por objetivo meramente a reprodução humana

o   A relação entre o casal é tanto objetiva quanto subjetiva e deve manter-se por toda a vida e até além da morte de um dos cônjuges

§  Em virtude disso, isto é, da importância subjetiva do casamento, o casamento positivista tem a particularidade do voto obrigatório da viuvez eterna

§  “Uma vida inteira é insuficiente para que um casal conheça-se suficientemente”

§  Segundas núpcias são uma forma subjetiva de poligamia – em outras palavras, o casamento deve ser rigorosamente monogâmico

§  Os positivistas que não quiserem realizar o casamento positivista (com a viuvez eterna) não podem, entretanto, prescindir do casamento civil, necessário de qualquer maneira

§  Evidentemente, a importância subjetiva do casamento estende-se para além da morte dos dois cônjuges, sobre os filhos e demais descendentes do casal

o   É no casamento que se verifica de maneira direta e imediata a influência moral da mulher sobre o homem

§  Essa influência moral da mulher sobre o homem é da mesma natureza, embora de caráter privado, que a realizada pelo sacerdócio sobre a opinião pública e o governo no âmbito público

§  A influência moral da mulher, além disso, evidentemente, também se verifica também sobre os filhos

§  A influência moral da mulher sobre o homem baseia-se na superioridade moral da mulher sobre o homem – que, em contrapartida, apresenta outros tipos de superioridade em relação à mulher, gerando-se complementaridades

o   A reprodução humana é importante, não há dúvida, mas casais que não tenham filhos nem por isso deixam de ter seus casamentos validados; em tais casos, é claro que a adoção pode suprir a ausência de filhos próprios (com a vantagem de desonerar casais que não tenham condições de criar seus filhos): “[...] a teoria positiva da união conjugal, em que as relações sexuais não são diretamente necessárias” (Catecismo, p. 340)

o   Os sacerdotes positivistas devem obrigatoriamente se casar, a fim de sofrerem a influência moral das mulheres

-        São quatro as modalidades determinadas por nosso mestre no casamento, com as respectivas festas semanais:

1)      Completo – celebra o vínculo em sua inteireza, tanto objetiva quanto (sobretudo) subjetiva: “glorifica a união conjugal em toda a sua plenitude, ao mesmo tempo exclusiva e indissolúvel, mesmo pela morte” (Catecismo, p. 158)

2)      Casto – celebra as uniões em que, por qualquer motivo (moral ou físico), um casal não consiga ter filhos; nesse caso, a castidade até certo ponto impõe-se, o que evidencia o caráter subjetivo do casamento; as adoções podem suprir essa lacuna

3)      Desigual – celebra os casamentos, de caráter excepcional, em que houver desigualdades muito acentuadas entre os cônjuges, especialmente em termos de idades

4)      Subjetivo – celebra o caráter moral, mais puro e mais afetivo do casamento; é a parte que se evidencia e que se fortalece na viuvez eterna

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:

o   Louis Mignien (1823-1871) – morte (8.Homero – 5.fev.)

o   Paulo de Tarso Monte Serrat (1923-2014) – nascimento (10.Homero – 7.fev.)

o   Georges Audiffrent (1823-1909) – morte (17.Homero – 14.fev.)

o   Agliberto Xavier (1869-1952) – nascimento (20.Homero – 17.fev.)

o   Paulo Carneiro (1901-1982) – morte (20.Homero – 17.fev.)

o   Pierre Laffitte (1823-1903) – nascimento (24.Homero – 21.fev.)

o   Teófilo Braga (1843-1924) – nascimento (27.Homero – 24.fev.)

