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05 setembro 2018

Livro sobre o Positivismo: "Comtianas brasileiras: Ciências Sociais, Brasil e cidadania"

Foi publicado o livro Comtianas brasileiras: Ciências Sociais, Brasil e cidadania, pela editora Appris, de Curitiba.

O livro pode ser comprado com a editora (aqui) ou diretamente comigo.





Eis o sumário do livro:


Parte I – Sobre os métodos das Ciências Sociais


1. Aplicando Comte atualmente, ou sobre a relevância contemporânea do Positivismo
2. Explicação vs. compreensão: respostas comtianas às críticas do interpretativismo
3. Sobre comparações interpretativas nas Ciências Sociais, ou sobre a possibilidade de uma ciência social que não seja comparativista e subjetivista
4. Vontades e leis naturais: liberdade e determinismo no positivismo comtiano

Parte II – Brasil e cidadania

5. A “teoria do Brasil” dos positivistas ortodoxos brasileiros: composição étnica e independência nacional
6. O “secreto horror à realidade” dos positivistas: discutindo uma hipótese de Sérgio Buarque
7. Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos
8. Cidadania e desigualdade em Augusto Comte
9. Entrevista sobre o Positivismo: maçonaria, política, pseudociência, Brasil, mérito

Referências bibliográficas

25 agosto 2018

Gazeta do Povo: "Intelectuais no Brasil, mais uma 'traição dos clérigos'"

Artigo de minha autoria publicado em 25.8.2018 no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba. O original encontra-se disponível aqui.

Como se verá, o texto é um pouco longo para um artigo de jornal. Todavia, essa extensão foi necessária para que eu pudesse tratar com um mínimo de cuidado do tema abordado - tão cheio de dificuldades conceituais e, ao mesmo tempo, tão repleto de conseqüências.

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Intelectuais no Brasil, mais uma “traição dos clérigos”
  
Em 1927 o francês Julien Benda publicou um livro com um intrigante título: La trahison des clercs, cuja tradução para português é A traição dos clérigos. Esse intrigante nome apresentava uma não menos provocativa idéia: a de que os intelectuais (os “clérigos”) estavam traindo a sua missão e a sociedade ao vincularem-se demais, e de modo inadequado, à política. Essa tese é polêmica em si mesma; a forma como Benda expressou-se não ajudou muito em sua compreensão, ainda que o livro tenha obtido um grande sucesso.

A tese do autor é que o papel dos intelectuais é o de serem a consciência crítica da sociedade, elaborando princípios morais e intelectuais que servem de guia e parâmetro de avaliação da atividade política. Isso significa que os intelectuais podem, e até devem, interessar-se pela política, mas não devem sacrificar a sua autonomia pela política. É importante notar que os intelectuais devem ser os guias em todas as áreas da vida, incluindo aí as artes, as ciências, as relações familiares etc., estabelecendo os ideais mais elevados; como intelectuais, sua atividade consiste precisamente nisso e, inversamente, aqueles que elaboram os parâmetros são os intelectuais (ou os clercs, “clérigos”), independentemente do nome específico que adotem. Mas o âmbito político tem algumas particularidades, em particular o risco de que ele pode conduzir à perdição, ou melhor, à “traição”.

O problema dessa tese está no significado de “autonomia” dos intelectuais: afinal, eles podem ou não participar da vida política? Nesse caso, Benda foi um pouco ambíguo; para ele, como os intelectuais devem ser os guias morais da sociedade e como, de qualquer maneira, os intelectuais são tão cidadãos quanto qualquer outro indivíduo, tratar da política é algo normal e necessário.

Esse “tratar da política” pode consistir em (1) propor parâmetros de ação e ideais a serem perseguidos; também pode consistir em (2) manifestar-se sobre temas políticos correntes (como, por exemplo, campanhas eleitorais); também pode significar (3) lançar-se candidato em pleitos e/ou assumir cargos públicos; por último, pode significar (4) sacrificar a missão de guiar a sociedade para, ao contrário, justificar projetos políticos. Uma outra forma de distinguir os âmbitos de atuação é por meio das palavras que a língua inglesa adota para tratar da política: a discussão moral, institucional e técnica dos arranjos constitucional-legal-institucionais consiste nos debates sobre a polity; as considerações morais, institucionais e técnicas sobre as políticas públicas ocorrem no âmbito das policies; por fim, a política prática do dia-a-dia, incluindo as eleições e os arranjos governativos, ocorrem na politics.

A “traição dos intelectuais” consiste justamente quando os intelectuais pretendem atuar na possibilidade (4) – sacrificar a missão intelectual-moral-técnica em nome dos projetos políticos práticos – ou quando os intelectuais abandonam os debates próprios à polity, às policies ou à fiscalização da politics para, eles próprios, engajarem-se como intelectuais na arena da politics. A traição ocorre quando os pensadores abrem mão justamente do seu papel de elaboradores de idéias, valores e juízos para aderirem ao que outros – que não são intelectuais – elaboram. Os intelectuais “traidores”, portanto, abdicam de seu papel de intelectuais, mas mantêm o título de “intelectuais” (ou a fama de pensadores – não faz diferença).

A explicação que apresentamos acima simplifica e esquematiza muito o argumento de Benda; ele mesmo não foi tão claro, nem tão sistemático, em sua própria exposição. A tese da “traição dos intelectuais” é polêmica por si mesma e permite com enorme facilidade más interpretações, confusões e equívocos, com boa fé ou má fé; além disso, o autor vazou-a em termos que eram ambíguos e bastante idealistas, quase platônicos. De qualquer maneira, tendo elaborado a tese em 1927, Julien Benda escrevia movido por um espírito ainda do século XIX, marcado pelo generoso racionalismo progressista que se iniciou no Iluminismo e consagrou-se na III República francesa (1870-1940). Entretanto, Benda tinha os olhos no século XX e, não por acaso, foram as violentas paixões políticas dos 1900 que ilustraram à perfeição a trahison des clercs: pensemos nos nazistas Carl Schmitt e Martin Heidegger ou nos comunistas Trofim Lysenko ou György Lukács ou o inclassificável (e confuso) Jean-Paul Sartre – todos eles submeteram seguidamente suas idéias às diretrizes políticas de governantes autoritários. Aliás, convém notar que, lamentavelmente, com exceção de Lysenko, todos esses autores continuam sendo lidos e – pior! – respeitados. Não deixa de ser grande motivo de lamento o fato de que o próprio Benda, no final de sua vida, na década de 1950 tornou-se ele próprio um “intelectual traidor”, ao justificar os crimes perpetrados por Stálin e pelo regime comunista na União Soviética: embora tenha escrito com um espírito do século XIX, Benda não resistiu aos terríveis impulsos do século XX.

