Este blogue é dedicado a apresentar e a discutir temas de Filosofia Social e Positivismo, o que inclui Sociologia e Política. Bem-vindo e boas leituras; aguardo seus comentários! Meu lattes: http://lattes.cnpq.br/7429958414421167. Pode-se reproduzir livremente as postagens, desde que citada a fonte.
16 janeiro 2013
Química e progresso material permitindo o progresso moral
Nível de dedução, secura afetiva e orgulho
08 janeiro 2013
Conseqüências lógicas, sociais, políticas e morais da Astronomia
On doit quelquefois regretter que cet ordre immodifiable soit si imparfait. Mais aucun homme sage ne saurait souhaiter d’en être affranchi ; puisque notre conduite manquerait aussitôt de but comme de règle. Le vœu de cette vagabonde indépendance résulta toujours du délire de l’orgueil métaphysique. Nos propres imperfections de tous genres ne nous destinent qu’à modifier, dans ses dispositions secondaires, un ordre éxterieur dont les lois essentielles sont inaccessibles à notre intervention quelconque. Là même où nous pouvons le plus, l’initiative ne nous appartient jamais, et nos efforts ne deviennent efficaces qu’en s’adaptant à cette nécessité inflexible, qu’il faut d’abord connaître pour la respecter toujours. S’il nous était donné de construire librement l’ordre total, nous deviendrions aussitôt incapables d’aucune vraie discipline, personelle ou sociale.
Mais, quelle que soit l’intime réalité d’une telle appréciation, elle est trop contraire à nos tendances primitives pour avoir jamais pu surgir assez, si tous les phénomènes, quoique réglés, eussent été vraiment modifiables. On sent aujourd’hui cette impossibilité par les grandes difficultés qu’éprouve l’admission des lois naturelles envers les événements, surtout sociaux, que leur complication nous permet de modifier beaucoup. Leur vraie notion ne peut prévaloir qu’en y appliquant convenablement la conviction préalable résultée des lois, plus simples et moins flexibles, relatives aux phénomènes plus généraux. Cette succession conduit, de proche en proche, à fonder le sentiment de l’ordre réel sur l’étude des événements qui ne comportent aucune modification volontaire. L’astronomie fournira donc toujours la première base objective de notre sagesse systématique” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 504-505).
31 outubro 2012
Crítica ao espírito absoluto das ciências naturais
Pois bem: a passagem abaixo evidencia com clareza meridiana o quanto as observações acima são incorretas. (São tão incorretas que é chocante perceber que elas sejam tão repetidas. Cabe aí, sem dúvida, uma sociologia do conhecimento e, ainda mais, uma sociologia da ideologia.)
Para Augusto Comte, embora as ciências naturais sejam a base lógica e teórica do Positivismo, elas não são nem um pouco infensas a críticas nem são totalmente modelos de pensamento. Na verdade, como estão longe da Humanidade, isto é, como estão distantes do que se chama atualmente de "ciências humanas", as ciências naturais estão mais sujeitas a desvios teóricos de origem metodológica e moral. Quais são esses desvios? Por um lado, eles consistem na preservação do espírito absoluto nas ciências; por outro lado, como conseqüência do problema anterior, as ciências naturais são mais dispersivas, são mais avessas a qualquer disciplina intelectual, são menos preocupadas com o bem-estar coletivo: em suma, elas afirmam a ciência pela ciência, como se a ciência pudesse ser uma justificativa para si própria, sem preocupações morais mais profundas.
Por fim, cabe notar que as críticas de Augusto Comte ao absoluto na(s) ciência(s) rejeitam a "separação entre fato e valor" e a completa desvinculação das pesquisas científicas com respeito às questões sociais. Disso se seguem duas observações:
1) Exatamente porque conhecia com profundidade a ciência - sua história, sua lógica, seus encadeamentos - é que Augusto Comte pôde fazer tais críticas, ao contrário dos filósofos que pelo menos desde fins do século XIX tentam criticar a ciência (Nietzsche, Bergson, Macintyre, Sheldon Wolin, Charles Taylor, Adorno & Horkheimer etc. etc. etc.).
