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03 setembro 2016

Gazeta do Povo: "Burquíni, liberdade de costumes e liberdades políticas"

Artigo de minha autoria, publicado na Gazeta do Povo em 3 de setembro de 2016. O original pode ser lido aqui.

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Burquíni, liberdade de costumes e liberdades políticas



À primeira vista, pode ser estranho discutir no Brasil o uso, a proibição e a liberação do “burquíni” na França, pois seria esse um problema francês e não brasileiro. Mas esse problema envolve questões que também dizem respeito, direta e indiretamente, ao Brasil: convém refletir a respeito do tema para, na medida do possível, evitarmos as dificuldades d’além-mar.

Criou-se o burquíni para permitir que as muçulmanas de mais estrita obediência frequentem a praia, com liberdade de movimento. O nome é uma combinação de “burca” com “biquíni”; rigorosamente não se trata da burca, que cobre o corpo inteiro, mas do xador, que cobre o corpo com exceção da face. Burca, xador e outras peças da indumentária feminina islâmica seguem o hijab, o código de vestimentas; ele visa a garantir a modéstia das mulheres no trajar, que varia segundo a interpretação específica do Islã e o país. Note-se que o burquíni deixa mãos e pés à mostra e muitas mulheres arregaçam as mangas, evidenciando o antebraço.

Na França, muitas cidades costeiras proibiram o uso do burquíni; logo após as proibições, essas municipalidades voltaram atrás e permitiram esse traje. As proibições foram adotadas devido ao temor de que o burquíni conduzisse à – ou se constituísse na – afirmação do extremismo religioso muçulmano. Para isso, valeram-se de leis nacionais, como a de 2010 que proíbe o uso da burca e a de 2004 que proíbe o uso ostensivo de símbolos religiosos em espaços especificamente públicos. Em todo caso, é necessário lembrar que a França tem sido alvo de atentados de radicais islâmicos: desde o massacre do Charlie Hebdo até o caminhão de Nice, passando pelos ataques de novembro de 2013 em Paris.

Primeira questão: a proibição do burquíni foi correta? Como as praias são espaços de lazer e quem as frequenta o faz em caráter particular e ainda, no caso do burquíni, mostrando o rosto, não é sustentável afirmar nem a segurança pública nem a laicidade para proibir. Assim, parece-nos que proibir o burquíni foi errado e suspender a proibição foi acertado.

Segunda questão: como entender o uso do burquíni? Ele foi criado para as muçulmanas aproveitarem um espaço de lazer; deixando à mostra mãos, pés e até antebraços, e sendo uma roupa colada ao corpo, pode ser visto como uma feliz concessão de certas seitas islâmicas para o Ocidente. Inversamente, o burquíni é um item estranho aos hábitos ocidentais, motivado por instituições e valores contrários aos ocidentais: seria uma islamização da Europa? Aí está o problema com o burquíni. As opções acima não são excludentes e, no momento, não há como decidir qual é a correta historicamente: o que fazer?

Não tenho a menor simpatia pelo burquíni e desagradam-me as instituições e correntes muçulmanas que reafirmam o caráter teocrático do Islã. Se o diálogo intercivilizacional é importante e necessário, que seja para aumentar a liberdade, não para diminuí-la. A filósofa Catherine Kintzler observa que o burquíni pertence ao âmbito privado (logo, não se trata de laicidade), mas refere-se à liberdade das mulheres e aos valores políticos compartilhados: o burquíni indicaria a submissão das mulheres e o seu afastamento da esfera pública; em última análise, ele é sinal de um tipo específico de Islã, o totalitário. É uma questão cultural, não jurídica: tem de ser combatido, não proibido. Isso dá o que pensar.


Gustavo Biscaia de Lacerda é pós-doutor em Teoria Política e sociólogo da UFPR.

23 maio 2016

Carlos Esperança: "O Papa Francisco e a laicidade"

Reproduzo abaixo uma postagem feita no blogue Ponte Europa, por Carlos Esperança, no dia 22  de maio de 2016. O título da postagem é O Papa Francisco e a laicidade; sua reprodução deve-se ao fato de ele ser muito, muito interessante e valer tanto a leitura quanto a reflexão.


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Em entrevista ao diário católico francês, La Croix, de 17 de maio, o Papa Francisco acusou a França «de exagerar a laicidade».

Na mesma entrevista, defendeu que um Estado não deve ser confessional, reconhecendo a laicidade, mas afirmando que «há um conflito radical entre as sociedades governadas pela lei de Deus e as que se organizam pela lei dos homens».

Pese embora o carácter dialogante do atual pontífice, que tem a santidade por profissão e estado civil, revela uma animosidade mal disfarçada, a assimilação genética do poder temporal que confunde com uma sociedade organizada pela lei de Deus, lei que, por ser divina, é irrevogável e alheia ao sufrágio. No fundo, a lei divina é a mais totalitária das leis. Nem o próprio Deus a pode revogar nem os que lhe são sujeitos a podem contestar.