A melhor forma de entender as idéias de Benda é adotarmos com clareza como parâmetro as idéias de um dos autores que melhor representa o que o século XIX produziu de melhor, o francês Augusto Comte. Este autor, fundador da Sociologia, propôs uma divisão entre o “poder Temporal” e o “poder Espiritual”. O poder Temporal é responsável pela ordem material das sociedades; ele é o governo, ou o Estado, e baseia-se em última análise força física (em um sentido que foi, depois, popularizado pelo alemão Max Weber): ele faz e impõe as leis; assim, ele modifica “objetivamente” as condutas dos cidadãos. Já o poder Espiritual é o responsável pelas idéias e pelos valores das pessoas; em vez de modificar o comportamento das pessoas pela força, ele baseia-se no aconselhamento, ou seja, seu funcionamento é subjetivo.

Ora, além da distinção entre essas duas potências, o interessante é que A. Comte recomendava que os integrantes de cada uma delas mantivessem-se cuidadosamente separados da outra. Não é que os membros do poder Temporal – de modo específico: os políticos, os juízes, os procuradores – não possam ter valores e idéias; é claro que eles têm valores e idéias e é necessário que eles tenham: o que importa é que eles não defendam em caráter oficial idéias e valores; em particular, eles não podem estabelecer doutrinas oficiais. As “doutrinas oficiais” são as crenças impostas pelo Estado como necessárias para a cidadania, no sentido de que, sem aderir oficialmente, o indivíduo não é cidadão nem goza de cidadania. Exemplos fáceis de “doutrinas oficiais”: no Brasil Império, no século XIX, todos os políticos tinham que ser católicos; na Inglaterra de hoje (e desde o século XVI), somente anglicanos podem ser primeiros-ministros; na União Soviética, somente os comunistas tinham direitos e, aliás, somente o comunismo era aceito como “verdade”.

Mas, de maneira mais fundamental, no esquema comtiano os membros do poder Espiritual – os intelectuais – não podem aspirar ao poder Temporal. Essa vedação foi proposta por A. Comte para garantir a completa autonomia dos intelectuais, no sentido indicado antes: não é que não possam ou não devam ocupar-se da política; bem ao contrário, eles devem estar bastante atentos aos rumos dos destinos comuns; mas “preocuparem-se com a política” é diferente de “ocuparem-se diretamente com política”. Quando os intelectuais assumem cargos políticos e, ao mesmo tempo, querem manter-se atuando como intelectuais, eles misturam as lógicas de cada um dos dois poderes: suas decisões como políticos práticos são implementadas em última análise pela força, mas não se sabe se as idéias e os valores devem aconselhar ou se devem ser impostos. O importante a notar aqui é que essa dúvida – os valores e as idéias propalados pelos intelectuais que desempenham ao mesmo tempo atividades de políticos práticos são aconselhamentos ou são imposições? – permanece mesmo que se afirme, em caráter oficial, que as idéias e os valores não são oficiais. Nos termos comtianos, quando os intelectuais deixam de lado a sua autonomia, eles deixam de subordinar a política ao crivo moral e põem em prática a ação inversa, subordinando a moral à política. A única forma garantir a plena autonomia e evitar de qualquer maneira essa ambigüidade é os intelectuais retirarem-se de maneira clara e formal da política prática: uma aplicação simples e poderosa desse princípio seria a vedação de candidaturas (a vereadores, deputados, governadores, senadores, presidente) a sacerdotes. No final das contas, não se trata de os intelectuais terem o “direito” de manifestarem-se politicamente: eles têm o dever de manterem-se nas condições morais e institucionais adequadas e necessárias à boa consecução das suas responsabilidades – responsabilidades que, diga-se de passagem, os intelectuais escolhem por livre e espontânea vontade.

Ora, Comte reconhecia já no século XIX que muitos intelectuais têm impulsos (secretos ou não) pelo poder; esses impulsos revelam na verdade que tais “intelectuais” desejam de fato ser políticos práticos, mas devido a um sem-número de motivos – incapacidade moral, incapacidade prática, falta de oportunidades, vaidade etc. – eles acabam mantendo-se como “intelectuais”. Dessa forma, não seriam pensadores que, como pensadores, contribuem para a vida política, mantendo-se afastados da política cotidiana mas que fiscalizam as práticas, sugerem políticas públicas, propõem idéias e valores; em seu lugar, seriam políticos práticos frustados que usam o espaço social próprio aos intelectuais para fazerem política prática. Essa ação político-prática dos intelectuais não apenas indica deficiências morais da parte desses supostos pensadores; ela tem conseqüências sociais mais amplas, na medida em que degradam a reflexão intelectual mais ampla e põe sistematicamente sob suspeita as reflexões morais e intelectuais sobre a política. Em outras palavras, a traição dos intelectuais é uma prática profundamente tóxica, para os intelectuais, para os políticos práticos e, assim, para o conjunto da sociedade.

Como indicamos há pouco – e como é amplamente sabido –, o século XX assistiu a inúmeros intelectuais que sacrificaram suas posições como intelectuais em benefício de projetos políticos; aliás, em muitos casos esses sacrifícios deram-se na forma de subordinações e humilhações sistemáticas, de que basta citarmos o caso de Lukács como caso exemplar. Todavia, temos que dar um passo além na presente discussão: não basta termos clareza de que os pensadores como pensadores têm que se manter cuidadosamente afastados da arena política; também não basta sabermos que a traição dos intelectuais acarreta os problemas morais, intelectuais e práticos ligados às traições: é importante notarmos que o século XX sistematizou intelectualmente a traição dos intelectuais como prática “legítima”.

O autor que sistematizou a traição dos intelectuais foi o italiano Antônio Gramsci, com a figura do “intelectual orgânico”. Esse intelectual orgânico é o pensador que é também membro do partido político (no caso teorizado por Gramsci, do partido comunista) e está a serviço do partido. Não é um um mero intelectual filiado a um partido; é um “intelectual” que atua como braço filosofante do partido político. No esquema gramsciano, esse pensador teria por missão realizar a “hegemonia cultural”, isto é, criar idéias, valores, teorias próprios à classe proletária e que substituam as idéias, os valores e as teorias próprios à classe burguesa; realizando essa substituição no âmbito da cultura, a tomada do poder político ocorreria naturalmente, sem maiores dificuldades.

