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21 fevereiro 2024

Será que o relativismo impede convicções profundas?

No dia 23 de Homero de 170 (20.2.2024) realizamos nossa prédica, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo positivista e começando a décima conferência, dedicada ao regime privado.

No sermão buscamos responder à seguinte questão: "será que o relativismo impede convicções profundas?".

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (Youtube.com/ThePositivism) e Igreja Positivista Virtual (Facebook.com/IgrejaPositivistaVirtual). O sermão começou em 1h 00 min 00 s.

As anotações que serviram de base para a exposição oral encontram-se reproduzidas abaixo.

*   *   *


O relativismo impede convicções profundas? 

-        A pergunta do título na verdade supõe uma afirmação prévia: “o relativismo impede convicções profundas”

o   Por outro lado, essa afirmação supõe duas meias “constatações” populares – na verdade, dois preconceitos – no sentido de que (1) o relativismo liga-se, propicia, estimula convicções frágeis e de que, inversamente, (2) as convicções profundas ligam-se apenas ao absolutismo

o   Há uma série de outros pressupostos aí; esses pressupostos são literalmente pressupostos, isto é, são subjacentes aos raciocínios explícitos

§  Por exemplo: o preconceito pressuposto segundo o qual o relativismo implica, ou significa, um estado de dúvida sistemática e, assim, de flutuação das idéias e das convicções

o   Ao tratarmos do relativismo e das “convicções”, o que está em questão não são apenas aspectos intelectuais, de entendimento do mundo (a partir do relativismo), mas também questões práticas, vinculadas ao caráter e às atividades efetivamente realizadas por todos e cada um

o   Por outro lado, da nossa parte o que está implícito nos comentários acima é que, para o Positivismo, o relativismo não impede convicções profundas – na verdade, bem ao contrário, ele estimula e exige tais convicções

-        Para tratarmos do tema, vejamos cada um dos termos principais que estamos considerando, “relativismo” e “convicções”

-        Comecemos com as “convicções”, pois, para os nossos propósitos, elas são um tema mais rapidamente tratável

o   Podemos entender as convicções como sendo crenças íntimas que mantemos e que nos orientam para determinadas direções práticas

o   Assim, nesse sentido, as convicções são as idéias que sustentam os comportamentos práticos

-        “Relativismo”: o relativismo é a perspectiva segundo a qual o ser humano constitui-se por meio das relações e, assim, tudo o que o ser humano conhece baseia-se nas relações que ele estabelece com o ambiente

o   Em outras palavras, a realidade humana é relacional

§  O caráter relacional do ser humano significa então duas coisas: (1) que o ser humano vive em relação com o ambiente e (2) que, portanto, o ser humano só consegue conhecer aquilo com que mantém relações

o   O relativismo rejeita as concepções segundas as quais (1) existem realidades existentes por si sós e (2) são possíveis conhecimentos daquilo que existe por si só

§  Em outras palavras, o relativismo rejeita o absolutismo

o   O absolutismo que consideramos aqui é o absolutismo filosófico, ou seja, a concepção não relativista ou anti-relativista; mas, como o absolutismo filosófico vincula-se à teologia, é perfeitamente possível entendê-lo no limite como se estendendo também ao absolutismo político

§  Augusto Comte lembrava que concepções indiscutíveis vinculam-se a ordens não criticáveis

o   Em relação aos nossos conhecimentos, o aspecto relacional do relativismo implica, por um lado, que as nossas concepções dependem do ambiente em que vivemos; por outro lado, implica também que as nossas concepções modificam-se de acordo com o tempo e com o espaço

§  As relações que percebemos e que fundamentam o nosso conhecimento são as de coexistência e de sucessão; ou seja, são as relações que ocorrem ou que se estabelecem entre dois ou mais fenômenos simultânea ou sucessivamente

§  Um aspecto fundamental nessa concepção é que, sem nunca negar a atividade interna própria ao cérebro, o interior subordina-se ao exterior, assim como os fenômenos mais nobres subordinam-se aos mais grosseiros

·         Isso significa que há e deve haver uma troca constante entre a objetividade e a subjetividade

o   Essa troca varia conforme o fenômeno considerado e também conforme a operação intelectual envolvida

o   Como se sabe e como veremos, o excesso ou a falta de objetividade ou de subjetividade, dependendo da operação intelectual envolvida, pode prejudicar seriamente as concepções resultantes

·         Dessa forma, as variações nas concepções não são aleatórias

§  A variabilidade das concepções humanas segue os princípios do método subjetivo:

·         Como já indicamos, o primeiro princípio é o de que, sem negar a atividade interna ao cérebro, o interno submete-se ao externo

·         Em segundo lugar, todos os fenômenos seguem leis naturais

o   As leis naturais são as relações de coexistência ou de sucessão

·         Em terceiro lugar, quando mais nobre for o fenômeno considerado, mais complicado, imperfeito e modificável ele será

o   O relativismo, dessa forma, por definição é “autocrítico” e capaz de reavaliações contínuas de suas perspectivas

