08 agosto 2017

Entrevista sobre o Positivismo: maçonaria, política, pseudociência, Brasil, mérito

Entrevista sobre o Positivismo


Entrevista eletrônica feita por Daniel Araújo, bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Paraíba (campus de Campina Grande), realizada em quatro partes: em 21.11.2016, em 30.11.2016, em 21.6.2017 e em 9.8.2017.
Após respondidas as questões, editei o conjunto de perguntas e respostas, organizando-o em três seções, a fim de torná-lo mais orgânico e didático: (I) “Sobre o Positivismo em geral”; (II) “Sobre o Positivismo no Brasil, maçonaria e política brasileira”; (III) “Sobre pseudociência”.

I – Sobre o Positivismo em geral


Boa tarde, Prof. Gustavo Lacerda – tudo bem? Vi seu trabalho na internet e seu Lattes. Estou estudando RI (Relações Internacionais, quase concluído), fazendo TCC sobre o primeiro ministério da república. Tenho algumas dúvidas importantes e gostaria da ajuda de um especialista. Independente disso, desde adolescente acho que o positivismo é muito ignorado nas escolas e gostaria de compreender melhor.

Minha pesquisa diz que quase todo o primeiro ministério da república brasileira era maçom, mas diz também que muitos desses maçons eram positivistas. Vi autores dizerem que o positivismo é de linha ateísta por obrigação, e outros dizerem que e agnosticista por sentido de libertação da religião (o que me pareceu mais correto), e segundo minha pesquisa, acreditar em algum criador é pré-requisito para ser aceito na maçonaria. Pode me explicar isso ou indicar alguma referência?

Uma observação preliminar: o que eu entendo por “Positivismo” é a doutrina elaborada por Augusto Comte, incluindo aí a chamada Religião da Humanidade. Há várias outras correntes chamadas de positivismo, isto é, autodenominadas assim ou chamadas dessa forma por críticos ou comentadores. O “positivismo lógico”, o chamado “positivismo” em RI e nas Ciências Sociais etc. – nada disso eu entendo por “Positivismo”, o que pode não ser o seu caso. (Um amigo meu, que também cursou RI (na Uninter, aqui em Curitiba), chegou à conclusão de que, no âmbito de RI, o Positivismo, de Comte, aproxima-se mais do “pós-positivismo” que do que se chama de “positivismo” nessa área.)

Uma mente livre que busque o ideal positivista pode usar alguns valores da religião cristã (ou mesmo de outras) ou necessariamente o indivíduo deve evoluir para um estado de agnosticismo por ser toda forma de religião uma forma de superstição e mitologia? Em seu blog, o senhor diz: “a emancipação em relação à teologia é condição necessária, mas é não é nem suficiente nem pode ser o estado permanente do ser humano”. Gostaria de entender melhor.

Antes de mais nada, o Positivismo não é um ateísmo. Por que não? Porque o ateísmo é uma negação de deus. Essa negação apresenta vários problemas:
1)      embora a idéia de deus (ou melhor, de deuses) não faça sentido em termos empíricos, isto é, embora a experiência prática reiteradamente indique que não há nada que se possa entender como intervenção divina na existência humana, ao mesmo tempo não há como provar que não há essa atividade subjacente.
2)      O ateísmo nega uma resposta – as divindades – mas mantém a pergunta: “de onde viemos?” ou “para onde vamos?”. O problema é que essas perguntas têm como resposta, no final das contas, a idéia de deus, que, como foi visto, não é defensável empiricamente, nem muito menos racionalmente (ou até moralmente).
3)      O ateísmo concentra-se em negar a idéia de deus, quando o que importa de fato para o ser humano é a valorização do ser humano como um ser histórico, social e moral, em que o desenvolvimento histórico permite e, em grandes linhas, conduz ao pacifismo, à atividade colaborativa e ao altruísmo.
4)      O ateísmo de modo geral conduz ao individualismo mais rasteiro, negando o caráter social do ser humano e, a partir daí, o seu caráter histórico.
O conjunto das observações acima indica que o Positivismo é um humanismo agnóstico. Isso significa, de modo mais prático, que a emancipação relativamente à teologia é uma condição, isto é, é uma etapa preliminar, mas não consideramos que o objetivo da emancipação seja negar a teologia, mas, muito mais, ela consiste em valorizar o ser humano. A lei dos três estados intelectuais (a sucessão dos modos de interpretar teológico, metafísico e positivo) indica isso: não se trata de negar a teologia e/ou a metafísica, mas de valorizar a positividade e, portanto, o ser humano.
Você usou a expressão “mente livre”: sociologicamente, isso não existe. Para o Positivismo, o que há como ideal é a positividade, que é o conhecimento da realidade moral, social e cósmica; o desenvolvimento do altruísmo e a orientação altruística do egoísmo; a atividade pacífica orientada para o melhoramento da condição humana.
Falei várias vezes em “historicidade do ser humano”: para o Positivismo, isso não quer dizer apenas que o ser humano desenvolve-se em um ritmo talvez próximo à idéia sociológica da path dependence, mas que há uma acumulação ao longo da história. Acumulação do quê? De experiências, de idéias, de valores e, é claro, de tecnologias e de riquezas. Mas é importante notar que, bem ou mal, só chegamos aonde estamos porque passamos pelas etapas anteriores. Em outras palavras, só é possível estarmos em uma sociedade mais positiva, mais fraterna, mais pacífica, porque atravessamos milênios e inúmeras sociedades e valores que nos orientavam para a teologia, para a guerra, para o particularismo. Mais do que isso: sem passarmos por essas etapas anteriores, não seria possível chegar aonde chegamos. Assim, por exemplo, só vivemos em uma época em que a idéia de humanidade é um princípio normativo em nível global porque, antes, passamos por associações familiares, depois citadinas (das cidades, das pólis), depois nacionais.
Sem querer voltar a essas experiências anteriores, é necessário que elas sejam respeitadas e valorizadas. Bem entendido, essa valorização não é um convite ao retorno a elas: não faz sentido, não é praticável e não é moral voltarmos a sociedades familistas (como as descritas por Fustel de Coulanges em A cidade antiga) quando nós vivemos em uma sociedade que almeja a humanidade e que tem instituições como a ONU para isso. Desse modo, a valorização é de caráter histórico ou até antropológico: não se trata de encarar essas sociedades como peças de museu, como coisas externas a nós mesmos, mas como etapas de nossa própria existência, a que podemos aceder subjetivamente para compreendê-las e, eventualmente, para utilizar aspectos positivos delas.
A partir dos valores e das idéias acima, o humanismo positivista respeita e valoriza o cristianismo, entendendo-o como uma etapa necessária na evolução específica do Ocidente. Além disso, mais que uma valorização abstrata, o Positivismo considera que o cristianismo permitiu durante a Idade Média a separação entre a igreja e o Estado, a emancipação e a valorização da mulher, a emancipação dos servos da gleba e um princípio geral de coordenação política – isso para não citar as obras artísticas. Trata-se, portanto, de uma valorização humanista, enfatizando os aspectos humanos do cristianismo; as questões teológicas são simples e resolutamente deixadas de lado (exceto como etapas do desenvolvimento intelectual).
Os humanistas, de modo geral, tendem a concordar com essas perspectivas do Positivismo. Os movimentos humanistas dos EUA, da Europa e da América Latina têm esse viés, como se pode ver, de certa forma, no livro do Christopher Hitchens, Deus não é grande. Em contraposição – e confirmando o que observei no início desta resposta -, os ateus apresentam um comportamento bastante agressivo e destruidor, de modo geral rejeitando sem maiores considerações a história humana e adotando um racionalismo cru, individualista e anistórico.
(Sobre a concepção de historicidade no Positivismo, publiquei há pouco um capítulo no livro Curso livre de teoria política, lançado pela editora Appris e intitulado “Violência e política em Comte”.)