Talvez seja possível argumentar que o “intelectual orgânico” mantém uma autonomia e que, portanto, não realiza por si só a “traição dos intelectuais”: mas, nesse caso, qual seria a particularidade desse intelectual face a qualquer outro intelectual “crítico”, dito “burguês”? De qualquer maneira, como garantir a priori que os intelectuais orgânicos não incorrerão na traição dos intelectuais? Mas, deixando de lado essas questão, surge antes uma outra, mais importante, mais central: será que a preocupação com a “traição dos intelectuais” está no âmbito dos “intelectuais orgânicos”? A resposta é claramente “não”: para os “intelectuais orgânicos”, a “traição dos intelectuais” no sentido esboçado por Julien Benda e advertido antes por Augusto Comte não é um problema. Na verdade, se há uma traição que os intelectuais orgânicos evitam realizar é a traição a propósito dos ideais políticos e partidários, buscando serem “politicamente corretos”.

A posição dos “intelectuais orgânicos” permite entendermos a traição dos intelectuais de uma outra forma: não são os intelectuais que têm que se subordinar aos partidos políticos e aos chefes partidários, mas, bem ao contrário, são os chefes e os partidos que têm que se subordinar aos intelectuais. É claro que essa subordinação é moral e intelectual: os pensadores elaboram as idéias e os valores, enquanto os partidos e seus chefes põem-nos em prática nas disputas políticas, tendo, para isso, a liberdade própria à atividade prática que escolheram.

No Brasil contemporâneo a traição dos intelectuais (conforme Benda), a subordinação da reflexão intelectual autônoma sobre a política à prática política cotidiana (ou, o que dá no mesmo, a projetos estritamente políticos, ou seja, de poder) (conforme Comte) ou a realização dos intelectuais orgânicos (segundo Gramsci) é algo que ocorre largamente, em particular no espaço institucional que consagra os “intelectuais”, ou seja, as universidades, mormente as universidades públicas (federais ou estaduais) e, secundariamente, algumas PUCs (pontifícias universidades católicas). Aliás, isso é (mais) notável nas universidades públicas devido a um único e simples motivo: como as públicas têm estabilidade no serviço, garante-se a liberdade de cátedra; como as universidades particulares são empresas particulares, que visam ao lucro, suas preocupações são bastante diversas (e, embora isso não seja algo necessariamente ruim, também não é necessariamente bom).

Assim, muitos professores universitários valem-se da liberdade de cátedra para fazerem propaganda política e política partidária; evidentemente, isso ocorre mais e com maior facilidade nas Ciências Humanas. Antes de continuarmos, para evitar que se difunda a idéia estapafúrdia, burra e irracionalista de que isso justifica a extinção dos cursos de Ciências Humanas (pelo menos nas universidades públicas), é importante notar que esse problema “ocorrer largamentenão é o mesmo que “ocorrer sempre” ou “ocorrer em todos os lugares” ou “ocorrer com todos os professores”; entretanto, ele é difundido o suficiente para que seja notado, para que incomode e para que suscite justas reclamações sistemáticas. Assim, sem desprezar o aspecto quantitativo, é acima de tudo um problema qualitativo – como, aliás, a noção de “traição” já sugere.

De qualquer maneira, a afirmação de que nas universidades ocorre a traição dos intelectuais é um problema, em mais de um sentido. O primeiro deles é que mesmo os intelectuais, com boa ou má fé, costumam confundir(-se) a respeito de qual seria o âmbito adequado de suas atuações políticas: a primeira e mais imediata reação dos intelectuais, mesmo aqueles que não cometem a trahison des clercs, é a de questionar uma suposta impossibilidade de manifestar-se politicamente, seja como cidadãos, seja como intelectuais que se dedicam à política. Isso revela ao mesmo tempo a extensão com que a idéia de “intelectual orgânico” difundiu-se nas universidades e a falta, ou ausência completa, de conhecimento das reflexões de Comte sobre a “separação dos dois poderes”.

O segundo problema consiste em que uma reação quase imediata de muitos intelectuais – e é necessário reconhecer que, não por acaso, a vários desses professores é merecida a acusação de “traição dos intelectuais” – é atribuir ou filiar a denúncia desse comportamento ao movimento “Escola Sem Partido”. Associar a denúncia da “traição dos intelectuais” ao “Escola Sem Partido” é uma tática bastante eficiente para tirar a legitimidade da denúncia; em alguns casos é equivalente a dizer que a denúncia tem um caráter “fascista”. Não há dúvida de que há intelectuais e professores que sugerem tal associação com boa fé; isso não impede, todavia, de que sejam freqüentes os casos de má fé.

Mas o que importa notar a respeito do Escola Sem Partido é o seguinte. Atualmente, de maneira clara, ele é um movimento ao mesmo tempo irracionalista e anti-intelectualista, clericalista e autoritário; seus grandes defensores, em particular os parlamentares em Brasília, são indivíduos ligados a igrejas (notadamente as evangélicas) e a movimentos mais à “direita”, que buscam combater a “esquerda” utilizando essa plataforma como arma, mas que, ao mesmo tempo, não têm pudor em propor seja a teologia de Estado, sejam medidas anti-intelectualistas (como a fantástica supressão dos cursos de Ciências Humanas das universidades públicas). Ora, se é assim atualmente, o fato é que a primeira inspiração do Escola Sem Partido foi como um movimento da sociedade civil que reagia contra evidentes abusos de professores universitários, que realizavam a traição dos intelectuais à “esquerda”: não por acaso, era escola sem partido mas também sem igreja. Nesse sentido, é motivo de profundo lamento o seqüestro que o movimento, ou, pelo menos, a bandeira do Escola Sem Partido pelos grupos indicados acima; em vez de ser uma reação contra a trahison des clercs, ele acabou sendo, ele mesmo, uma nova modalidade dessa traição.

Em terceiro lugar, é importante indicarmos que a traição dos intelectuais no Brasil está ocorrendo à “esquerda” – como é, por assim dizer, “tradicional” –, mas também e cada vez mais à “direita”. Desde pelo menos a década de 1960 as esquerdas têm forte peso nas universidades brasileiras; a instalação do regime militar, em 1964, aumentou essa presença. As décadas de 1980 e 1990 foram de verdadeira hegemonia esquerdista (ainda que a esquerda não fosse unânime nem nunca tenha sido um bloco homogêneo); mas desde os anos 2000 a direita tem crescido nas universidades. Em si mesmo esse crescimento poderia ser considerado algo “bom”, na medida em que se poderia considerar uma pluralização intelectual. O problema é que muitos integrantes dessa direita assumem uma postura militante, ou melhor, agressiva e partidariamente militante, de tal sorte que a traição dos intelectuais no Brasil tem-se tornado um problema à direita e à esquerda. A crise do governo Dilma Rousseff e seu subseqüente fim abrupto exacerbou essas tendências: a virulenta militância contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e a igualmente virulenta militância de reação dos petistas, com sua retórica do “golpe” e da prisão de Lula como sendo uma prisão política, intensificaram muito o gênero de comportamento característico da “traição dos intelectuais”: na verdade, bem vistas as coisas, a presente traição dos intelectuais dá-se justamente a respeito do PT e de Lula, seja a favor deles, seja contra eles.