2) No Brasil do final do século XIX e do início do século XX, as preocupações morais e sociais do Positivismo eram vistas como obstáculos a pesquisas científicas: os cientistas nacionais - em particular os matemáticos - afirmavam a ciência pela ciência, as pesquisas feitas sem outras preocupações que não aquelas vinculadas a vasculhar cada vez mais sobre aspectos cada vez mais especializados da realidade. A ciência, para tais pesquisadores, seria uma prática voltada para si própria, um conhecimento esotérico. Hoje, no início do século XXI, tal perspectiva não é mais aceita, não é mais vista como legítima: mas o Positivismo continua sendo mal-visto e, por mais espantoso que seja, a ele são creditados os problemas que ele mesmo combatia.
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“Plus indépendantes que toutes les autres, moins liées à l’Humanité, et comportant, avec une extension indéfinie, une culture plus facile et plus parfaite, les études cosmologiques sont à la fois les plus rebelles à toute saine discipline et celles que en ont le plus besoin. Après avoir longtemps fourni les sources exclusives de la véritable philosophie, elles constituent aujourd’hui le principal obstacle à sa systématisation finale. L’esprit absolu y trouve indirectement ses seuls appuis sérieux, plus nuisibles au vrai régime logique que les illusions directes d’une métaphysique discréditée. Par une étrange inversion, la nouvelle méthode subjective est, au fond, plus relative que l’ancienne méthode objective, qui doit lui emprunter aujourd’hui un caractére d’abord émané d’elle-même. Les divagations scientifiques de la cosmologie actuelle correspondent trop exactement à ses déviations logiques. Des recherches puériles et incohérents, inspirées par des conceptions antipositives, y dénaturent de plus en plus toutes les notions essentielles, que cette anarchie expose même à une prochaine décomposition” (Comte, Système de politique positive, v. I, p. 455-456).
25 outubro 2012
Lógica positiva e moralidade
08 agosto 2011
Sobre teorias morais cientificamente embasadas
É possível uma teoria moral que não leve em consideração a realidade humana? Ou, em outras palavras, é possível definir-se o que bom e ruim, belo e feio, justo e injusto sem se conhecer como é o ser humano, sua situação no mundo, as características de sua vida coletiva, o funcionamento de sua mente? Além disso, é possível teorizar a moral sem entender as mudanças ao longo do tempo por que passa o ser humano?
De um ponto de vista estritamente lógico, é claro que, sim, é possível ignorar cada uma, várias ou todas as condições acima; prova disso são as inúmeras teorias que histórica ou atualmente estão à disposição. Todavia, não apenas o ser humano já dispõe – na verdade, desde há pelo menos 150 anos – de conhecimentos cosmológico e social para elaborar teorias que satisfazem as condições acima quanto, por outro lado, os ideais morais – que, por si sós, já são dificilmente atingíveis (e devem ser assim) – só podem (ter alguma chance de) sucesso caso correspondam à realidade dos fatos.
Assim, por um lado, a moralidade exige o conhecimento da realidade para estabelecer-se. (Na verdade, trata-se também de uma questão de eficácia: a realidade impõe-se de qualquer forma; a rejeição a ela ou sua ignorância não apenas não facilitam nada como, ao contrário, freqüentemente dificultam a vida e tornam-na triste e desgostosa.) Por outro lado, a moralidade é o complemente necessário da realidade. Esse “complemento” ocorre em dois níveis, que são em última análise duas facetas do mesmo aspecto: deve-se conhecer a realidade para aplicar-se o conhecimento; a aplicação segue parâmetros que em última análise são morais. Ao mesmo tempo, a moralidade indica o que deve ser estudado ou não.
Evidentemente, é possível separar de modo radical a moralidade da realidade; é possível até mesmo opô-las e agir como se uma não dissesse respeito à outra. Todavia, mais adequado é vinculá-las.
A moralidade tem um caráter ideal e valorativo que não se prende à realidade. Ora, o erro habitual é querer separa um da outra, de tal forma que não haja vinculação alguma entre ambos; no que se refere à moralidade, essa ausência de vinculação dar-se-ia por meio da ignorância, do altaneiro desrespeito pela realidade (com base, por exemplo, na concepção de que o “ser” é diferente do “dever-ser”). Ora, sem ignorar o aspecto puramente valorativo da moral, a questão mais importante é “calibrá-la” com base na realidade, de modo a exigir do ser humano aquilo que é possível, isto é, factível. Uma moral estabelecida dessa forma poderá servir de guia para o ser humano em termos políticos e afetivos; servirá de parâmetro para os julgamentos e as avaliações e também oferecerá modelos, ideais e idéias para serem perseguidos e realizados. Aliás, mesmo que alguns (vários) ideais não sejam efetivamente passíveis de realização (ou de realização permanente e/ou completa), nem por isso eles deixarão de ser merecedores de dedicação e respeito, ou seja, nem por isso deixarão de atuar como ideais e como valores morais.