Em primeiro lugar, o Papa disfarçou mal a azia que a laicidade lhe provoca, ao defini-la exagerada, como se a neutralidade pudesse ter graus, como se pudesse haver abstenções violentas e abstenções suaves.

A laicidade nunca foi obtida sem a repressão política do clero das diversas religiões e, sem ela, não há democracias, há teocracias, as formas mais violentas de ditaduras que ficam à mercê dos funcionários de Deus.

É evidente a existência de «conflito entre as sociedades governadas pela lei de Deus e as que se organizam pela lei dos homens». Basta comparar a Arábia Saudita com a França ou o Vaticano com a Itália. Deus, criado por homens e explorado por profissionais da fé, jamais fez prova de vida, mas pretende que o poder dos homens, não o das mulheres, seja vitalício e, se possível, hereditário.

É, alias, para submeter sociedades secularizadas à vontade de Deus que a Jihad islâmica sacrifica jovens assassinos, que são premiados com uma assoalhada no Paraíso e à razão de 72 virgens per capita.

Sem laicidade, voltaríamos à origem divina do poder e às monarquias absolutas. O Papa católico tem o dever de recordar o passado da sua Igreja e, se não quiser ver a sua, basta olhar para as outras que dominam os aparelhos de Estado e se confundem com eles.

A laicidade não consente adjetivos e jamais será excessiva ou escassa, é neutra. Sem ela não é possível que os Estados democráticos respeitem todos os crentes, descrentes e anti crentes, com absoluta indiferença sobre o que cada um pensa em matéria religiosa.

Felizmente, vivemos numa sociedade organizada pela lei dos homens e é fácil imaginar o pesadelo de uma outra «governada pela lei de Deus», de que há sinistros exemplos.

13 janeiro 2016

Jean-Michel Muglioni: a França define-se por "uma" cultura?

Reproduzo abaixo uma interessante postagem do filósofo francês Jean-Michel Muglioni, que se questiona se a França republicana e laica define-se por uma "cultura francesa" ou se define-se pelas instituições universais próprias à República. 

A resposta, como é evidente, consiste em que a França é uma República universalista, não uma cultura particularista. Esse é um dos elementos subjacentes à laicidade e é um importante aspecto para considerar-se no combate aos integrismos teológicos, sejam cristãos, sejam muçulmanos, que têm agitado tão tristemente a França.

O original encontra-se disponível aqui.

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La France se définit-elle par « une » culture ?