§  Todavia, tais reavaliações não significam, nem podem significar, a negação dos fundamentos do relativismo

§  Por certo que tais reavaliações recomendam sempre a prudência e o cuidado: mas prudência e cuidado são muito diferentes de tibieza, moleza e pusilanimidade

·         Há um aspecto de caráter mesmo nas elaborações intelectuais

·         Nesse sentido, as convicções são necessárias não apenas para as atividades práticas, mas também para as próprias elaborações intelectuais

-        Além da concepção verdadeira de relativismo, que é a esposada pelo Positivismo, há (pelo menos) outras duas concepções

o   A concepção de relativismo do Positivismo é verdadeira não porque seja a do Positivismo, mas porque ela reconhece e valoriza a natureza, reconhece e valoriza as relações do ser humano com o ambiente (e, claro, com o próprio ser humano) e, a partir disso, regula essas relações

o   As duas concepções adicionais de relativismo que nos interessam aqui são:

§  O relativismo metodológico próprio à Antropologia

§  O relativismo ultrassubjetivista antipositivo próprio aos pós-modernos

-        Vejamos rapidamente o relativismo metodológico da Antropologia

o   Embora ele aproxime-se um tanto daquele que nos importa aqui, no final das contas é uma outra concepção e não nos interessa de verdade neste momento

o   Essa concepção afirma que cada sociedade tem sua própria visão de mundo, que deve ser respeitada e valorizada por si mesma a fim de podermos estudar sociedades e culturas diferentes das nossas

o   Assim, podemos dizer que esse relativismo consiste, (1) por um lado, em uma suspensão dos juízos da nossa sociedade a respeito das outras sociedades e, (2) por outro lado, na valorização dessas outras sociedades

o   Esse relativismo antropológico tem um aspecto moral importante, no sentido de estimular o respeito e a valorização de outras culturas, em particular combatendo o chamado “etnocentrismo”

o   Mas, por outro lado, esse relativismo tem que ser empregado com cuidado e não pode ser generalizado de um ponto de vista filosófico:

§  Por um lado, é necessário entendê-lo principalmente como um princípio metodológico

§  Por outro lado, a sua aplicação indiscriminada impede que se valorizem efetivamente as várias sociedades e, portanto, impede que se avaliem os diversos traços de cada sociedade

·         A aplicação indiscriminada do relativismo antropológico impede a avaliação das sociedades porque postula, pura e simplesmente, que todas as culturas seriam “equivalentes” entre si, que todas as culturas seriam, então, “iguais” entre si, independentemente de suas concepções, de suas práticas, de seus valores efetivos

·         No limite, o que a aplicação indiscriminada do relativismo antropológico estabelece é a visão de mundo da “colcha de retalhos” cultural

o   Essa visão de mundo da “colcha de retalhos” é própria à obra do antropólogo teuto-americano Franz Boas e, daí, do multiculturalismo propagado e praticado pelos Estados Unidos e pelo Canadá

-        A segunda outra concepção de relativismo que devemos considerar aqui é a do senso comum atual

o   Para o senso comum atual, o “relativismo” é entendido de uma forma que se aproxima do Positivismo em alguns aspectos, mas que difere em aspectos importantes:

§  O “relativismo” do atual senso comum – e é importante enfatizar que se trata do atual senso comum – opõe-se de fato ao absolutismo, mas opõe-se de maneira bastante dura

§  O relativismo do senso comum postula que convicções firmes só existem no âmbito do absolutismo

·         O fundamento dessas convicções firmes absolutas estaria em que somente o indiscutível é firme e sólido

·         Inversamente, as concepções relativistas seriam frouxas ou, ainda, fluidas ou, ainda, “suaves”

§  Uma forma bastante reveladora de entender essa dicotomia – e trata-se aqui, de fato, de uma dicotomia, ou seja, de uma divisão entre duas concepções opostas – é considerar que quem tem convicções firmes seria “dogmático”, no sentido de que seria duro, incapaz de discutir idéias, pouco ou nada afeito à reflexão “crítica”, ao autoexame, à reavaliação das próprias concepções etc.

o   Reiterando, então: o que está subjacente é que a firmeza de concepções é própria ao absolutismo e que o relativismo implica uma certa debilidade

§  Essa debilidade do relativismo deve-se a que, nessa concepção, não há “verdade”, mas apenas situações momentânea e fugidiamente estáveis ou acordos parciais e/ou contextuais, na forma de “jogos”, “convenções”, “construções sociais” etc.; além disso, rejeitam-se as noções universalistas e generalistas, em favor de concepções particularistas

