Curta-metragem realizado em 1998, da autoria de Bruno Grieco. Disponível aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=9Obd86E3Lh8
Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
06 dezembro 2013
01 dezembro 2013
Livro sobre teoria política de Augusto Comte
Para os interessados, está à venda um livro eletrônico de minha autoria, reunindo artigos sobre a teoria política de Augusto Comte: "Teoria Política positivista: pensando com Augusto Comte" (Poiseis editoria):
http://www.poiesiseditora.com.br/publicacoes/teoria-política-positivista-pensando-augusto-comte
http://www.poiesiseditora.com.br/publicacoes/teoria-política-positivista-pensando-augusto-comte
27 outubro 2013
Universidades canadenses: generalistas ou especializantes?
A matéria abaixo apresenta uma perspectiva especialmente cara ao Positivismo e presente desde o início nos escritos de Augusto Comte: a afirmação da perspectiva generalista, contrapondo-se à especialização científica.
A visão de conjunto é importante devido a vários motivos.
Em primeiro lugar, porque ela permite que as pessoas tenham uma compreensão geral da realidade, isto é, permite que a realidade seja compreensível para o comum das pessoas a partir de uma perspectiva científica. Nesse sentido, ela desempenha uma função pedagógica e psicológica central para o ser humano. (Em particular, cabe notar que as teologias mantêm sua relevância atual porque elas oferecem aos seus crentes uma visão geral da realidade, ao contrário da ciência - bem entendido, da ciência como tem sido praticada até agora, isto é, fragmentária e fragmentada, oferecendo aos seres humanos apenas perspectivas parciais e irracionais da realidade.)
Em segundo lugar, porque essa visão de conjunto - como o texto abaixo indica com grande clareza - permite que se estabeleçam relações entre áreas do conhecimento que de outra maneira não se relacionariam e que não seria possível relacionar com facilidade: não apenas áreas científicas, mas também considerações morais e filosóficas e mesmo artísticas são passíveis de integração por meio da visão generalista.
Em terceiro lugar, as aplicações práticas (técnicas) são ampliadas. É importante ressaltar que as aplicações práticas devem ser indicadas por último, para não se considerar que a perspectiva generalista é válida apenas ou principalmente devido ao seu valor "pragmático": ao contrário, ela importa antes de mais nada porque tem valor pedagógico e filosófico.
A visão generalista na matéria abaixo é apresentada como uma opção viável para os currículos universitários. Entretanto, essa opção é atualmente mais adequada para os Estados Unidos e para o Canadá que para o Brasil, devido à flexibilidade curricular desses países e ao sistema de "major" e "minor degrees" - isto é, devido à possibilidade de duplas graduações, com dois anos de formação geral à escolha dos estudantes seguidos de dois anos de especialização técnico-acadêmica.
A matéria abaixo, todavia, apresenta dois problemas. O primeiro é considerar a concepção generalista estritamente em termos de aplicação prática, isto é, para "resolver problemas", em vez de considerar também (e acima de tudo) suas implicações filosóficas e morais. O segundo problema liga-se ao caráter jornalístico do texto: a exposição da matéria é recheada de exemplos pessoais, que, a título de apresentar o "interesse humano" da questão, aumentam de maneira desnecessária e cansativa o texto.
Ainda assim, vale a pena a leitura e a reflexão.
O original da matéria pode ser obtido aqui.
* * *
A visão de conjunto é importante devido a vários motivos.
Em primeiro lugar, porque ela permite que as pessoas tenham uma compreensão geral da realidade, isto é, permite que a realidade seja compreensível para o comum das pessoas a partir de uma perspectiva científica. Nesse sentido, ela desempenha uma função pedagógica e psicológica central para o ser humano. (Em particular, cabe notar que as teologias mantêm sua relevância atual porque elas oferecem aos seus crentes uma visão geral da realidade, ao contrário da ciência - bem entendido, da ciência como tem sido praticada até agora, isto é, fragmentária e fragmentada, oferecendo aos seres humanos apenas perspectivas parciais e irracionais da realidade.)
Em segundo lugar, porque essa visão de conjunto - como o texto abaixo indica com grande clareza - permite que se estabeleçam relações entre áreas do conhecimento que de outra maneira não se relacionariam e que não seria possível relacionar com facilidade: não apenas áreas científicas, mas também considerações morais e filosóficas e mesmo artísticas são passíveis de integração por meio da visão generalista.
Em terceiro lugar, as aplicações práticas (técnicas) são ampliadas. É importante ressaltar que as aplicações práticas devem ser indicadas por último, para não se considerar que a perspectiva generalista é válida apenas ou principalmente devido ao seu valor "pragmático": ao contrário, ela importa antes de mais nada porque tem valor pedagógico e filosófico.
A visão generalista na matéria abaixo é apresentada como uma opção viável para os currículos universitários. Entretanto, essa opção é atualmente mais adequada para os Estados Unidos e para o Canadá que para o Brasil, devido à flexibilidade curricular desses países e ao sistema de "major" e "minor degrees" - isto é, devido à possibilidade de duplas graduações, com dois anos de formação geral à escolha dos estudantes seguidos de dois anos de especialização técnico-acadêmica.
A matéria abaixo, todavia, apresenta dois problemas. O primeiro é considerar a concepção generalista estritamente em termos de aplicação prática, isto é, para "resolver problemas", em vez de considerar também (e acima de tudo) suas implicações filosóficas e morais. O segundo problema liga-se ao caráter jornalístico do texto: a exposição da matéria é recheada de exemplos pessoais, que, a título de apresentar o "interesse humano" da questão, aumentam de maneira desnecessária e cansativa o texto.
Ainda assim, vale a pena a leitura e a reflexão.
O original da matéria pode ser obtido aqui.
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CANADIAN UNIVERSITY REPORT 2014: INNOVATION
The university debate: specialize or be a
generalist?
ERIN
MILLAR
Special to The Globe and
Mail
Published Tuesday,
Oct. 22 2013, 7:11 AM EDT
Last updated Tuesday,
Oct. 22 2013, 9:30 AM EDT
It was one of those
beautiful moments of intellectual revelation that undergraduate education is
all about. Evan Pivnick was reading Climate Wars by Gwynne Dyer when he
realized that climate change wasn’t just a problem of science but also of
politics. “I used to think about it in an analog way,” recalls the University
of Victoria political science graduate of his formerly single-channel thinking.
All of a sudden, communication theory, psychology, economics and law seemed
hugely relevant. “I didn’t want to take a narrow look at climate change. I
wanted to study the whole spectrum.”
So Pivnick signed
up for Victoria’s new minor in human dimensions of climate change. “I wouldn’t
have encountered the hard science of climate change chemistry otherwise,” he
says. “It also opened me up to economics. I realized I had certain biases so I
took classes to understand and be conversational with economists.” After
graduating this spring, he scored a job working for Andrew Weaver, a Victoria
climate scientist who was recently elected the first Green Party MLA in British
Columbia.
Pivnick says the
interdisciplinary nature of his education strengthened his ability to consider
problems from different perspectives and communicate with experts from
disparate fields − a type of thinking universities are increasingly attempting
to foster in their students. While interdisciplinary education is not
necessarily new, unique approaches are popping up across the country that
recognize that modern problems such as climate change − messy, complex beasts
that won’t be solved by a single field − require thinkers with a broad wisdom
not limited to a single field.
At McMaster
University in Hamilton, for instance, the honours integrated science, arts and
science, and bachelor of health sciences programs are inherently
interdisciplinary. Since Dalhousie University in Halifax created the College of
Sustainability in 2009, more than 1,000 students from almost every faculty have
enrolled in a double major that involves working on sustainability challenges
in the community with professors in the arts, business, science, engineering,
health and design faculties.