La République Française ne se définit pas par « une » culture, par opposition aux sociétés multiculturelles, mais par la citoyenneté, qui est la reconnaissance de principes. Une certaine droite refuse l’idée républicaine et réduit en fin de compte l’identité française au simple rang de folklore, oubliant l’exigence d’universalité qui caractérise nos institutions.
Bruno Lemaire a fait de brillantes études littéraires, sanctionnées par une réussite aux concours les plus difficiles. Il a écrit notamment Musique absolueune répétition avec Carlos Kleiber (Gallimard, 2012) – Carlos Kleiber chef d’orchestre européen et citoyen du monde. Bruno Lemaire est cultivé. Or dans un débat1 où Jean-Luc Mélenchon répondait à la représentante du Front National que la laïcité de l’État ne juge pas des cultures et que la France est multiculturelle, Bruno Lemaire l’a interrompu, pour opposer au « modèle multiculturel » la croyance en « une culture française », « culture nationale ». Bref, il opposait au multiculturalisme un monoculturalisme. Or Jean-Luc Mélenchon ne défendait pas un multiculturalisme contraire à l’idée républicaine : il disait que les Français n’ont pas en commun « une » culture, mais des lois et des principes – liberté, égalité, fraternité. Il eut donc beau jeu de dénoncer le « catéchisme d’extrême droite » de son interlocuteur et de provoquer sa colère.
Bruno Lemaire a caractérisé alors la culture française par des grands hommes, de Gaulle, Bonaparte, des écrivains, Montaigne, Hugo, Camus, ce qui n’est pas sans vérité, mais il a répondu à Jean-Luc Mélenchon qui lui demandait si Kant appartient à la culture française : « c’est une culture qui appartient à la culture européenne, ce n’est pas la culture nationale », ou encore : c’est la « culture allemande » et non la « culture française ».
Ce qui m’a remis en mémoire une vieille affaire. Dans un lycée international, les directeurs des sections nationales réunis pour organiser leurs bibliothèques respectives déterminaient quels ouvrages ranger dans la bibliothèque générale. Le directeur de la section allemande demanda Dürer pour la bibliothèque allemande. Le représentant de la section anglaise dit calmement qu’il lui laissait l’art nazi et gardait Dürer dans la bibliothèque générale.
Je ne nie pas l’équivoque du terme « multiculturel » qu’on peut confondre avec « multiculturaliste », d’autant qu’aucune desdites cultures n’est « pure » : toutes sont mélangées, elles sont toutes mêlées les unes aux autres. Je soutiens que toute soumission de la loi républicaine aux exigences d’une culture est inadmissible. En fin de compte, c’est la notion de culture qui est confuse : Bruno Lemaire parlait « d’une » culture et non plus de « la » culture, comme si Montaigne, Hugo ou Camus relevaient « d’une » culture au sens ethnologique du terme. Était-ce ignorance ou démagogie ? Finira-t-il par soutenir qu’Achille appartient à la culture grecque et non à la culture française, et Gavroche seulement au folklore parisien ?
Ainsi ce débat permet au moins de savoir qu’il y a deux camps : d’un côté l’oubli ou même le refus de 1789, de l’autre une certaine façon de lui demeurer fidèle. Au moment où la plupart des partis et des politiques dits de gauche ont renoncé, comme la droite, à la culture – je dis bien « la » et non « une » -, Bruno Lemaire nous force à avouer que la distinction de la gauche et de la droite, même si elle ne correspond pas souvent à la place des députés au parlement, a un sens et permet bien d’opposer deux types de politiques.
Mais il y a peut-être des raisons d’espérer : le refus de la culture n’est pas universel. Je lis ici que le premier ministre italien a annoncé que l’Italie va dépenser à part égale deux milliards d’euros pour sa sécurité et pour sa vie culturelle, jugeant que la réponse au terrorisme n’est pas seulement sécuritaire : « La pensée de l’Italie, qui résonne fortement à travers l’Europe et le monde, est la suivante, dit-il : pour chaque euro supplémentaire investi dans la sécurité, il faut un euro de plus investi dans la culture ».
Lors de l’hommage national du 27 novembre dans la cour des Invalides, on a pu entendre outre laMarseillaise et une chanson française de Barbara, une chanson de Jacques Brel, une suite de Bach et un chœur de Verdi. Faut-il dire qu’il s’agit de culture belge, allemande et italienne, mais non française ?
PS. –  J’ai attendu la fin du 1er tour des élections régionales pour publier ces réflexions afin d’éviter tout malentendu.
© Jean-Michel Muglioni et Mezetulle, 2015.
Notes
  1. Des paroles et des actes, France 2, le 17 novembre 2015. [↩]

28 fevereiro 2014

Portal "Auguste Comte et le Positivisme"

Para quem tiver interesse, eis o novo endereço do portal Auguste Comte et le Positivisme:

http://confucius.chez.com/clotilde/index.xml

É bastante interessante e um dos portais mais completos sobre o Positivismo. Na medida do possível, ele também apresenta versões em inglês de seus textos.

07 julho 2013

Princípios da laicidade - roteiro da apresentação

Na noite do dia 27 de junho de 2013, quinta-feira, teve lugar uma mesa-redonda no anfiteatro 100 da Reitoria da UFPR sobre a laicidade do Estado. O evento, intitulado "Laicidade em ação: princípios e políticas públicas", ocorreu graças à Aliança Estudantil Secular de Curitiba e ao Setor de Ciências Humanas; teve como palestrantes Gustavo Biscaia de Lacerda e Maria Tarcisa Silva Bega.

Minha exposição seguiu o roteiro abaixo: 

1. Observações preliminares: exposição de conceitos teóricos de origem histórica
1.1. Conceitos gerais: por falta de tempo, não é possível abordar em profundidade a história da laicidade no Brasil

2. Definição básica: separação entre Igreja(s) e Estado, em que o Estado não se intromete na organização interna das igrejas e as igrejas não se valem do Estado para imporem suas doutrinas
2.1. Idéia do "muro de separação", de Thomas Jefferson
2.2. Ausência do crime de heresia
2.3. Estado laico não é Estado ateu

3. Processos sociais subjacentes:
3.1. Secularização: grosso modo, perda de validade social dos valores e das referências religiosas (ou teológicas); ação cada vez mais humana
3.2. Em parte como conseqüência da secularização, em parte devido a uma dinâmica própria: pluralização das crenças

4. Esboço da laicidade na Idade Média
4.1. Separação entre os dois poderes (temporal e espiritual), via choques entre Papado e Império no século XIII
4.2. Deve-se notar que não era uma sociedade secularizada

5. Categorias teórico-históricas de Catherine Kintzler:
5.1. Tolerância restrita: John Locke: deve-se tolerar todas as religiões, menos os ateus, vistos como incapazes de respeitarem pactos
5.2. Tolerância ampliada: Pierre Bayle: deve-se tolerar todas as religiões, incluindo os ateus, vistos como especialmente capazes de respeitarem pactos
5.3. Laicidade propriamente dita: Condorcet: o Estado abstém-se de professar doutrinas e as igrejas não podem usar o Estado; cria-se um espaço de liberdade (liberdades de pensamento, de expressão, de associação)

