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19 janeiro 2020

19 de janeiro, aniversário de Augusto Comte, o fundador da Religião da Humanidade


No dia 19 de janeiro comemora-se o aniversário de nascimento de Augusto Comte (1798-1857), o fundador da Sociologia, da Moral Positiva, da História das Ciências e, mais importante que isso, da Religião da Humanidade.

Busto de Augusto Comte em frente à Universidade Sorbonne, em Paris.
Abaixo do nome está escrito "Merci par tout!" ("Obrigado por tudo!").

A Religião da Humanidade, ou simplesmente “Positivismo”, é uma religião humana e humanista, que busca harmonizar as várias facetas da natureza humana, entendendo que essa natureza compõe-se de três elementos – os sentimentos, a inteligência e a ação prática –; esses elementos, por sua vez, atuam tanto nos indivíduos quanto na vida coletiva. Assim, os seres humanos são sempre motivados pelos sentimentos, que podem ser altruístas ou egoístas; para viverem, devem conhecer a realidade que os cerca e, a partir disso, agem nas sociedades.

Augusto Comte percebeu que a moralidade humana consiste em agir sempre com vistas ao altruísmo, ou seja, em benefício dos demais, mesmo quando cada indivíduo e cada sociedade tem que satisfazer as suas próprias necessidades particulares. Esse princípio fundamental da moralidade é também o que permite que os seres humanos sejam felizes e, ao mesmo tempo, é o que permite que as concepções que cada um tem da realidade – a filosofia, a ciência – sejam organizadas de maneira racional e coerente. Por fim, todos sabemos que ao longo de nossas vidas enfrentamos inúmeros desafios, que exigem de cada um respostas intelectuais e práticas; como se diz, viver em sociedade não é fácil: a moralidade positiva, baseada na realização do altruísmo, permite que essas dificuldades sejam diminuídas e adequadamente tratadas, minorando os sofrimentos humanos e permitindo o máximo de justiça.

A Religião da Humanidade é uma “religião”: é um sistema de coordenação das concepções e dos comportamentos humanos. Ela não é uma teologia, pois não usa como princípio regulador máximo nenhuma entidade sobrenatural (os deuses); apesar disso, a Religião da Humanidade tem um símbolo maior, que representa os grandes valores humanos, resumidos no amor: é a própria Humanidade, representada por uma moça de cerca de 30 anos tendo em seu colo uma criança... a Humanidade cuidando e preparando, com amor, as gerações futuras.

Eduardo de Sá - A Humanidade

Estátua da Humanidade, Igreja Positivista do Brasil.

A história da humanidade é a grande escola de que dispomos. Graças ao lento acúmulo de pequenas e grandes modificações ocorridas ao longo dos anos, dos séculos, dos milênios, o ser humano pode erguer-se das pequenas famílias que viviam nas cavernas, com medo de tudo, até a grande civilização mundial que busca, cada vez mais, a paz entre todos os povos, o respeito a todas as culturas e todos os grupos, o trabalho digno, a justiça social. Também é graças à historicidade humana que a concepção de uma religião positiva, humana, foi possível, após o desenvolvimento das religiões fetichistas, politeístas e monoteístas: assumindo a liderança do ser humano, a Religião da Humanidade respeita, glorifica e agradece o serviço prestado por essas religiões anteriores. Por fim, também é graças à  historicidade humana que foi possível conhecermos o mundo que nos cerca e a realidade de que fazemos parte – cósmica, social e individual. A própria Religião da Humanidade é um fruto da historicidade do ser humano.

A Religião da Humanidade valoriza profundamente a subjetividade, isto é, os sentimentos, as crenças íntimas. Mas essa subjetividade também tem que ser regulada: o mundo existe objetivamente, com as suas regularidades que não dependem das nossas crenças nem dos nossos sentimentos. Entender que a mais rica subjetividade não pode negar a objetividade das leis naturais também é fonte de felicidade.

O reconhecimento de que a realidade tem seus princípios próprios, que o próprio ser humano tem um funcionamento específico, leva-nos a mais uma das características da Religião da Humanidade, o seu relativismo. O relativismo positivo não significa que “qualquer coisa vale”; ele significa que o ser humano não pode explicar toda a realidade a partir de um único princípio, de um único conceito, que explicaria tudo de uma única vez e sem fosse necessário referir-se a mais nada. Assim, no que Comte chamava de "síntese subjetiva", a Religião da Humanidade abandona e rejeita as concepções absolutas.