·         Dizendo de outra forma: trata-se de um ultrassubjetivismo, que, além disso, rejeita a noção de objetividade

o   Essa forma de entender o relativismo vincula-se às concepções do chamado “segundo Wittgenstein” que, a partir dele, influenciou (e influencia) gerações de filósofos e teóricos

§  As reflexões do “segundo Wittgenstein”[1], expostas no livro póstumo Investigações filosóficas (1953), por um lado rejeitavam a busca da verdade e, por outro lado, propunham para a filosofia a tarefa de ser “terapêutica”

§  Há nessas reflexões um viés antimetafísico, antiessencialista e antiabsolutista (o que sem dúvida as aproxima do Positivismo); mas, como decorrência disso e da rejeição da verdade, há também a concepção de que toda e qualquer verdade é sempre, necessária e profundamente contextual

o   Essas concepções foram reafirmadas ao longo do século XX por diferentes pensadores, especialmente os de origem (ou de vinculação) anglossaxônica e próximos às chamadas “filosofia da linguagem” e “filosofia analítica”

§  Os pensadores pós-modernos são herdeiros diretos dessas concepções

§  Essas concepções são tão intensas que mesmo pensadores que não são “pós-modernos”, como Ernst Gellner[2], acabaram aceitando-as, especialmente no que se refere à definição atual de “relativismo”

-        A concepção atual de relativismo apresenta, portanto, alguns elementos importantes (o antiabsolutismo, por exemplo), ao mesmo tempo em que apresenta traços profundamente problemáticos (como a rejeição de qualquer busca da verdade e a correlata concepção de que a verdade é meramente um acordo instável e temporário entre grupos e indivíduos que estão perpetuamente em disputa)

o   Dessa forma, essa concepção atual de relativismo realmente se distancia bastante das convicções profundas; na verdade, ela sugere e estimula uma atitude meio superficial em relação à vida

o   Inversamente, essa concepção atual de relativismo estimula a concepção de que as convicções profundas são próprias (apenas) a perspectivas absolutistas

§  O resultado, portanto, é que apenas os teológicos (e, por extensão implícita, os fanáticos) são verdadeiramente convictos de suas idéias; os relativistas são superficiais, banais, frágeis e, daí, meio covardes

-        É necessário retornarmos ao Positivismo e à questão do título deste sermão: será que o nosso relativismo estimula convicções fracas?

o   Respondendo de mais clara e direta: não, o nosso relativismo não estimula convicções fracas; ao contrário, ele estimula convicções firmes

§  É claro que “convicções firmes” não equivalem a “convicções fanáticas” – nem equivale às variações que o atual senso comum vincula ao fanatismo: ausência de “autocrítica”, ausência de “senso crítico”, “dogmatismo”, “dureza de concepções” etc.

o   Como e por quê o nosso relativismo estimula convicções firmes?

§  Antes de mais nada: viver a vida exige tanto regras claras e estáveis quanto firmeza de propósitos

·         A firmeza de propósitos é uma qualidade por si só (é um atributo prático), mas é evidente que regras claras e estáveis facilitam essa firmeza

o   Já afirmamos várias vezes nesta exposição de diferentes maneiras, mas convém reafirmar mais uma vez: a “firmeza de propósito” (e as regras claras e estáveis) não equivale à incapacidade de cada um reavaliar o próprio comportamento, as próprias concepções etc.; em outras palavras, a firmeza de propósito (e as regras claras e estáveis) não implica necessariamente concepções absolutas

§  A firmeza de propósitos é necessária simplesmente porque a vida impõe dificuldades e obstáculos que, para serem enfrentados, exigem persistência (ou seja, manutenção do comportamento adotado e/ou necessário ao longo do tempo)

·         A multiplicidade de caminhos possíveis a serem adotados na vida (bons ou ruins, certos ou errados etc.), por seu turno, também requer regras claras e estáveis para a firmeza de propósitos

o   Devemos perceber que o verdadeiro relativismo rejeita apenas as concepções absolutas, mas não impede (nem haveria por que impedir) a busca de verdades

§  Como vimos antes, a variabilidade das verdades não implica que elas sejam aleatórias, na medida em que elas vinculam o interior ao exterior por meio das relações de coexistência e sucessão (ou seja, das leis naturais)

o   Também devemos ter clareza a respeito das relações entre inteligência e atividade prática:

§  A inteligência esclarece o mundo a fim de orientar a atividade prática: isso significa que, por mais importante que sejam as nossas concepções sobre o mundo, tais concepções são importantes acima de tudo como um meio, isto é, como um instrumento para que possamos agir no mundo

·         A utilidade desse instrumento vincula-se à adequação ao mundo, exatamente nos parâmetros das leis naturais, e não como acordos ultrassubjetivos, frágeis e locais entre pessoas que não se levam muito a sério

§  Na medida em que a inteligência é um instrumento a serviço da atividade prática, ela deve subordinar-se à atividade prática

·         Evidentemente, isso não significa que a subordinação da inteligência à atividade prática equivalha à degradação da inteligência