6. Modelos "nacionais" de laicidade
6.1. Modelo estadunidense: "pela via negativa": o Estado é laico porque não há uma seita predominante sobre as demais
6.2. Modelo francês (de Condorcet): "pela via positiva": o Estado é laico para garantir as liberdades de pensamento, de expressão etc.
6.2.1. Ambigüidade atual da expressão "laicidade francesa": intromissão do Estado na esfera individual (proibição do uso dos véus islâmicos em espaços públicos) -> negação da laicidade
6.3. Modelo brasileiro: realização da proposta de Condorcet, entre 1890 e 1930

É desnecessário dizer que, em linhas gerais, minha exposição, defendendo a laicidade, segue as idéias de Augusto Comte a respeito.

07 março 2011

A impossibilidade de "estudos comtianos" no Brasil

Na Europa, ou melhor, na França há o que se poderia chamar de “Estudos comtianos” ou até mesmo “Estudos positivistas”. Tais estudos consistem em investigações especializadas sobre diversos aspectos das idéias de Augusto Comte, bem como de seus vários discípulos teóricos e práticos em diversas partes do mundo (embora, evidentemente, concentrando-se na Europa e na França).

É interessante notar que tais estudos são qualquer coisa menos apologéticos, repetitivos ou “acríticos”. Basta passar-se os olhos por livros como Le kaléidoscope épistémologique d'Auguste Comte. Sentiments Images Signes, de Angèle Kremer-Marietti, ou Auguste Comte : Trajectoires Positivistes – 1798-1998, organizado por Annie Petit: são investigações especializadas relacionando o pensamento comtiano com questões tão diversas e interessantes como os projetos de unidade da ciência de Comte e de Otto Neurath (do Círculo de Viena); as relações entre o empirismo de Francis Bacon e de Augusto Comte; os estudos semióticos de Comte em relação às investigações do século XX; a influência que o Positivismo teve sobre o movimento operário britânico no século XIX; a influência do Positivismo na África – e por aí vai.

Evidentemente, tais pesquisas nutrem pelo menos uma simpatia pelo Positivismo. Para qualquer outra área de pesquisa, em particular as áreas inspiradas pelo pensamento de filósofos específicos (como, por exemplo, Marx, ou Husserl, ou Descartes, ou Rorty, ou Habermas, ou Hannah Arendt, ou qualquer outro, incluindo os nazistas Carl Schmitt e Martin Heidegger), essa observação seria desnecessária; todavia, no caso de Comte ela impõe-se. Não deixa de ser extremamente curioso, para não dizer esquisito, que a abordagem-padrão a respeito de Comte seja a “crítica”, entendendo-se por tal palavra o sentido negativo. Em outras palavras, enquanto uma atitude minimamente favorável para todos os demais pensadores é considerado recomendável, ou pelo menos aceitável, no caso do Positivismo isso já não é aceitável.

Evidentemente, essa exceção não é acidental. Ela consiste em uma gritante duplicidade de valores, que transforma Comte – e, de maneira mais ampla, um espantalho chamado “positivismo” – no “outro” de todos os pensadores e correntes estudados e defendidos. Ou melhor: elegendo-se o “positivismo” como o inimigo teórico preferencial a combater-se, por metonímia Comte é alçado à condição de arquiinimigo público número um, a quem se nega por definição e de maneira sub-reptícia os direitos de cidade, incluindo o mais mínimo respeito.

Dessa forma, os estudos sobre Comte, de modo geral, são bastante superficiais. É bastante fácil confirmá-lo vendo-se monografias de graduação, mas mesmo autores mais respeitados são exemplares a respeito: exemplo disso é Anthony Giddens, que no livro Política, Sociologia e Teoria Social força o argumento no sentido de reduzir Comte a um lunático que, na melhor das hipóteses, foi um prenunciador do Círculo de Viena, com um século de antecedência. Giddens adota a lei do mínimo esforço, preferindo repetir os preconceitos adquiridos em sua carreira de investigador e lançando mão de literatura de segunda mão[1] para “embasar” seus juízos.

O resultado, portanto, é a impossibilidade de estudar-se Comte; o seu estudo é visto como uma concessão – por definição, inaceitável – para o “outro” teórico[2]. Mas, afinal de contas, quais seriam os elementos específicos da obra comtiana que a tornam inaceitável? Temos algumas sugestões.