A Religião da Humanidade foi criada em 1848 por Augusto Comte sob a influência de sua esposa subjetiva, a sofrida Clotilde de Vaux (1815-1846). Após uma vida de dificuldades e sacrifícios, Augusto Comte apaixonou-se pela jovem Clotilde, cuja vida também se caracterizava por sacrifícios e dificuldades imensos; o apoio de Clotilde às reflexões de Comte permitiram a ele que entendesse profundamente o quanto o amor é poderoso... o amor de Comte por Clotilde permitiu ao filósofo perceber que o verdadeiro fundamento do ser humano, da moralidade real, é mesmo o amor, que é uma outra forma de denominar o altruísmo.

Busto de Clotilde, de Décio Villares.

Retrato de Clotilde, de Etex.

Todas essas concepções belas e reais foram condensadas na profissão de fé de um dos mais ilustres positivistas e mais ilustres cidadãos brasileiros, o Marechal Rondon:

 
Marechal Rondon

Eu Creio:

Que o homem e o mundo são governados por leis naturais.

Que a Ciência integrou o homem ao Universo, alargando a unidade constituída pela mulher, criando, assim, modesta e sublime: simpatia para com todos os seres de quem, como Poverello, se sente irmão.

Que a Ciência, estabelecendo a inateidade do amor, como a do egoísmo, deu ao homem a posse de si mesmo. E os meios de se transformar e de se aperfeiçoar.

Que a Ciência, a Arte e a Indústria hão de transformar a Terra em Paraíso, para todos os homens, sem distinção de raças, crenças,: nações – banido os espectros da guerra, da miséria, da moléstia.

Que ao lado das forças egoístas – a serem reduzidas a meios de conservar o indivíduo e a espécie – existem no coração do homem: tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais.

Nas leis da Sociologia, fundada por Augusto Comte, e por que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas: desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade.

Que, sendo, incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor.

Que a ordem material deve ser mantida, sobretudo, por causa das mulheres, a melhor parte de todas as pátrias e das crianças, as pátrias do futuro.

Que no estado de ansiedade atual, a solução é deixando o pensamento livre como a respiração, promover a Liga Religiosa,: convergindo todos para o Amor, o Bem Comum, postas de lado as divergências que ficarão em cada um como questões de foro íntimo, sem perturbar a esplêndida unidade – que é a verdadeira felicidade.

16 setembro 2019

A sociedade industrial para Augusto Comte - roteiro de uma prédica

No dia 15 de setembro de 2019 fiz uma prédica na Igreja Positivista do Rio Grande do Sul sobre a "sociedade industrial", conceito sociológico elaborado por Augusto Comte em sua Sociologia Dinâmica para entender a realidade contemporânea e orientar a ação prática.

Para essa prédica elaborei um pequeno roteiro, que foi mais ou menos seguido na ocasião - os improvisos e as digressões são parte de qualquer exposição oral. Reunindo as anotações iniciais com algumas das observações feitas de improviso, apresento o resumo abaixo, que é razoavelmente explicativo. É claro que se os leitores tiverem dúvidas ou sugestões, elas serão bem-vindas.


*   *   *


-        É um ótimo exemplo de conceito que reúne considerações sociológicas, históricas, filosóficas e morais – e também políticas
o   Assim, é um exemplo de aplicação prática dos preceitos religiosos da Religião da Humanidade
-        A “sociedade industrial” é o conceito com que Augusto Comte define a organização social, política e econômica das sociedades modernas
o   Um paralelo com “capitalismo”, de Marx, é útil: ambos os conceitos referem-se mais ou menos às mesmas coisas e ao mesmo período, igualmente com juízos de valor subjacentes; mas para Marx o “capitalismo” é um sistema totalmente impessoal que deve ser destruído por meios revolucionários em prol do comunismo; já a “sociedade industrial” é uma organização social e política vigente que deve ser aperfeiçoada, mas que permite o desenvolvimento das forças humanas
-        A melhor forma de expor a idéia da sociedade é industrial é adotando o procedimento de Comte, ou seja, por meio da contraposição com as sociedades militares
-        Na verdade, isso consiste na conjugação das leis dinâmicas do entendimento humano, que correspondem às leis VII a IX da Filosofia Primeira:

2ª série: leis dinâmicas do entendimento
1ª Cada entendimento oferece a sucessão dos três estados, fictício, abstrato e positivo, em relação às nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes (VII)
2ª A atividade é primeiro conquistadora, em seguida defensiva e enfim industrial (VIII)
3ª A sociabilidade é primeiro doméstica, em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar a cada um dos três instintos simpáticos [apego, veneração e bondade] (IX)