·         Isso significa, sim, que, sendo a operação da inteligência e seus possíveis objetivos muito grandes e variáveis, eles devem pautar-se e orientar-se pelos parâmetros da atividade prática, a fim de que não se descaminhem

·         A concepção da inteligência como subordinada à atividade prática e como orientada por ela corresponde à visão positiva da inteligência – e, por extensão, do relativismo

§  Nesse sentido, é necessário termos clareza de que os objetivos propostos pelos pós-modernos, por R. Rorty e pelo segundo Wittgenstein para a inteligência correspondem ao descaminho da inteligência, à sua perda de rumo

-        Em suma:

o   O verdadeiro relativismo não apenas permite como exige convicções profundas:

§  As convicções profundas próprias ao relativismo não equivalem à ausência de autocrítica, à incapacidade de reavaliar o próprio comportamento, ao dogmatismo etc.

§  As convicções profundas são estimuladas pelo relativismo, na medida em que enfrentar a vida exige esforços contínuos e esclarecidos pelo conhecimento da realidade

§  Essa forma de entender o relativismo, as convicções profundas e suas relações corresponde à concepção positiva disso tudo; o que nega tais concepções constitui perspectivas metafísicas, críticas, destrutivas e prejudiciais ao ser humano

o   O atual relativismo nega não apenas as concepções absolutas como quaisquer concepções da verdade

§  O atual relativismo afirma que não existe nenhum tipo de verdade, apenas acordos parciais, temporários, frágeis, particularistas e ultrassubjetivos

·         Essa concepção baseia-se – pelo menos em sua versão do século XX – nas idéias do segundo Wittgenstein (das Investigações filosóficas), serve de fundamento para os pós-modernos e é exemplificada pelo estadunidense Richard Rorty

§  Para o atual relativismo, a filosofia – e, por extensão, a inteligência – não tem nenhuma utilidade maior além de sacramentar e mais ou menos permitir conversas superficiais entre grupos específicos de seres humanos

·         O objetivo de tais conversas é apenas dar satisfação momentânea às ansiedades dos seres humanos

§  A filosofia (e, daí, a inteligência) é portanto superficial, banal e mais ou menos inútil; as convicções daí decorrentes são frágeis

·         É inevitável chegar à conclusão de que o atual relativismo constitui um descaminho dos objetivos da inteligência e que, portanto, ele corresponde a uma concepção metafísica da inteligência, da existência humana e das suas relações com a atividade prática

§  É claro que, apesar de sua superficialidade, de sua banalidade e de sua fragilidade, esse atual relativismo apresenta por outro lado uma capacidade intensa de criticar como sendo “acrítico”, “dogmático”, “essencialista” etc. tudo aquilo que não padece dos seus próprios defeitos



[1] A expressão ao “segundo Wittgenstein” refere-se à segunda grande parte da carreira desse pensador, desenvolvida a partir da década de 1930 e voltada à chamada “filosofia da linguagem comum”. Tendo vivido entre 1889 e 1951, a primeira grande parte da sua carreira desenvolveu-se até os anos 1920 e dedicou-se à filosofia da matemática, à filosofia da lógica e a investigações que consideravam a linguagem como um tipo de lógica (e vice-versa). A grande obra da primeira fase de Wittgenstein é o Tratado lógico-filosófico (1921); como indicamos acima, a grande obra da segunda fase é o livro póstumo Investigações filosóficas (1953).

[2] A referência que fazemos aqui a Ernst Gellner (1925-1995) deve-se a que ele, sendo um defensor do racionalismo de origem iluminista e um crítico tanto do absolutismo (teológico) quando do laxismo filosófico, moral e prático do pós-modernismo, não elaborou nenhuma concepção de relativismo que fosse além das difundidas pelos pós-modernos a partir de Wittgenstein. De modo mais específico, expondo suas concepções, Gellner participou do evento “O relativismo enquanto visão de mundo”, que ocorreu em 1993 e que teve seus anais publicados em 1994 sob o título Banco Nacional de Idéias – O relativismo enquanto visão de mundo e organizado por Antônio Cícero e Waly Salomão; da mesma forma, Gellner expôs essas suas concepções no volume Pós-modernismo, razão e religião (Lisboa, Instituto Piaget, 1994). Assim, a referência a Gellner é feita a título de exemplo da adesão generalizada à concepção vulgar de relativismo, mesmo da parte de pensadores que são, ou seriam, críticos dessa concepção vulgar.

23 agosto 2023

Sobre destruição/remoção de estátuas e relativismo histórico

No dia 10 de Gutenberg de 169 (22.8.2023) realizamos nossa prédica positiva, dando continuidade à leitura comentada do Catecismo Positivista (em sua oitava conferência, dedicada à filosofia das ciências humanas). 