Most of the 60
universities researched for the Canadian University Report offer relatively new
interdisciplinary undergraduate programs in subjects as varied as cognitive
science (Carleton University in Ottawa), peace and justice (University of
Toronto), food systems (Trent University in Peterborough, Ont.) and community
engagement (Emily Carr University of Art and Design in Vancouver). These
programs go by many names − applied or integrated, multi- or trans-disciplinary,
inquiry or problem-based − but they all have a fundamental assumption in
common: Innovation, whether an idea for a new product or an approach to
treating illness, often occurs at the intersection of disciplines.
“One of the dangers
of disciplinary thinking is that you can get narrowed into a certain jargon
that is familiar to your group of experts but virtually meaningless to other
people,” says David Leach, director of the technology and society program at
the University of Victoria. “Because we’re not within any faculty, our students
have to find a way of communicating and collaborating with one another.”
Communication and
collaboration, along with analysis, critical thinking, technological literacy
and problem solving, make up a suite of intangibles sometimes called
“21st-century skills,” that educators such as Leach argue students gain from a
broad education.
This view of what
skills are needed to thrive in the 21st century is but one side of a debate
that has dominated discussion about the goals of postsecondary education in the
past year. In reaction to the tough job market many new university graduates
face, a growing chorus of politicians and pundits call for universities to
narrow their focus and produce “job ready” graduates with the latest technical
expertise; in this view, studying humanities or social sciences is seen as a
waste of taxpayers’ money and students’ time because asking unanswerable
questions does nothing to prepare one’s mind for the real world.
Writing in
Maclean’s magazine, columnist Colby Cosh eloquently argued that broadly
educating students amounts to delaying them from entering the work force merely
because of a romantic (read: foolish) attachment to the broad education at the
heart of the liberal Enlightenment ideal: “What you get when you turn this
ideal into a system, however, is a lot like what you get when you transform
articles of Christian faith into the Catholic Church: a powerful, unaccountable
apparatus that abuses large numbers of young people.”
Prime Minister
Stephen Harper has also called for postsecondary institutions to focus on
specific skills, particularly in trades, science and engineering. In a meeting
with a U.S.-Canada business group in Ottawa last November, he said, “For
whatever reason, we know that peoples’ choices, in terms of the education
system, tend to lead us to what appears to be a chronic shortage of certain
skills.” The contention that Canada’s skills shortage is a barrier to economic
recovery is the justification for the Canada Job Grant, a centrepiece of the
government’s 2013 economic plan, which pledged to provide 130,000 workers a
year with skills training.
But, according to
many educators, the set of skills students need to thrive in the modern economy
is about much more than technical expertise. In a speech to the Empire Club of
Canada last March, David Naylor, outgoing president of the University of
Toronto, called the argument for more job-specific education a so-called zombie
idea, “one of those persistent and infectious pieces of misinformation, a meme
that shouldn’t be alive but just won’t die.” He argued that, instead of
focusing on specific technical skills, all people, regardless of their field,
need to be able to think quantitatively, communicate effectively, analyze critically
and reason through ethical and social challenges. Even in applied disciplines
such as health sciences, teachers are replacing narrow skills with what one
might call “renewable competencies,” Naylor said. “After all, our students will
confront challenges – everything from climate change to cyber-security – that
are more intertwined, complex, and social than ever before.”
So what should we
make of this debate? Is this shift toward interdisciplinary teaching that
prioritizes renewable competencies over narrow expertise preparing students to
adapt to fast-changing careers and economies? Or are universities producing
unemployable masters of none?
The tiny, private
Quest University in Squamish B.C., which exemplifies the trend, may provide the
answers to these questions.
Mid-day on a
Wednesday in early May, snowshoe-clad students sit on a snowy shore of frozen
Garibaldi Lake, a glacial lake in the mountains midway between Vancouver and
Whistler, B.C., eating hummus wraps and trail mix. These undergraduates are
camping here for five days. They’ve brought gear such as ice augers and
instruments to measure water flow. The goal? To quantify the amount of water in
the watershed.
In the next three
weeks, they’ll spend time on a river and the ocean, studying different aspects
of water cycles with professors with expertise in fields from geology to
physics to epidemiology. But right now, on this lunch break, they’re thinking
about the assignment at hand. Student Julia Simmerling is frustrated because
her group spent all morning measuring snow density but the instrument kept
maxing out and seemed to be calibrated incorrectly. All her numbers are
meaningless, she complains to physics professor Court Ashbaugh. “There’s a way
around this,” he tells her. After some discussion with Ashbaugh, Simmerling and
her group take a new approach to the problem of quantifying the amount of snow
in the water shed: by measuring water from snow off a roof. They later realize
they were using the snow density instrument incorrectly, but they learned that
there are a lot of different ways to tackle a problem in the field.
The lesson may seem
inconsequential − Simmerling may never again need to reason out how to measure
the amount of water in snow − but this kind of problem-solving is what this
class, and Quest itself, is all about. With no majors or departments, the
unusual university in Squamish is arguably Canada’s most extreme example of
broad, interdisciplinary undergrad education. “If you have a conventional
education, you are trained in how we view the world in 2013,” explains
mathematics professor Glen Van Brummelen. “You might be able to exist in the
current system for a few years, but what will get you far is flexibility in
thinking.” In other words, technology and economies are changing at such a pace
that industry-specific skills learned through higher education are often
obsolete soon after graduation, therefore students are better served by
developing the ability to adapt and continue learning outside formal settings.
Quest buys into an
idea that is gaining momentum at universities around the world: that instead of
being steeped in disciplinary content, students ought to develop adaptable
habits of mind. Traditionally, being educated is most often a process of
narrowing; one would study increasingly specific knowledge to the point of
knowing enough to be considered an expert. But in this new view, what matters
isn’t specific content but the broad strokes of how the world works. Quest is
throwing out the conventions of disciplines in order to get at intangibles. For
example, during the field class at Garibaldi Lake, students argued with each
other about precision and uncertainty while taking measurements – concepts
central to doing science that are difficult to get at in the predictable
confines of a classroom.
But striking the
right balance between teaching habits of mind and disciplinary content is
tricky. While Ashbaugh is a great supporter of learning science by doing, he
worries his students may end up not knowing much about anything. “Experts think
the way they do because they know a lot about something. That keeps me up at
night,” he says, but acknowledges that a liberal arts education like that
offered at Quest isn’t intended to produce experts. Van Brummelen is less
troubled: “The big question in this discussion that never gets addressed is:
How much technical knowledge do conventionally trained students actually have?”
Yet, that question
is being asked. Mere moments after the Harper government announced a cabinet
shuffle last July, MP Jason Kenney, who had just been named Minister of
Employment and Social Development, tweeted, “I will work hard to end the
paradox of too many people without jobs in an economy that has too many jobs
without people.” His comment hints at the view held by the Office of the Prime
Minister, that a lack of jobs isn’t the sole reason for persistently
above-average unemployment. Harper also sees this as an education issue, which
cuts to the heart of the debate about the purpose of universities. Jobs go unfilled
because employers can’t find employees with the right skills, this line of
reasoning goes; if only universities were better at equipping students with
relevant skills demanded by employers, graduates would find jobs. (It’s worth
noting that Don Drummond, former chief economist at Toronto-Dominion Bank, now
at Queen’s University, told the Toronto Star that he was unable to verify the
unfilled jobs stats used in the 2013 budget.)
Everyone
interviewed for this article agrees that employers are frustrated with
university graduates’ mix of skills, but most say employers aren’t seeking
technical knowledge but instead abstract 21st-century skills or “renewable
competencies.” Ginny Dybenko, former chief executive officer of Bell Advanced
Communications, says, “Whether I asked Procter & Gamble or the banks on Bay
Street or the big consulting firms, without exception, all the s nior people
told me they needed the soft skills. It’s an ability to communicate with
humans. That requires an understanding of how humans think and how they want to
understand the world. It sounds so straightforward that I am almost reluctant
to say it, but it is something that is hard to deliver on.”
After 40 years at
Bell, a stint at a startup, and five years as dean of business at Wilfrid
Laurier University, Dybenko joined the University of Waterloo in Ontario in
2011 as executive director of the Stratford Campus, a new digital media campus.
