18 abril 2015

Ateísmo como estado provisório do ser humano

O trecho abaixo, embora seja sumário e apenas comece uma explanação mais demorada, estabelece com clareza dois aspectos centrais do Positivismo e, portanto, da organização humana (social e individual):

(1) o Positivismo não é ateísmo;

(2) a permanência do ateísmo atrapalha, quando não impede, a reorganização mental e social em bases puramente humanas. 

Em outras palavras, a emancipação em relação à teologia é condição necessária, mas é não é nem suficiente nem pode ser o estado permanente do ser humano.

L'entière emancipation théologique devant constituer aujourd'hui une indispensable préparation à l'état pleinement positif, cette condition préalable entraîne souvent des observateurs superficiels à confondre sincèrement ce régime final avec une situation purement négative, qui présentait, même dans le siècle dernier, un caractère vraimente progressif, mais qui désormais dégénère, chez ceux où elle devient vicieusement permanente, en obstacle essentiel à toute véritable organisation sociale et même mentale.


(Auguste Comte, "Discours préliminaire – première partie: esprit fondamental du Positivisme", inSystème de politique positive, v. 1, 1851, p. 46. É possível contextualizar esse trecho no conjunto do livro consultando-os aqui.)

Augusto Comte: Ciências Sociais modificando as Ciências Naturais

No trecho abaixo, em vez de sugerir qualquer cientificismo ou materialismo, Augusto Comte é extremamente explícito a respeito da influência que as ciências superiores (Sociologia e Moral) devem ter sobre as inferiores (Matemática, Astronomia, Física, Química e até a Biologia), seja sistematizando-as, seja impondo o espírito de conjunto, seja, portanto, mudando algumas concepções.

Na época em que foi escrito esse texto - 1848 -, para Comte a "ciência final" era ainda apenas a Sociologia; mas, nos dois anos seguintes, ele acrescentou uma outra ciência positiva fundamental, a Moral, responsável pelo estudo do que chamaríamos hoje de "psicologia". É claro que, mesmo com essa inclusão teórica posterior, o sentido da passagem abaixo não muda em nada.

Por fim, é importante realçar que a idéia de que as Ciências Sociais devem exercer uma atividade teórica modificadora sobre as Ciências Naturais não é nova: é da primeira metade do século XIX. E mais: essa idéia pertence ao próprio pai do Positivismo - que, aliás, foi também o pai da Sociologia, da Moral Positiva e, portanto, da História da Ciência. Diga-se de passagem que esse trecho põe por terra a metade de todos os manuais de Epistemologia das Ciências Humanas.

Eis o trecho:

La série générale [des sciences positives abstraites] constitui ainsi le résumé le plus concis des plus vastes méditations abstraites; et, réciproquement, toutes les saines études spéciales aboutissent à autant de développements partiels de cette hiérarchie universelle. Quoique chaque partie exige des inductions distinctes, chacune reçoit de la précédente une influence déductive, qui restera toujours aussi indispensable à sa constitution dogmatique qu'elle le fut d'abord à son essor historique. Toutes les études préliminaires préparent ainsi la science finale, laquelle désormais réagira sans cesse sur leur culture systématique, pour y faire enfim prévaloir le véritable esprit d'ensemble, toujours lié au vrai sentiment social.

(Auguste Comte, "Discours préliminaire – première partie: esprit fondamental du Positivisme", in: Système de politique positive, v. 1, 1851, p. 44-45. É possível contextualizar esse trecho no conjunto do livro consultando-os aqui.)

15 abril 2015

Laicidade: qual a religião do Estado? NENHUMA!

Mais um cartaz da campanha lançada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em favor da laicidade do Estado.

Deve-se notar que a laicidade do Estado foi um tema promovido convictamente pelos positivistas desde o início, mesmo apesar das fortes resistências da Igreja Católica e até, depois, dos comunistas e, atualmente, dos evangélicos.