Para concluir estas observações, é importante notar que a trahison des clercs não é um problema apenas universitário; aliás, ele não é nem mesmo um problema de destinação de verbas públicas e de subvenção de atividades partidárias travestidas de atividade universitária. No âmbito acadêmico, vale lembrar que os primeiros prejudicados são os alunos, que se vêem obrigados a aceitar a opinião dos professores imposta sobre eles, sem condições efetivas de discussão; muitos alunos, além disso, acabam deixando-se seduzir por essa falsa atividade intelectual e passam a considerar que a legítima, verdadeira e única possibilidade de ação nas universidades é a que caracterizamos aqui como a trahison des clercs.

Mas, de maneira mais ampla, quem perde com a traição dos intelectuais é toda a sociedade, que vê importantes recursos desperdiçados. Não nos referimos aqui aos recursos materiais (salários, salas, pessoal técnico-administrativo): consideramos as idéias e os valores que acabam deixando de serem respeitados. A traição dos intelectuais produz uma espécie de “inflação discursiva”: assim como na inflação monetária o dinheiro perde cada vez mais o seu valor, em que cada vez mais moeda vale menos, nessa “inflação discursiva” as palavras e os discursos cada vez valem menos. Associado a isso, as atividades que os intelectuais teriam legitimamente para exercer no âmbito político também perdem valor: a fiscalização do Estado, a manutenção da legitimidade das instituições, a pesquisa sobre a dinâmica institucional e a sugestão de alternativas etc. Aliás, exacerbando muito uma tendência própria às universidades, a traição dos intelectuais transforma os “debates” em brigas de torcida e os intelectuais que lideram a traição em chefes dessas torcidas: nessas horas, os líderes das pedantocracias acadêmicas viram também juízes e executores. Acima de tudo, os verdadeiros problemas sociais, políticos, culturais, morais acabam sendo ocultados, rejeitados, ignorados ou mistificados: com isso, suas soluções não são discutidas nem enfrentadas e o grande público não é esclarecido. Como diria Comte, a característica central da política moderna e da política republicana – a subordinação da política à moral – deixa de ser possível.

Gustavo Biscaia de Lacerda é Doutor em Sociologia Política (UFSC) e Sociólogo da UFPR.

28 maio 2018

Artigo "Positivism in Brazil"

Artigo de minha autoria, recém-publicado no exterior:

- verbete "Positivism in Brazil", na Encyclopedia of Latin America Religions (editora Springer).

Ele também pode ser obtido por aqui. Infelizmente, para ter-se acesso a ele, ou paga-se à editora, ou tem-se acesso à Plataforma Periódicos Capes.

01 abril 2018

Gazeta do Povo: "Conservadores à deriva no Brasil"

Artigo publicado em 1º de abril de 2018 na Gazeta do Povo, de Curitiba. O original pode ser lido aqui.

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Conservadores à deriva no Brasil

Os conservadores brasileiros estão à deriva, ou assim parece; a falta de rumo que eles apresentam é tão grande que em muitos casos eles não deveriam ser chamados de “conservadores”, porém, sim, de “reacionários” ou de “retrógrados”. Cada vez mais se ouvem notícias ao mesmo tempo chocantes e tristes de pessoas que comemoram aniversários de adolescentes valorizando as relações sociais características da escravidão negra extinta em 1888; ou que chicoteiam manifestantes que expõem idéias contrárias; ou que se rejubilam com o assassinato de políticos esquerdistas... o ápice dessa perspectiva consiste em apoiar um Capitão reformado do Exército que, embora afirme apoiar as ações das Forças Armadas, começou sua carreira política na década de 1980 por meio de motins e da instalação de uma bomba em um quartel – e que, desde então, pauta suas atividades parlamentares pelo radicalismo, pela violência, pelo combate às liberdades públicas e pela negligência em relação aos temas vinculados às Forças Armadas.

Entrementes, deixarei para comentar esse militar demagogo mais adiante; neste momento é necessário concentrar-me no conservadorismo em geral e no conservadorismo brasileiro em particular.

Historicamente, os conservadores começaram a definir-se dessa forma no final do século XVIII, na Inglaterra, em reação à Revolução Francesa. O expoente inicial do conservadorismo foi o político e pensador irlandês Edmund Burke, que, no livro Reflexões sobre a revolução em França (1790), rejeitou as mudanças rápidas e violentas introduzidas na França, propondo, ao contrário, o respeito pelo passado e mudanças incrementais nas instituições. Dessa forma, a concepção histórica de Burke não era estática, reconhecendo que as sociedades e as instituições mudam ao longo do tempo; em sua concepção, as instituições são frágeis e, de qualquer maneira, são cristalizações da experiência histórica, de modo que convém respeitá-las e fazer modificações pequenas, ao longo do tempo, a fim de testar a eficácia das alterações propostas. Além disso, para Burke e para a tradição conservadora que ele iniciou, as instituições devem ser respeitadas não apenas devido a um respeito quase místico pelo “passado” – o que é o mero tradicionalismo –, mas também porque se considera que elas asseguram as liberdades públicas e as garantias jurídicas dessas liberdades (habeas corpus, devido processo legal, direito à ampla defesa; liberdades de pensamento, expressão e associação etc.).

Como se vê, o conservadorismo filosófico combina a resistência às mudanças sociais – em particular, às mudanças provocadas, conscientes – com a aceitação de que as coisas mudam. Não há dúvida de que essa fórmula varia de autor para autor, no sentido de que alguns concentram-se mais na resistência que na aceitação, ou vice-versa; assim, em geral, embora o conservadorismo não tenha uma concepção estática da história, para ele a história tem um ritmo bastante lento; por outro lado, de modo geral essa forma de pensar (ou esse “temperamento”) vincula-se à defesa das liberdades. Evidentemente, refiro-me aqui a algo chamado “conservadorismo político-filosófico”, em sua vertente inglesa, ou seja, a uma tradição intelectual que surgiu em conjunto com e mesmo em reação à modernidade ocidental, após 1789. Um comentário desse tipo é importante para enfatizar a deriva em que se encontra o “conservadorismo” brasileiro – que, como indicado acima, tem dado mostras de que não “resiste” aos avanços, mas que os rejeita, e que não defende as liberdades e a solução pacífica de disputas, mas celebra a violência, a truculência, a opressão e – o que, sem dúvida, é o mais chocante, também a escravidão.