 







 

Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 1

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France

Roteiro da exposição sobre o primeiro mês dos calendários positivistas (Moisés e Humanidade)

O vídeo da exposição abaixo encontra-se disponível aqui


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Roteiro da exposição sobre o primeiro mês dos calendários positivistas

 

Parte I – Mês concreto: Moisés

 

 

-        1º mês do calendário positivista concreto

o   Considerando o ano júlio-gregoriano de 2021, o mês de Moisés começa em 1º de janeiro e termina em 28 de janeiro

o   O primeiro mês concreto representa a teocracia inicial

§  É o primeiro mês da Antigüidade

§  Representa a Antigüidade mais recuada no tempo, comum a todas as grandes civilizações

§  Os outros quatro meses da Antigüidade (Homero, Aristóteles, Arquimedes, César) indicam já a transição própria ao Ocidente e, na verdade, a desagregação e a reação às teocracias ocorridas especificamente no Ocidente (desagregação da arte, da filosofia e da ciência e, depois, reação guerreira aos sacerdotes)

-        As características da teocracia inicial são as seguintes:

o   é o regime próprio às grandes civilizações sedentárias

o   são próprias ao politeísmo, a partir da sedentarização dos povos nômades e da conseqüente abstração dos fetiches em direção à concepção das divindades, passando pela astrolatria

§  há três importantes exceções nas teocracias em relação ao politeísmo: duas que vão para a frente (a teocracia monoteísta judaica, iniciada por Moisés, e, a partir dela, a teocracia islâmica) e outra que fica atrás (a civilização chinesa, que se baseia no fetichismo do culto ao Sol, à Lua, ao meio ambiente e aos antepassados)

o   as teocracias são regimes que regulam o conjunto da existência humana, isto é, regulam ao mesmo tempo os sentimentos (via culto), a atividade prática (via regime) e a inteligência (via dogma)

§  os conhecimentos humanos são relativamente poucos aí, mas a necessidade de regular a existência humana já se impunha com grande clareza; para garantir essa regulação, os sacerdotes dominavam a sociedade e, em particular, os guerreiros

§  o trabalho era realizado por famílias especializadas, que transmitiam as funções e os conhecimentos para seus descendentes; a partir disso, constituíam-se as castas

§  ocorria um efetivo desenvolvimento técnico e do conhecimento, mas de maneira muito lenta; esses conhecimentos eram regulados pelos sacerdotes e, de qualquer maneira, eram objeto do mais cuidadoso segredo (reservado apenas aos iniciados)

§  assim, as teocracias eram conservadoras; a fim de evitar a ação progressista (e dissolvente) dos guerreiros, os sacerdotes ordenavam expedições militares distantes, com a fundação eventual de colônias autônomas (igualmente distantes)

§  ainda assim, as teocracias ruíam por fim, quando os guerreiros (autóctones ou estrangeiros) suplantavam os sacerdotes – mesmo que isso ocorresse ao cabo de milênios

§  Vale notar que as teocracias, ao regularem a vida humana, estabeleceram os calendários, estabelecendo o dia (rotação da Terra) como unidade de contagem e os anos (translação da Terra), com as semanas e os meses como unidades intermediárias

§  Tudo isso foi aceito como objetivo, embora seja largamente subjetivo; essa metafísica objetivista mantém-se até hoje, a despeito das observações de Augusto Comte

o   Augusto Comte considera as várias teocracias existentes ao longo da história, como a do bramanismo, dos povos pré-colombianos, a persa, a cananeica etc.; no caso da marcha ocidental, ele observa que o Egito é a grande teocracia originária

§  as teocracias eram mantidas pelos sacerdócios, isto é, pelos colégios sacerdotais; isso dificulta a identificação de nomes particulares

§  ao mesmo tempo, a teocracia judaica, ainda que tenha tido uma importância secundária no conjunto da evolução ocidental, permite a identificação de vários nomes e, em particular, do seu fundador: Moisés

§  os dois motivos acima levaram Augusto Comte a selecionar um nome de um monoteísmo para caracterizar uma instituição que era essencialmente politeísta