14 abril 2015

Charge de 1871: "Um jovem positivista"

Abaixo uma charge publicada na revista Punch, Londres, n. 61, de 30 de dezembro de 1871, p. 269. O título é "Um jovem positivista" ("A young positivist"). Obtive-a a partir do portal Positivists (mais exatamente, aqui), que, por sua vez, obtivera-a por meio do Google Books.

O autor do desenho é George du Marier, um desenhista britânico de origem francesa. (Para uma pequena biografia sua, ver aqui; para uma galeria de suas ilustrações, ver aqui.)

A piada é muito engraçada; uma tradução livre seria a seguinte:

Pároco: Que é um milagre?
Garoto: Num sei.
Pároco: Bem, se o Sol estivesse a brilhar no meio da noite, você diria que se trata do quê?
Garoto: Da Lua.
Pároco: Mas se tivessem-lhe dito que era o Sol, o que você diria que é?
Garoto: Uma mentira.
Pároco: Eu não conto mentiras. Suponha que eu tivesse-lhe dito que era o Sol; o que você diria então?
Garoto: Que você não estava sóbrio!




Conforme o portal Positivists informa, após a publicação original dessa charge, o diálogo foi republicado várias vezes ao longo dos anos, em inúmeros periódicos ao redor do mundo - mas sem a ilustração e também sem a referência à Epistemologia positivista. 

Eis as outras publicações que o portal Positivists identificou, entre 1872 e 1899, dos Estados Unidos à Nova Zelândia e à Austrália, passando pela Inglaterra:


  • [Sem título] na seção "Novidades e fofocas" (“News and Gossip”) de Morning Chronicle, Halifax, Nova Scotia, 26 de janeiro de 1872, p. 2. Google
  • Indianapolis People, Indiana, domingo, 28 de janeiro de 1872, p. 7. Archive
  • New Albany Weekly Ledger, quarta-feira, 31 de janeiro de 1872, p. 2Archive
  • Matéria “London Punch contains this account of ‘A Young Positivist'”, The St. Cloud journal, St. Cloud, Minnesota, 8 de fevereiro de 1872, p.1Archive
  • “Parson to a young lad” em Mariposa Gazette, California, v. 17, n. 40, 29 de março de 1872. California Digital Newspaper Collection
  • Frederick Locker, “What is a Miracle”, em Patchwork, London: Smith, Elder, 1879. p. 67.Forgotten Books
  • “A Clergyman, interrogating a Sunday-School class of Boys, said”, na seção “Omnium-Gatherum” de Waikato Times, Nova Zelândia, v. XLII, n. 3.433, 30 de junho de 1894, p. 4. Archive
  • “The Young Idea” em The West Australian Sunday Times, Perth (Austrália), domingo, 1º de outubro de 1899. National Library of Australia

Laicidade e liberdade de escolha

Mais um cartaz da campanha lançada pelo Conselho Nacional do Ministério Público em favor da laicidade do Estado, promovendo assim as liberdades de pensamento, de expressão, de escolha religiosa (inclusive pela ausência de religião, crença ou igreja).



Laicidade e neutralidade do Estado

O Conselho Nacional do Ministério Público iniciou uma campanha nas redes sociais em favor da laicidade do Estado. Um dos cartazes é o que está logo abaixo. A notícia da campanha pode ser vista aqui.


17 março 2015

Placa da residência de Augusto Comte


A foto abaixo foi tirada pelo correligionário Antônio Luís Ceschin em 15.3.2015 na rua Bonaparte, em Paris. Ela indica um apartamento em que morou Augusto Comte entre 1818 e 1822 (ou seja, entre seus 20 e 24 anos).

A inscrição na placa de mármore diz o seguinte:

Augusto COMTE
Fundador do Positivismo

Morou aqui
De 1818 a 1822

Aí concebeu a lei sociológica dos
TRÊS ESTADOS e formulou o sistema de
CLASSIFICAÇÃO das CIÊNCIAS.