The idea was to create an interdisciplinary graduate program in which students
work with companies to tackle digital media problems. The course work would
touch on business and technology, but its heart was in the arts – history, fine
arts, psychology.
“What a remarkable
thing – to bring together the geeks and the artists in one site,” recalls
Dybenko,“give them interesting tasks to work on together, provide them with a
creative frame, lots of opportunity to play in that sandbox, and see what
happens.”
Dybenko’s
colleagues hoped 50 students would sign up in the first year, and were
delighted when 100 started the program. The next year 150 qualified students
enrolled. An undergraduate program launched last fall was similarly popular.
The response from business was also enthusiastic. Google and Canadian Imperial
Bank of Commerce were among companies that submitted projects to the program
for students to work on, and all graduates who entered the job market (some
became entrepreneurs) are employed.
What is unusual
about the Stratford Campus is its firm foundation in the arts. (Its academic
director Christine McWebb has a doctorate in French literature.) “In the old
days,what students would be told if they were really passionate about the arts
or the humanities was to become an accountant, and then they could play with
that other stuff in their spare time,” Dybenko says. “If they’re passionate
about the arts, and that can be music or sociology or political science or
geography or history, then we encourage them and give them enough technology so
that they can apply that in the digital age and enough business skills so that
they are actually useful in the workplace.”
Stratford Campus
was established as arts programs were being cut back at many universities. (In
August, the University of Alberta in Edmonton suspended enrolment in 20 arts
programs, from music to languages.) The value of an arts education is at the
heart of the debate about what skills students should gain from a university
education, and it’s an extremely old argument – whether education ought to be
about fostering critical, independent thought has been up for debate at least
since Plato laid out the bones of a Socratic education in his Republic. But new
interdisciplinary programs at universities across the country are lending the
arts new relevance, rooted in a recognition that in our race to invent widgets,
cure diseases and program apps, we may have neglected the human element.
Robert Gifford,
head of the University of Victoria’s human dimensions of climate change
program, says the program grew out of an understanding that there is a
sociological and psychological side to climate change. He argues that graduates
will be valuable to governments and industry dealing with environmental
problems. “Stephen Harper’s people are thinking industrial, productive,
resource-extraction type of jobs – plumbers, electricians, which we need, but
we’re producing people who are job-ready, not for resource extraction, but to
be managers of a very complex problem.”
For Dana Petersen,
one of the first Stratford Campus graduates, the utility of her broad education
is obvious. With her ability to speak the language of designers and engineers
alike, she scored a job as a user experience researcher at Samsung, exploring
how people interact with technology. “For a long time at universities, there
were the sociology and psychology departments, and they were about people.
Way across campus,
there were the engineers who built things. We’re just starting to build
bridges.”
26 setembro 2013
Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930)
Para os interessados em História do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas criou há alguns anos um dicionário eletrônico da elite política da I República (1889-1930), que é mais ou menos complementar ao dicionário de elites relativas ao período posterior a 1930 (disponível aqui).
A iniciativa é interessante; ainda assim, é importante notar que ela deixa muito a desejar: inúmeros nomes da "elite política" da I República pura e simplesmente não aparecem nesse dicionário.
Dois exemplos absolutamente escandalosos de omissões: os apóstolos da Humanidade, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que, com base na Igreja Positivista do Brasil, tanto fizeram em prol de uma cultura cívica republicana, do respeito aos trabalhadores, da dignidade da família, da separação entre Igreja e Estado.
Ausências desse gênero diminuem muito a relevância da iniciativa, em particular porque não há previsão de complemento no dicionário e não se aceitam verbetes complementares.
Não há dúvida alguma de que esse tipo de ausência reflete as decisões e as orientações teóricas e políticas tomadas por vários diretores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas. Em outras palavras, esse núcleo de pesquisa pura e simplesmente decretou que o Positivismo não desempenhou papel algum na história brasileira e que, caso alguém discorde desse decreto, tal papel deve ser desconsiderado. É evidente que isso se afasta bastante do que qualquer cidadão poderia chamar de prática científica e política "sadia".
Enfim: para os interessados, esse Dicionário da I República está disponível aqui: http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica.
A iniciativa é interessante; ainda assim, é importante notar que ela deixa muito a desejar: inúmeros nomes da "elite política" da I República pura e simplesmente não aparecem nesse dicionário.
Dois exemplos absolutamente escandalosos de omissões: os apóstolos da Humanidade, Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, que, com base na Igreja Positivista do Brasil, tanto fizeram em prol de uma cultura cívica republicana, do respeito aos trabalhadores, da dignidade da família, da separação entre Igreja e Estado.
Ausências desse gênero diminuem muito a relevância da iniciativa, em particular porque não há previsão de complemento no dicionário e não se aceitam verbetes complementares.
Não há dúvida alguma de que esse tipo de ausência reflete as decisões e as orientações teóricas e políticas tomadas por vários diretores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas. Em outras palavras, esse núcleo de pesquisa pura e simplesmente decretou que o Positivismo não desempenhou papel algum na história brasileira e que, caso alguém discorde desse decreto, tal papel deve ser desconsiderado. É evidente que isso se afasta bastante do que qualquer cidadão poderia chamar de prática científica e política "sadia".
Enfim: para os interessados, esse Dicionário da I República está disponível aqui: http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica.
Miguel Lemos (1854-1917) |
Raimundo Teixeira Mendes (1855-1827) |
23 setembro 2013
Do OLÉ: "Papa no Brasil: para onde foi a laicidade do Estado?"
Reproduzo abaixo postagem recente do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), em que trata da recente visita do papa Francisco ao Brasil, por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude (Católica) e das suas relações com a laicidade.
É um relato minucioso - e, por isso, longo - do evento, indicando vários aspectos em que a laicidade foi francamente desrespeitada, por vezes da maneira mais acintosa e demagógica.
O OLÉ é um dos poucos órgãos de pesquisa que valorizam a laicidade e assumem-na como um valor para a República, sem se curvar aos inúmeros sofismas contrários a ela - sofismas o mais das vezes produzidos por seus inimigos e repetidos por políticos e juristas interessados no Estado confessional (quando não teocrático).
O vínculo original da postagem encontra-se aqui.
* * *
É um relato minucioso - e, por isso, longo - do evento, indicando vários aspectos em que a laicidade foi francamente desrespeitada, por vezes da maneira mais acintosa e demagógica.
O OLÉ é um dos poucos órgãos de pesquisa que valorizam a laicidade e assumem-na como um valor para a República, sem se curvar aos inúmeros sofismas contrários a ela - sofismas o mais das vezes produzidos por seus inimigos e repetidos por políticos e juristas interessados no Estado confessional (quando não teocrático).
O vínculo original da postagem encontra-se aqui.
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O PAPA NO BRASIL: PARA ONDE FOI A LAICIDADE DO ESTADO?
A semana
que o papa Francisco passou no Brasil (22-28/7/2013), bem como o período
imediatamente anterior e posterior, propiciam uma ocasião privilegiada para se
saber para onde vai a laicidade do Estado brasileiro. O que se fez e o que se
deixou de fazer, o que se disse e o que se calou, o material e o simbólico,
tudo isso recheou e revestiu a passagem do papa pelo Brasil.
Para
começar, não dá para não falar da Marcha para Jesus, promovida por igrejas
evangélicas em várias cidades do país, de junho a agosto. Não foi, como parece
à primeira vista, um desafio evangélico ao evento católico. Por mais que a
rivalidade intra-campo religioso estivesse presente, o evento evangélico se
realiza há duas décadas na capital paulista. E foi, de uma certa maneira, institucionalizada
pela lei federal 12.025/2009, de iniciativa parlamentar e sancionada pelo
presidente Lula, que instituiu o “Dia Nacional da Marcha para Jesus”, a ser
comemorado, anualmente, no primeiro sábado subsequente aos 60 dias após o
domingo da Páscoa. Não há dúvida que esse marco foi o contraponto da lei
federal 6.802/1980, firmada pelo presidente general Figueiredo, que declarou
feriado nacional o dia 12 de outubro “para o culto público e oficial a Nossa
Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil.” Portanto, se algum desses eventos foi
marcado para perto do outro foi o católico, não o evangélico.