-        O mês e as semanas do mês de Moisés correspondem ao seguinte:

o   Moisés – é o primeiro nome que consegue representar uma teocracia (embora ele mesmo tenha instituído uma teocracia monoteísta, contrária ao caráter geral das teocracias iniciais, próprias ao politeísmo)

o   Numa – reúne tipos mitológicos e lendários que caracterizam as teocracias abortadas próprias à marcha ocidental, isto é, a regimes em que os guerreiros impediram o ascendente sacerdotal

o   Buda – são os fundadores de religiões ou de teocracias orientais (com exceção da China e do Japão)

o   Confúcio – são os sacerdotes das teocracias que se mantêm ou que se mantiveram até há (relativamente) pouco tempo (China, Japão, incas, Havaí) e que mantiveram características fortemente fetichistas

o   Maomé – as teocracias monoteístas, em particular a judaica e a islâmica

 

Parte II – Mês abstrato: a Humanidade

 

-        O primeiro mês do calendário positivista abstrato celebra a Humanidade, nosso Grão-Ser

o   Devido à sua importância, evidentemente é o primeiro mês do ano

-        A Humanidade, para ser adorada, tem que ser conhecida; mas a sua existência em si mesma não está em questão (como no caso da divindade teológica); assim, em termos de organização da Religião da Humanidade, a definição e as características do Grão-Ser positivo são apresentadas para que, logo em seguida, tenhamos a exposição do culto, do dogma e do regime

o   Essa é a seqüência seguida por Augusto Comte no Catecismo positivista, embora nosso mestre tenha inicialmente seguido a ordem própria à teologia, ou seja, pondo o dogma antes de tudo (devido a um respeito então inconseqüente pelos antecedentes teológicos e também à preferência preliminar pela inteligência)

o   É importante lembrar que a Humanidade tem que ser adorada, mas também que recebemos dela nossas idéias, nossas possibilidades de ação,  nosso capital e, claro, nossos sentimentos

§  Em outras palavras, a Humanidade é objeto e instrumento de veneração, conhecimento e ação

§  Nós adoramos a Humanidade para melhor servi-la, aperfeiçoando-nos (p. 84 do Catecismo)

§  Augusto Comte observa que o serviço à Humanidade e a busca do aperfeiçoamento (pessoal e coletivo) são partes constituintes e importantes das relações que os seres humanos mantêm com o Grão-Ser; vale notar isso para evitar o misticismo causado pelo exclusivo culto dos sentimentos

§  A Humanidade é idealizada pelo culto, que liga o dogma ao regime

-        A definição da Humanidade é importantíssima, portanto; no Catecismo positivista, Augusto Comte apresenta os traços dela em várias conferências, embora o grosso dos seus comentários concentre-se na primeira:

o   Antes de mais nada, nosso Grão-Ser é real e é eterno (bem entendido: eterno enquanto durar o ser humano)

o   A Humanidade é um ser composto, não é unitário: isso quer dizer que a Humanidade é formada pelo conjunto de seres humanos, em termos subjetivos e objetivos

§  Em contraposição, as divindades são sempre unitárias

§  A Humanidade é o conjunto dos seres convergentes passados, futuros e presentes à os seres passados e futuros são duas massas crescentes e subjetivas; os seres presentes são objetivos

§  A Humanidade recusa os parasitas (aqueles que, após a infância, somente consumem, sem nunca retribuir nada) e os puramente negativos, mas inclui os animais (por exemplo, os cachorros)

§  As massas subjetivas correspondem à continuidade humana (que é afirmada e regulada pelo sacerdócio), ao passo que a massa objetiva corresponde à solidariedade à é importante notar que a Humanidade é cada vez mais e sempre o conjunto subjetivo e, portanto, ela é muito mais a continuidade que a solidariedade à “os vivos são sempre e cada vez mais, necessariamente, governados pelos mortos”

§  A convergência na subjetividade, claramente, é muito mais fácil e muito superior que a da objetividade à cada um dos indivíduos vivos convergentes é um agente da Humanidade; sem eles não há Humanidade, seja porque são os vivos que mantêm e aumentam as riquezas, seja porque são os vivos que mantêm na memória os mortos e consideram os seres futuros