23 fevereiro 2015

Artigo "Problemas de ensino e pesquisa de métodos e teorias: reflexões sobre três oposições"

A revista Ius Gentium, do grupo Uninter (Curitiba), publicou um texto de minha autoria, intitulado "Problemas de ensino e pesquisa de métodos e teorias: reflexões sobre três oposições".

Embora trate de questões mais acadêmicas, ele é evidentemente inspirado pelo Positivismo e pela obra de Augusto Comte.

O texto pode ser lido aqui.

O resumo do artigo é este:

A presente comunicação pretende refletir a respeito do ensino e da pesquisa de métodos e teorias em Ciência Política e RI (Relações Internacionais), a partir de nossa experiência pessoal em tais áreas. Para isso, o texto organiza-se em função de três oposições usuais: (1) Ciência Política versus Relações Internacionais; (2) métodos qualitativos versus métodos quantitativos; (3) teoria "empírica" versus teoria "normativa". A comunicação não será um "relato de caso", mas a discussão de alguns problemas de ensino e pesquisa de métodos e teorias recorrentes. No que se refere à primeira oposição, afirmamos a autonomia de cada área mas consideramos que RI é uma especialização teórico-metodológica da Ciência Política. Sobre a segunda oposição, entendemos que deve ocorrer um pluralismo metodológico, com vistas à complementaridade entre as metodologias, em vez da separação entre elas, resultando em "duas culturas" diferentes. Sobre a terceira oposição, vamos na direção contrária das críticas correntes a alguns desenvolvimentos do comportamentalismo e defendemos que a teoria política "empírica" deve ser levada tão a sério quanto a teoria "normativa".

Palavras-chave: Ensino de Ciência Política; Ensino de RI; Métodos de pesquisa; Métodos qualitativos; Métodos quantitativos; Teoria Política empírica; Teoria Política normativa.

09 fevereiro 2015

Manuais brasileiros de Sociologia e viés anticientífico

Estes dois manuais-coletâneas dão uma boa indicação das tendências contemporâneas das Ciências Sociais no Brasil, em que se privilegia cada vez mais o individualismo metodológico e o hipersubjetivismo, em que se toma a psicologia social como se ela fosse Sociologia e em que, resolutamente, rejeitam-se a idéia de uma "ciência" social e, incrivelmente, também a própria idéia de "sociedade".

Durkheim, Marx e Weber, desde que Talcott Parsons e Anthony Giddens assim o decretaram, são os "pais fundadores" das Ciências Sociais; mas os outros autores - Schultz, Simmel, Goffmann, até H. Becker e o Z. Bauman - representam esse hipersubjetivismo anticientífico (e anti-sociológico!) que se espalhou pela "ciência social" brasileira.

Assim, a ausência de Augusto Comte em ambos os manuais não tem absolutamente nada de acidental: incluir o fundador da Sociologia seria o mesmo que afirmar um viés ao mesmo tempo científico, histórico e que reconhece a autonomia lógica e teórica das Ciências Sociais.

http://www.zahar.com.br/livro/textos-b%C3%A1sicos-de-sociologia

Sociologia - essencial (http://www.companhiadasletras.com.br/penguin/titulo.php?codigo=85063#)

Textos básicos de Sociologia (http://www.zahar.com.br/livro/textos-b%C3%A1sicos-de-sociologia)

19 janeiro 2015

"Positivismo" na divulgação científica da Associação Brasileira de Ciências

Nota prévia:

Os cinco primeiros parágrafos desta postagem foram enviados via correio eletrônico para o "contato" do portal "Proficiência" (http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=2) e para a Presidência da Associação Brasileira de Ciências (http://www.abc.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=88).

Quase imediatamente ao envio, recebemos uma resposta da sra. Elisa Oswaldo-Cruz, responsável pelo portal, afirmando que em alguns dias as informações que foram objeto de minhas críticas seriam retiradas do ar para reavaliação subseqüente.