De qualquer maneira, a relação com os movimentos da história (rejeição ou aceitação) e o sentido aplicado a essa relação (proteção da liberdade ou estímulo ao progresso) permite caracterizar também a chamada “esquerda”, para além dos conservadores. Cabe notar que é de propósito que não estou assumindo como equivalentes “conservadores” e “direita”, por um lado, e “progressistas” e “esquerda”, por outro lado. Em um livro dos anos 1990 que se tornou famoso (Direita e esquerda – razões e significados de uma distinção política), o italiano Norberto Bobbio estabeleceu que o conteúdo específico da “direita” seria a defesa da liberdade, ao passo que o conteúdo da “esquerda” seria a promoção da igualdade. Bobbio reconhecia que essa proposta seria polêmica e sujeita a uma infinidade de objeções; da minha parte, considero que, embora seja extremamente didático e simpático, de fato esse livro difunde um sério equívoco político. Qual equívoco? Associar a “esquerda” à “igualdade” não é em si problemático (nem, da mesma forma, associar a “direita” à “liberdade”): o problema surge quando se vincula a esquerda ao progresso, isto é, à concepção de que a história (1) tem uma direção, considerando o conjunto dos séculos, e (2) que é possível acelerar a marcha histórica para que se percorra mais rapidamente esse caminho. Ora, nos termos de Bobbio, se a esquerda é o campo do progresso, esse progresso está vinculado à igualdade; inversamente, a direita seria o campo do “não progresso”, isto é, o campo da “ordem” e/ou do “conservadorismo” e/ou do reacionarismo.

Assim, o problema que Bobbio não quis perceber, ou reconhecer, ou enfrentar, é que o progresso exige a liberdade e, na medida em que ele consiste no desenvolvimento das capacidades humanas, o progresso estimula a diferenciação social e individual, ou seja, atua na direção contrária à igualdade; inversamente, face ao progresso, a igualdade só pode ser promovida por meio da limitação das habilidades humanas, via compressão das liberdades. Em suma: o progresso exige a liberdade e estimula as diferenças (ou as desigualdades), ao passo que a igualdade exige a restrição ou a supressão das liberdades: isso é sabido pelo menos desde o início do século XIX.

A concepção de que a esquerda seria “boa” porque seria “progressista” reside, portanto, em um profundo mal-entendido sobre em que consiste o progresso; a chancela moral positiva vinculada ao progressivismo conduziu a esquerda a erros monumentais por todo o mundo desde o início do século XX, incluindo aí o Brasil: a intentona comunista de 1935, os arroubos populistas nos anos 1950 e 1960, as guerrilhas urbanas e rurais durante o regime militar – e, mais recentemente, o ódio social promovido por Lula em seus mandatos e a falência econômica do Brasil nos mandatos de Dilma Rousseff. Não há necessidade de estender-me sobre as mancadas práticas da esquerda (no Brasil ou no mundo), nem sobre os seus defeitos intelectuais – tudo isso é público e notório.

O problema que se verifica no Brasil, entretanto, é que a reação recente à esquerda consiste tão-somente nisso: em uma reação. São idéias e atos que se definem apenas pela negação do outro, não pela proposição de idéias alternativas que visem a melhorar a sociedade e as instituições. Por certo que há exceções a esse diagnóstico, mas elas consistem em exceções, não na regra. O que os “conservadores” brasileiros fazem frente à esquerda e ao seu igualitarismo? Afirmam a liberdade e o mérito; todavia, tanto a liberdade quanto o mérito afirmados são abstratos – e abstratos demais –; no que se refere à fórmula da Revolução Francesa “Igualdade, liberdade, fraternidade”, afirmam apenas a liberdade, rejeitam totalmente a igualdade e desprezam a fraternidade.

Se a liberdade é a condição para o progresso social e se o progresso desenvolve as potencialidades humanas, tanto a liberdade quanto o progresso caminham na direção oposta da igualdade. Todavia, ao longo do século XX evidenciou-se que há alguns tipos de “igualdade” que precisam ser valorizadas, especialmente em termos “formais”, ou institucionais; essas modalidades constituem alguns dos fundamentos das sociedades livres contemporâneas: a isonomia (a igualdade de todos perante a lei), a igualdade de educação (como fundamento intelectual, cívico e técnico do progresso) e condições mínimas de vida para todos, a fim de acabar com a miséria e garantir a dignidade humana. Esses elementos são as condições do progresso social e, nesse sentido, constituem elementos da “ordem social”; mas, além disso, eles exigem que à liberdade seja adicionada um aspecto central, a fraternidade – ou a generosidade, o altruísmo. Deixando de lado os termos ariscos, polêmicos e problemáticos que são “direita” e “esquerda”, as relações sociológicas, políticas e morais entre ordem e progresso foram estabelecidas no século XIX por Augusto Comte: “O progresso é o desenvolvimento da ordem; a ordem são as condições do progresso” e “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”.

Em nome da igualdade social, a esquerda sacrifica a liberdade mas, ainda que nominalmente, aceita a fraternidade; já a direita, ou os conservadores, supostamente celebra a liberdade, mas ignora elementos da igualdade “formal” e despreza a fraternidade. Tanto em um caso como no outro, o que há são simulacros de progresso e de ordem: é um progresso que não desenvolve as potencialidades humanas e uma ordem que não permite esse desenvolvimento. Novamente Augusto Comte tem a palavra: ordem sem progresso e progresso sem ordem resultam em oscilação terrível entre uma ordem autoritária e um progresso anárquico.

Voltemos ao tema do conservadorismo. Como vimos, os conservadores – pelo menos aqueles influenciados pela tradição britânica – em princípio aceitam o progresso, ainda que a contragosto; eles também valorizam as liberdades e respeitam a experiência histórica: esses fatores permitem que esses conservadores possam dar uma contribuição efetiva para a sociedade. O que os assim chamados “conservadores” brasileiros têm feito afasta-se desse programa, em particular no sentido de rejeitarem a experiência histórica e de desvalorizarem as liberdades e o sistema de garantias institucionais das liberdades. O elogio da escravidão – encoberto por festas de aniversário de crianças (!!!) ou pelo chicotear manifestantes –; a afirmação do racismo; o desprezo pelas mulheres e por suas contribuições à sociedade; o elogio desbragado do autoritarismo militar, da “solução” violenta de conflitos e das torturas: nada disso corresponde a um programa de liberdades, não se aproxima do conservadorismo britânico e, por fim, é contrário tanto ao progresso quanto à ordem. As corretas e necessárias noções de “mérito” e “meritocracia”, por exemplo, são pegas no fogo cruzado desses vários conceitos equivocados.