Em primeiro lugar, a rejeição comtiana da teologia e da metafísica. Essa rejeição, de fato, é inaceitável para a maior parte dos pensadores, mesmo que não o admitam: a crença no(s) deus(es) é muito forte, mesmo que inconfessável em uma época em que a intervenção divina na realidade já se mostrou implausível e imoral. Ao mesmo tempo, a irritação com a exigência metodológica de confirmar empiricamente as afirmações quaisquer não é aceitável para os cultores da metafísica, que desejam manter as práticas de reificação sistemática das abstrações e de especulação sem freios.

A crítica à teologia e à metafísica, sem dúvida, é um dos elementos que mais fortemente aproximam Comte do Círculo de Viena (é por essa trilha que anda Anthony Giddens, no artigo citado acima). Mas, ao mesmo tempo em que isso os aproxima, há outros elementos que os distinguem: como corretamente lembrou Kremer-Marietti, Comte é explícito nas idéias 1) de que o ser humano deve cultivar a especulação (ou seja, que ele não interdita, de maneira alguma e muito pelo contrário, a atividade filosófica) e 2) de que toda investigação empírica requer, previamente, uma teoria que guie a atenção.

Como se percebe com clareza, rejeitar a teologia e a metafísica é uma ação negativa, pois nega algo. Entretanto, é errado atribuir a Comte um projeto ou uma atividade negadora: sua obra não é destruidora (como, antes dele, a de Rousseau, ou depois dele, a de Nietzsche). Comte escreve considerando que a demolição intelectual e social já ocorreu, isto é, que os sistemas filosóficos teológicos e metafísicos já foram destruídos, bem como os sistemas sociais que se baseavam neles: a Revolução Francesa é o coroamento desses processos. Tais destruições, para Comte, não foram casuais nem errados; a passagem para o pensamento positivo é um avanço e cumpre delinear as características gerais do pensamento positivo – que não se confunde, de modo algum, com o pensamento científico – para daí determinar como é que a sociedade pode e deve organizar-se.

É nesse trabalho de afirmação primeiro intelectual e depois social que consiste a totalidade da obra de Comte. Convém notar que suas duas grandes obras consistem nisso: na avaliação das características intelectuais do pensamento positivo (Sistema de filosofia positiva) e, depois, nas conseqüências sociais e afetivas desse pensamento (Sistema de política positiva); o próximo passo seria a discussão da subjetividade positiva (Síntese subjetiva), mas a morte impediu-o de levar adiante esse projeto.

As características específicas do pensamento positivo constituem o segundo motivo por que Augusto Comte é visto como “inaceitável”. Ao mesmo tempo que defendendo o imperioso conhecimento da realidade, estabelecido por meio de parâmetros claros, Comte afirmava que esse conhecimento é relativo, isto é, que é limitado e variável, além de não-absoluto. Ora, afirmar a relatividade do conhecimento é dar um golpe de morte metodológico e epistemológico na teologia e na metafísica. A isso se junta a preocupação constante de estabelecer uma filosofia sintética e altruísta, que concebe cada forma de conhecimento em seus justos limites. Isso não é o mesmo que impor limites ao(s) conhecimento(s), mas é perceber que as várias formas de conhecimento são diferentes entre si devido a determinados motivos e que há, sim, hierarquias entre elas. Mas no que poderia ser uma afirmação de elitismo e eurocentrismo é, na verdade, uma afirmação de profundo respeito para com a Humanidade: por um lado, o conhecimento positivo é a sistematização do senso comum e, por outro lado, cada civilização tem uma sabedoria empírica e/ou sistemática que deve ser incorporada de maneira ativa ao conhecimento positivo. Os “justos limites” e a hierarquia do conhecimento, então, consistem em reconhecer que a ciência é analítica e racional, mas que o ser humano necessita antes de mais nada de sínteses afetivas que permitam a ação: nesse quadro, a ciência é uma parte essencial, mas que ocupa um papel por assim dizer instrumental na existência humana; o verdadeiro objetivo de todo conhecimento é sempre o ser humano, em particular o seu aperfeiçoamento moral, intelectual e físico, em termos sociais e individuais.

Assim, não apenas Comte deixa para trás teologia e metafísica esgotadas e incapazes de auxiliar realmente o ser humano, como desenvolve uma filosofia que realiza todos os atributos que são costumeiramente atribuídos à teologia e à metafísica. Trata-se, então, de ciúme dos decaídos, a que se soma a raiva das especialidades acadêmicas, que exigem a todo instante mais e mais especialização, mais e mais análise, mais e mais vistas parciais. As especialidades acadêmicas – denunciadas desde 1830 por Augusto Comte como anárquicas e mesquinhas – rejeitam em nome do conhecimento objetivo toda preocupação social e moral.