Posso encontrar alguma semelhança entre positivismo e socialismo?

Sim, embora seja necessário definir o que é “socialismo”. Hoje em dia nós entendemos por essa palavra, basicamente, alguma forma de marxismo, em que também é necessário distinguir o socialismo do comunismo. Na época de A. Comte, o socialismo eram as doutrinas que, depois, Marx chamaria de “socialismos utópicos”.
Há vários elementos próximos: valorização da historicidade e da fraternidade, respeito ao proletariado e às mulheres, preocupação com os problemas materiais das sociedades. Assim, o próprio Comte observava que há uma aproximação grande especialmente em termos afetivos. Mas, ao mesmo tempo, há importantes aspectos divergentes: o socialismo enfatiza os aspectos materiais – econômicos e políticos – em detrimento dos morais, preferindo fazer reformas econômicas e/ou políticas, ou mesmo “revoluções”, de modo geral à força, a fazer as necessárias mudanças morais prévias. Além disso, o socialismo prefere a igualdade à liberdade, de modo que se torna opressor (quando não violento) para impedir que as diferenças sociais desenvolvam-se e sejam reguladas. Por fim, o socialismo é contra o Estado e a propriedade privada, ao contrário do Positivismo: no que se refere a esses dois elementos, o Positivismo considera que eles são necessários, que eles são socialmente inescapáveis, mas que, ao mesmo tempo, eles devem ser socialmente regulados, isto é, o uso da riqueza e da propriedade deve atender a critérios sociais e o Estado não pode ser nem autoritário nem pode impedir que suas decisões sejam discutidas ou mesmo criticadas.
Os comentários acima, como eu observei, foram feitos por Augusto Comte em relação ao que ele chamava de socialismo, mas podem ser aplicados sem muita dificuldade ao que se chama, atualmente, de socialismo.
O livro A Sociologia de Augusto Comte, de Jean Lacroix, tem um capítulo dedicado a isso (você encontra-o com facilidade na Estante Virtual). Além disso, eu tratei de muitas dessas questões em alguns artigos meus, reunidos no livro Teoria Política positivista (que só é vendido em versão eletrônica: https://www.amazon.com.br/Teoria-pol%C3%ADtica-positivista-Filosofia-Positivismo-ebook/dp/B00H0ENRLS/ref=sr_1_2?ie=UTF8&qid=1479764280&sr=8-2&keywords=gustavo+biscaia+de+lacerda).

O senhor tem uma opinião pessoal, ou a igreja positivista tem alguma posição, sobre o socialismo (crítica ou elogiosa)?

A minha opinião pessoal segue muito a do Positivismo, ou seja, a proposta por Augusto Comte e indicada acima. A ela é necessário acrescentar o que a experiência histórica indicou-nos: que o comunismo – ou seja, o regime praticado inicialmente na União Soviética e a partir dela em vários outros países – é um regime totalitário e liberticida, ou seja, tirânico. Da mesma forma, não se pode deixar de lado as ações terríveis que os comunistas desenvolveram no Ocidente ao longo do século XX e que foram analisadas em inúmeras ocasiões pelo Raymond Aron e, mais recentemente, pelo François Furet e pelo Tony Judt.

Maquiavel teria um lugar de destaque entre positivistas?

Não tem – pelo menos, não uma posição de “destaque”. Evidentemente, os positivistas conhecem o livro O príncipe e é possível que os eruditos conheçam outras obras do florentino, como os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio ou A mandrágora. Mas o que importa notar são dois aspectos. Em primeiro lugar, no Sistema de filosofia positiva, Augusto Comte faz uma rápida referência a Maquiavel, em tom bastante crítico, no sentido de que ele (Maquiavel) fez algumas observações bastante interessantes, mas que ignorou, ou melhor, desconheceu o caráter da política moderna. Qual seria esse caráter? A progressiva pacificação das relações sociais e políticas. As reflexões de Maquiavel, embora tenham por meta serem aplicadas à Itália de sua época (séculos XV e XVI), claramente se baseiam nos modelos práticos e mentais da Antigüidade clássica, em particular na de Roma: uma leitura direta de O príncipe, dos Discursos e também A arte da guerra evidenciam-no sobejamente.
Maquiavel tem sido celebrado nas últimas décadas como um dos fundadores da Ciência Política moderna – se não o próprio fundador. A observação de Augusto Comte indica a direção contrária: ele não fundou a Ciência Política moderna, na medida em que, dirigindo-se para o presente, tinha os olhos postos no passado, não no futuro.
Em contraposição, Augusto Comte concede um lugar de grande importância para Thomas Hobbes, que ele associa a Aristóteles: esses dois pensadores é que teriam sido os fundadores da Ciência Política, ou melhor, da Sociologia Estática. Enquanto o conjunto da obra de Aristóteles estabeleceu o princípio de que a sociedade consiste na separação dos ofícios e na convergência dos esforços – do que se deduz a existência da sociedade civil e do governo –, Hobbes evidenciou que o fundamento do poder Temporal (ou seja, do que chamamos habitualmente de “governo”, ou de “Estado”) é a força física – o que é um complemento fundamental ao princípio de Aristóteles e sugere a necessidade do poder Temporal (baseado na força física e que regula os atos) separado do poder Espiritual (baseado no aconselhamento e que regula as idéias e os valores).
As obras políticas e morais de Aristóteles são primorosas; por exemplo: a sua Constituição de Atenas, descoberta no final do século XIX, é uma obra de Ciência Política que não deve nada a ninguém, mesmo hoje em dia. Já o princípio de Hobbes, que Augusto Comte considerava o único passo decisivo na constituição da Sociologia Política desde a obra de Aristóteles, evidentemente é a verdadeira origem da idéia imputada erroneamente a Max Weber sobre o fundamento do Estado. (A originalidade de Weber, a respeito, consiste apenas em dar uma roupagem economicista ao princípio de Hobbes, ao afirmar que o Estado busca deter o monopólio da força física.)

O positivismo diria que a humanidade tem dificuldade para suportar o clímax, ou algo próximo deste, e por isso sempre ocorre alguma ruptura, regresso, ou destruição de tudo o que foi conquistado (tal como ocorreu com grandes civilizações, mesmo a Europa durante o contexto de surgimento do positivismo)?

Eu não diria que a humanidade não sabe lidar com o “clímax” – mesmo porque é necessário definir o que seria esse “clímax”. Agora, sem dúvida alguma, é mais ou menos fácil perceber que todas as sociedades precisam de objetivos coletivos e que a busca da realização desses objetivos é fonte de organização e disciplina. (É importante ver que, para o Positivismo, “disciplina” não é o mesmo que “disciplina militar” ou “ordem policial”: tem mais a ver com valores compartilhados, com regras de conduta pública e privada etc.) A ausência de objetivos coletivos, necessariamente de longo prazo, conduz à desorientação moral e política; essa ausência pode ocorrer pela realização dos objetivos ou pela sua ausência pura e simples.
No que se refere ao “contexto do surgimento do Positivismo”, havia metas coletivas mais ou menos claras em todo o Ocidente: o desenvolvimento da sociedade, no sentido do progresso moral, material, político. O que ocorria era a dificuldade de uma nova ordem social estabelecer-se em meio às ruínas da antiga ordem: a Revolução Francesa foi um dos grandes indícios disso, as disputas havidas durante o século XIX podem (e devem) ser entendidas assim e, bem vistas as coisas, o longo conflito social, político e econômico da “II Guerra dos 30 Anos” (ou seja, o período que vai de 1914 a 1945) é a etapa final desses esforços.