Em São
Paulo, a “Marcha para Jesus” foi realizada em 29/6/2013, pouco menos de um mês
antes da Jornada Mundial da Juventude (Católica). Durou um dia inteiro, contou
com cerca de 2 milhões de pessoas de diversas denominações, e teve a presença
de vários pastores, entre os quais os altamente polêmicos Silas Malafaia e
Marcos Feliciano. A tônica geral das faixas foi de defesa do conservadorismo
político e ideológico, com ênfase no confronto com o “ativismo gay”. A imprensa
escrita e televisada desmereceu o evento evangélico, focalizando seu caráter
local, o número de participantes inferior ao previsto e a presença de líderes
polêmicos ou conservadores.
Em
contraste, a presença do papa Francisco no Rio de Janeiro e em Aparecida (SP),
foi um sucesso de público e de crítica. Em sua primeira viagem fora da Itália,
quatro meses depois de eleito papa, Francisco veio para a 26ª Jornada Mundial
da Juventude, evento itinerante da Igreja Católica, cujas duas edições
anteriores foram sediadas na Austrália e na Espanha. No Rio de Janeiro, o papa
foi aclamado por milhões de pessoas à beira do delírio coletivo; a JMJ recebeu
cobertura generosa dos meios de comunicação de massa; os governos federal,
estadual e municipal esmeraram-se em mostrar-se atenciosos e convergentes com
as ideias da Igreja Católica; mãos de clérigos punidos ou contidos pela Santa
Sé foram erguidas ao pontífice. Este, por sua vez, esteve à vontade, falou um
portunhol desenvolto, empregou expressões populares e até concedeu entrevista
exclusiva à maior rede brasileira de TV. Os evangélicos, adversários principais
no campo religioso, mantiveram conveniente silêncio sobre o megaevento.
Rapidamente foram esquecidos os vexames da má programação oficial em matéria de
trânsito urbano e de transporte público. Problemas da organização da própria
administração da Jornada foram imputados aos governos do Estado e do Município
da capital, que, devotos e solícitos, os assumiram. O caso mais célebre foi o
da escolha, pelos promotores da Jornada, de um distante terreno na zona rural
para as celebrações de massa. A advertência da administração pública de que se
tratava de área alagadiça foi desconsiderada pelos organizadores. As fortes
chuvas que caíram no Rio tornaram a área um grande lamaçal, mas as celebrações
foram prontamente transferidas para a praia de Copacabana, que serviu de
cenário para a prática do pensamento mágico, aliás incentivada pelo próprio
papa – a oferta pelo prefeito de uma dúzia de ovos para Santa Clara, isto é,
para o convento das freiras clarissas – uma simpatia para o sol voltar a
brilhar. Contrariando os meteorologistas do Instituto de Pesquisas Espaciais, a
volta do sol no último dia da Jornada foi atribuída a mais um efeito da ordem
sobrenatural sobre a caprichosa natureza carioca.
Passemos ao
tema que nos interessa: para onde foi a laicidade do Estado?
Financiamento
público a evento privado
O orçamento
do Instituto da Jornada Mundial da Juventude era de 350 milhões de reais, a ser
coberto pelas inscrições dos participantes, por doações privadas e contratos de
patrocinadores empresariais (Bradesco, Itaú, Santander, Ferrero, Nestlé,
McDonald’s, Tam Viagens e Havas).
A
estimativa do jornal O Globo foi que o Poder Público gastaria, indiretamente,
118 a 120 milhões de reais, dos quais 62 milhões seriam despendidos pelo
governo federal. Estariam incluídos nesta cifra os gastos com o avião da FAB
que foi a Roma buscar os dois “papa-móveis” a serem utilizados pelo pontífice
no Brasil, além dos voos nos helicópteros militares empregados no seu
deslocamento no Rio de Janeiro e no tour a Aparecida.
Nessa
estimativa não foram computados os custos de transporte dos bilhetes de ônibus,
barcas e metrô que a Prefeitura do Rio distribuiu a milhares de participantes
inscritos. Nem os gastos com serviços médicos e de ambulâncias, que o Instituto
JMJ repassou para a Prefeitura do Rio. Inicialmente esses gastos, no valor de
7,8 milhões de reais, seriam assumidos pelo Instituto da Jornada. Mas, diante
da redução do número de inscritos internacionais e previsão de déficit, os
organizadores convenceram o prefeito a assumi-los. Um processo licitatório de
urgência foi aberto, logo contestado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro,
que, ainda antes do início do evento, abriu uma ação civil pública contra essa
despesa adicional. O MP alegou que esse sobregasto estava fora do contrato
anterior, além de haver vícios no processo e falhas procedimentais. O Tribunal
não aceitou os argumentos do MP, a licitação foi feita e os ônus, assumidos
pela Prefeitura.
Os
dirigentes da Igreja Católica e mesmo do Estado brasileiro (a convergência é
notável), argumentaram que o papa, além de líder religioso é chefe de Estado (a
ambiguidade parece não surpreender ninguém). Por isso, deveria receber
tratamento adequado ao seu status. A ninguém ocorreu lembrar que o governo
brasileiro jamais mandou buscar o carro próprio de chefe de Estado que visitou
o Brasil: nem Barak Obama nem o rei Juan Carlos I. Só para citar dois exemplos.
Nem pagou a visita para nenhum deles fazer proselitismo por aqui. Sinal dos
tempos: não podendo se basear somente na devoção ou no oportunismo dos
políticos, dirigentes da Igreja Católica
tiveram de se valer de um inédito discurso economicista para justificar os
gastos públicos com a Jornada. Foi isso que fez o arcebispo de São Paulo, Odilo
Scherer. Ele disse que todo o gasto público seria feito no próprio país, iria
gerar empregos e representaria uma “injeção de sangue na economia brasileira”.
[O Globo, 16/7/2013, p. 18]
De um ponto
de vista puramente economicista, os resultados do evento podem dar razão ao
arcebispo de São Paulo: mesmo que os gastos públicos tenham sido superiores aos
120 milhões previstos antes do evento, as estimativas é que foram injetados 1,8
bilhão de reais na economia do Rio de Janeiro (O Globo, 28/7/2013, Caderno
Especial, p. 8-A). O ganho teria sido superior da Copa das Confederações de
Futebol.
Mas, se o
mercado ganhou, o Estado perdeu – não só o Estado do Rio de Janeiro e de sua
capital, mas todas as instâncias do Estado brasileiro. Perdeu substância na
difícil construção da laicidade. Para um micro-economista, a laicidade não
passa de um detalhe.
Argumentos
economicistas, como o que circulou na cabeça e na fala dos dirigentes
religiosos e políticos, podem justificar muita coisa ruim, inclusive o turismo
sexual, tão generoso no reforço da renda de milhares de miseráveis famílias
nordestinas.
Vassalagem
das autoridades e suas mulheres
Nelson
Rodrigues dizia que o brasileiro tinha o “complexo de vira-lata”, de povo
colonizado, tamanha era sua atitude servil diante dos estrangeiros. Se ele
fosse vivo, talvez dissesse que os ocupantes de cargos públicos, no Brasil, têm
“complexo de vassalos”, tamanho é seu gosto por reverenciar um monarca:
curvar-se diante de um rei ou uma rainha, é sinal de vassalagem muito apreciado
por nossas, digamos, elites. Pois o papa é um monarca, aliás absolutista, com a
vantagem de ser também dirigente da religião dominante no Brasil. As atitudes
de vassalagem para com ele teriam tríplice dimensão: sujeição diante do
estrangeiro, do monarca e do chefe da Igreja dominante.