Assim, não há incompatibilidade entre o conhecimento da realidade e a definição de parâmetros morais; na verdade, uma boa teoria moral é aquela que é concebida de acordo com a realidade historicamente perceptível das teorias morais, considerando sua importância, seus elementos e sua dinâmica, em associação com o conhecimento social e psicológico do ser humano. Bem vistas as coisas, aliás, reiteramos: a moralidade e o conhecimento da realidade – ou, para usar outras palavras, a moral e a ciência – são complementares, não opostos; não há nenhuma impropriedade em falar-se em elaborar cientificamente uma moral, nos termos definidos acima. Convém notar, por outro lado, que há, sim, impropriedade em falar em “moral científica” caso defina-se de maneira estreita tanto a moral quanto a ciência, entendendo-se a moral como algo absoluto (devido a alguma origem teológica ou metafísica dessa definição) e/ou a ciência em termos “naturalísticos”, isto é, tomando as Ciências Naturais como sinônimo de ciência tout court e subordinando os métodos e as teorias das Ciências Humanas às C. Naturais. (Na verdade, exatamente o procedimento da redução das C. Humanas às C. Naturais é o realizado por inúmeros dos que afirmam o caráter absoluto da moral.)
Essas reflexões podem ser aplicadas, por exemplo, ao que se chama de “Ciência Política”. A normatividade está presente no que se chama usualmente de “Teoria Política”; o conhecimento da realidade, na “Ciência Política” propriamente dita. Ora, uma não pode andar afastada da outra, mesmo em termos epistemológicos (no sentido de que as pesquisas empíricas requerem pressupostos morais, sem se reduzirem a eles).
Essas perspectivas, que muitos consideram o ápice da reflexão teórica contemporânea, em particular do que se chama de “pós-positivismo”, são defendidas com clareza e extrema conseqüência por Augusto Comte, o pai da Sociologia e do Positivismo. (A ignorância, o preconceito e a busca metafísica do “novo” são maiores e piores do que usualmente se pensa.)
A conjugação entre a moral e a ciência é um dos problemas mais freqüentes da atualidade; na verdade, muito do que se faz nas C. Humanas é a busca dessa conjugação. Ora, esse esforço foi o que norteou a obra de Comte. Porque A. Comte era muito “humanista” para os “científicos” e muito “científico” para os “humanistas”, sua obra com freqüência é desconsiderada: mas isso se dá, como se percebe, porque uns e outros fecham-se em seus domínios exclusivos (e exclusivistas), embora afirmem a necessidade de conciliação entre as perspectivas polares – isto é, se e quando afirmam. (Como indicamos, há os “científicos” que reduzem o ser humano às C. Naturais e há os “humanistas” que desprezam as ciências, com base em preconceitos teológicos e/ou metafísicos.)
Há outro aspecto a considerar: o espírito de mediação, de busca do meio-termo teórico, é bem mais difícil de obter-se que os extremos. De fato, é mais fácil para o ser humano pensar por meio de extremos, mormente opostos, que por meio de conceitos nuançados; todavia, no que se refere às relações entre moral e ciência, a permanência dos pólos opostos mantém dificuldades e raciocínios que não avançam nem o conhecimento nem a moralidade, ao impedir a obtenção do necessário meio-termo da complementaridade. A afirmação contínua dos pólos opostos faz o ser humano oscilar entre os exclusivismos de cada lado, em vez de adotar uma perspectiva que solucione os problemas enfrentados.
17 fevereiro 2009
Questionamento necessário
(Infelizmente, o jornal adota o acordo ortográfico, de modo que algumas palavras estão escritas incorretamente.)