Como o positivismo trata justamente dessa evolução e procura entender essa necessidade constante de mudança, como interpretar o desejo de destruição aparente em certos momentos? Isso é uma resposta violenta e instintiva ao fato de não conseguirmos mudar de modo mais brando?

Para o Positivismo, o instinto destruidor integra a natureza humana; nesse sentido, ele pode ser estimulado ou reprimido, da mesma forma que ele pode ser orientado para fins altruístas ou fins egoístas. Certamente, momentos ou situações em que os anseios de mudança vêem-se constrangidos exasperam as tendências destruidoras do ser humano: sublevações, revoluções, revoltas estão aí para comprová-lo. O que o Positivismo diria, adicionalmente, é o que o bom senso sugere: as mudanças fazem parte da vida e, no caso de serem justas, corretas e necessárias, há que se proceder a elas.
Convém notar, por outro lado, que a inteligência orienta a ação prática e informa os sentimentos: há inúmeras teorias filosóficas, sociológicas e psicológicas que estimulam a violência, a revolta etc. O fascismo, o nazismo, o comunismo, diversas formas de socialismo e inúmeras teorias da democracia claramente defendem as virtudes e as belezas da violência.
Há momentos em que a confusão social permite a afirmação da violência: o surgimento e o desenvolvimento do fascismo evidenciam-no bastante. O fascismo surgiu do socialismo radical; durante e após a I Guerra Mundial, o elogio da violência passou da extrema esquerda para a extrema direita e desgraçadamente isso se tornou um objetivo coletivo, capaz de organizar as massas e dar vazão aos ressentimentos resultantes da I Guerra e do processo de modernização (no caso, da Itália). A Igreja Católica, aliás, de maneira desprezível, abriu mão de seu papel de orientadora de consciências em favor do poder político e da possibilidade de impor pela força do Estado seus dogmas (isso se realizou por meio do Tratado de Latrão e, depois, das inúmeras concordatas): por esse motivo, a Igreja desde o início e sempre apoiou o regime fascista.
Em suma: há momentos em que as pressões sociais acabam vendo a violência como uma forma de satisfazer suas necessidades ou de dar vazão aos seus anseios. A solução normativa para isso é conhecida: a “cultura da paz”, a rejeição da violência, o entendimento de que as mudanças ocorrem – e o estímulo do altruísmo e do relativismo.

II – Sobre o Positivismo no Brasil, maçonaria e política brasileira


Existiram mesmo positivistas maçons no primeiro ministério da república? Isso é possível?

O primeiro ministério republicano tinha oito pessoas:
1)      Marechal Deodoro;
2)      Aristides Lobo;
3)      Rui Barbosa;
4)      Benjamin Constant;
5)      Eduardo Wandenkolk;
6)      Campos Salles;
7)      Demétrio Ribeiro;
8)      Quintino Bocaiúva.
Dessas oito pessoas, eram positivistas apenas Benjamin Constant e Demétrio Ribeiro. O gaúcho Demétrio Ribeiro não era maçom; talvez Benjamin Constant tivesse sido, embora eu não tenha certeza.
(Dependendo de quem fala, é possível considerar Quintino Bocaiúva um positivista; isso me parece errado – o que não quer dizer que ele não tenha eventualmente sido influenciado pelo Positivismo, mais ou menos como todos os seus contemporâneos.)
Se tiver interesse, acabei de lançar um livro sobre a ação dos positivistas ortodoxos na I República, especialmente a respeito da separação entre igreja e Estado (Laicidade na I República brasileira, pela Appris.)

Um maçom disse-se que, contanto que o indivíduo não seja ateu, ele pode ser maçom. Mas como uma sociedade que mistura tanto misticismo e que nesse sentido parece ir na contramão de um ideal como o positivismo que busca cada vez mais racionalismo podem se confraternizar dessa forma?

A literatura católica costuma enfatizar o eventual viés maçom do início da República no Brasil. A impressão que tenho é que isso se deve a pelo menos duas ordens de motivos: (1) o catolicismo é contra a maçonaria (tendo sido essa sociedade secreta condenada pela bula Quanta Cura); atribuir um caráter maçom aos republicanos – que, afinal de contas, acabaram com a religião de Estado e combateram os privilégios católicos no Brasil – é uma forma de os católicos “demonstrarem” uma espécie de vileza da República. (2) Na França, efetivamente, as lojas maçônicas foram importantíssimas para o estabelecimento da República – bem entendido, da III República, em 1870, tendo também apoiado as medidas laicizantes da década de 1880 e, depois, a lei da separação entre igreja e Estado de 1905. Como os positivistas foram importantes lá e como muitos positivistas franceses eram efetivamente maçons, faz-se uma associação para o caso brasileiro. Mas importa notar que, na França, não eram apenas os positivistas que eram maçons: eram-no também católicos, livre-pensadores, socialistas e protestantes.
Não sou eu quem vai discutir a doutrina maçônica, especialmente com um maçom. Todavia, o que eu já ouvi de alguns maçons é que não se trata de rejeitar o ateísmo, mas de aceitar um “poder superior”: nesse caso, há espaço para interpretações. As concepções positivistas de “Humanidade” (que é o nosso Grão Ser) e de “leis naturais” constituem, sem dúvida alguma, uma forma de poder superior, mas sem o caráter absoluto e místico das teologias e/ou das metafísicas. Na França de meados do século XIX havia uma famosa loja maçônica chamada “Filosofia Positiva” e os positivistas (heterodoxos, é verdade) Émile Littré e Jules Ferry foram membros dela. Aliás, tornou-se famoso o discurso de ingresso de Jules Ferry na maçonaria, em que ele fez profissão de fé no Positivismo e no republicanismo[1].

Getúlio Vargas e JK eram positivistas em suas formas de governo? Vi vários textos na internet afirmando isso.