Isso não é
invenção recente. Em 1985, quando presidente da República, o atual senador José
Sarney, ao visitar o papa João Paulo II no Vaticano, curvou-se e beijou-lhe a
mão (ou anel). Quando o mesmo pontífice veio ao Brasil, em 1997, havia a
expectativa sobre o que faria Fernando Henrique Cardoso. Ele apertou-lhe a mão,
o mesmo fez sua mulher Ruth Cardoso. Ao visitar o Vaticano, em 2008, o
presidente Lula apertou a mão do mesmo papa, mas sua mulher, Marisa, curvou-se
e beijou-lhe a mão (ou anel). Desta feita, na recepção ao papa Francisco, a
presidenta Dilma Rousseff comportou-se com dignidade. Apertou a mão do papa,
mas recebeu dele beijos na face. O mesmo, no entanto, não fizeram outros
dignatários do Estado brasileiro. Ministros de Estado, parlamentares e chefes
militares aproveitaram a oportunidade de serem apresentados ao papa para exibir
sua devoção pessoal. Em detrimento de suas posições oficiais, curvaram-se e
beijaram contritos a mão (ou anel) do papa Francisco, diante das vistas de
milhões de telespectadores. Suas mulheres foram ainda mais acintosas nos atos
de vassalagem. O longo e intenso vínculo das mulheres com o Cristianismo, que
se materializou na sujeição de seus corpos e de suas mentes, expressou-se,
então, nas manifestações “espontâneas” de vassalagem ao papa. Mesmo que os
maridos apenas apertassem a mão do pontífice, elas faziam mesuras, meio que se
ajoelhavam e beijavam a pontifícia mão (ou anel). Não vai comentada a situação
simétrica (autoridade mulher e cônjuge masculino) pela raridade, senão
inexistência no evento.
Movimentos
sociais
No 30 dias
anteriores à visita do papa, as maiores cidades do país foram palco de intensas
manifestações de rua, com os mais diversos objetivos. Começaram com protestos
contra as tarifas de transporte coletivo e logo foram estendidas aos governos
estaduais e municipais, ao Congresso Nacional e ao governo federal. De
pacíficas, foram se tornando também violentas, com destruição de alguns
símbolos do capitalismo, como agências bancárias e agências de automóveis. Os
gastos públicos com a Copa das Confederações de Futebol foram alvo direto dos
manifestantes, que pediam saúde e educação públicas “padrão FIFA”. A repressão
policial foi intensa e funcionou como incentivo de mais e violentas
manifestações.
Esse clima
foi projetado para a visita do papa, temendo-se que os manifestantes pudessem
comprometer o andamento das celebrações religiosas e políticas durante a
Jornada Mundial da Juventude. Mas esses temores se mostraram infundados. Os
movimentos de rua evitaram hostilizar os participantes da JMJ, seus dirigentes
e suas instituições, preferindo manter os alvos anteriores, especialmente o
governador do Estado do Rio de Janeiro e instituições estatais e empresariais.
Enquanto os manifestantes insistiam em sitiar em casa o governador Sérgio
Cabral, silenciavam-se sobre os gastos públicos com a Jornada. Há analistas da
conjuntura política atual que apontam a presença de grupos anarquistas nessas
manifestações. Sobre isso, cabe perguntar se os anarquistas brasileiros
redefiniram a tradição anticlerical de seus antecessores. Com seu silêncio
obsequioso deram um apoio inestimável ao sucesso da JMJ.
A grande
exceção foi a “Marcha das Vadias”, de 27/7/2013, que reuniu mais de 5 mil
pessoas em Copacabana, em protesto contra a violência de gênero e violência
sexual.
Surgida no
Canadá, em 2011, em resposta ao “conselho” de um policial para as jovens de um
campus universitário, de não se vestirem como “vadias”, para não serem
estupradas, mulheres de vários países assumem sua sexualidade e proclamam que,
independentemente da roupa ou falta dela, a culpa será sempre do estuprador,
nunca da vítima.
Justamente
no dia em que a “Marcha das Vadias” foi programada para a praia de Copacabana,
seria iniciada no mesmo local a “vigília de oração” da Jornada. Com acesso
facilitado pela transferência de local, do lamaçal de Guaratiba para a charmosa
e central Copacabana, previa-se a afluência de alguns milhões de pessoas,
engrossando o número de participantes. A “Marcha” reuniu movimentos feministas
e grupos teatrais, com esquetes sobre a temática da descriminalização do
aborto, da diversidade sexual, o fundamentalismo religioso e o racismo. Unindo
todos estava a crítica aos preceitos morais da Igreja Católica. Convergentes
com esse posicionamento, estavam presentes as Católicas pelo Direito de
Decidir, do Brasil e de outros países latino-americanos. Apesar de bem
humorada, houve momentos tensos, quando um manifestante quebrou imagens
religiosas e outros manejavam desrespeitosamente símbolos e imagens de devoção
católicas. Agressões houve também da parte de participantes da JMJ, que insultaram
os manifestantes e cuspiram neles.
De todo
modo, o acirramento do confronto foi evitado com o desvio da “Marcha” para
Ipanema, onde ela dissolveu após um “beijaço”.
Entre os
cartazes levados pelos participantes da “Marcha das Vadias”, havia alguns que
mencionavam o Estado Laico, sempre positivamente, embora a sátira não
concorresse para a busca de aliados nos domínios religiosos.
Uma prévia
desse evento, mas de menor porte, ocorreu no dia do desembarque do papa no Rio
de Janeiro e sua recepção no Palácio Guanabara. No Largo do Machado, a poucas
quadras desse local, um grupo teatral e militantes LGBT desenvolveram esquetes
e portaram cartazes em defesa da liberdade sexual, mas acabaram suplantados por
manifestantes contra o governador, que ignoraram a dimensão confessionalista do
evento que se desenrolava no Palácio.
O papa e a
laicidade do Estado
Francisco
evitou falar diretamente de temas sensíveis nas relações do Estado brasileiro
com os dirigentes católicos, principalmente aborto e casamento gay. Ele
preferiu não bater de frente com as políticas governamentais que contrariam as
orientações do Vaticano e da CNBB, mas fez gestos nesse sentido, embora
tímidos. Por exemplo, na última missa do evento, a equipe vaticana levou ao
altar uma criança anencéfala, nascida graças à decisão dos pais, católicos. A
lei brasileira faculta o aborto nesses casos. O gesto da equipe foi uma
discreta “defesa da vida”, uma mensagem aos católicos da posição da sua Igreja
nesses casos. De fato, houve uma mudança de estratégia no trato de questões
polêmicas. Em visitas anteriores, João Paulo II e Bento XVI fizeram críticas
explícitas a políticas públicas, coisa que nenhum chefe de Estado faz no país
anfitrião. Mudança de estratégia mas permanência de posição. Foi o que se pôde
perceber no “kit peregrino” distribuído aos jovens inscritos na Jornada,
voluntários e jornalistas credenciados. Ele incluía um manual com a posição
oficial da Igreja, a mesma dos papas anteriores em matéria de aborto,
reprodução assistida, eutanásia, homossexualidade e estrutura familiar. Em cada
um desses pontos, a orientação do Vaticano colide com a legislação brasileira.
Em reunião
fechada, só para autoridades e convidados, no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, o papa Francisco usou a expressão Estado laico, a única vez em sua
visita:
“A pacífica convivência entre religiões
diversas se vê beneficiada pela laicidade do Estado que, sem assumir como
própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença da
dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões concretas.” [O
Globo, 28/7/2013, Caderno Especial, p. 1]
Uma visão
bem restrita essa, a de pensar o Estado laico em função da convivência entre as
religiões, esquecendo que a atuação de cada uma delas tem de ser feita na forma
da lei, portanto o Estado está acima delas na esfera política, e mais, existe
uma quantidade crescente de pessoas sem religião. E o Rio de Janeiro é o estado
em que essa parcela é a mais alta no Brasil, 16%, o dobro da média nacional. O
Estado laico existe também para os sem religião, inclusive para os
anti-religiosos.