-        As sociedades militares foram as características da Antigüidade e da Idade Média, em que as concepções mais amplas de sociabilidade eram a família e a pátria (Antigüidade) e a pátria e a igreja (Idade Média)
o   Como são concepções parciais, a família e a pátria tendem a gerar competições entre as várias famílias e as várias pátrias: essas competições logo se transformaram em guerras
o   É necessária uma concepção universal para que se instaure a paz: somente a Humanidade pode gerar a paz mundial e perpétua
o   O Império Romano, embora baseasse-se na idéia de pátria, tinha uma concepção tendencialmente universalista de ser humano, o que o politeísmo facilitava, ao permitir com maior ou menor facilidade a incorporação dos vários grupos sociais; os romanos diziam, acertadamente, que “faziam a guerra para levar os hábitos da paz”
§  O Império Romano extinguiu até certo ponto as guerras de conquistas, incessantes na Europa e na Ásia Menor até então e criou uma enorme área de relativa estabilidade política, jurídica, econômica (e monetária e de pesos e medidas) na Europa e ao redor do Mar Mediterrâneo; com isso, lançou as bases necessárias para a civilização católico-feudal e para o desenvolvimento posterior da sociedade industrial
o   Na Idade Média o catolicismo permitiu a conjugação da pluralidade política (feudal) com a unidade de fé (católica); mas o caráter absoluto do catolicismo impede a sua plena universalização e, de qualquer maneira, ele entra em choque com outros sistemas absolutos, em particular o Islã
-        A atividade militar, então, foi inicialmente conquistadora (Antigüidade) e depois defensiva (Idade Média)
o   A partir de meados da Idade Média – grosso modo, no século XI – começa a ocorrer um movimento importante: a emancipação das comunas, isto é, das cidades, dos burgos (os habitantes dos burgos eram os burgueses), especialmente pelos reis
o   Essa expressão – “emancipação dos burgos” – significa o seguinte: até então os burgos estavam submetidos à autoridade política e social dos nobres, dos senhores feudais; com a emancipação, os burgos passaram a submeter-se apenas à autoridade dos reis e/ou a ter grande autonomia decisória à as repúblicas italianas, do Norte da Europa e outras surgiram dessa forma
o   As comunas obtiveram essa emancipação porque seus habitantes eram ativos politicamente e pressionavam nesse sentido; da mesma forma, eram artesãos, comerciantes, banqueiros etc., isto é, eram indivíduos e grupos que trabalhavam e produziam bens, serviços e riquezas
o   A emancipação das comunas indica, portanto, a mudança na organização social, que passava de militar e rural para industrial e urbana
-        A sociedade industrial, portanto, surge como um desenvolvimento das sociedades militares
o   Embora surja do desenvolvimento das sociedades militares, a sociedade industrial não é uma continuação delas: antes de mais nada, a sociedade industrial é pacífica
o   Na sociedade industrial há geração da riqueza e não somente espólio e rapinagem, como na atividade militar
-        A sociedade industrial gera riqueza; mas essa “geração de riqueza” não é só ou principalmente o acúmulo de riquezas: é a produção de bens e serviços com vistas ao bem-estar humano
o   Importa lembrar e afirmar com todas as letras: a ação militar visa à destruição dos bens e à morte dos inimigos; se há a busca de algum bem-estar, é da sociedade que conquista, não a da que é conquistada
o   Assim, enquanto as sociedades militares buscam a glória, as sociedades industriais buscam o bem-estar e o conforto
-        Uma precondição fundamental da sociedade industrial é a valorização do trabalho
o   Nas sociedades militares o trabalho é desvalorizado, sendo reservado aos escravos e/ou aos servos da gleba
o   A valorização do trabalho resulta também na repulsa à escravidão e na valorização dos trabalhadores, cuja dignidade é afirmada
o   Aliás, em contraposição às sociedades militares, a sociedade industrial valoriza a vida humana
-        A sociedade industrial suceder as sociedades militares não é somente uma questão de antecedentes e conseqüentes históricos; é necessário ativamente aperfeiçoar a sociedade industrial
o   Antes de mais nada, é necessário ultrapassar os hábitos militares, a busca da glória, o desejo da dominação, o estímulo ao militarismo
o   A noção militar de pátria tem que ser substituída pela concepção pacífica e altruísta de mátria
o   Os trabalhadores têm que ser valorizados e suas condições de vida têm que ser dignas
o   A burguesia (mesquinha e egoísta) tem que ser substituída pelo patriciado positivo (altruísta, generoso, de vistas e ações largas)
o   Os meios violentos têm que ser substituídos radicalmente pelos meios pacíficos
o   O poder Espiritual tem que ter um ascendente sobre a sociedade, em contraposição à ação violenta do poder Temporal
o   Os positivistas devem deixar de ser militares ou, caso permaneçam sendo militares, que orientem suas ações para fins positivos à apoio decidido ao civilismo dos militares
§  Exemplos máximos no Brasil: Benjamin Constant e Marechal Rondon
§  Ensino civilista de Benjamin Constant no Exército à não é à toa que a ação de Benjamin Constant foi duramente combatida pelos militaristas (Jovens Turcos, revista A Defesa Nacional, Olavo Bilac, Missão Alemã, Missão Francesa) e pelos fascistas (Góes Monteiro)
§  Benjamin Constant e doutrina do “soldado-cidadão”: ênfase no “cidadão” e na “civilização” da caserna, ao contrário do que Olavo Bilac pregava, que era a ênfase no “soldado” e na militarização da sociedade
§  Marechal Rondon: o “Marechal da Paz”; frase característica: “morrer se for preciso, matar nunca”
o   O militarismo antigo e medieval era justificável e aceitável; o militarismo moderno é aberrante e inaceitável
§  O nazismo, o fascismo e até o comunismo são militarismos modernos
§  O nacionalismo do século XX apresenta todos os defeitos ligados ao militarismo: xenofobia, intolerância, violência, busca da glória nacional, conservadorismo; situação exemplar do caso Dreyfus (1895-1905)
·         Caso Dreyfus: Exército francês reacionário, monarquista, belicista, xenófobo e antissemita; a libertação de Dreyfus e a reversão de sua condenação uniu vitoriosamente os republicanos e os progressistas franceses contra os grupos reacionários (monarquistas, Igreja Católica, alto comando do Exército, intelectuais literários)
-        Augusto Comte propôs um conjunto de medidas com vistas à consolidação e ao aperfeiçoamento da sociedade industrial, já com vistas à sociocracia