No que se refere a Getúlio Vargas, essa é uma afirmação bastante comum. Isso é um problema grande, que apresenta um elemento ainda maior de interpretação subjetiva. Evidentemente, Getúlio Vargas nasceu, cresceu e fez carreira em um ambiente marcadamente positivista, como era o Rio Grande do Sul da I República, com a constituição estadual de 14 de Julho, elaborada por Júlio de Castilhos. Nesse ambiente ele seguramente absorveu elementos positivistas, como a proteção social ao trabalho e aos trabalhadores, o apoio do Estado ao desenvolvimento econômico e até um certo nacionalismo. Todavia, nem o corporativismo nem o autoritarismo são positivistas; o corporativismo foi influência da legislação fascista italiana, assim como o autoritarismo. Aliás, convém notar que não existiu “um” governo Vargas, mas diversos: 1930-1932; 1932-1934; 1934-1937; 1937-1945 – e, depois, 1951-1954. Quando se fala em “influência positivista sobre Getúlio Vargas”, costuma-se considerar que a Era Vargas (1930-1945) foi um período inteiriço e marcado pelo autoritarismo, o que é errado e dificulta a análise.
A Constituição de 1891 sofreu grande influência do Positivismo. Entretanto, a década de 1920 assistiu a crises políticas e sociais constantes, em que o arranjo jurídico-político de 1891 foi posto em questão. De modo mais específico, as críticas eram contra as oligarquias, mas também contra o liberalismo da I República: nisso, havia concordância entre tenentes, comunistas e fascistas. Ora, por diferentes caminhos, foram esses os grupos que apoiaram Getúlio Vargas entre 1930 e 1945. Basta pensar que o Estado Novo foi instaurado por militares fascistas (Góes Monteiro, por exemplo) com o apoio de notórios autoritários (Francisco Campos, por exemplo): todos eles eram também declarados inimigos do Positivismo.
No caso de JK, isso é novidade para mim. É claro que o caráter “positivista” de seu governo depende da pessoa que afirma esse caráter. Em todo caso, o bisavô da minha esposa era positivista e da Marinha e quase foi ministro de JK – mas, nesse caso, creio que era um apoio mais pessoal que “filosófico”. (Aliás, esse mesmo positivista referia-se a Góes Monteiro como “Gás Morteiro”, querendo com isso dar a entender que não gostava dele – e, nesse caso específico, havia também um forte elemento de rejeição do Positivismo da parte de Góes Monteiro, o que é bastante significativo.)

O positivismo ainda tem alguma influência em algum nível sobre os militares brasileiros, incluindo o regime militar que por aqui passou?

Não tem nenhuma influência atual, nem teve no regime militar. Atribuir o regime de 1964-1985 ao Positivismo é um recurso bastante comum e uma ligação bastante fácil: como os militares que proclamaram a República eram positivistas, eles iniciaram uma tradição golpista que se repetiu em 1930, 1945 e até 1964. O problema disso é que os militares positivistas eram contrários ao militarismo; além disso, já na década de 1920 diversos líderes militares – entre os quais se destacava Góes Monteiro – opunham-se politicamente ao Positivismo, bem como condenavam fortemente a influência do Positivismo sofre o Exército, que, a par dos ensinamentos de Benjamin Constant, de Miguel Lemos e de Teixeira Mendes, era a favor da civilização dos militares e da sociedade. Dessa forma, logo antes e ainda mais após a I Guerra Mundial, houve profundas reformas no Exército, cujo resultado prático foi eliminar delas a tradição positivista. Ora, tanto os patrocinadores dessas reformas quanto os militares resultantes delas foram os articuladores da tradição golpista e intervencionista dos militares nas décadas seguintes. Há um longo artigo do José Murilo de Carvalho, intitulado “As Forças Armadas na República: o poder desestabilizador” (ou alguma coisa assim) que não deixa dúvidas a respeito dessas questões.

Existe a possibilidade de surgir algum partido positivista no Brasil? Sempre tenho a impressão de que o positivismo tem algo ainda por acrescentar ao Brasil.

No que se refere a um partido político positivista, eu acho bastante difícil. Laicidade do Estado e republicanismo como projeto político, que são temas básicos do Positivismo, não encontram guarida efetiva em nenhum partido brasileiro e são poucos os grupos sociais que desejam defendê-los, mesmo apesar de haver partidos que se dizem “republicanos”. Outros aspectos do Positivismo político são incorporados de diferentes maneiras pelos partidos: presidencialismo, Estado ativo, incorporação do proletariado.
Mas é necessário notar que, de acordo com as propostas de Comte, a função primordial do Positivismo é constituir-se como pólo da opinião pública; nesse sentido, ele deve(ria) ser o que se chama atualmente de “movimento social”.
Quanto a contribuições para a política brasileira, se você olhar o meu blogue, há algumas reflexões nesse sentido, motivadas principalmente devido às manifestações dos últimos anos. Essas reflexões são um pouco gerais, mas, creio, evidenciam que o Positivismo tem, sim, o que oferecer para os debates públicos e, portanto, para a política nacional.

O movimento integralista sofreu alguma influência do positivismo (além dos movimentos fascistas europeus)? O que o positivismo diria sobre os integralistas de Plínio Salgado?

Bem, isso é bastante simples e direto de responder: não, não sofreu. O Positivismo considera o fascismo um movimento retrógrado e reacionário, que é contrário às liberdades públicas, é clericalista e teológico, que prega a xenofobia e que adota a violência como instrumento básico da política. Em tudo e por tudo, é um movimento contrário às características da política moderna, conforme entendida por A. Comte: humanista, pacífica, fraterna, com vistas à forte cooperação internacional. Os comentários que fiz acima sobre Getúlio Vargas, creio, evidenciam o quanto o Positivismo afasta-se do integralismo em particular e do fascismo de modo geral. Um pequeno fato pode ilustrar também essa distância: o Hélgio Trindade, que é o autor do estudo mais importante sobre o integralismo, redigido ainda nos anos 1970, volta e meia vai a atividades culturais e políticas promovidas pela Igreja Positivista de Porto Alegre; ele mesmo não é positivista, mas, sem dúvida alguma, se ele recusasse o Positivismo ou, no caso, se considerasse o Positivismo alguma coisa próxima ao fascismo, com certeza não iria a tais eventos.
Agora, infelizmente, na história das idéias, intelectuais e grupos políticos apropriam-se de elementos de pensadores do jeito que bem entendem. Assim, na França, o líder do movimento de direita Action Française, Charles Maurras, afirmava que extraía de Comte alguns elementos de seu pensamento político para seu movimento de extrema direita; mais exatamente, a definição de ordem, a valorização dos sentimentos e da Idade Média. A Action Française foi antidreyfusista e era xenófoba e monarquista, o que, por si só, evidencia o quanto ela era distante do Positivismo. Mas as afirmações de Maurras acabaram infelizmente vinculando Comte a essa direita.
Por outro lado, felizmente, ao mesmo tempo – embora seja bem menos conhecido -, outros intelectuais de esquerda e/ou dreyfusistas baseavam-se em Comte: o exemplo mais notório e importante é Alain (seu nome era Émile-Auguste Chartier, mas era conhecido apenas pelo pseudônimo “Alain”). Da mesma forma, a III República francesa – que sofreu a oposição de Maurras e da Action Française – foi obra de políticos fortemente inspirados pelo Positivismo ou claramente positivistas, como nos casos de Jules Ferry, Émile Littré e Léon Gambetta.

O que o senhor (ou o positivismo) diria, se o pudesse fazer, a todos os brasileiros nesse momento conturbado de nossa história? Seria algo como: “Não se deixe levar pelas paixões” ou “Administre bem suas paixões”? Ou algo diferente, e o que seria?