Mesmo com
essa autorreferência religiosa, Francisco Carlos Teixeira, professor titular de
História da UFRJ, disse que a declaração do papa “acabou dando mais argumentos
para a aprovação de políticas públicas que contrariam dogmas da própria
Igreja.” [O Globo, 29/7/2013, Caderno
Especial, p. 4] Vejamos como o Estado brasileiro, principalmente o Poder
Legislativo, em todos os níveis, vai lidar com essa contradição: marcha adiante
ou marcha a ré?
O Estado
Laico na TV
Dois programas
de TV foram dedicados ao Estado Laico, um gravado antes da Jornada, outro logo
depois. Merecem destaque pelo contraste com as manifestações ostensivamente
devotas da mídia brasileira ao papa e às celebrações em que esteve presente. O
primeiro foi o “Observatório da Imprensa”, tradicional programa produzido e
apresentado por Alberto Dines na TV Brasil, estatal. Gravado em 9/7, foi ao ar
em 23/7/2013, durante a JMJ, portanto. Os entrevistados foram o filósofo
Roberto Romano, da Unicamp; Daniel Aarão Reis, da UFF; e Jean Wyllys,
historiador e deputado federal (PSOL-RJ). Dines justificou o tema abordado pelo
programa como a oportunidade oferecida pelo evento católico para avaliar o
papel da mídia eletrônica, frequentemente transformada em púlpito das religiões
dominantes, a católica e a evangélica. Apesar das diferenças entre os
entrevistados, eles convergiram na defesa da laicidade do Estado como condição
para a democracia no Brasil. A conclusão pode ser sintetizada nas palavras do
próprio Dines, para quem qualquer fissura no edifício republicano tende a ser
continuamente ampliada. É um risco que não vale a pena correr, sobretudo nos
momentos tensos em que vivemos. [video de acesso livre http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/view/a_vinda_do_papa_e_o_estado_laico
] O segundo programa foi de emissora
privada: “Na Moral”, da TV Globo. Apresentado por Pedro Bial, ele focaliza a
mudança de comportamentos e de preceitos morais, sem se prender a uma pauta
absoluta de valores. No caso do programa do dia 1/8/2013, praticamente uma
semana depois da partida do papa, o tema foi o choque entre as religiões, que
absolutizam a moral e o Estado Laico, que além de manter uma moral secular,
protege a diversidade cultural. Os debatedores foram Daniel Sottomaior, da ATEA,
o padre católico Jorjão, o pastor Silas Malafaia e o babalaô Ivanir dos Santos.
Descontando a modéstia argumentativa do padre católico, o debate se deu entre a
dupla Daniel-Ivanir contra o pastor Malafaia, isolado em sua arrogância e
intolerância. O sambista Arlindo Cruz, igualmente convidado, fez a contraparte
musical, com um repertório apoiador do ecumenismo de fato do povo brasileiro. O
apresentador Bial revelou uma face distinta da que aparece no programa Big
Brother, ao empregar bem conceitos pouco familiares ao pessoal da mídia, como a
distinção entre Estado Ateu e Estado Laico, com o que calou a ferocidade do
pastor. [acesso para assinantes globo.com
http://globotv.globo.com/rede-globo/na-moral/t/para-assinantes/v/na-moral-programa-do-dia-01082013-na-integra/2730908/] Se o “Observatório da Imprensa” foi
explicitamente montado com vistas à Jornada Mundial da Juventude, “Na Moral”
pode ser, sem dúvida alguma, explicado como resultado não intencionado do mesmo
evento. Apenas um exercício de Comunicação Social: se somarmos a audiência de
ambos os programas, eles podem ter atingido mais, tanto ou menos gente do que
os participantes da Jornada?
Tudo
somado, o que se pode esperar do papa Francisco em matéria de posições laicas?
A
realização da Jornada Mundial da Juventude no Brasil não foi por acaso. Maior
país católico do mundo, é justamente aqui que se dá a mais pronunciada redução
do número relativo de adeptos do catolicismo, em proveito de confissões
evangélicas, principalmente as pentecostais. A visita do papa valorizou o
protagonismo dos católicos no âmbito de sua igreja e na evangelização, vale
dizer, na competição no interior do campo religioso. Com efeito, se as
diretrizes do pontífice forem traduzidas em atos, é de se esperar a mudança de uma
atitude passiva da hierarquia e dos leigos católicos diante do crescimento dos
evangélicos, para adotarem uma atitude ativa e militante de reconquista dos
fieis perdidos para os pentecostais. A entrevista concedida pelo papa Francisco
à TV Globo deixou clara essa disposição de cruzado. Evitou falar do Brasil,
para o que foi convocado pelo entrevistador, mas citou um elucidativo caso
argentino. Uma mulher do sul daquele país disse a um padre que visitava seu
lugarejo, o primeiro depois de muitos anos, que ela e os demais católicos foram
abandonados pela Igreja (isto é, pelo clero). Por isso, ela teve de aderir a
uma confissão evangélica para poder “ouvir a palavra de Deus”. Mas a opção teve
um custo alto, que foi ter de esconder no armário a imagem de Maria, apesar de
sua devoção. Não foi à toa a menção a essa imagem, de especial devoção do papa,
que fez questão de incluir uma passagem por Aparecida, não prevista por seu
antecessor. O lugar de Maria, como sua imagem, são pontos de alto poder
explosivo nas relações entre católicos e protestantes.
Qual será o
teor das mudanças anunciadas pelo papa Francisco, é coisa impossível de se
saber, por enquanto. Os articulistas da imprensa brasileira foram unânimes em
atribuir efetividade nas mudanças promovidas pelo novo papa na Igreja Católica.
Em geral, falou-se das reformas internas na burocracia vaticana, que tem sido
alvo de fortes críticas, especialmente em matéria de práticas financeiras e
sexuais. Francisco parece disposto a eliminar as razões para tais críticas,
mediante a adoção, pelo Banco do Vaticano, de padrões bancários vigentes na
Itália e em outros países, de modo a evitar a lavagem de dinheiro. Parece
disposto, também, a evitar o prosseguimento da proteção que a Igreja tem dado a
padres, bispos e cardeais pedófilos. Ele chegou a dizer que, além de pecado, a
pedofilia é um crime, portanto punível pelo Estado, algo inédito na linguagem
vaticana. Em matéria doutrinária, todavia, nada foi dito que sugerisse grandes
mudanças. Sobre o lugar da mulher na Igreja, ele apenas afirmou que é grande,
mas nada de ordenação delas no sacerdócio, isso já estaria resolvido para
sempre. Sobre os homossexuais, ele admitiu que a Igreja deve acolhê-los, se
buscarem Deus, mas nada de apoiar suas práticas. Sobre os divorciados, reiterou
que devem ser acolhidos e até receberem sacramentos, mas nunca se contraírem
outro matrimônio.
O que
significam a linguagem simples, o calor humano, o despojamento do ouro e dos
confortos vaticanos? Relutando em fazer coro com os articulistas da mídia
brasileira, Stéphanie Le Bars publicou artigo em Le Monde (23/7/2013),
intitulado “Os primeiros meses do papa Francisco: mudança de estilo ou
verdadeira revolução?” A autora não tem dúvidas: ele é revolucionário diante de
numerosas práticas vaticanas, mas sua doutrina geral é a mesma de seus
antecessores, em matéria de moral sexual, celibato dos padres, do papel da
mulher, de ética e bioética. Ela lembra que o papa é favorável a um “estatuto
jurídico do embrião”, como certos parlamentares pretendem transformar em lei no
Brasil. O artigo transcreve depoimento do cardeal alemão Walter Kasper, que
disse ter Francisco mudado a maneira de ser papa, mas não mudará os conteúdos.