Em seguida, na parte do sermão, abordamos dois temas: (1) a fórmula "Saúde e Fraternidade" e (2) a destruição/remoção de estátuas em face do relativismo histórico.

A prédica foi transmitida nos canais Positivismo (aqui: https://ury1.com/YYfqA) e Igreja Positivista Virtual (aqui: https://l1nk.dev/JzF4e). O sermão começou em 49' 22" e os comentários sobre a destruição de estátuas, em 1h 00' 40".

Devido a problemas técnicos com o sinal de internet, a transmissão da prédica foi prejudicada com inúmeras interrupções, encerrando-se o vídeo bem antes do que deveria, em 1h 26' 20".


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Sobre a fórmula “Saúde e Fraternidade”

 

-        Nós, positivistas, empregamos habitualmente a fórmula “Saúde e Fraternidade”

o   Essa fórmula não é especificamente positivista; na verdade, ela é republicana

o   A origem dessa fórmula está na Revolução Francesa, indicando os novos hábitos desejados ao longo desse acontecimento, em particular na fase da Convenção Nacional (1792-1794), que foi a da prevalência dos dantonianos (embora não apenas da deles)

o   Assim, quando nós, positivistas, usamo-la, nós afirmamos o nosso republicanismo, no duplo sentido que nosso mestre identificou para a “república” no curso da Revolução: (1) sentido negativo: rejeição da monarquia e (2) sentido positivo: regeneração moral, intelectual, política e social

§  Convém notar que, em virtude de seu republicanismo, essa fórmula também é uma afirmação da cidadania

§  Em sentido semelhante, na Política positiva, Augusto Comte afirma que todos devemos tratar-nos por “senhor” (“messieur”, o que ainda no século XIX tinha um caráter feudal), mas entendendo-nos como “cidadãos” (“citoyens”)

§  Essa é uma fórmula simples, clara e humana, sem o empolamento, a hipocrisia e o sobrenaturalismo tão comuns ao oficialismo de ontem como de hoje

o   No Brasil, ela era empregada largamente no final do Império e no início da República

§  Era extremamente difundida, sendo empregada ordinariamente nas correspondências oficiais e particulares

§  Aliás, também em Portugal ela foi empregada: nos anos ao redor de 1910 (quando foi proclamada a República lá), as correspondências oficiais e particulares em Portugal usavam frequentemente essa fórmula

-        Entretanto, o original em francês é “Salut et fraternité”, ou seja, “Saudações e fraternidade”

o   Assim, a versão que adotamos em português consiste em uma tradução um pouco incorreta do francês

§  Inversamente, “saúde” em francês é “santé

o   O significado do original em francês é este: a pessoa que fala (1) saúda o interlocutor e, em seguida, (2) afirma o desejo de amizade com ela e, de modo mais amplo, com todos os seres humanos (fraternidade)

o   Ainda assim, o francês “salut” vem do latim “salvus”, que por sua vez vem de “salvere”, que significa tanto (1) o “saudações” quanto (2) o desejar boa saúde

§  Em outras palavras, a tradução de “salut” como “saúde” corresponde ao sentido etimológico da palavra, o que é bastante aceitável

-        Mas a tradução para o português, embora não corresponda exatamente ao francês, acaba sendo superior ao original:

o   “Saúde e Fraternidade” significa (1) que o falante, em um primeiro momento, deseja ao seu interlocutor boas condições de saúde, ou seja, que esteja fisicamente bem e (2), em seguida, o falante afirma o desejo de manter boas relações com o interlocutor e com todo o gênero humano

o   Dessa forma, a versão em português lembra a base física e material da existência humana e sua condição para o desenvolvimento dos nossos outros atributos, isto é, para o progresso em geral

o   Em outras palavras, a versão em português aproxima-se com grande clareza da fórmula político-moral do Positivismo, que é o “Viver para outrem”

§  O “viver para outrem” significa que devemos orientar nossas vidas para o bem comum (“para outrem”), mas que, para isso, temos que cuidar de nossa saúde (“viver”)

-        É interessante comparar o “Salut et Fraternité” e o “Saúde e Fraternidade” com suas versões em espanhol, italiano e inglês

o   Em espanhol essa fórmula foi empregada também no sentido em português, ou seja, como “Salud y Fraternidad

o   Em italiano, as palavras para “saudações” e “saúde” são extremamente parecidas: “saluti” (saudações) e “salute” (saúde)

§  Assim, em termos fonéticos, o italiano permite preservar a feliz ambigüidade da fórmula: “Saluti e fraternità

o   Em inglês a fórmula difere bastante: “Salut et Fraternité” vira “Greetings and Fraternity”, “Saúde e Fraternidade” vira “Health and Fraternity