É uma boa questão. Ou melhor, é uma excelente questão. Parece-me que vivemos em um período que combina crise institucional com crise de valores (ou seja, de “cultura política”); ambos os problemas estão estreitamente relacionados, embora tenham, cada qual, sua dinâmica própria.
O mais profundo é a crise de valores, que acaba refletindo-se na crise institucional. Sente-se que há uma desvinculação entre a sociedade e os governantes (em que se deve incluir aqui não apenas o poder Executivo, mas também o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público). Para além do problema de “representação” – em que, supostamente, a sociedade não se vê “representada” nos governantes –, há uma desmoralização geral com a atividade política.
Não me parece correto dizer que a “representação” é tão falha quanto dizem: a quantidade de grupos mobilizados na sociedade civil brasileira é enorme e esses grupos elegem os seus representantes. Há “bancadas” legislativas para tudo: teológicos, mulheres, homossexuais, professores, servidores públicos, grandes empresários, produtores rurais etc. Esses deputados cobram do Executivo políticas específicas; da mesma forma, inúmeras políticas públicas são definidas a partir de parâmetros específicos elaborados em comitês, comissões, pareceres etc.
A sensação de distanciamento entre a sociedade civil e o Estado, assim, deve-se à sensação generalizada de que o Estado está a serviço não da coletividade, mas de particularismos – sem dúvida alguma a começar pelos particularismos dos agentes do próprio Estado (juízes, promotores, parlamentares), mas também os particularismos dos grupos sociais organizados (ruralistas, evangélicos, católicos, homossexuais, feministas etc.).
Nesses termos, há uma pujança da sociedade civil, que não se vê refletida no Estado; mas, por outro lado, a própria sociedade civil adota valores contrários ao espírito público. “Espírito público”: essa expressão lembra “república” – e, daí, lembra “deveres”. Em última análise, a pujança social – não apenas no Brasil, mas no Ocidente como um todo e, a partir daí, para o resto do mundo – baseia-se na concepção de “direitos”, ou seja, de prerrogativas específicas e particularistas, que são cobradas em favor de indivíduos ou grupos sobre o resto da sociedade. Falta espírito público, falta a concepção de “deveres”, isto é, de responsabilidades compartilhadas, de responsabilidades de cada indivíduo e de cada grupo em benefício dos demais.
Há alguns anos eu li um artigo de introdução às políticas públicas, redigido em uma universidade pública federal; a definição básica das políticas públicas era justamente esta: “ampliação e cobrança dos direitos”. Assim, para concluir a resposta à questão: se fosse para eu aconselhar os brasileiros, eu diria isto: “preocupem-se menos com os seus direitos, que representam particularismos, e cumpram e cobrem os deveres, compartilhados e relativos ao conjunto da sociedade”.
Além disso, de modo mais prático, é importante refrear as paixões, adotar o espírito positivo (real, útil, relativo, histórico, simpático) e rejeitar completamente os meios violentos (brigas, confrontos, golpes etc.).

Ainda falta “Amor” na bandeira do Brasil, ou precisamos antes cuidar do que está lá?

Não é que falte o “Amor” na bandeira nacional brasileira: o “Ordem e Progresso” corresponde a uma fórmula política por si só, ao afirmar a necessidade de constituir uma política que una de maneira radical a ordem e o progresso, sem antagonizar essas duas aspirações. Aliás, essa fórmula deveria ser implantada em todas as bandeiras do mundo, a começar pelas ocidentais.
O “Amor” deve ser inserido na frase completa – “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim” – quando o conjunto da sociedade (brasileira, no caso) tornar-se positivo e positivista.
No início de 2013 publiquei um pequeno artigo na Gazeta do Povo, em que comento a suposta ausência do “Amor” em nossa bandeira nacional; reproduzo-o abaixo.
Ordem e progresso – e o amor?[2]
Recentemente, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) manifestou apoio à proposta do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) de incluir a palavra “amor” na frase “Ordem e progresso”, da bandeira nacional. Essa proposta é simpática, ao afirmar a importância do “amor”, mas apresenta vários equívocos.
As justificativas para a mudança, em poucas palavras, são as seguintes: o “amor” integra a frase do filósofo positivista francês Augusto Comte (1798-1857) “o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim”; entretanto, o autor do símbolo, Raimundo Teixeira Mendes, teria simplesmente deixado de lado o “amor”. Com isso, para Alencar as propostas de Comte teriam sido deformadas. Já Suplicy afirma que a influência do militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães teria sido a responsável por essa ausência e que, no século 21, um “novo paradigma” se impõe, valorizando a solidariedade e combatendo-se as violências.
Mas nem Benjamin Constant nem Teixeira Mendes tiraram nenhuma palavra da frase original; ambos seguiram a sugestão de Comte. A frase completa sintetiza uma densa filosofia moral, política, histórica e religiosa; já “Ordem e progresso” é um programa político, com dois ideais mais ou menos compartilhados por todos os cidadãos.
O senso comum opõe a ordem ao progresso, mas Comte propunha a união e a superação dos dois termos, considerando que “a ordem é a base do progresso” e o “progresso é o desenvolvimento da ordem”: as condições sociais básicas de educação, moradia, respeito, inclusão etc. (“ordem”) devem ser satisfeitas para que a sociedade avance (“progresso”). Mais: o progresso deve ser entendido em vários sentidos: material, físico, intelectual – e sobretudo moral e afetivo, como o desenvolvimento do altruísmo, da fraternidade, do respeito, da paz universal.
O amor, para Comte, era pressuposto da ordem e resultado do progresso; mas, enquanto “ordem” e “progresso” opõem-se e disputam a primazia em detrimento um do outro, não há nem ordem nem progresso – que se dirá amor.
Essas ideias foram defendidas no século 19, como projeto político para o Brasil. Tinham validade em 1889 (na Proclamação da República) e têm agora, em 2013. Quais as propostas que Benjamin Constant e Teixeira Mendes defendiam? A paz universal, o respeito aos trabalhadores, a dignidade do trabalho, a laicidade do Estado, as liberdades individuais e coletivas. Tais ideias foram promovidas com grande intensidade entre 1881 e 1927 (quando Teixeira Mendes morreu); mas de 1930 em diante Getúlio Vargas rejeitou-as todas, com sua tirania civil apoiada pela Igreja Católica.
Assim, “Ordem e progresso” não é uma deturpação da proposta de Comte, nem foi desvirtuada por obra de militares. As ideias subjacentes a ela não são um “novo paradigma” a ser criado, mas um “paradigma antigo” a ser resgatado. A despeito dos desvios autoritários e/ou revolucionários que o Brasil viveu no século 20, oscilando entre “ordem” e “progresso”, parece que neste início do século 21 volta-se às propostas de Comte, honrando-se, mesmo que sem o saber e cometendo-se equívocos, as memórias de Benjamin Constant e Teixeira Mendes.

Qual seria o maior desafio de um primeiro-ministro positivista se eleito para um eventual, mesmo que remoto, retorno da monarquia?

Decretar a república presidencialista, com conteúdo social.

III – Sobre pseudociência


A ignorância aparentemente injustificada, que abraça a pseudociência (tanto na internet quanto nas universidades), seria um comportamento instintivo das massas (que assim como as mulheres), estimularia o surgimento de respostas mais coerentes?

A despeito dos discursos pós-modernos, que elogiam o ultra-relativismo, o fragmentário e as incoerências, o fato é que o ser humano busca, sim, concepções (1) gerais e (2) coerentes da realidade; nesse sentido, as pessoas buscam concepções sintéticas. A difusão das pseudociências revela ao mesmo tempo o prestígio que a ciência possui e a busca dessas concepções sintéticas; mas, por outro lado, os cientistas não fazem muita questão de estimularem concepções sintéticas, nem de fazerem divulgação científica de verdade. Também é necessário ver que, desde fins do século XIX, as concepções científicas tornaram-se cada vez mais exotéricas, de difícil compreensão pelos vulgos. Ao mesmo tempo, muitas concepções científicas têm suas próprias exigências intelectuais, ou seja, exigem um preparo teórico e filosófico que não é simples: basta ver as milhares de concepções “quânticas”, que são uma forma disfarçada (ou até escancarada) de misticismo.
Em suma: as pseudociências em si indicam um traço da natureza humana que exige satisfação; tal satisfação tem que ser fornecida pelo espírito positivo (altruísta, relativo, histórico, sintético) em um processo pedagógico contínuo. (Perceba que a educação, para o Positivismo, não é somente a instrução intelectual: a educação é a cultura moral, prática e intelectual, no sentido do altruísmo, do relativismo, do espírito positivo.)