Agradecemos a atenção e ficamos no aguardo da reavaliação.

*   *   *

O portal "Proficiência", dedicado à divulgação e ao estímulo da prática e da cultura da ciência, mantido pela Associação Brasileira de Ciências, apresenta algumas afirmações espantosas para quem leva o pensamento científico a sério, bem como a história e a filosofia das ciências.

Considero, em particular, a referência ao "Positivismo" no referido portal (http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=600): a concepção do "Positivismo" que se apresenta ali é espantosamente, extremamente simplista e reducionista, mesmo considerando que é específico de um portal de divulgação científica.

Sabe-se que a Academia Brasileira de Ciências foi criada no início do século XX em oposição ao Positivismo no Brasil, considerando o Positivismo como o inimigo a ser combatido ativamente. Sabe-se também que a ABC foi criada buscando-se especificamente a constituição de uma torre de marfim intelectual, em que os cientistas pesquisassem e pudessem rejeitar as preocupações com a "utilidade social da ciência": mas, com o objetivo de legitimar-se, passar dessa concepção isolacionista - que, aparentemente, a ABC agora rejeita - para afirmar  que (1) o Positivismo é "utilitarista" (ou seja, que busca apenas a ciência com vistas a estritas e imediatas aplicações tecnológicas), (2) que a ele contrapõe-se o pensamento "complexo", (3) que o Positivismo nega as influências sociais e culturais no desenvolvimento da ciência - tudo isso, e muito mais, é pior que criar o famoso "espantalho" do sofisma do espantalho - pois esse espantalho corresponderia a uma versão simplificada do pensamento original, mas que manteria ainda alguma relação com o original -, pois consiste pura e simplesmente em criar uma nova verdade histórica.

Se os autores do portal Proficiência fossem minimamente honestos e se desejassem apresentar uma concepção minimamente correta de que é o Positivismo e sua filosofia da ciência, teriam o mínimo trabalho de ler os textos dos positivistas - Comte, Laffitte, Miguel Lemos, Teixeira Mendes -: ora, a simples leitura desses textos evidencia o quanto de inverdade e de ficção histórica está sendo difundido no portal.

Há muitos livros e artigos que tratam desses aspectos - embora, de maneira alguma por acaso, a quase totalidade desses textos encontre-se inédito na língua portuguesa, de modo geral em francês mas também em inglês.

Nas seções "Missão" e "Missão institucional" do portal eletrônico da ABC (http://www.abc.org.br/rubrique.php3?id_rubrique=30) lê-se que essa entidade é a mais prestigiosa sociedade científica nacional e que seus quadros constituem os representantes da melhor tradição científica nacional. Contrapondo os descalabros teóricos e históricos apresentados no portal "Proficiência" a respeito do Positivismo com a pretensão de prestígio e tradição, só é possível tirar uma conclusão entre duas hipóteses: ou o portal "Proficiência" não corresponde à alardeada qualidade da instituição, ou essa pretensa qualidade é somente isso, pretensa qualidade.

No fundo, tudo isso consiste na criação de mitos, em uma evidente manobra de "política científica". Seguramente, Pierre Bourdieu divertir-se-ia à beça com tais lances no campo científico brasileiro.

12 janeiro 2015

"A Humanidade", de Eduardo de Sá

A pintura abaixo, em dois formatos diferentes, é de Eduardo de Sá, A Humanidade com o porvir em seus braços (1900), do acervo da Casa de Clotilde de Vaux, em Paris.

Conforme as indicações de Augusto Comte, a Humanidade deve ser u'a mulher na faixa dos 30 anos; geralmente as feições da esposa subjetiva de Comte, Clotilde de Vaux, são utilizadas para tais representações.

As simbologias da imagem são claras: a Humanidade, consistindo do conjunto dos seres humanos convergentes passados, futuros e presentes, protege o futuro. Além disso, a mulher educa as novas gerações, formando o caráter dos seres humanos (altruístas, sintéticos, sinérgicos).