No entanto, a articulista argumentou que essa
mudança de estilo é ameaçadora para muita gente na burocracia vaticana,
de modo que uma oposição interna já se mobiliza para atrapalhar suas
atividades. É justamente para se defender dela que se diz que mais ou tanto
quanto o reforço do catolicismo no Brasil, o papa voltou para Roma politicamente
fortalecido pelo apoio ostensivo de milhões de pessoas. Fazendo seu próprio
balanço, Bruno Bimbi foi taxativo: Francisco é Bargoglio. (O Globo, 3/8/2013,
Caderno Prosa e Verso, p. 4) Esse militante pelo casamento homoafetivo na
Argentina lembra a trajetória política do cardeal Bargoglio contra aquela
conquista social. “Ele não é um intelectual alemão, mas um político argentino,
acostumado a almoçar com políticos e jantar com jornalistas e a fazer muito
lobby, embora tenha condenado o fantasioso ‘lobby gay’.” (Idem, ibidem) Antes
de entrar para a Companhia de Jesus, Bargoglio participou da Guarda de Ferro,
organização de direita do peronismo. Por essa razão e por seus gestos
populistas, ele tem sido apontado, na Argentina, como o primeiro papa peronista.
Desconversar
diante dos temas mais candentes que opõem o catolicismo e as políticas
públicas, de um lado; de outro, pedir para se “pôr mais água no feijão” e
baixar os vidros do papa-móvel terão sido sinais de um bem sucedido esforço do
populismo sul-americano na salvação de uma instituição religiosa em crise? Se
esse estilo se mantiver e se consolidar, a laicidade do Estado terá de se haver
com um adversário novo: ao invés de sisudos cardeais ou raivosos pastores, o
Estado será interpelado também por eloquentes líderes religiosos de massa ao
estilo do que a política brasileira conhece em todos os quadrantes: de um Jânio
Quadro à direita até um Leonel Brizola à esquerda.
13 setembro 2013
Manifestações públicas, rostos cobertos e responsabilidades políticas
A Lei n. 6.528/2013 do estado do Rio de Janeiro, votada em 11.9.2013, que proíbe o uso de máscaras e adereços que impeçam a identificação visual dos indivíduos em manifestações públicas, devido à sua importância política, seja em termos teóricos, seja devido à sua repercussão nacional, conduziu-me a algumas reflexões, que exponho abaixo.
Estamos em um regime de liberdades e em uma república. Quem
se manifesta tem que se responsabilizar pelo que se manifesta. Assim como a
manifestação é pública, a
responsabilização tem que ser pública. Tapar o rosto é impedir que se
identifique o manifestante, ou seja, é permitir uma espécie de anonimato na
manifestação política.
Assim como se exigiu - corretamente - que os parlamentares do
Congresso Nacional tenham seus votos abertos, deve-se exigir que os
manifestantes tenham seus rostos abertos. Na verdade, não faz sentido e não é
aceitável que a sociedade que se representa a si mesma por meio de
manifestações de rua queira responsabilizar-se menos por suas opiniões que os
seus representantes, que ela (a sociedade) exigiu que se responsabilizassem por
suas opiniões.
Não me parece justificável, de maneira alguma, o suposto
privilégio de os manifestantes populares poderem esconder o rosto. Como
comentei há pouco, isso é uma forma de anonimato, que é politicamente imoral em
um regime de liberdades, mas, de qualquer maneira, torna-se ainda menos
defensável e ainda mais incoerente agora que se obteve, após mais de 120 anos
de República no Brasil, a publicidade dos votos dos parlamentares.
Não estamos nem em regime de exceção nem em regime de força:
vivemos em uma "democracia". Os discursos contrários ao capitalismo,
de inspiração marxista, servem apenas como cortina de fumaça para a necessidade
da publicidade das ações políticas, ao sugerirem uma eterna perseguição. A
perseguição, aliás, existe para aqueles que se negam a identificar-se e para
aqueles que se valem precisamente do anonimato para a depredação e para o
vandalismo: em outras palavras, ocorre perseguição para quem é contra a
publicação e o pacifismo das manifestações, dois dos princípios basilares da política
republicana.
Mesmo que, em tese, estivéssemos sob um regime de força,
seria um regime de força bastante curioso, pois é um regime que tolera
manifestações maciças e alastradas por todo o país, que paralisam vias públicas
durante várias horas e ocupam órgãos públicos durante semanas.
Mas em regimes de força a importância da identificação, isto
é, da responsabilização é ainda maior: o sacrifício pessoal inspira e é capaz
de mobilizar muito mais as mudanças sociais. As manifestações de massa
contrárias ao regime militar de 1964 eram todas feitas com o rosto descoberto e
não se pode esquecer o jovem chinês que em 1989 desafiou, também de rosto
descoberto, os tanques na Praça da Paz Celestial.
12 setembro 2013
História da laicidade no Brasil - apontamentos esquemáticos
No dia 12 de setembro de 2013 participei de uma mesa-redonda na UFPR, promovida pela "Marcha pela Laicidade do Estado"; na ocasião tratei da história da laicidade do Brasil.
Para colaborar com os debates e as pesquisas sobre o tema - em particular porque há poucos debates, poucas pesquisas e porque não há nenhum texto sobre a história da laicidade em nosso país -, transcrevo abaixo as modestas notas que elaborei como roteiro para minha exposição.
* * *
História da laicidade no Brasil - apontamentos esquemáticos
Para colaborar com os debates e as pesquisas sobre o tema - em particular porque há poucos debates, poucas pesquisas e porque não há nenhum texto sobre a história da laicidade em nosso país -, transcrevo abaixo as modestas notas que elaborei como roteiro para minha exposição.
* * *
História da laicidade no Brasil - apontamentos esquemáticos
(1)
Impropriedade do título da palestra: “história da laicidade” é exagerado; são
mais apontamentos sobre a história da
laicidade
(2) Uma
definição preliminar: a laicidade consiste em um Estado não seguir nenhuma
doutrina oficial, no sentido de que seus cidadãos não precisam perfilhar
nenhuma doutrina a fim de terem o status
político-jurídico de cidadãos; por outro lado, nenhuma igreja ou doutrina é
beneficiada pelo Estado
(3) Quatro
pólos sócio-políticos para análise e estudo:
- Estado
- Igreja Católica
- Sociedade civil
- Religiões acatólicas
- Por que
esses quatro pólos? Porque a laicidade não ocorre no vazio: é necessário que a
sociedade e os políticos apóiem-na e defendam-na
- À medida
que (i) há mais atores (em termos numéricos) e (ii) há mais atores dispostos a
defender a laicidade (como prática política e social), ela tem mais e mais
legitimidade e, portanto, ela vige mais, isto é, ela pode ser efetivamente
invocada como princípio ordenador da pólis
- É
necessário notar que muito da história da laicidade no Brasil passa pela
história das relações entre a ICAR e o Estado, seja temporalmente, seja
politicamente
(4) Em termos
básicos, a laicidade no Brasil tem duas grandes fases: antes e depois da
Proclamação da República (15 de novembro de 1889), ou do Decreto n. 119-A (7 de
janeiro de 1890), ou da Constituição de 1891 (Art. 11, inc. 1º)
- Antes de
1889-1891: catolicismo como religião de Estado (no regime do padroado)
- Após
1889-1891: laicidade no Brasil, com enormes variações ao longo do tempo
(5) Antes de
1889-1891: dois momentos: Colônia (1500-1822) e Império (1822-1889)
- Regime do
padroado: monarquia bragantina como protetora da Igreja por determinação papal;
Igreja como integrante da estrutura estatal, ou seja, padres como servidores
públicos
- Colônia: Igreja
como agente da colonização
- Império:
religião católica como religião oficial do Estado; liberdade religiosa desde
que privada, com cultos sem forma exterior de templos, sem críticas à religião
oficial e sem ofensa à moral e aos bons costumes
- Igreja como
controladora das instituições de ensino, dos registros de nascimento (batismo),
de morte, de casamento, dos cemitérios; controle do calendário de festividades;
consagração do regime
- Imigração luterana
e calvinista no Sul (RS, SC, RJ), de falantes de alemão