§  O Positivismo afirma a importância, a validade, a positividade dos mortos, que nos fornecem nossos valores, nossas idéias, nossas famílias, nossas riquezas à assim, o Positivismo rejeita como antissociológica e imoral a afirmação marxista de que as gerações passadas oprimem os vivos

o   Os seres humanos vivos não têm nunca a certeza de que serão incorporados subjetivamente à Humanidade

§  Raríssimos são os seres humanos absolutamente indispensáveis e que em vida podem ser julgados como se incorporando à Humanidade

§  A incorporação subjetiva à Humanidade é uma esperança individual, que nos conduz ao mesmo tempo à convergência e à humildade

§  Tudo devemos à Humanidade e todas as nossas ações referem-se a ela (quer queiramos, quer não queiramos; quer saibamos, quer não saibamos)

o   A Humanidade é semelhante ao homem, isto é, nosso Grão-Ser tem a mesma natureza que o ser humano

§  Ao contrário da teologia, na qual as divindades consideram os homens ínfimos e desnecessários, a Humanidade não considera os seres humanos nem desprezíveis nem inúteis: na medida em que somos (e podemos ser) convergentes, cada um de nós é necessário para o verdadeiro Grão-Ser (p. 77 do Catecismo)

o   O culto, o dogma e o regime permitem que conceito de Humanidade resuma as ordens humana e exterior à ele afirma o amor (ordem humana) e consolida a fé (ordem exterior)

§  É fundamental lembrar que o amor, que é a base do Positivismo, é o único sentimento que permite de fato unir os indivíduos

-        A Humanidade será sempre simbolizada por u’a mulher

o   Essa mulher deve ter cerca de 30 anos, segurando em seu colo uma criança recém-nascida ou um bebê (o futuro)

o   No culto privado reverenciamos as personificações mais próximas da Humanidade, que são as mulheres próximas a nós: mães, esposas, filhas, irmãs

-        Por fim: a Humanidade substitui a divindade teológica, reconhecendo seus serviços (necessariamente passados)

-        São quatro os laços inferiores à Humanidade celebrados nas semanas do mês:

o   Do primeiro ao último, há uma diminuição da extensão territorial e um aumento da intimidade:

1)      religioso – o único universal

2)      histórico – relativo aos vínculos que já não existem mais

3)      político (ou cívico) – é aquele em que cada um de nós vive e trabalha

4)      comunal – são os vínculos mais próximos e acima da família

 

Parte III – Comemorações de aniversários e feriados cívicos

-        Em termos de aniversários, comemoramos neste mês as seguintes figuras:

o   Festa da Humanidade – 1º de Moisés (1º de janeiro)

o   Augusto Comte (1798-1857) – nascimento (19.Moisés – 19 de janeiro)

o   Pierre Laffitte (1823-1903) – morte (4.Moisés – 4.jan.)

o   Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) – nascimento (5.Moisés – 5.jan.)

o   Frederic Harrison (1831-1923) – morte (14.Moisés – 14.jan.)

o   Cândido Rondon (1865-1958) – morte (19.Moisés – 19.jan.)

o   Benjamin Constant (1836-1891) – morte (22.Moisés – 22.jan.)

o   Rosália Boyer (1764-1837) – nascimento (28.Moisés – 28.jan.)

o   Teófilo Braga (1843-1924) – morte (28.Moisés – 28.jan.)


 









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Referências bibliográficas

Augusto Comte: Sistema de filosofia positiva, Sistema de política positiva, Catecismo positivista, Síntese subjetiva

Frederic Harrison: O novo calendário dos grandes homens

Raimundo Teixeira Mendes: As últimas concepções de Augusto Comte

Raimundo Teixeira Mendes: Calendário positivista – precedido de indicações sumárias sobre a teoria positiva do calendário (1899)

David Carneiro: História da Humanidade através dos seus grandes tipos, v. 1

Ângelo Torres: Calendário Filosófico

Comité des travaux historiques et scientifiques: Sociétés savantes de France