Vemos nas redes sociais coisas como:
Defesa cega de teorias anticientíficas (Terra plana, ETs que nos deram a tecnologia do micro-chip e construiram as pirâmides), ou o desejo de uma terceira guerra mundial (onde inclusive já se escolhe de forma entusiasmada os atores do conflito por quem irão torcer). E mais recentemente, cresce um desejo do que parece já ser o plano de base para algo “novo” que deva substituir o velho sistema (atual) republicano: o retorno da monarquia.
Sabemos que a humanidade esqueceu mais de uma vez que a Terra é redonda, ou deixou-se perder grandes períodos de progresso (muitas vezes por superstições primitivas demais para seu estágios de evolução, ou decisões injustificadas como a queima da frota chinesa que desbravava o mundo a muitos séculos). Ainda hoje não se sabe como Filippo Brunelleschi construiu seu Duomo da cúpula de uma igreja em Florença, e isso foi apenas em 1290 d.C (mas ninguém ainda teve coragem de atribuir a ETs. Quem sabe Illuminati e coisa do tipo um dia...), mas ETs projetaram as pirâmides de uma sociedade que acabou. Sempre o cinema se diverte destruindo cidades e tudo o mais que a civilização produziu de mais moderno, e nos sentimos bem com isso. Igrejas lotam em épocas de milenarismos, etc. Jovens que não encontram nada mais empolgante ou desafiador se aventuram no Estado Islâmico buscando atividades de homens, e uma valorização que a sociedade não lhe de (temos aí um componente bem biológico de demonstração de vigor reprodutivo).
O socialismo falhou várias vezes por não permitir o surgimento de ideias mais individuais, sufocou a criatividade em nome do controle do Estado, enquanto o positivismo vê o mérito e é cauteloso quando se trata de mexer na ordem social, defendendo, porém, sempre o direito à educação e qualificação de todos (fornecendo assim potencial para o surgimento da evolução por mérito individual). Ainda assim nunca conheci um jovem empolgado com o positivismo.

Como o positivismo veria esse desejo instintivo de que algo oculto nos controla, e que algo ou alguma “verdade” está lá fora? Ou mesmo que algo que conhecemos bem (como o Estado) nos controle?

Essas teorias que atribuem o desenvolvimento da humanidade a extraterrestres, a civilizações subterrâneas etc. revelam ao mesmo tempo ignorância e a mistura de tendência mística com uma certa forma de egoísmo intelectual, de orgulho e vaidade: o pertencimento a grupos exclusivos, que detêm “a” “Verdade” é sempre motivo de profunda vaidade e uma sensação disfarçada de poder (ou potência). Também há ignorância nisso – e, mais uma vez, orgulho: é mais fácil acreditar nas teorias da conspiração que entender a dinâmica social (que, por si só, é extremamente e cada vez mais complexa). Solução para isso? Mais uma vez: espírito positivo e educação durante toda a vida.
No que se refere à mudança da ordem social, à “timidez” positivista etc., isso é outro mito político-acadêmico. É muito bom que os marxistas e os “revolucionários” de diferentes tons difundam esse gênero de idéia; assim, eles reservam para si todo o progressivismo. No final das contas, é uma forma de desinformação, praticada desde o século XIX por Marx e do século XX por Lênin (e seus continuadores) contra todos os seus inimigos. Em vez de argumentar com os outros e disputar idéias e valores no mesmo âmbito, o mais fácil é desqualificar o adversário – aliás, antes disso, deve-se transformar o adversário em inimigo.
O Positivismo não é tímido quanto a mudanças sociais; mas, por outro lado, é contra as “revoluções”, ou o mito marxista da revoluções, seja porque elas implicam violência, seja porque mudanças profundas não são nunca mudanças rápidas, seja porque a sociedade não é plástica no grau e no sentido pretendido pelos marxistas. Infelizmente, o mito da revolução associou-se tanto à idéia de “progresso”, ao longo do século XX, e opôs-se tanto e com tanto sucesso à idéia de “ordem”, que é virtualmente impossível hoje em dia falar em “progresso” sem se pensar no marxismo e em revolução. Todos saímos perdendo com isso.
No que se refere aos méritos individuais, isso enseja toda uma outra reflexão. As sociedades modernas não são sociedades de castas; logo, o lugar de cada um na sociedade não é dado pelo nascimento: esse é um dos motivos por que as monarquias são relíquias que devem ser extintas. Se não há mais castas, como organizar as atividades sociais? Por meio da seleção de capacidades individuais – o que, em termos contemporâneos, corresponde à meritocracia. Repito: em termos históricos, a alternativa à meritocracia é a definição de atribuições e oportunidades pelo berço, sejam quais forem os nomes e os parâmetros que se dê ao berço (“sangue”, “raça”, casta, ordem social etc.).
Evidentemente, o “mérito” individual varia segundo uma infinidade de fatores: país, família, classe social etc. Augusto Comte era o primeiro a reconhecer esses fatores e a lamentá-los, tendo clareza de que com freqüência esses fatores não conduzem os melhores talentos aos cargos que ocupam. Isso gera problemas da gestão dos recursos coletivos (pois muitas vezes os cargos – públicos ou privados – são ocupados por indivíduos incapazes) e também problemas individuais (pois as pessoas capazes veem-se preteridas). Não há solução simples para isso; o que se deve fazer é qualificar os servidores e manter um sistema permanente de seleção e valorização dos servidores (públicos e privados; “civis” e “políticos”); ao mesmo tempo, é necessário que também se respeite os ocupantes dos órgãos (afinal, um ocupante pode ser medíocre e as reclamações contra ele podem ser justas; mas o ocupante também pode – e deve ser – competente, correto etc. e, nesse caso, as reclamações servem apenas para incomodar).

O que o positivismo diria a um professor com doutorado em alguma grande universidade do Brasil, que divulga a ideia pseudocientífica da Terra plana?

Ter diploma universitário, doutorado e ser professor não são garantias nem de conhecimento nem de integridade intelectual. Além disso, convém notar que alguém pode ter diploma em, digamos, Direito e arrogar-se a capacidade de discutir, digamos, Física Quântica, propondo, por exemplo, coisas como “Direito Quântico”. (Evidentemente, esse exemplo não é gratuito.)
Da mesma forma, há áreas universitárias menos especializadas que outras, há áreas que fornecem um treinamento intelectual mais cuidadoso que outras e assim por diante. Finalmente, convém notar que não são raros os casos em que as pessoas passam pelos bancos universitários, mesmo de cursos que exigem raciocínios técnicos rigorosos, mas que não tiram as consequências filosóficas dos conhecimentos hauridos, preferindo entendê-los mais como meras técnicas que como descrições da realidade. Assim, há pessoas que acreditam piamente nas intervenções divinas, mesmo tendo estudado metodologia científica e filosofia das ciências: isso é mais comum nas Ciências Humanas, nas Artes e nas “Ciências Sociais aplicadas” (Direito, Administração, Contabilidade), mas também se vê nas Ciências Naturais.
Por outro lado, é necessário notar que o Brasil é um país laico e que, aos trancos e barrancos, não temos doutrina oficial de Estado (ou não deveríamos ter). Nesses termos, cada um pode acreditar no que quiser.
Dito isso, professores doutores universitários que acreditam na Terra plana são uma combinação de problemas, pois misturam ignorância, teorias da conspiração (“a alunissagem em 1969 foi uma filmagem da CIA”), falsa criticidade e apego a teologias. No caso do apego às teologias, é notável que a Terra plana seja defendida, neste início de 2017, tanto por alguns católicos (seguidores do astrólogo Olavo de Carvalho) quanto pelos muçulmanos fundamentalistas da Arábia Saudita: é uma criticidade tola e dirigida contra a ciência moderna, que desde o século XV e cada vez mais ganha terreno sobre a teologia. (No caso saudita, ou melhor, muçulmano, há também o elemento de “crítica ‘decolonial’” ou “pós-colonial” ou antiocidentalista – mesmo que os muçulmanos, até mais ou menos o século X da nossa era, também tenham contribuído poderosamente para a ciência.)