Um problema de conceito histórico é o terceiro motivo por que Augusto Comte é inaceitável. Vimos que o Positivismo é mais pela síntese que pela análise; a crítica às especializações é facilmente traduzível como crítica à ciência. Enquanto Augusto Comte foi um filósofo da ciência, examinando cada ramo científico, recebeu os elogios; quando afirmou que esses vários ramos da ciência têm que se subordinar a uma visão de conjunto e a preocupações sociais e morais (isto é, altruístas, universais e pacifistas)[3], foi criticado como “demente”. Que a afirmação das vistas gerais fosse, desde o início, o grande objetivo de Comte, é secundário e, para o senso comum acadêmico, desprezível. Assim, trata-se de um problema político e epistemológico, em que o Positivismo é dividido, a partir dos interesses acadêmicos, em duas partes: a primeira, “científica” e “válida”; a segunda, “religiosa”, “mística” e “inválida”.

Ora, esse procedimento ocorreu em meados do século XIX, resultando em um mito vigente até atualmente (mais uma vez: Giddens repete textualmente Stuart Mill, a esse respeito). Repitamos: segundo o raciocínio desenvolvido no século XIX, o Comte que presta é o científico e a parte “moralizante” não presta. Mas o século XIX foi, como se diz, “cientificista”, isto é, pelas análises, pelas especializações, pela subordinação da realidade humana às concepções oriundas das Ciências Naturais.

De acordo com o mito criado no século XIX, o Positivismo que presta é o científico; ao outro não se deve dar atenção. Mas no século XX a perspectiva “cientificista” perdeu força e, na verdade, tem sido fortemente criticada, resultando em uma certa inversão de perspectivas[4]: são as Ciências Humanas que devem orientar as C. Naturais e não o contrário[5]. Em meio a essa inversão valorativa, o mito do Positivismo cientificista permaneceu; o Comte que prestaria seria o científico – mesmo que atualmente essa cientificidade (supostamente, por definição “cientificista” e “naturalista”) não valha nada –, ao passo que a parte religiosa não teria o menor valor (pois resultado da “loucura”[6]). O humanismo seria exclusividade das perspectivas “interpretativas”, “compreensivas”, “qualitativas”, “críticas”, “pós-istas” e por aí vai.

Um quarto motivo para Comte ser inaceitável é uma forma de derivação do anterior: a ação dos modismos intelectuais e políticos. Era comum nos anos 1950 a 1970 os bem-pensantes dizerem ser preferível estarem errados com Jean-Paul Sartre a certos com Raymond Aron; mais ou menos na mesma época, os estruturalismos ganharam grande força. No Brasil dos anos 1970 e 1980, em virtude do combate ao regime militar, o marxismo foi uma corrente verdadeiramente hegemônica. Sartre foi substituído por Foucault e o estruturalismo, pelo pós-modernismo (ou pós-estruturalismo, como preferem alguns). Marx e o marxismo foram substituídos pela filosofia analítica, por Habermas, pela Escola dos Anais, pela teoria da escolha racional, pelo interpretativismo, pela fenomenologia e por aí vai. Nessa sucessão de modas, o princípio que vale é o mais cru evolucionismo darwinista: o que vem depois é sempre melhor, o que é deixado para trás é cadáver que deve apodrecer o mais brevemente possível. Ora, a vez do Positivismo e de Comte foi a segunda metade do século XIX, estendendo-se até as primeiras décadas do século XX; estudá-lo depois disso é exumar um cadáver que – como todos os outros – é insepulto e, portanto, fede. Poucos seriam os “intelectuais” que assumiriam isso, mas a realidade é simples e brutal: modas e modismos.

Um quinto motivo por que Augusto Comte é visto como inaceitável é de caráter antropológico. Comte levava a sério sua idéia de concepção totalizante do ser humano; em vez de perceber – como se faz no Ocidente – a sociedade como constituída em quantidades variáveis pela justaposição de indivíduos, cada qual entendido como uma mônada, ele a concebia como uma realidade histórica engloba cada ser humano. Esse englobamento não impede a ação individual nem nega a agência humana – que são “fatos” empiricamente observáveis e comprováveis cotidianamente –; o que o Positivismo faz é rejeitar as concepções, teológicas e metafísicas, que afirmam que o indivíduo é um fim em si mesmo, que é um absoluto, que a vida de relação é secundária e pode ser desprezada. A noção de totalidade, para ser coerente consigo própria no caso do ser humano, deve estender-se da concepção presentista para a concepção historicizante. O melhor modelo para compreender-se essa idéia foi formulado em meados dos anos 1970 por Louis Dumont: trata-se do englobamento de contrários, em que os vários grupos sociais, em que as diversas concepções são subsumidos em um princípio superior, que os ordena e torna-os possíveis; no caso de Comte, esse princípio superior é a própria Humanidade, definida pelo francês como o conjunto de seres convergentes, passados, futuros e presentes. Em outras palavras, todos os seres (humanos, animais e vegetais, além do próprio planeta Terra) que atuam de maneira a melhorar a vida de todos e de cada um criam uma realidade que transcende cada um mas que, ao mesmo tempo, está aberta à incorporação subjetiva post-mortem.