- Cerceamento
da Igreja pelo Estado com base no regalismo ao longo de todo o Império
(inclusive durante a regência una do Padre
Feijó)
- No II
Império: apoio do Imperador a vários protestantismos (vistos como promotores do
progresso); difusão do Positivismo; maçonaria
- 1873-1875:
questão religiosa: ultramontanismo versus
regalismo e maçonaria
-
Ultramontanismo: tendência reacionária da ICAR existente desde o fim do século
XVIII, consubstanciada na encíclica Quanta
Cura e seu anexo, a Syllabus
(1864)
- Existência
do catolicismo popular e do forte sincretismo religioso
(6) O período
1889-1891:
- A separação
entre Igreja e Estado era uma das maiores preocupações do movimento republicano
- Em 7 de
janeiro de 1890 expediu-se o Decreto 119-A, que realizou a separação entre
Igreja e Estado
- A
Constituição de 1891 reafirmou o Decreto 119-A, além de instituir o casamento
civil e prever os cemitérios leigos
- A laicidade
era respeitada como valor e como princípio, especialmente pelos republicanos
históricos, fosse no Rio de Janeiro, fosse nos estados; isso não quer dizer que
não houvesse desrespeitos práticos a ela
- Exemplo de respeito à laicidade: em
1925 Sebastião Leme sugeriu a Artur Bernardes, por ocasião da reforma
constitucional, que se incluísse na constituição que o catolicismo era a “religião
da população brasileira”
(7) Após
1889-1891: quatro fases: neocristandade e Era Vargas (1916-1945); república
populista (1946-1964); regime militar (1964-1985); Constituição de 1988 em
diante
(7.1)
Neocristandade e Era Vargas:
- O período
entre 1891 e 1916 foi usado para a reorganização burocrático-administrativa e
financeira da ICAR no Brasil, com a estadualização das dioceses, a aproximação
com as elites estaduais, o oferecimento de serviços pedagógicos às elites
- Em 1931,
quando da inauguração do Cristo Redentor, já Cardeal, Sebastião Leme disse a
Getúlio Vargas e a Osvaldo Aranha: “ou o Estado reconhece o deus do povo ou o
povo não reconhecerá o Estado”
- Ativismo
político: Liga Eleitoral Católica, Ação Católica Brasileira, Círculos Operários
- Na
Constituição de 1934 a palavra “deus” aparece no “Prefácio”, prevê-se o ensino
religioso facultativo no horário escolar e prevê-se a colaboração Igreja-Estado
no “interesse público”
- com exceção da palavra “deus” (que não
aparecerá em 1937), todas as demais previsões reaparecerão nas outras
constituições
-
Desenvolve-se um forte processo de recatolicização das elites; afirma-se o mito
da “nação cristã”
-
Criminalização dos cultos afrobrasileiros e do espiritismo; intolerância aos
protestantismos
(7.2)
República populista:
-
Constituição de 1946: reafirmação da liberdade religiosa e da laicidade do
Estado, ressalvada a colaboração em nome do “interesse público”; aulas de
religião no horário regular; capelões
-
Enfraquecimento da ICAR, com perda de força do projeto elitista da
neocristandade
- aumento da concorrência dos
protestantismos e dos marxismos
- aumento do pluralismo religioso e
ideológico na sociedade
-
Persistência do mito da “nação cristã”: “Brasil como país cristão contra o
comunismo ateu”
- Politização
dos católicos, retraimento dos protestantes
-
Secularização e esquerdização da intelectualidade
- 1952:
criação da CNBB, como órgão dos católicos “progressistas”
- 1961-1965:
Concílio Vaticano II à em tese, uma
reversão do viés ultramontano das bulas Quanta
Cura e Syllabus (1865)
- ICAR como “terceira
via” à
anticomunista, em todo caso
(7.3) Regime
militar:
- Apoio
inicial da ICAR ao regime: com base no anticomunismo, Paulo Evaristo Arns
ofereceu apoio espiritual a Olímpio Mourão Filho em 31.3.1964
- Em seguida,
distanciou-se do regime e passou a condenar as violências e as torturas,
tornando-se forte crítico do regime à como um todo a ICAR
tornou-se opositora do regime
- Como
alternativa de legitimação, os militares procuraram apoio dos protestantes,
que, a partir da década de 1970, passaram a receber benefícios do Estado e a
serem prestigiados por ele à politização dos protestantes, em particular dos
evangélicos
- Apoio da
ICAR à transição democrática à afastamento em relação ao Estado
- Em 1986:
inscrição nas cédulas “deus seja louvado”
- Em 1989:
apoio da ICAR a Lula; rejeição dos evangélicos a Lula e apoio maciço a Collor
(7.4) Da
Constituição de 1988 em diante:
- Situação
por assim dizer paradoxal: por um lado, fortalecimento da sociedade civil, em
um sentido que é secular e laico; por outro lado, uma “confessionalização” da
política, que vem desde os anos 1980 (ou melhor, desde sempre)
- Deve-se notar, em todo caso, que parte
da sociedade civil organizada surgida desde os anos 1980 foi apoiada pela ICAR,
o que impõe sérios obstáculos à laicidade
-
Constituição de 1988: reafirmação da liberdade religiosa e da laicidade do
Estado, ressalvada a colaboração em nome do “interesse público”; aulas de
religião no horário regular; capelões
- LDB de
1996: aula de ensino religioso sem gastos públicos; lei de 1997: aula pago pelo
Estado
- Pluralismo
social fortíssimo à ativismo social muito marcado à
defesa da liberdade de pensamento
- Afirmação
dos cultos afrobrasileiros; crescimento do espiritismo; crescimento do ateísmo
e do agnosticismo; crescimento dos evangélicos
- Plataforma
política dos evangélicos: agressiva e prioritariamente religiosa, especialmente
em alguns estados, como no Rio de Janeiro
- Se a ICAR
não fala mais em “nação cristã” (em seu benefício), ela realiza freqüentes
alianças com os evangélicos em temas de seu interesse
- “Confessionalização”
das eleições: “crente vota em crente”; “vote no evangelho”; “vote para Jesus”;
contra o aborto etc. etc.
- Ambigüidade
de Lula: eleito pelo PT (partido do catolicismo “progressista”), desde 1992
prestigia a Igreja Universal do Reino de Deus e seu dono
- 2008:
Concordata entre Brasil e Vaticano
- busca de uma trava externa para a
política interna
- reafirmando privilégios, criando novos
privilégios, garantindo o ensino da religião católica nas escolas públicas, o
pagamento do laudêmio, a existência de capelanias
- foi aprovada no Congresso Nacional em
troca de uma “Lei Geral das Religiões” (versão estendida e evangélica da
Concordata), mas que até o momento não se realizou
- Eleições
presidenciais de 2010: a Concordata não foi discutida mas temas “religiosos”
invadiram o debate do segundo turno (entre Dilma e Serra), como aborto, kit gay e casamento gay
- 2012-2013:
PEC-99 e Estatuto do Nascituro à exemplos de coalizões entre católicos e evangélicos
(“bancada do crucifixo”), que vão contra a laicidade
Constituições
que se referem a deus: 1824 (“santíssima trindade”), 1934, 1946, 1967, 1988
Constituições
que não se referem a deus: 1891, 1937
Referências bibliográficas mínimas
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JURÍDICOS. s/d-a. Constituições
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BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS
JURÍDICOS. s/d-a. Constituições da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
Acesso em: 11.set.2013.
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LACERDA, G. B. 2008. Problemas
do Estado laico brasileiro: a Universidade (Confessional) Federal do
Paraná. Disponível em: http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com.br/2008/10/problemas-do-estado-laico-brasileiro.html.
Acesso em: 11.set.2013.
LACERDA, G. B. 2009. Laicidade(s)
e república(s): as liberdades face à religião e ao Estado. Artigo
apresentado no 33º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais, ocorrido em Caxambu (Minas Gerais). Digit.
Disponível em: http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2204&Itemid=229.
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eclesiástica brasileira (1890-1930). 2ª ed. São Paulo: Companhia das
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SCAMPINI, J. 1978. A
liberdade religiosa nas constituições brasileiras. Petrópolis: Vozes.
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