E o que o Positivismo diria aos espectadores desses divulgadores?

Se fosse possível aconselhar algo, com um espírito de concórdia, eu diria o seguinte: “Abandonem o radicalismo político e o absolutismo filosófico; entendam a realidade cósmica da Terra em termos de sua situação universal e não em termos das disputas políticas em que uma determinada cosmologia possa ser empregada contra outras ‘cosmologias políticas’. Da mesma forma, adotem o relativismo filosófico próprio ao humanismo, em que o bem-estar de todos é o objetivo coletivo, buscando a ordem e o progresso, tendo por base o amor”.
Mas também deveria dizer aos cientistas e aos professores universitários: “Façam divulgação científica de boa qualidade, abandonando as várias metafísicas pseudo e para-científicas (no caso das Ciências Humanas, com os pós-modernismos e as “revoluções comunistas”) e os linguajares abstrusos; façam uma divulgação científica com caráter filosófico e de instrução popular. Mais importante que difundir as teorias científicas (e elas são importantes, não há dúvida), é disseminar os traços do espírito positivo, como definido por Augusto Comte: realidade, utilidade, relativismo, historicidade, organicidade, simpatia”.




[1] Esclarecimento feito pelo correligionário gaúcho Érlon Jacques: “no rito “francês” ou “moderno” basta o indivíduo aceitar um “princípio criador”, como o big bang por exemplo. Não necessita a crença em um “deus”. O rito francês sofreu grande influência do Positivismo de Augusto Comte”.
[2] Publicado na Gazeta do Povo (Curitiba), em 15.1.2013. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/ordem-e-progresso--e-o-amor-66ux6i0vfzzt3sywxws6bjkob. Acesso em: 19.9.2017.

17 julho 2017

Revista Perspectivas: "Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos"

A revista Perspectivas, da área de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Araraquara, publicou um artigo de minha autoria, intitulado "Laicidade na I República brasileira: os positivistas ortodoxos".

O texto pode ser lido aquiReproduzo abaixo o resumo e as palavras-chaves do texto.

RESUMO: O presente artigo propõe-se a apresentar e analisar algumas das principais ideias defendidas, em diferentes momentos, pelos positivistas ortodoxos brasileiros, isto é, pelos integrantes da Igreja e Apostolado Positivista do Brasil (IPB). Tais ideias podem ser encontradas em publicações de 1887, 1906 e 1913, de autoria de Raimundo Teixeira Mendes, as quais têm como tema central o que, à época, era denominado de “separação entre os dois poderes” (o Temporal e o Espiritual). Hodiernamente, esse tema pode ser abordado, embora de forma pouco precisa, como “laicidade do Estado”. Além de discorrer sobre alguns aspectos do estilo das publicações da IPB, o artigo trata de forma analítica os argumentos sobre a secularização dos cemitérios; a “sinceridade governamental” e o Decreto n. 119-A/1890 – presentes, respectivamente, nas publicações 049, 230 e 343 – e conclui que a “separação dos dois poderes” pode ser uma fórmula abrangente que abarca não apenas a laicidade do Estado como também outros projetos sócio-políticos.
PALAVRAS-CHAVE: Positivismo. Positivistas ortodoxos. Raimundo Teixeira Mendes. I República. Laicidade.

Esse artigo é uma versão resumida do livro de mesmo nome, publicado em 2016 pela editora Appris (e que pode ser comprado aqui).

13 junho 2017

Guia do Estudante: "Entenda o Estado laico"

O Guia do Estudante, tradicional publicação da editora Abril, publicou em sua versão eletrônica um pequeno texto sobre o Estado laico. Como ele dirige-se aos estudantes secundaristas e primários, é um texto básico; ainda assim, é bastante didático e informativo; acima de tudo, não apresenta problemas conceituais.

O original pode ser lido aqui.

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Entenda o que é o Estado laico

Veja o que significa o Estado ser laico, as origens históricas do laicismo e como o Brasil se apresenta dentro deste contexto

politize
No mundo inteiro, o ideal do Estado laico gera polêmicas. Nos últimos anos, foram registrados diversos casos em que a liberdade religiosa se chocou com a ideia de laicismo, gerando protestos. Ocorreu na França, com a proibição do uso do véu, na Alemanha, com a proibição de freiras de usarem hábito em escolas e repartições públicas e também aqui no Brasil, onde foi discutida a questão da presença de crucifixos em repartições públicas, entre outros assuntos.
Afinal, o que significa um Estado ser laico? Vamos apresentar esse significado, as origens históricas do laicismo e como o Brasil se apresenta dentro deste contexto.
Pleno do STF com símbolo religioso à direita. (STF/Divulgação)

Conceito

Um Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião.
O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença.

História do Estado laico

laicismo é uma doutrina que defende que a religião não deve ter influência nos assuntos de Estado. Essa ideia foi responsável pela separação moderna entre a Igreja e o Estado e ganhou força com a Revolução Francesa (1789-1799). Portanto, podemos dizer que o Estado laico nasce com a Revolução Francesa e que a França é a mãe do laicismo.
Nos anos que se seguiram à revolução, o Estado francês tomou medidas em direção ao laicismo propriamente dito.
  • 1790: todos os bens da Igreja foram nacionalizados;
  • 1801: a Igreja passou para a tutela do Estado;
  • 1882: o governo determina que o sistema de ensino público deve ser laico;
  • 1905: a França se tornou um Estado Laico, separando definitivamente Estado e Igreja e garantindo a liberdade filosófica e religiosa;
  • 2004: entra em vigor uma lei que proíbe vestes e símbolos religiosos em quaisquer estabelecimentos de ensino.