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“O pensamento humano é primeiro teológico, em seguida metafísico e por fim positivo” (A. Comte)
A recente campanha deflagrada na Europa pela Associação Humanista Britânica, tendo à frente o biólogo Richard Dawkins, mais que uma provocação, é um convite simpático para as pessoas refletirem a respeito de suas vidas e de seus valores, individuais e coletivos. Essa campanha, que ocorrerá ainda na Espanha, na Itália e talvez na França (mas também no Brasil), dá-se em um momento em que se vê um retorno da teologia – que dura já quase 20 anos – e em que os humanistas, ateus e agnósticos procuram não apenas defender a laicidade e o secularismo, mas também a validade política e filosófica de suas posições e perspectivas.
Há duas ou três questões envolvidas na “polêmica” dos anúncios veiculados nos ônibus: 1) as escolhas individuais sobre crenças e valores; 2) a pseudodiscussão sobre a imoralidade de quem não crê em deus; 3) a importância pública (política) da religião. Apesar de a campanha britânica tratar apenas da primeira questão, as polêmicas que surgiram ao seu redor envolvem as três – sendo, no final das contas, esse o objetivo de Dawkins, dos ateus, dos agnósticos e dos humanistas de modo geral – mas também dos religiosos. Vamos nos ater a duas outras questões, em que a análise sociológica e filosófica é inseparável da afirmação moral.
A primeira refere-se ao avanço da teologia na vida pública e privada, no mundo inteiro e no Ocidente em particular. As marchas concomitantes da laicização e da secularização no Ocidente (mesmo no mundo) foram fatores de progresso social, moral e intelectual, com a atenção dos seres humanos voltando-se para o próprio ser humano e para sua realidade cósmica, social e individual. Isso inclui não apenas (por exemplo) o desenvolvimento da Medicina, das telecomunicações, da Sociologia, da Psicologia, do Welfare State e das preocupações ambientais, mas, acima de tudo, permitiu o desenvolvimento de um ambiente social e político favorável à livre expressão das ideias, mesmo aquelas mais contrárias aos “poderes dominantes”. Em outras palavras, foi o afastamento da religião que permitiu ao ser humano conhecer-se melhor e à sua realidade, além de ter-lhe criado as condições intelectuais e políticas necessárias para manter-se livre e combater crimes e excessos.
Assim, sem rodeios, o retorno da teologia é um retrocesso nessa marcha, com a afirmação de obscurantismos e “vontades” absolutas e arbitrárias como justificativa tanto para regimes sociopolíticos dominadores quanto para decisões individuais e coletivas daninhas para o ser humano e para o planeta Terra. Além de problemas facilmente perceptíveis como os excessos muçulmanos do Talibã ou cristãos de G. W. Bush, há derivações mais sutis: por exemplo, a afirmação do presidente francês Nicolas Sarkozy de que em uma república a crença na transcendência é um pré-requisito: essa é uma forma velada de dizer que um bom cidadão deve ser um fiel, deve acreditar em deus (mas qual deus? Aquele que o Estado defende?).
A segunda questão refere-se à necessidade de moral humana. Diversos pensadores de origem religiosa afirmam que, sem a crença em deus (mas qual deus?), o ser humano é imoral e criminoso. Ora, tal afirmação é um duplo erro: crer em deus não garante a moralidade nem descrer significa imoralidade. Os exemplos novamente são fáceis e variados: a quantidade de criminosos tementes a deus é enorme (na verdade, quase a totalidade deles), assim como a quantidade de humanistas e beneméritos ateus, agnósticos é também enorme – e, em particular, em uma porcentagem muito maior daqueles que creem em deus.
Essas são questões polêmicas, que suscitam fortes paixões. Para tratar delas, é necessário cuidado intelectual, respeito pela posição alheia e compromisso com as liberdades públicas. Respeitadas essas condições, todos temos a ganhar, agora que o debate está aberto.
04 fevereiro 2009
A soberba de Cláudio Lembo
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Prezado Professor Lembo:
Li em um artigo publicado no portal Terra que, para o senhor, a recente campanha atéia é uma "explosão de soberba"; além disso, atribui aos "ateus" e "agnósticos" a atual crise financeira mundial.
Suas opiniões são fantasticamente imaginativas.
Para começar, repete o bordão de que é necessário acreditar em divindades para ser ético e ter um comportamento moralmente orientado e aceitável. Isso é mentira e é um duplo erro: seja porque atribui à crença em deus o comportamente ético, seja porque atribui à descrença em deus o comportamento anti-ético. Senão, vejamos.