SUMÁRIO DAS MEDIDAS ESPECÍFICAS À TRANSIÇÃO ORGÂNICA

MEDIDAS
ÂMBITO DAS MEDIDAS
COMENTÁRIOS
Liberdade especulativa com o fim dos orçamentos teóricos
Temporal
Necessárias em todos os lugares
Substituição das Forças Armadas pela polícia
Instituição do triunvirato sistemático
Desenvolvimento do culto histórico
Espiritual
Estabelecimento das escolas positivistas
Ascendente do Positivismo sobre o comunismo
Decomposição dos grandes estados
Resume as duas séries anteriores

15 agosto 2019

"Relatórios científicos da Comissão Rondon"

Comemorando o sesquicentenário de nascimento do grande Marechal da Paz, Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), em 2016 a Fundação Ivete Vargas - instituição de pesquisas políticas e sociais ligada ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - publicou um interessante e valioso volume intitulado O Brasil pelos brasileiros - relatórios científicos da Comissão Rondon. Os organizadores da obra são Elizabeth Madureira Siqueira, Fernanda Quixabeira Machado e Luciwaldo Pires de Ávila.

O livro em si mesmo faz uma exposição das várias comissões que Rondon chefiou, com seus membros, seus objetivos, seus resultados, além de uma pequena biografia do próprio Cândido Rondon. Além disso, felizmente o volume é recheado de fotografias e ilustrações. Ele está disponível em PDF aqui.

Capa e páginas do livro
Fonte: https://fiv.org.br/2016/12/06/o-brasil-pelos-brasileiros-relatorios-cientificos-da-comissao-rondon/

A versão física do livro é acompanhada por um CD-Rom com todos os relatórios publicados pela Comissão, o que torna a obra realmente indispensável. São três conjuntos de documentos: 

(1) Comissão de Linhas Telegráficas e Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas

(2) Serviço Nacional de Proteção aos Índios

(3) Expedição Científica Roosevelt-Rondon.


*   *   *

Vale notar que também em 2016 o v. 1 da coleção acima foi publicado em edição facsimilar pela editora Carlini e Caniato, juntamente com a Secretaria de Estado de Cultura do Mato Grosso. Esse volume, cuja apresentação foi redigida por Paulo Pitaluga, está disponível aqui.