Dito isso, desde 2013, uma estranha nostalgia pelo autoritarismo militar tem-se organizado em corrente política, associada ao “conservadorismo”: isso exige alguns comentários. Devido ao regime militar de 1964, até há poucas décadas costumava-se associar os militares (e a “direita” e os “conservadores”) a autoritarismo, a truculência e a torturas; inversamente, o pacifismo era vinculado à sociedade civil, ao progresso e à esquerda.

Entretanto, essas diversas associações são bastante conjunturais: simplesmente não há motivo para vincular os militares a brucutus acéfalos e violentos. Três exemplos bastam para ilustrar o ponto. No final da década de 1880 o Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães lecionava Matemática na Escola Militar; embora pertencesse profissionalmente às Forças Armadas (tendo mesmo lutado na Guerra do Paraguai (1864-1870)), Benjamin Constant adotava uma abordagem filosófica e histórica em seu ensino, resultando em um viés cívico, civilista e pacifista: os seus alunos de modo geral viam-se antes como cidadãos e depois como soldados; em particular, eles entendiam que o progresso é um ideal a ser perseguido, mas que, para isso, as condições da ordem têm que ser satisfeitas: liberdades, condições dignas de vida, primado da lei. Um dos seus mais ilustres alunos foi Cândido Mariano da Silva Rondon, o “Marechal da Paz”, aquele que dizia – e praticava! – a bela fórmula “morrer se for preciso, matar jamais”.

Em reação ao ensino cívico, civilista e pacifista de Benjamin Constant, procedeu-se nas décadas de 1910 a 1930 diversas alterações no ensino militar, promovidas principalmente pelo futuro General Góes Monteiro: autoritário, esse militar esteve envolvido nas conspirações civil-militares de 1930, 1937, 1945, 1954 e, claro, 1964. Os exemplos de Benjamin Constant e Rondon ilustram que a vinculação entre militares e truculência não é algo necessário: o autoritarismo militar pode ser um projeto político, como no caso de Góes Monteiro. Aliás, convém notar que, apesar desse profundo defeito político (seu autoritarismo), Góes Monteiro era também um intelectual, ou seja, ele estudava e procurava articular racionalmente suas idéias: assim, não há porque vincular militarismo e anti-intelectualismo. Ainda mais: até mesmo o autoritarismo militar pode rejeitar o estilo brucutu, anti-intelectual e demagógico de proceder: as ações cuidadosas e firmes do General Ernesto Geisel, durante seu governo, sugerem que ele seria contra o Deputado Federal que supostamente “representa” os militares. Dessa forma, esse Deputado revela-se apenas um demagogo incoerente, que desconhece a história das Forças Armadas brasileiras e que, portanto, não a honra no que ela teve de melhor.

O resultado das reflexões acima – das quais tive que deixar de lado o crescente papel político do conservadorismo cristão – é que a “direita” brasileira em geral e os chamados “conservadores” em particular estão profundamente desorientados. Essa desorientação não é daninha apenas para eles mesmos, como eventual grupo político ou como defensores de determinados valores culturais e morais: essa desorientação é prejudicial para o Brasil como um todo, ao difundir concepções erradas de ordem e progresso, de igualdade, liberdade e fraternidade, e ao estabelecer uma dinâmica viciada com a esquerda – cujos problemas intelectuais, morais e políticos são sobejamente conhecidos. Em vez de buscarem aliar-se em projetos claros em prol das condições de ordem e progresso, cada vez mais conservadores e esquerdistas alimentam entre si um relacionamento de ódio mútuo e acusações constantes – em que, a despeito de acertos políticos ocasionais e específicos, nenhum dos dois lados está efetivamente na direção correta.

Gustavo Biscaia de Lacerda é Sociólogo da UFPR e Doutor em Sociologia Política pela UFSC.

01 fevereiro 2018

Campanha de arrecadação: publicação de "Comtianas brasileiras"

Peço sua ajuda para publicar o livro Comtianas brasileiras: Ciências Sociais, Brasil e cidadania, pela editora Appris, de Curitiba.
É um livro de Sociologia, Ciência Política e história do Brasil, em que várias questões teóricas e práticas são examinadas à luz do Positivismo de Augusto Comte: cidadania, formação étnica, mérito e meritocracia, ciência, sociedade civil, laicidade do Estado etc.
Embora ele tenha sido escrito basicamente com fins acadêmicos, ele também busca alcançar um público maior – seja pelos temas tratados, seja porque alguns capítulos foram escritos especificamente para a grande divulgação e o grande debate de ideias.
Mais informações diretamente comigo ou no portal Vakinha (https://goo.gl/twqrK8).

O custo de revisão, diagramação, arte e impressão será de cerca de R$ 4.000,00; dividindo esse valor entre vários colaboradores, é possível que cada um dê um pouco e o livro seja publicado sem dificuldade.
A título de retribuição pela sua ajuda, proponho o seguinte, de acordo com o valor doado:
-         R$ 100,00: um exemplar de Comtianas brasileiras
-         R$ 200,00: um exemplar de Comtianas brasileiras + um exemplar de Laicidade na I República brasileira
-         R$ 300,00: um exemplar de Comtianas brasileiras + um exemplar de Laicidade na I República + um exemplar de Curso livre de Teoria Política
-         R$ 400,00: dois exemplares de Comtianas brasileiras + um exemplar de Laicidade na I República + um exemplar de Curso livre
-         R$ 500,00: dois exemplares de Comtianas brasileiras + dois exemplares de Laicidade na I República + um exemplar de Curso livre
-         R$ 600,00: dois exemplares de Comtianas brasileiras + dois exemplares de Laicidade na I República + dois exemplares de Curso livre
-         E assim sucessivamente. (Mas podemos conversar sobre quais os livros a serem enviados.)

Esta é uma campanha de arrecadação de fundos, para permitir a publicação do livro. Os exemplares a serem enviados serão apenas uma retribuição pela colaboração; não é, de maneira nenhuma, uma venda antecipada de volumes.

A sua ajuda é fundamental!

Eis o sumário do livro:


Apresentação
Parte I – Sobre os métodos das Ciências Sociais
1. Aplicando Comte atualmente, ou sobre a relevância contemporânea do Positivismo
2. Explicação vs. compreensão: respostas comtianas às críticas do interpretativismo
3. Sobre comparações interpretativas nas Ciências Sociais, ou sobre a possibilidade de uma ciência social que não seja comparativista e subjetivista
4. Vontades e leis naturais: liberdade e determinismo no Positivismo comtiano

Parte II – Brasil e cidadania
5. A “teoria do Brasil” dos positivistas ortodoxos brasileiros: composição étnica e independência nacional
6. O “secreto horror à realidade” dos positivistas: discutindo uma hipótese de Sérgio Buarque
7. Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos
8. Cidadania e desigualdade em Augusto Comte
9. Entrevista sobre o Positivismo: maçonaria, política, pseudociência, Brasil, mérito

17 outubro 2016

Brasil atual: má concepção de ordem impede o progresso

Eu evito usar o meu blogue para comentar problemas estritamente atuais, com exceção daqueles relacionados à laicidade do Estado. Adoto essa medida para evitar uma polarização que não me interessa e também para não me enredar nas disputas políticas cotidianas, que com freqüência descambam para dicotomias políticas e intelectuais superficiais e equívocas - em suma, por serem contrárias ao espírito do Positivismo.