Esse esquema não é aceito pelo Ocidente, cujo individualismo – herança direta do cristianismo – assume as mais diferentes formas: anarquismo (de Bakunin ou de Marx), afirmação dos direitos (isto é, de privilégios individuais e unilaterais), apologia das revoluções etc.

Esses cinco motivos são bastante amplos e compreendem a maior parte dos motivos por que Augusto Comte é rejeitado in limine na academia brasileira. Nenhum deles é motivo de orgulho para quem o pratica e, no conjunto, são motivos de vergonha para quem faz da vida do espírito sua vocação.

Retornemos ao início deste artigo. Os motivos acima impedem, isoladamente ou em conjunto, que se estude de maneira aprofundada e sistemática Augusto Comte no Brasil. Na verdade, não apenas no Brasil, mas de modo geral nos outros países, exceção feita à França. O que torna chocante a comparação com a França, no fundo, é que os “estudos comtianos” franceses somente ocorrem porque há uma relativa aceitação, lá, da validade no estudo da obra comtiana, o que equivale a dizer que há uma relativa liberdade institucional. Assim, inversamente, no Brasil não há essa liberdade: podemos comprovar essa afirmação com dois exemplos.

Em primeiro lugar, são pouquíssimos os estudiosos realmente sérios da obra de Comte. Por “estudiosos realmente sérios” entendo aqueles pesquisadores que se detêm sobre o corpus comtiano e, com um mínimo de simpatia, lêem-no a fim de entender a sua lógica interna e, a partir daí, tirarem as diversas conseqüências, contrapondo-as à realidade ou ao pensamento de outros autores. Não considero aí os historiadores do Positivismo no Brasil, que tratam de Comte de maneira marginal e, por mais curioso que seja, instrumental; embora nesse grupo haja pesquisadores que entendam a obra de Comte, o mais das vezes a ignorância a seu respeito é a regra e, portanto, as interpretações dadas sobre a atuação dos positivistas locais é parcial e enviesada[7]. Evidentemente, também não considero aí os que não estudam Comte com o requisito de “mínimo de simpatia”: não se trata de desejo apologético, mas sim de exigência epistemológica. A animadversão preliminar no estudo de um tema impede a compreensão de sua lógica profunda, criando um obstáculo subjetivo que antolha o estudo: isso é o que diz atualmente Donald Davidson, é o que aliás dizia Augusto Comte.

Em segundo lugar, uma experiência pessoal. Em concurso público para o cargo de professor adjunto de Ciência Política em uma universidade federal, fui inquirido na fase (final) de entrevista sobre minha referência teórica comtiana: perguntaram-se de que maneira usava as idéias de Comte. Respondi que elas constituem o meu estofo moral e mental, mas que do ponto de vista teórico não o utilizo como parâmetro único e, do ponto de vista metodológico, advogo um pluralismo. Exemplo disso é meu interesse sobre a teoria republicana e a laicidade: evidentemente que Comte e o Positivismo são referências obrigatórias – para qualquer um deveriam ser, mas para mim com certeza –, mas há diversos outros autores que tratam dessas questões, com abordagens metodológicas particulares e conseqüências práticas específicas: tudo isso tem que ser devidamente considerado, o que não pode ocorrer por meio do decreto magister dixit. Além desses temas de Teoria Política, também me interessam questões epistemológicas – e, aí, as relações de Comte com o Círculo de Viena e destes com outras perspectivas são temas obrigatórios. Convém notar que são poucos os pesquisadores brasileiros que tratam desses temas, importantes em si e por suas conseqüências políticas; são ainda em menor quantidade aqueles que se preocupam em compreender a perspectiva de Comte (isto é, que não assumem as perspectivas contrárias a ele).

Os meus interesses intelectuais são legítimos e correspondem a várias áreas de pesquisa que mantêm estreitas relações entre si; tais interesses de pesquisa são corroborados pela participação em grupos de pesquisa, pela publicação de artigos em periódicos de alto nível, pela apresentação de artigos em congressos nacionais e internacionais, pela edição de periódicos especializados e, the last but not the least, pela docência. A eles a banca opôs uma viva e crescente resistência.

Na verdade, a “banca” resumiu-se a um membro, que foi apoiado pelo obsequioso silêncio dos demais. Tal membro gradativamente argumentou que a filiação teórica e moral a uma corrente tornava-me suspeito e que a preocupação com o relacionar essa corrente com as diversas outras era um perigo pedagógico; com isso, ele sugeria que a condição para minha aprovação consistia no abjurar meus valores e preocupações. Se esse membro da banca tinha suas próprias preocupações e filiações teóricas e morais, isso por certo que não estava em questão: entretanto, evidenciou-se que a mim era interdito adotar com liberdade a perspectiva que quisesse, ao mesmo tempo que dispondo-me com clareza ao debate científico. Essa argüição, que teve um nítido aspecto inquisitório, caracterizou-se pelo calor das observações: com ingenuidade acreditei que a defesa clara e franca seria percebida como uma qualidade intelectual de abertura ao diálogo e a argumentos contrários. Ledo engano; com indignação mas sem surpresa soube que não fora aprovado no concurso[8].