-        Por fim, vale notar que em 1890 (não por acaso, logo após a Proclamação da República) Miguel Lemos viu-se obrigado a defender a versão brasileira dessa fórmula, contra os adversários da República que se apresentavam como puristas lingüísticos

o   Essa defesa foi feita no opúsculo “A fórmula: Saúde i Fraternidade”, n. 103 da série da Igreja Positivista

o   Além disso, Miguel Lemos observa que o original francês Salut et Fraternité, desde a eclosão da Revolução Francesa, sempre foi traduzido em português (Brasil e Portugal) e em espanhol como “Saúde e Fraternidade”

 

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Sobre o relativismo histórico e destruição/remoção de estátuas

 

-        Em maio de 2020 o cidadão estadunidense George Floyd foi assassinado por policiais, na cidade de Minneapolis

o   Na detestável situação racial dos Estados Unidos, George Floyd era negro e seus policiais, brancos

o   A barbaridade do ato – o homem foi morto asfixiado, com o joelho de um dos policiais sobre seu pescoço durante quase dez minutos – foi imediatamente interpretada também, e principalmente, como uma atitude racista da polícia

o   As reações a essa morte foram variadas: além das manifestações de pesar pela morte do homem, também houve uma forte campanha contra o racismo em geral e contra o racismo nas polícias – e, para o que nos interessa, curiosamente se desenvolveu uma campanha contra estátuas e nomes de logradouros e instituições homenageando figuras consideradas “polêmicas”, como Cristóvão Colombo[1], Winston Churchill[2] e Woodrow Wilson[3], além de estátuas e nomes de figuras mais diretamente associadas à degradação da África, do comércio escravista e da escravidão[4]

-        Antes de mais nada, é importante dizermos com clareza: como positivistas, rejeitamos radicalmente toda forma de racismo

o   Assim, concordamos com o repúdio à barbaridade do ato que resultou na morte de George Floyd, cujo elemento racista ficou mais ou menos claro

o   Também é importante notar que a situação própria aos Estados Unidos – com sua divisão radical entre “brancos” e “negros” (ou seja, entre descendentes de anglossaxões e descendentes dos africanos) e seu princípio de “one-drop rule[5] – é uma situação específica dos Estados Unidos a partir de concepções racistas de pureza de raça e que, portanto, não é e não pode ser parâmetro para as chamadas relações étnicas

§  Pessoalmente, consideramos que, ao contrário do que se estabeleceu como política oficial no Brasil nos últimos dez ou 15 anos, somos a favor da mestiçagem, do reconhecimento dos mulatos, da mistura entre os grupos sociais brasileiros – e contra a estapafúrdia, forçada e violenta divisão social entre “brancos” e “negros” que se vem operando no país

-        Referi-me ao caso George Floyd porque ele tem que ser comentado e porque ele ensejou as manifestações contra estátuas e nomes de logradouros e instituições, que é o que nos interessa aqui

o   Entretanto, a relação entre o caso George Floyd e as manifestações contra estátuas e logradouros é um tanto indireta

o   As estátuas e os logradouros criticados foram percebidos como homenageando racistas, colonialistas, imperialistas; por exemplo, além dos já citados Colombo, Churchill e W. Wilson, também foram objeto de repúdio público monumentos e homenagens a generais que lutaram pelo Sul escravista (Robert Lee[6]) e traficantes de escravos

§  Ou seja: a indignação moral contra o crime de racismo foi transferida para homenagens públicas a personagens ligadas ou percebidas como ligadas ao racismo

o   Isso tudo exige reflexão cuidadosa, envolvendo pelo menos dois aspectos: o culto público e o relativismo histórico

-        Comecemos com o culto público:

o   Por definição, seu objetivo é criar sentimentos, valores e idéias compartilhadas entre os membros de uma pátria – ou melhor, de u’a mátria – e da Humanidade; trata-se de “co-memorar”, isto é, de “lembrar em conjunto”

o   Estátuas, logradouros, instituições têm nomes e rostos definidos porque correspondem àqueles indivíduos cuja ação foi particularmente meritória para a coletividade nacional e/ou universal, em um ou mais âmbitos da existência humana

o   Na maioria das vezes, essas homenagens são feitas a partir dos valores prevalecentes em um determinado contexto social:

§  Por exemplo, quando foi proclamada a República no Brasil, inúmeros logradouros tiveram os nomes modificados, de modo a homenagear o novo regime e deixar para trás a monarquia

§  Mas há homenagens mais amplas em termos de tempo e espaço, como o provam as estátuas de Cristóvão Colombo

-        A Religião da Humanidade estabelece um duplo sistema de comemoração pública, indicado pelos dois calendários históricos

o   O calendário tem como objetivo primordial celebrar valores em comum, em caráter cíclico; a isso se soma o aspecto pragmático, de organização do tempo

o   A comemoração básica no âmbito do culto público positivista ocorre com o nosso chamado calendário abstrato, que apresenta as 13 funções sociológicas, históricas e político-morais da Humanidade (Humanidade, Casamento, Paternidade, Filiação, Fraternidade, Domesticidade, Fetichismo, Politeísmo, Monoteísmo, Mulher, Sacerdócio, Patriciado, Proletariado)

