No dia 4 de Frederico de 168 (8.11.2022), como de hábito, fizemos uma prédica positiva; na parte da leitura comentada do Catecismo positivista, demos continuidade à teoria geral do culto, começando a abordar a oração positiva. Já na parte de sermão, abordamos aspectos da teoria positiva dos deveres.
Essa exposição da teoria dos deveres foi pensada como um complemento, ou melhor, como o antecedente lógico e moral da teoria da felicidade (que, por sua vez, foi exposta na prédica anterior).
Sem pretender esgotar a teoria positiva dos deveres - bem longe disso! - as anotações que serviram de base para a exposição estão disponíveis abaixo. A exposição oral está disponível aqui (no canal Positivismo do Youtube) e aqui (no canal Apostolado Positivista do Facebook), a partir de 48' 30".
* * *
Anotações sobre os deveres
-
O ser humano é um ser relacional: as suas
relações constituem a sociedade e tornam humano o ser humano
o
Qualquer que seja o objetivo, o ser humano
precisa sempre se relacionar para atingir as metas
o
Evidentemente, tanto o egoísmo como,
principalmente, o altruísmo exige as relações
§ Como
sabemos, por definição o altruísmo
baseia-se nas relações humanas
o
Dessa forma, as relações sociais têm que ser
afirmadas e estimuladas, quer seja para que o ser humano progrida
materialmente, quer seja para que, em particular, progrida moralmente
o
De uma perspectiva moral e política, a afirmação
das relações consiste nos deveres, que constituem precisamente as relações
mútuas entre grupos e indivíduos
o
Uma outra forma de entender os deveres consiste
nas obrigações que os grupos (e os indivíduos) mantêm entre si, no sentido de
satisfazerem determinadas necessidades e responsabilidades
-
Como dizia Clotilde de Vaux, “para criar
sentimentos são necessários deveres”
o
Isso significa que as obrigações entre grupos (e
indivíduos) estimulam e desenvolvem os sentimentos correspondentes
o
De modo mais específico: a felicidade individual é uma conseqüência do comprimento dos deveres
(e, de maneira mais precisa, dos deveres altruístas), não o seu pressuposto ou
a sua meta
-
Enquanto a noção de deveres é a forma positiva
de estimular e regular as relações sociais, a noção teológica e,
principalmente, metafísica é a noção de “direitos”
o
Os direitos são obrigações unilaterais que um
grupo (ou um indivíduo) têm para com outros grupos (ou indivíduos)
o
De maneira mais direta e mais clara, uma outra
forma de entender os direitos consiste em que eles são privilégios que
determinados grupos (e/ou indivíduos) possuem e que podem exigir, de maneira
unilateral, dos demais grupos (e/ou indivíduos)
§ O
caráter fundamentalmente antissocial da noção de direitos é bastante claro,
portanto
o
A noção de direitos tem um aspecto teológico e
também pode ter um aspecto metafísico
§ Essas
origens revelam-se na forma dos “direitos divinos” e, depois, nos “direitos
naturais”
§ O
aspecto teológico da noção de direitos evidencia-se quando a divindade
estabelece para alguns grupos (e/ou indivíduos) a possibilidade de exigir
unilateralmente dos demais a prestação de bens e/ou serviços
§ Já
o aspecto metafísico dos direitos evidencia-se no rompimento dos vínculos
mútuos entre grupos (e/ou indivíduos): nesse caso, a metafísica manifesta-se no
caráter dissolvente dos direitos e,
de maneira mais ampla, no caráter dissolvente dos antigos laços sociais
§ Tendo
origem teológica e estendendo-se para a metafísica, os direitos e seu
unilateralismo são absolutos e anti-relativos (e, como já vimos, não por acaso
são anti-relacionais)
o
A
constituição de uma sociedade positiva, humana, fraterna e relativa exige
necessariamente, portanto, a substituição dos direitos pelos deveres
-
Reiterando: os deveres são mútuos
o
Os deveres mútuos são obrigações e responsabilidades
que um grupo (e/ou um indivíduo) deve para outro(s) grupo(s) e este(s), por sua
vez, deve(m) para o primeiro grupo
§ Os
deveres mútuos implicam, portanto, responsabilidades
de parte a parte, quando não responsabilidades
compartilhadas
o
As responsabilidades variam, portanto, de grupo
para grupo, da mesma forma que o tamanho dessas responsabilidades
·
Exemplo: o patriciado e o proletariado têm
responsabilidades pelo menos em termos de manutenção e geração de riquezas
materiais, cada qual em sua posição social
·
Mas as responsabilidades do patriciado são
maiores: não apenas em termos de manutenção e aumento das riquezas (que,
grosseiramente, podemos considerar apenas como a realização do lucro), mas principalmente em termos de pagamento de salários
dignos para os proletários
o
A fórmula que resume as obrigações mútuas é
esta: devotamento dos fortes aos fracos e veneração dos fracos pelos fortes
§ Na
Antigüidade a veneração dos fracos era enfatizada; na sociocracia, o
devotamento dos fortes tem maior importância
-
Os deveres têm um caráter moral e não político
o
Os deveres devem ter um caráter moral e não
político devido a pelo menos dois motivos:
§ O
caráter político (isto é, obrigatório) dos deveres torná-los-ia opressivos
§ O
caráter moral dos deveres evidencia seu caráter facultativo e, portanto, também o valor da adesão a eles
o
Vale notar que o caráter moral e não político
dos deveres consiste em uma aplicação adicional do princípio da separação entre
os poderes Temporal e Espiritual
-
No que se refere aos “direitos”, ainda é
necessário indicar que a palavra “direito”, nas línguas neolatinas, resulta em
uma confusão, entre o ordenamento jurídico (Law)
e os direitos como antideveres ou como não-deveres (rights); mas há que se distinguir entre uma coisa e outra