O episódio que narrei em traços altos constituiu-se em um ato de perseguição e discriminação política, filosófica e religiosa. Ele serve a um só tempo para ilustrar como a universidade não é o templo do diálogo ou, pelo menos, que está muito, muito distante de ser o espaço do convívio tolerante das diferenças; também serve para ilustrar como os interesses intelectuais podem perfeitamente dar origem a comportamentos facciosos. Por fim, para o que nos interessa, ele ilustra como é simplesmente vedada no Brasil qualquer investigação séria e sistemática, isto é, contínua sobre o pensamento comtiano. Estudos temáticos, sim: desde que sejam contrários a Augusto Comte. Comte é o “outro”, é o rejeitado preferencial: ele não pode, não deve ser estudado. Quem insistir nisso que sofra as brutais conseqüências.



[1] Giddens usa alguém tão respeitável quando John Stuart Mill; ainda assim, é literatura secundária e, portanto, repetição dos preconceitos alheios. Como qualquer estudante de graduação sabe (ou deveria saber), a boa regra é: sempre ler o original, especialmente quando se tratar de manuais didáticos.

[2] É necessário notar algumas exceções, que no final das contas servem apenas para confirmar o que argumentamos. Pierre Bourdieu, por exemplo, distinguia Comte do “positivismo” (se bem que um tanto raivosamente, pois insistia em colar em Comte o discutível epíteto de “positivista”, como se vê em O ofício de sociólogo). Cria-se aí um sério problema terminológico, em que não se pode chamar o sistema comtiano pelo nome que ele mesmo deu-lhe; a sombra do “outro” teórico impede o exame aprofundado da obra comtiana.

[3] Nesse exato sentido, Comte afirmava que as Ciências Humanas – notadamente a Sociologia e, depois, também o que ele chamava de Moral (ou Psicologia) – deveriam orientar todas as pesquisas científicas, chegando mesmo a reformular várias das teorias das ciências inferiores, isto é, das Ciências Naturais. Nada próximo, portanto, da imposição de critérios “naturalísticos” às Ciências Sociais, como se apregoa urbi et orbi a respeito de Comte.

[4] A crítica à ciência, ainda que tenha um certo elemento de verdade – como indicamos, não é possível subordinar as Ciências Sociais aos modelos e aos procedimentos estritos das Ciências Naturais, além de exigirem perspectivas de conjunto – tem também um fortíssimo elemento reacionário, em que os misticismos teológicos e metafísicos procuram, de alguma forma, dar o troco pelas derrotas teóricas e práticas anteriores. As filosofias da Nova Era, as várias teologias, as várias metafísicas e até filosofias ditas “críticas” e pós-modernas entram nesse movimento. Contra esse movimento reacionário, só se pode afirmar e reafirmar a validade teórica e política da ciência.

[5] A orientação das Ciências Naturais pelas C. Humanas corresponde a procedimentos metodológicos, a concepções epistemológicas e a preocupações políticas e morais: isso é muito diferente dos misticismos à la Nova Era, aos totalitarismos e aos devaneios pós-modernos.

[6] O argumento da loucura, por outro lado, revela mais uma das hipocrisias acadêmicas. Comte é “louco” e por isso sua obra não merece ser lida; mas, ao mesmo tempo, a loucura de (por exemplo) Nietzsche torna-o totalmente merecedor de leitura, comentário, imitação e continuação. Dois pesos, duas medidas.

[7] E, ainda assim, os estudos sobre o Positivismo no Brasil são fragmentários. Depois das pesquisas de João Cruz Costa e Ivan Lins, houve boas produções somente no Rio Grande do Sul (de modo geral sobre o castilhismo, embora também sobre Carlos Torres Gonçalves) e mais as de José Murilo de Carvalho e Ângela Alonso. Há algumas pesquisas de qualidade sobre Paulo Carneiro, Edgard de Roquette-Pinto e Augusto Trajano de Azevedo Antunes, mas todas pequenas. Fora essas, o comum dos estudos é enviesado de acordo com os parâmetros do liberalismo, do marxismo e/ou do catolicismo nacionais. Na área de História da Ciência a situação não é muito melhor, como o comprovam as investigações sobre a História da Matemática no Brasil.

[8] Os estranhos procedimentos dessa banca não pararam aí, pois havia duas vagas disponíveis e 12 candidatos: o “rigor” da banca não considerou nenhum deles “adequado” às vagas.