§  O calendário abstrato lembra-nos dos elementos estáticos, da evolução dinâmica e da constituição normal da Humanidade

§  Mas é um calendário abstrato, cuja função básica não é se referir a ninguém em particular (apesar de que, em vários casos, isso seja inevitável)

o   Para complementar o calendário abstrato, indicando a evolução humana (em particular a própria ao Ocidente) e – isto é fundamental – suscitando o espírito de relativismo histórico, há o chamado calendário concreto

§  O calendário concreto apresenta os principais agentes da evolução humana em termos históricos: Moisés, Homero, Aristóteles, Arquimedes, César, São Paulo, Carlos Magno, Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes, Frederico II, Bichat

§  Ao indicar agentes concretos, o calendário histórico permite-nos pelo menos efetivamente refletir (1) a respeito da responsabilidade individual (2) em face da coletividade e dos destinos humanos e (3) considerar as limitações e as possibilidades de cada qual; assim, mais que o calendário abstrato, o calendário concreto permite-nos (4) desenvolver o sentido de relativismo histórico

o   Em ambos os casos dos calendários positivistas, o objetivo é lembrar-nos a todos de que o ser humano é antes de mais nada (1) produto da continuidade (ou seja, da evolução histórica) e que, cada qual em sua mátria, (2) também somos todos filhos da Humanidade

§  Em outras palavras, dois dos mais importantes objetivos dos calendários são combater o “presentismo” e o paroquialismo

§  É importante reforçar: o culto público, afirmando a continuidade histórica e a perspectiva humana geral, estimula o relativismo histórico; em contraposição, embora por si sós não impliquem absolutismo, o fato é que tanto o presentismo quanto o paroquialismo com freqüência andam de braços dados com o absolutismo filosófico e moral

·         As remoções das estátuas, nos EUA, na Inglaterra e alhures, embora motivadas por bons sentimentos, caracterizam-se por um forte absolutismo moral

-        Passemos ao relativismo histórico:

o   Para a Religião da Humanidade, o relativismo não equivale ao “qualquer coisa está valendo”, ou “tudo é igual a tudo e tudo vale a mesma coisa”, isto é, ao arbitrário e à ausência de parâmetros

§  Apesar de sua puerilidade e sua superficialidade, esse sentido de arbitrário para o “relativo” é o mais comum nos dias atuais, mesmo entre pensadores profissionais

o   O relativismo consiste na percepção de que nossos conceitos e nossas ações têm que se referir, sempre e necessariamente, ao ser humano; em conseqüência disso, o relativismo estabelece que não é possível adotarmos parâmetros alheios ao ser humano e supostamente válidos por si sós

o   No que se refere à história, o relativismo evidencia que diferentes épocas e diferentes lugares têm diferentes concepções sobre o que é bom, verdadeiro e belo

o   No âmbito da Religião da Humanidade, essa concepção básica do relativismo é complementada pela evidência de que o ser humano é mesmo um ser histórico, ou seja, que é ao longo do tempo e cumulativamente que ele desenvolve seus atributos

o   Dessa forma, concepções que hoje consideramos boas com freqüência exigiram para sua constituição que, antes, concepções consideradas ruins vigessem durante muito tempo

§  Dois exemplos banais mas muito claros: (1) se hoje consideramos que a guerra por definição é um crime contra a Humanidade, isso só é possível porque durante quase toda a existência humana a guerra foi percebida como conatural ao ser humano e, embora origem de tragédias, também era a fonte de grandes virtudes; (2) se hoje consideramos que a escravidão é um crime contra a Humanidade (e que o trabalho dignifica o homem), milênios atrás considerávamos que a escravidão também era conatural ao ser humano e que o trabalho era fonte de degradação: deveríamos desprezar Aristóteles porque, para ele, os bárbaros eram naturalmente escravos e escravizáveis?

o   Aplicando o relativismo histórico aos nossos conceitos morais, o resultado é que, sem abrir mão de nossos valores atuais, devemos ter clareza de que com freqüência estes nossos valores não eram os valores de nossos antepassados (e vice-versa)

§  Em outras palavras, há que se considerar e respeitar a fase histórica de cada figura que consideramos: não podemos desprezar ou rejeitar essas figuras históricas apenas porque seus valores não eram os nossos

§  Embora o absolutismo moral rejeite a aplicação dessa regra para o Ocidente contemporâneo, ela é seguida em todos os casos que não se referem diretamente à sociedade ocidental: por exemplo, julga-se que se deve respeitar os usos e costumes dos índios; os usos e costumes dos países muçulmanos ortodoxos etc.

o   Um outro aspecto que se evidencia quando aplicamos o relativismo histórico é a respeito dos vários âmbitos da existência e da atuação humana

§  Como afirmava Augusto Comte, se a natureza humana é tríplice (afetiva, intelectual e prática), as ações dos indivíduos podem dar-se em vários âmbitos (artístico, filosófico, científico, político, econômico etc.)