Todavia, no presente caso quebrarei essa regra. A situação política, social e econômica do Brasil é extremamente grave; mas - devido às disputas políticas a que me referi acima, a que se juntam as campanhas eleitorais para as prefeituras municipais do país - as medidas propostas pelo governo legítimo para sanear o Estado e permitir que o país volte a andar nos trilhos têm sido combatidas pelas "esquerdas", o que é o cúmulo da hipocrisia, da irresponsabilidade e da demagogia.

Assim, os comentários abaixo servem para múltiplos propósitos: (1) para expressar minha opinião; (2) para combater a irresponsabilidade política e econômica das esquerdas, que daqui a vários anos será cobrada por mais esse desserviço ao país; (3) para evidenciar que o Positivismo é uma teoria política e social adequada à orientação prática.


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O mais irritante nos "debates" atuais é ter que ouvir a "esquerda" dizer-se "progressista".

A "esquerda" simplesmente não define o que é o progresso e/ou simplesmente assume que o progresso equivale a "socialismo". Isso degrada pelas duas vias a idéia de progresso, para prejuízo de todos.

Augusto Comte definiu o progresso como a consolidação e o desenvolvimento da ordem; assim, para que haja progresso, é necessário que as condições mínimas da ordem sejam garantidas. Ou, dito de outra maneira: permitir que as condições da ordem ocorram é progresso.

A "esquerda" é em sua quase totalidade marxista, mas também é anarquista e, nas últimas décadas, também pós-moderna. Todos esses grupos sempre tiveram uma imensa imaginação e profunda má-fé para interpretarem a definição clara de Augusto Comte do "progresso como desenvolvimento da ordem" como sendo "progresso capitalista" e "desenvolvimento e consolidação do status quo". (Basta ler-se quase qualquer manual de história, de Sociologia ou de Filosofia para encontrarem-se essas idiotices, escritas principalmente entre os anos 1960 a 1980, mas ainda hoje repetidas.)

Mais uma vez: isso é e sempre foi uma profunda imaginação marcada por má-fé, isto é, por mau-caratismo. Bastaria que esses "esquerdistas" lessem a obra de Augusto Comte, dos positivistas e examinassem com um pouco de... honestidade a ação dos positivistas. Mas nada disso seria possível, como (ainda) não é, na medida em que a esquerda assume as concepções leninistas e/ou gramscianas de luta de classes teórica e ideológica. Assim, o que não é "esquerda" ou "proletário" é necessariamente "burguês", portanto, "antiesquerda" e "antiproletário" - e, assim, tem que ser combatido, por quaisquer meios. (A moralidade, a honestidade, a correção - tudo isso é "preconceito burguês".) Basta ler Lênin, Gramsci ou seus discípulos brasileiros, de qualquer tempo - incluindo aí os seus discípulos contemporâneos, acadêmicos e/ou partidários.

Na situação atual do Brasil, a ordem social, política e econômica está em... desordem. O Estado em profunda crise fiscal, a inflação mais uma vez subindo, o desemprego mais uma vez subindo. A "esquerda", dizendo-se "progressista", combate as medidas políticas e econômicas necessárias para reverter esse quadro calamitoso, afirmando tratar-se esse combate de manutenção de "conquistas". Quais conquistas? Violento desequilíbrio orçamentário, inflação, desemprego gigantesco? Aparelhamento do Estado, descrédito da política, degradação das empresas públicas?

Para piorar, importa lembrar que foi essa mesma "esquerda" que:

(1) a despeito do apoio tardio e mais ou menos conveniente, combateu as medidas que, décadas atrás, corrigiram os problemas do país (com o Plano Real e com a Lei da Responsabilidade Fiscal e para não falar da eleição de Tancredo Neves (que não era grande coisa, mas, enfim, era o possível), da Constituição de 1988 e do governo de Itamar Franco) e

(2) aparelhou o Estado brasileiro, quebrou a Petrobrás, escangalhou o orçamento federal, praticou as pedaladas fiscais e o "orçamento criativo" e implantou a desastrada "nova matriz econômica".

Em suma: que é do "progresso social", nesse quadro? Como é possível qualquer progresso, com essa desordem causada pela "esquerda"? O único "progresso" que a "esquerda" consegue conceber, aí - e que é o único progresso por que ela interessa-se de fato - é o progresso das sua instrumentalização do Estado e da sociedade, "contra o capitalismo" e "a favor do socialismo".

Nesse quadro, aliás, não é nada espantoso que a população fique cansada e desiludida e que a "direita" ressurja - a direita raivosa, truculenta, favorável à ação dos coturnos (sejam dos militares, sejam dos neonazistas); a direita reacionária, que freqüenta cultos teológicos e que gostaria de que voltássemos à Idade Média católica ou ao consistório genebrino (de que se orgulhava Rousseau, aliás); a direita neoliberal, que prega o "Estado mínimo".

Mais uma vez, é o que Augusto Comte dizia: enquanto não se conjugar de fato a ordem com o progresso; enquanto não se entender a ordem como as condições para o progresso e o progresso como o desenvolvimento da ordem, o que haverá é o vaivém entre uma ordem reacionária e um progresso anárquico.

29 julho 2016

Itamarati considera acabar com passaporte teológico

Ficam duas perguntas:

(1) Por que é que o Itamarati está apenas "pensando" em tomar essa medida, em vez de simplesmente a aplicar, respeitando a Constituição Federal, a República e a laicidade do Estado?

(2) Será que desde o Império a Igreja Católica beneficiou-se desse aberrante privilégio, nos últimos anos estendido às igrejas evangélicas neopentecostais? Em outras palavras, será que na I República não houve uma interrupção nisso?

De qualquer forma, é realmente uma ótima notícia essa "reflexão" do Itamarati, especialmente porque ele é liderado por José Serra - o mesmo político que, na campanha presidencial de 2010, fez questão de sabotar a laicidade do Estado, ao buscar desavergonhadamente o apoio político dos evangélicos.

O original da matéria encontra-se disponível aqui, publicado pela Folha de S. Paulo.