Posições do Estado em relação à religião

Apesar de a laicidade ser adotada em diversos países mundo afora (alguns exemplos são Estados Unidos, Japão, Canadá, Áustria e África do Sul), ainda existem outras formas de relação entre Estado e religião. Abaixo, relacionamos algumas delas:
Estado confessional
O Estado confessional é aquele que adota oficialmente uma ou mais religiões. Existe influência religiosa nas decisões do Estado, mas o poder secular predomina. São exemplos de Estados confessionais:
  • Reino Unido: a Inglaterra, maior nação do país, adota o cristianismo anglicano como religião oficial. Bispos anglicanos têm direito a 26 vagas na Câmara dos Lordes (equivalente ao nosso Senado). Na prática, é o primeiro-ministro e a Câmara dos Comuns que concentram o poder político;
  • Dinamarca: o Estado dinamarquês adota o cristianismo luterano como sua religião. Na prática, há ampla liberdade religiosa no país, onde vivem muitos imigrantes muçulmanos;
  • Butão: a constituição do país estabelece o budismo tibetano como religião oficial. Essa nação asiática garante liberdade religiosa, mas tem colocado limites a práticas de outras religiões (como atividades missionárias e construção de templos);
  • Arábia Saudita (islamismo): adota oficialmente o Islã e proíbe a prática de qualquer outra religião. Todos os cidadãos sauditas devem professar a fé islâmica, sob pena de serem executados pelo crime de apostasia.
Estado teocrático
Nas teocracias, as decisões políticas e jurídicas passam pelas regras da religião oficial adotada. Em países teocráticos, a religião pode exercer o poder político de forma direta, quando membros do próprio clero têm cargos públicos, ou de forma indireta, quando as decisões dos governantes e juízes (não religiosos) são controladas pelo clero.
Exemplos de Estados teocráticos são: o Irã, que adota o islamismo como religião oficial e possui um aiatolá como chefe de Estado; e o Vaticano, o país-sede da Igreja Católica, cujo chefe de Estado é o próprio papa.
Estado ateu
Um Estado ateu é caracterizado pela proibição ou perseguição a práticas religiosas. O Estado não apenas se separa da religião, mas a combate. Exemplos de ateísmo de Estado podem ser encontrados em experiências socialistas ou comunistas do século XX: União Soviética (URSS), Cuba, China, Coreia do Norte, Camboja, entre outros.
Hoje em dia, parte desses países adota a liberdade religiosa e o secularismo: a Rússia é um país laico; a China garante a liberdade de crença, apesar de permitir apenas um conjunto de religiões registradas; e a Coreia do Norte também permite oficialmente a liberdade religiosa, apesar de que cerca de 64% da população norte-coreana não professa nenhuma religião, segundo David Alton.

E o Brasil?

O Brasil é o maior país católico do mundo, com uma estimativa de 127 milhões de fiéis, o que equivale a 65% da população do país e aproximadamente 12% dos católicos no mundo (dados de 2013 do IBGE). Mesmo com maioria católica, o país é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina nenhuma religião.
Apesar de citar Deus no preâmbulo, Constituição Federal afirma no artigo 19, inciso I:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” 
Esse trecho de nossa Constituição determina, portanto, que o Estado brasileiro não pode se manifestar religiosamente. Também vale notar que o artigo 5º, inciso VI também diz:
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” 
Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada está completamente mantida, desde que devidamente separada do Estado.
Em 2012, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello fez afirmações nesse sentido em sua decisão sobre o aborto de anencéfalos. Ele afirmou que “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais.” Também sustentou que: “as concepções morais religiosas — unânimes, majoritárias ou minoritárias — não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas.”
Polêmica: o caso dos crucifixos em repartições públicas
Uma das principais polêmicas em relação à laicidade do Estado brasileiro é o uso de símbolos religiosos, como crucifixos, em repartições públicas. De acordo com críticos, essa prática fere os princípios do Estado laico porque, uma vez que instituições públicas ostentam símbolos de uma religião, estariam privilegiando-a em detrimento das demais crenças (ou descrenças). 
A controvérsia já motivou decisões como a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que determinou a retirada de crucifixos de todos os prédios da Justiça gaúcha, em 2012. Mas a decisão foi revertida mais tarde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que entendeu que a colocação dos crucifixos “não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião”.
Outros pontos em que a laicidade não estaria sendo respeitada são a frase “Deus seja louvado”, imprimida no canto das notas da moeda oficial do país, o real, e a expressão “sob proteção de Deus” inserida no preâmbulo da Constituição Federal.
A bancada evangélica
Além da presença de referências religiosas em instituições estatais, existe preocupação em relação ao crescimento do grupo de deputados federais e senadores evangélicos. A bancada evangélica se opõe a pautas como descriminalização do aborto, da eutanásia e leis contra a discriminação contra homossexuais e transexuais, enquanto defendem projetos como o Estatuto da Família, que reconhece como único núcleo familiar a união entre um homem e uma mulher, e a redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos.
O número de evangélicos apenas cresce no país e isso se refletiu na composição do Congresso. De acordo com dados da Câmara, a bancada evangélica teria cerca de 200 integrantes (198 deputados, incluindo alguns que não estão no exercício do mandato, e 4 senadores).
A presença de um amplo grupo identificado com correntes religiosas específicas é vista como um desafio para a laicidade do Estado, uma vez que muitas das pautas citadas possuem relação com as convicções religiosas dos parlamentares (a ideia de família apenas como união entre homem e mulher, por exemplo).
A bancada também não é unanimidade entre os próprios evangélicos. Teólogos ouvidos no 10º seminário LGBT na Câmara entendem que o grupo é fundamentalista, porque busca impor suas convicções morais a toda a sociedade, além de fazer proselitismo religioso (ou seja, promover esforços para converter pessoas para sua religião).

Conclusão

Como você pode perceber, a laicidade é um tema que gera muitas controvérsias, pois implica a manutenção de um equilíbrio tênue entre liberdade de crença e imparcialidade do Estado em relação à religião. Esse equilíbrio é delicado, mas tem como benefício esperado um Estado que respeita a diversidade de crença existente dentro da população. E você, como enxerga a questão da laicidade? Deixe sua opinião!
Referências: UOL – Câmara

12 junho 2017

"Teoria do Brasil" dos positivistas: composição étnica e unidade nacional

A revista Política & Sociedade - da Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - acabou de publicar, em seu número mais recente (v. 16, n. 35, jan.-abr.2017) um artigo de minha autoria, intitulado "A “Teoria do Brasil” dos Positivistas Ortodoxos Brasileiros: composição étnica e independência nacional".

O texto pode ser obtido aqui.

Eis o resumo e as palavras-chave do artigo:

Resumo: Podemos definir como “teoria do Brasil” o conjunto de concepções que um autor ou um grupo político-intelectual possui a respeito da história e da estrutura da sociedade e do Estado brasileiros, bem como de suas relações mútuas; essas concepções costumam ser incluídas no “pensamento político e social brasileiro”. Nesse sentido, os positivistas ortodoxos brasileiros – ou seja, aqueles ligados à Igreja Positivista do Brasil, especialmente Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes – tinham a sua “teoria do Brasil”. Embora haja estudos sobre alguns aspectos do pensamento e da prática dos positivistas (como a respeito da escravidão), há uma importante lacuna na literatura a respeito da sua “teoria do Brasil”. Dessa forma, o presente artigo pretende abordar precisamente essa questão, tratando de modo específico (1) da formação étnica brasileira e (2) das condições sociais e políticas brasileiras que conduziram à Independência nacional, em 1822; para isso, serão analisados alguns documentos escritos por Teixeira Mendes. Preliminarmente serão expostos alguns elementos da doutrina positivista, conforme definida por Augusto Comte; já nas conclusões são expostas algumas considerações sobre a importância política e intelectual dos positivistas no Brasil e na área acadêmica do “pensamento político brasileiro”.

Palavras-chave: Positivistas ortodoxos. Teoria do Brasil. Evolução sócio-política. Formação étnica. Independência do Brasil. Raimundo Teixeira Mendes. 

Luís Antônio Cunha: Laicidade do Império à I República

Luís Antônio Cunha, fundador e pesquisador do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), publicou recentemente o livro A educação brasileira na primeira onda laica: do Império à República. O livro está disponível em versão eletrônica gratuita aqui.

Com mais de 530 páginas, é uma obra de fôlego, essencial para quem quer entender a laicidade, a história da laicidade e mesmo partes importantes da história do Brasil.