§  Essa observação é em si mesma banal, mas serve para lembrarmo-nos de que se uma figura é homenageada, ela é homenageada devido à sua atuação em um determinado âmbito e não necessariamente em outros âmbitos (que, não raras vezes, são desconsiderados e/ou desprezados): Francis Bacon foi um dos mais importantes filósofos, mas em termos políticos considera-se que ele era um escroque

-        Reunindo todos esses elementos, o que podemos concluir é o seguinte:

o   Sempre haverá, e sempre deve haver, homenagens públicas a figuras que julgamos relevantes

§  A relevância que atribuímos às figuras homenageadas baseia-se nos valores prevalecentes em uma determinada época e considera aspectos específicos da atuação humana

o   Diferentes contextos estimulam que homenageemos algumas figuras em detrimento de outras – o que, em determinadas situações, justifica a mudança de nomes de logradouros, de estátuas etc.

o   Entretanto, devemos ter com enorme clareza em nossos espíritos não somente os valores que dizemos professar em um determinado momento, mas também que o ser humano é um ser histórico, que ele constitui-se a partir da continuidade humana e que muitos valores importantes hoje só são importantes porque, em muitos casos, valores opostos foram importantes antes

o   Assim, embora devamos afirmar os nossos valores atuais, a afirmação do relativismo histórico exige que entendamos e contextualizemos os valores de nossos antepassados

§  Além disso, adicionalmente temos que lembrar que as homenagens referem-se com freqüência a aspectos específicos da existência humana e não à totalidade das ações dos homenageados

o   Nos casos concretos que citamos:

§  As retiradas das estátuas de Colombo parecem-me profundamente equivocadas: ele é homenageado por ter-se arriscado a realizar a circum-navegação do globo terrestre, integrando toda a Humanidade; por outro lado, ele não teve culpa pelo trágico destino dos ameríndios

§  Da mesma forma, parece-me um erro a retirada das estátuas de Churchill: embora ele fosse imperialista, as homenagens que ele recebe são devidas à sua fundamental atuação na II Guerra Mundial, em que ele garantiu a resistência ocidental contra o nazismo

§  A Escola de Relações Internacionais da Universidade de Princeton, ao tirar de seu nome a referência a W. Wilson, comete o mesmo erro que a respeito de Churchill: um instituto de RI homenageia o pensador idealista e o criador da Liga das Nações, não o político racista do Sul dos Estados Unidos

§  As estátuas de traficantes de escravos não merecem maior respeito

-        Por fim, vale notar que deixar de homenagear alguém com estátuas não é o mesmo que se esquecer dessa pessoa nem do que ela representou antes, mesmo que com um caráter negativo: por exemplo, em Moscou há o Parque das Estátuas Caídas, que, como um museu a céu aberto, lembra o culto à personalidade da época soviética



[1] A cidade de Chicago decidiu remover uma estátua de Colombo: https://www.reuters.com/article/eua-chicago-colombo-estatuas-idBRKCN24P21S-OBRWD (22.8.2023).

[2] Uma estátua de Churchill em Londres foi pichada e teve que ser protegida para não sofrer maiores depredações: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/06/londres-blinda-estatua-de-winston-churchill-para-evitar-ataques.shtml (22.8.2023).

[3] A Universidade de Princeton retirou do nome da sua Escola de Assuntos Públicos e Internacionais a referência a Woodrow Wilson: https://www.dn.pt/mundo/universidade-de-princeton-remove-nome-de-woodrow-wilson-da-escola-devido-a-politicas-racistas-12361622.html (22.8.2023).

[4] Ainda em Londres, estátuas do rei belga Leopoldo II e do comerciante escravista Robert Milligan foram retiradas: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/06/londres-blinda-estatua-de-winston-churchill-para-evitar-ataques.shtml (22.8.2023).

[5] A “one-drop rule” (“regra da gota única”) estabelece que, por mais que um indivíduo tenha um fenótipo (isto é, feições) “brancas”, caso ele tenha pelo menos uma única gota de sangue “negro”, ele será “negro”, isto é, será considerado e tratado como “negro”. O ideal de pureza racial (“branca”) é evidente nessa regra, bem como a discriminação racial contra os “negros”.

[6] A cidade de Charlottesville removeu uma enorme estátua eqüestre de Robert Lee e outra de Thomas Jackson: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-11/estatua-de-robert-lee-e-retirada-em-charlottesville-quatro-anos-depois-da-revolta-dos-supremacistas.html (22.8.2022). Como nota o autor dessa matéria jornalística, essas estátuas, especificamente nessa cidade, vinculam-se de maneira particularmente dramática ao racismo supremacista branco, o que, sem dúvida, foi um motivo adicional para sua retirada.