Os maiores fascínoras do mundo eram TODOS crentes ou saídos de seminários, estando à frente, é claro, a trinca Stálin, Hitler e Mussolini - mas não nos esqueçamos de todos os criminosos comuns de todos os países do mundo, que aparecem na televisão e nos jornais rezando e pedindo clemência a deus; também não se esqueça dos criminosos políticos e de colarinho branco, que fazem as mesmas coisas. Também não nos esqueçamos dos criminosos políticos brasileiros, a começar pelos militares que torturaram e mataram (aliás: durante os seus mandatos parlamentares e executivos): todos eles formados nas tradições dos anos 1920 e 1930, todos eles bons devotos.
Por outro lado, grandes beneméritos da Humanidade são ateus, agnósticos ou humanistas. Fiquemos apenas no Brasil: Benjamin Constant e Rondon (para citar dois que já morreram e cujos valores ninguém - nem o senhor - discutem) e Dráuzio Varela. Mas também o Gal. Pery Bevilácqua que, sem acreditar em deus, combateu o despotismo do regime de 1964 no Supremo Tribunal Militar.
Se o senhor parasse para refletir e deixasse seus preconceitos cristãos de lado, perceberia que é exatamente a crença em deus que permite que os crentes ajam de maneira anti-ética, imoral e completamente antissocial: afinal de contas, prestam contas a uma "autoridade maior". A preocupação com esta vida e o respeito ao ser humano é o que leva os descrentes no deus a adotarem um comportamento ético e respeitoso aos seus semelhantes: afinal de contas, vivem em sociedade, vivem apenas nesta vida e têm responsabilidades afetivas, práticas, intelectuais e - por que não? - jurídicas com os seres humanos.
Dessa forma, o senhor consegue a proeza de repetir o sofisma segundo o qual "acreditar em algo" é sinônimo de "acreditar em deus". Eu não acredito em deus: isso equivale a não acreditar em nada? Eu acredito no ser humano, eu acredito que há leis naturais no mundo, eu acredito que estou vivo, eu acredito (por mais difícil que seja) que o senhor falou as bobagens acima e, por fim, eu acredito que as idéias que o senhor expôs são todas elas preconceituosas, mistificadoras e intolerantes.
Mas o senhor também afirma que a atual crise econômico-financeira é devida à "falta de valores" dos "ateus". Pois bem: se não se baseasse em preconceitos e parasse para pensar e observar o que de fato ocorre à sua volta, perceberia que a crise surgiu nos Estados Unidos, onde a população é fortemente cristã e, de qualquer forma, crente em deus; exatamente porque crêem em deus é que se sentem autorizados a agirem de maneira irresponsável. Duvida disso? Pois bem: faça uma pesquisa sobre crenças religiosas nos Estados Unidos. Ah, lembrei: ela já existe e, não sendo apenas uma mas várias, comprovam elas o que disse.
Além disso, as crenças nos deuses não garantem um comportamento ético por si: o crente, quando é "ético", de modo geral não o é porque entende a importância e os próprios conceitos de "ética" e de "moralidade". Os crentes são "éticos" porque, literalmente, têm medo do inferno: basta o senhor sair às ruas de São Paulo para ver as pichações nos muros; ou, talvez, vá ao Rio de Janeiro ler esse "raciocínio" exposto em quantidade assustadoramente maior. Ou, ainda, fique insone uma noite e assista à programação dos pequenos canais abertos da televisão.
É necessário também corrigir uma imprecisão conceitual: o agnosticismo não é um ficar em cima do muro, uma indecisão sobre a existência ou não do deus por debilidade de caráter; é uma tomada firme de posição no mundo e a favor do ser humano, em que o problema de deus é deixado de lado como insolúvel e inútil. Mas o senhor deve saber disso: para o senhor, é melhor o ateísmo, que põe em questão o seu deus, que o agnosticismo, que simplesmente o deixa de lado.
Last but not the least, é importante notar que o senhor, sendo fiel ao seu pensamento e crente em deus, é profundamente intolerante com aqueles que não acreditam naquilo em que o senhor acredita. Mas isso não lhe faz diferença, não é mesmo? Afinal de contas, o senhor responde a uma autoridade maior, não se importando com os seres humanos.
Humanamente,
Gustavo Biscaia de Lacerda
Sociólogo e Cientista Político