09 agosto 2019

Comentários sobre "O Brasil inevitável", de Mércio P. Gomes

Há duas semanas comprei este livro e há pouco terminei de ler vários capítulos, do grande antropólogo Mércio Pereira Gomes.
Mércio Pereira Gomes
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9rcio_Pereira_Gomes#/media/Ficheiro:MercioPereiraGomes.jpg
O Brasil inevitável é um livro realmente interessante e instigante, que merece ser lido e refletido.
Capa do livro
Fonte: https://obrasilinevitavel.home.blog/2019/03/16/lancado-o-livro-o-brasil-inevitavel-etica-mesticagem-e-borogodo/

O livro trata de política, história, antropologia, filosofia de maneira inteligente e original. Como o autor é antropólogo, suas vistas sobre o Brasil, isto é, sobre a formação e composição étnica e, principalmente, cultural do país iluminam as discussões políticas.
De qualquer maneira, quero comentar aqui dois aspectos mais gerais que me chamaram a atenção.
Por um lado, o autor segue uma tradição que remonta pelo menos a Darcy Ribeiro e que até os anos 1960 era muito forte: concepções de "projeto nacional", de considerar o Brasil como um único país (composto por vários grupos, claro está, mas, ainda assim, um só país) e que deve ter uma visão de longo prazo para orientar as ações presentes. Esse tipo de perspectiva foi deixado de lado a partir dos anos 1970 tanto pelos marxistas (interessados em explorar os conflitos de classe) quanto pelos pós-modernos (preocupados com as políticas identitárias e/ou com as concepções irracionalistas segundo as quais todo poder é podre e todo projeto político é irracional e visa apenas à dominação e à exploração). A falta de um "projeto de nação" é um dos motivos mais amplos que explicam porque o Brasil encontra-se no poço sem fundo em que está.
Por outro lado, aliás também remontando a uma concepção que passa por Darcy Ribeiro, o autor tem uma visão positiva, otimista do brasileiro. Não se trata de negar seus problemas, nem das dificuldades que enfrentamos, nem dos aspectos negativos de nossa história: nada disso. O autor reconhece com grande clareza todos esses problemas. Mas, em vez de limitar-se a isso, ele observa que há inúmeros aspectos positivos no Brasil e nos brasileiros - aspectos que justificam a possibilidade de o país "dar certo" (e, portanto, que dão sentido à concepção de um "projeto de país"). A história brasileira não é uma sucessão de crimes, de opressões, de dominações, de brutalidade e - em uma narrativa que tem sido larga e alegremente repetida - de autoritarismo inato; muito do que se afirma como negativo na história e na realidade brasileira tem que ser percebido, com urgência, de maneira diversa.
Todavia, sou obrigado a fazer um reparo ao livro, a apresentar um grave "porém". O autor elogia reiteradamente o grande Marechal Rondon - aliás, com toda a justiça. Ora, como se sabe, Rondon era positivista: é precisamente ao tratar do Positivismo que Mércio Gomes erra - e erra reiteradamente, infelizmente se limitando a repetir o senso comum de manuais. Nesse caso, não há escapatória; é necessário ignorar tudo o que Mércio Gomes fala sobre o Positivismo e buscar outras fontes.

Marechal Rondon em 1930
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_Rondon#/media/Ficheiro:Marechal_Rondon.jpg
(Sacrificando um pouco a humildade, e considerando a multiplicidade de âmbitos em que se move Mércio Gomes - teoria social, antropologia brasileira, história das idéias etc. -, uma indicação útil a respeito do Positivismo é o meu livro Comtianas brasileiras.)

19 abril 2016

Credo Positivista, de Marechal Rondon

"Eu Creio:

Que o homem e o mundo são governados por leis naturais.

Que a Ciência integrou o homem ao Universo, alargando a unidade constituída pela mulher, criando, assim, modesta e sublime: simpatia para com todos os seres de quem, como poverello, se sente irmão.

Que a Ciência, estabelecendo a inateidade do amor, como a do egoísmo, deu ao homem a posse de si mesmo. E os meios de se transformar e de se aperfeiçoar.

Que a Ciência, a Arte e a Indústria hão de transformar a Terra em Paraíso, para todos os homens, sem distinção de raças, crenças,: nações – banido os espectros da guerra, da miséria, da moléstia.

Que ao lado das forças egoístas – a serem reduzidas a meios de conservar o indivíduo e a espécie – existem no coração do homem: tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais.

Nas leis da Sociologia, fundada por Augusto Comte, e por que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas: desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade.

Que, sendo, incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor.

Que a ordem material deve ser mantida, sobretudo, por causa das mulheres, a melhor parte de todas as pátrias e das crianças, as pátrias do futuro. 

Que no estado de ansiedade atual, a solução é deixando o pensamento livre como a respiração, promover a Liga Religiosa,: convergindo todos para o Amor, o Bem Comum, postas de lado as divergências que ficarão em cada um como questões de foro íntimo, sem perturbar a esplêndida unidade – que é a verdadeira felicidade".