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Itamaraty estuda acabar com passaporte diplomático para religiosos
DE BRASÍLIA

29/07/2016  14h44

O Itamaraty deverá acabar em breve com a concessão de passaportes diplomáticos para líderes religiosos do país. A decisão ainda não foi oficializada mas deverá seguir o entendimento de que o Brasil é um Estado laico e, por isso, os religiosos não representam os interesses do país no exterior. A informação foi revelada pelo jornal "O Globo" nesta sexta-feira (29).

O ministério fez uma consulta à Advocacia-Geral da União sobre a prática, que é adotada desde o período do Império, no século 19, quando a religião oficial era o catolicismo. O órgão encaminhou um parecer pelo fim do benefício justamente porque o Estado brasileiro hoje é laico.

A decisão preocupa a cúpula do governo interino, que teme que a mudança possa melindrar aliados no Congresso em um momento em que Michel Temer precisa aprovar duras medidas econômicas e que o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, ainda não foi concluído.

Até meados dos anos 2000, apenas representantes da Igreja Católica tinham acesso ao benefício, mas a partir de 2006, o Itamaraty passou a conceder o documento para até dois representantes de cada religião, para seguir o princípio da isonomia.

O decreto que regula a concessão de passaportes diplomáticos não prevê o benefício para líderes religiosos, mas permite sua concessão para aqueles que "devam portá-lo em função do interesse do País."

A portaria que atualmente regula a emissão desses passaportes foi criada em janeiro de 2011 -duas semanas depois da revelação de que filhos e netos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva haviam sido irregularmente contemplados com os documentos dois dias antes do fim de seu mandato.

O passaporte diplomático dá direito à isenção de visto de entrada em alguns países que têm acordo firmado com o Brasil, além de filas exclusivas em diversos aeroportos. Diferentemente do comum, ele é gratuito.

No início do mês, a Justiça Federal de São Paulo suspendeu por decisão liminar os passaportes diplomáticos que o Itamaraty havia concedido em junho ao pastor R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e a sua mulher, Maria Magdalena Bezerra Ribeiro Soares.


A decisão do juiz da 7ª Vara Federal Cível Tiago Bologna Dias foi uma resposta à ação popular movida pelo advogado Ricardo Amin Abrahão Nacle, que alegou desvio de finalidade na concessão do benefício.

13 maio 2016

Ministério da Cultura lança campanha contra intolerância religiosa

Ministério da Cultura lança campanha contra intolerância religiosa

  • 10/05/2016 10h52
  • Brasília
Ana Cristina Campos - Repórter da Agência Brasil

Brasília - O ministro da Cultura, Juca Ferreira lança a campanha Filhos do Brasil, contra a intolerância religiosa (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Brasília - O ministro da Cultura, Juca Ferreira, lança a campanha Filhos do Brasil, contra a intolerância religiosaAntonio Cruz/ Agência Brasil

O Ministério da Cultura lançou hoje (10) a campanha Filhos do Brasil. É contra a intolerância religiosa e será divulgada por meio de peças publicitárias a serem veiculadas na televisão e na Internet. A ação é uma iniciativa do Ministério da Cultura (MinC) e da Fundação Cultural Palmares.
Segundo o MinC, Filhos do Brasil, cujo embaixador é o cantor e compositor Arlindo Cruz, é uma campanha que tem como meta valorizar a diversidade religiosa e o respeito ao próximo.
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, lembrou os atos de violência contra terreiros de candomblé e casas de umbanda: “Violência física, inclusive. A religião é um caminho para as pessoas se realizarem, terem contato com o divino. O direito à religião ou à falta de religião está previsto na Constituição. As pessoas que praticam a intolerância praticam um ato que não é permitido e é nocivo para a sociedade. É preciso estimular o respeito e coibir essa prática de intolerância.”
Agressividade
De acordo com ministro, a intolerância tem sido mais observada contra religiões de matriz africana. “É muito comum alguns líderes religiosos terem postura agressiva contra o candomblé e a umbanda. O Brasil é um país plural, com uma diversidade cultural enorme. Temos representação de praticamente todas as culturas do mundo. Com essas pessoas chegam suas culturas e religiões e a gente tem que criar um ambiente favorável de convivência pacifica e de respeito”, disse Juca.
Um dos casos que ganhou destaque no ano passado foi o da menina Kailane Campos, de 11 anos, apedrejada na saída de um culto de candomblé em junho, no Rio de Janeiro. Em novembro, um terreiro de candomblé foi incendiado no Núcleo Rural Córrego do Tamanduá, no Paranoá, Distrito Federal. O fogo começou por volta das 5h30 e destruiu o barracão da casa. Cinco pessoas dormiam na casa, mas ninguém ficou ferido.
No mês passado, a imagem do orixá Oxalá, instalada na Praça dos Orixás, foi incendiada de madrugada. Na praça, que fica na área conhecida como "Prainha", no Lago Sul, em Brasília, há mais 15 esculturas que representam orixás do candomblé, que não foram atingidas.
Segundo o ministério, a campanha conta com um hotsite e a população poderá enviar seus próprios vídeos em defesa da liberdade de crença e pela garantia dos direitos previstos na Constituição.
Edição: Kleber Sampaio

17 dezembro 2015

Juiz "filho de Ogum" nega a laicidade do Estado

Sendo claro e direto: não importa se esse juiz é filho de Ogum, pai de santo, crente ou carola. O Estado é laico, ele está errado e ele foi contra a lei. Aliás, ele foi duplamente contrário à lei: (1) ao profusamente embasar sua decisão em motivos religiosos e (2) ao considerar como aceitável o apoio público a uma igreja.

Pelo jeito, o desrespeito ao Estado laico praticado pelos cristãos já contamina as religiões afrobrasileiras.

A postagem original encontra-se disponível aqui.

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ARMAS DE JORGE

Ao julgar construção de igreja pelo Estado, ministro recita Oração de São Jorge


Antes de começar o voto em que defendia que manifestações religiosas não ferem o princípio da laicidade do Estado, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do Superior Tribunal de Justiça, pediu licença. Queria recitar a Oração de São Jorge, aquela que fala das roupas e das armas de Jorge.
O caso discutia a construção da Igreja de São Jorge, no Rio de Janeiro, com dinheiro do Estado, autorizada pelo então governador César Maia. Napoleão, relator do recurso na 1ª Turma, foi o vencedor. Defendeu que o princípio da laicidade estatal não impede o Estado de promover ações em favor da religiosidade de uma comunidade.
“Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar”, entoou.
Depois, fez um retrospecto da história das religiões e das manifestações religiosas no Brasil. “Eu mesmo sou filho de Ogum”, disse, lembrando dos orixás do Candomblé para falar do sincretismo religioso no país. Ogum é o senhor da guerra e do ferro, comumente associado a São Jorge, o santo guerreiro da Igreja Católica.

 é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.